HEMANGIOMAS

Definição e importância do problema

Os hemangiomas são tumores benignos do endotélio vascular resultantes de um processo de vasculogénese, no qual os precursores das células endoteliais dão origem a novos vasos.

Por motivos de ordem estética, tal patologia tem certo impacte psicossocial na criança e famílias, implicando por parte do clínico e/ ou profissional de saúde esclarecimento sobre a história natural da mesma.

Aspectos epidemiológicos

Os hemangiomas infantis são os tumores vasculares mais frequentes na criança, com uma incidência de 2,6 a 4,5% nos lactentes. Os factores de risco associados ao desenvolvimento de hemangiomas são a prematuridade, raça caucasiana, sexo feminino (1,4-3:1) e baixo peso de nascimento. Alguns estudos identificaram outros factores tais como: idade materna avançada, pré-eclâmpsia, placenta prévia e gestações múltiplas.

Etiopatogénese

A etiopatogénese desta situação não está totalmente esclarecida. Têm sido propostas várias teorias para explicar as alterações no decurso da vasculogénese antes mencionada conduzindo ao desenvolvimento deste tipo de tumores: proliferação vascular induzida por hipóxia de tecidos, mutação somática das células endoteliais progenitoras possivelmente associada ao aumento da produção de mediadores que estimulam a proliferação daquelas, ou embolização de células placentárias.

História natural

Os hemangiomas infantis têm uma evolução típica que os distingue das malformações vasculares. Surgem nos primeiros dias a semanas de vida e podem ser precedidos nalguns casos por uma lesão macular ou telangiectasia. Apresentam uma fase de proliferação rápida (fase proliferativa) nos primeiros meses de vida, seguida de uma fase de estabilização (período temporário de equilíbrio entre a proliferação de células endoteliais e a sua apoptose) que pode durar até ao final do primeiro ano de vida. É pouco frequente ocorrer proliferação depois deste período.

Depois da fase proliferativa e da de estabilização, segue-se uma fase de regressão gradual espontânea, em que o componente vascular é substituído por um tecido fibroadiposo. Esta fase de regressão tem duração variável, podendo prolongar-se até aos 9 anos. Estima-se que em cerca de metade dos hemangiomas, a involução do hemangioma está associada a lesões cutâneas residuais, como telangiectasia, pele redundante, cicatrizes ou tecido fibroadiposo.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial destes tumores inclui: – as malformações vasculares (que estão presentes ao nascer e não proliferam nem regridem; – outros tumores vasculares (granuloma piogénico, hemangioendotelioma kaposiforme); e – os hemangiomas congénitos ( também presentes ao nascer e que podem ser “rapidamente involutivos”, ou não involutivos).

A expressão da isoforma 1 do transportador de glicose (GLUT1) é exclusiva dos hemangiomas infantis.

Classificação

Os hemangiomas podem ser superficiais, profundos ou mistos. (Figura 1)

A
B
C

FIGURA 1. A) hemangioma superficial; B) hemangioma profundo; C) hemangioma misto

A / B

FIGURA 2. A) hemangioma focal; B) hemangioma segmentar

Os hemangiomas superficiais são os mais comuns; apresentam uma coloração avermelhada, não se distinguindo componente subcutânea.

Os hemangiomas profundos podem estar associados a uma coloração azulada da pele (historicamente conhecidos como “cavernosos”).

Os hemangiomas superficiais crescem em média até aos 5 meses de vida, enquanto os profundos podem apresentar uma fase proliferativa até aos 12 a 14 meses de idade.

Com base na sua configuração anatómica, os hemangiomas podem ainda ser classificados em focais ou segmentares (Figura 2). Os hemangiomas focais são lesões bem circunscritas com relevo, enquanto os segmentares são lesões achatadas em placa com uma distribuição geográfica num segmento.

Manifestações clínicas

A cabeça e o pescoço são as regiões mais frequentemente envolvidas (60%), seguindo-se o tronco (25%) e as extremidades (15%). Na sua maioria, os hemangiomas são únicos, mas em 20% dos lactentes afectados as lesões são múltiplas. A presença de cinco ou mais hemangiomas pode estar associada a hemangiomas viscerais, nomeadamente hepáticos. Os hemangiomas cervicais ou mandibulares com distribuição “em barba” podem estar associados a uma lesão concomitante da via aérea, evidenciando frequentemente estridor.

Complicações

Apesar de na maioria dos casos os hemangiomas infantis serem tumores inócuos que regridem ao longo do tempo, alguns podem complicar-se devido às suas características ou localização,. As complicações, mais frequentes no sexo feminino, ocorrem em cerca de 10% dos casos, hemangiomas infantis. Numa perspectiva prática e didáctica, consideram-se quatro grupos:

  1. Ulceração (a complicação mais frequente) – ocorre principalmente nos hemangiomas de grandes dimensões, do períneo ou localizados nas superfícies mucosas, zonas intertriginosas ou zonas de fricção.
  2. Desfiguração permanente – ocorre principalmente nos hemangiomas de grandes dimensões, nos segmentares, pedunculados ou da face, principalmente do lábio, nariz e pavilhão auricular.
  3. Compromisso de função – hemangioma perioral, que pode comprometer a amamentação; hemangioma periorbitário que, dependendo da localização e dimensões, pode condicionar exoftalmia, ambliopia, astigmatismo, estrabismo ou obstrução do canal lacrimal.
  4. Risco de vida – hemangiomas da via aérea, condicionando obstrução; hemangiomas hepáticos múltiplos; ou hemangiomas de grandes dimensões (ditos na gíria médica “gigantes”) podem causar insuficiência cardíaca de alto débito.

Síndromas e associações

Nalguns doentes, os hemangiomas infantis podem surgir associados a anomalias congénitas. Um hemangioma grande e segmentar da face, couro cabeludo e/ou pescoço pode estar incluído na associação PHACE (malformações da fossa Posterior, Hemangioma, malformações Arteriais/Aórticas, Cardíacas, e do olho / Eye). Esta associação pode incluir ainda defeitos da rafe esternal ou supraumbilical.

Por outro lado, no caso de hemangioma da linha média lombo-sagrada ou do períneo, é importante excluir a síndroma PELVIS/SACRAL/LUMBAR – diferentes acrónimos usados para caracterizar a associação a defeitos estruturais dos genitais externos, urológicas, anorrectais e mielopatia (disrafismo, lipomielomeningocele).

Exames complementares

O diagnóstico de hemangioma infantil é essencialmente clínico, sendo os métodos de imagem reservados para casos de lesão profunda sem componente cutâneo associado e para estudo de co-morbilidades associadas. (Quadro 1)

QUADRO 1 – Hemangiomas infantis e exames complementares com indicações específicas

Hemangioma periorbitárioAvaliação oftalmológica para exclusão de alterações visuais, ponderar RM órbita
Hemangioma mandibular e sinais de dificuldade respiratória, nomeadamente estridorAvaliação por ORL para exclusão de hemangioma da via aérea
≥ 5 hemangiomasEcografia abdominal para exclusão de hemangioma hepático
Grande hemangioma segmentar da face ou couro cabeludoExcluir síndroma PHACE: RM e angio-RM da cabeça e pescoço, ecocardiograma, avaliação por oftalmologista
Hemangioma da linha média lombo-sagradaRM da coluna para exclusão de disrafismo espinhal

Tratamento

Uma vez que na sua maioria todos os hemangiomas regridem espontaneamente, a terapêutica, não habitualmente necessária, está reservada para os hemangiomas complicados ou com risco de complicação.

Existem várias modalidades terapêuticas:

a) Terapêutica sistémica

propranolol (beta-bloqueante não selectivo) é actualmente a primeira opção com bons resultados na indução da involução destes tumores. (Figura 3)

A
B
C
D

FIGURA 3. A) hemangioma segmentar antes de iniciar propranolol; B) com um mês de terapêutica; C) com três meses de terapêutica; D) com sete meses de terapêutica com propranolol

O exacto mecanismo de acção do propranolol é desconhecido, mas várias hipóteses têm sido admitidas: vasoconstrição; bloqueio de sinais proangiogénicos (vascular endothelial growth factor basic fibroblast growth factor); regulação do sistema renina-angiotensina; inibição da produção de óxido nítrico. O propranolol parece ter um maior efeito na fase de proliferação rápida, (primeiros seis meses de vida). São contra-indicações para terapêutica com beta-bloqueante: bradicárdia sinusal, bloqueio auriculoventricular de segundo ou terceiro grau, hipotensão, choque cardiogénico, hiperreactividade brônquica e hipersensibilidade ao propranolol. Recomenda-se a realização de ECG antes de iniciar propranolol, e de ECOcardiograma quando existe suspeita de doença cardíaca. A duração da terapêutica não é consensual. A recorrência após suspensão de propranolol tem sido descrita, sobretudo antes dos 12 meses de idade. Na experiência das autoras deverá ser mantido até aos 12 meses de idade nos hemangiomas superficiais, e até aos 18 meses quando existe um componente profundo importante.

Os corticosteróides sistémicos poderão ser usados em doentes que não responderam ao propranolol ou com contra-indicação para terapêutica com beta-bloqueante. Em comparação com o propranolol, os corticóides sistémicos têm menor eficácia, são menos bem tolerados e estão associados a mais efeitos adversos.

sirolímus (inibidor da mTOR – mammalian targert of rapamycin), com base em estudos ainda em curso e não permitindo conclusões definitivas, constitui uma nova “arma terapêutica” no âmbito dos hemangiomas complicados.

vincristina e o interferão alfa não são recomendados como terapêutica de primeira linha devido ao seu perfil de efeitos secundários.

b) Terapêutica tópica

timolol (um beta-bloqueante tópico) pode ser útil no tratamento dos hemangiomas infantis superficiais pequenos. Não é considerado terapêutica de primeira linha porque não estão estudados os efeitos adversos associados à absorção cutânea e porque não existe uma formulação tópica própria.

imiquimod também parece ter algum efeito nos hemangiomas superficiais.

N.B.-De salientar que a utilização de corticóides tópicos ou intralesionais já não é recomendada.

c) Outras terapias

Inclui a crioterapia e a terapêutica laser; está praticamente reservada para os casos em que se verificam lesões cicatriciais ou telangiectasias persistentes depois da regressão do hemangioma.

Conclusão

Os hemangiomas infantis são tumores vasculares benignos, comuns no lactente e com uma história natural típica, caracterizada por uma fase de crescimento rápido, seguida de uma fase de estabilização (plateau) e de regressão espontânea até aos 4-9 anos. A terapêutica com propranolol acelera o processo de involução, diminuindo o risco de complicações, especialmente se iniciado na fase de crescimento rápido. Na experiência das autoras este tratamento deve ser reservado aos casos complicados ou em risco para tal, beneficiando de:

  • diagnóstico atempado;
  • referenciação precoce pelos médicos assistentes (pediatra ou médico de família);
  • envolvimento duma equipa multidisciplinar incluindo, além da pediatria, dermatologia, imagiologia, oftalmologia, ORL, cardiologia pediátrica e cirurgia pediátrica.

É importante não desvalorizar o impacte psicossocial do hemangioma nas crianças e famílias, assegurá-los da sua benignidade e esclarecer a sua história natural.

BIBLIOGRAFIA

Bauland CG, Lüning TH, Smit JM, Zeebregts CJ, Sapuwen PH. Untreated hemangiomas: growth pattern and residual lesions. Plastic and Reconstructive Surgery 2011; 127: 1643-1648

Darrow Dh, Greene AK, Mancini AJ, Nopper AJ. Diagnosis and management of infantile hemangioma. Pediatrics 2015; 136: e1061-e1104

Drolet BA, Esterly NB, Frieden IJ. Hemangiomas in children. NEJM 1999; 341:173-181

Enjolras O, Gelbert F. Superficial hemangiomas: associations and management. Pediatr Dermatol 1997; 3: 173-179

Enjolras O, Mulliken JB. The current management of vascular birthmarks. Pediatr Dermatol 1993; 10: 311-313

Habif TP. Clinical Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2015

Haggstrom AN, Drolet BA, Baselga E, Chamlin SL, et al. Prospective study of infantile hemangiomas: demographic, prenatal and perinatal characteristics. J Pediatr 2007; 150: 291-294

Hoeger PH, Harper JI, Baselga E, Bonnet D, Boon LM, et al. Treatment of infantile haemangiomas: recommendations of a European expert group. Eur J Pediatr 2015; 174: 855-865

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Krowchuk DP, Frieden IJ, Anthony J. Mancini AJ, et al. Clinical practice guideline for the management of infantile hemangiomas. Pediatrics 2019; 143: e20183475; DOI: 10.1542/peds.2018-3475

Lahrichi A, Hali F, Baline K, et al. Effects of propranolol therapy in Moroccan children with infantile hemangioma. Arch Pédiatr 2018; 25: 449-451

Léauté-Labrèze C, Roque ED, Hubiche T, Boralevi F. Propranolol for severe hemangiomas of infancy. NEJM 2008; 358: 2649-2651

López-Gutiérrez JC. Clinical and economic impact of surgery for treating infantile hemangiomas in the era of propranolol: overview of single-center experience from La Paz Hospital, Madrid. Eur J Pediatr 2019; 178: 1-6

Martin JM, Sanchez S, González V, et al. Infantile hemangiomas with minimal or arrested growth: A retrospective case series. Pediatr Dermatol 2019; 36: 125-131

Melo IS, Gonçalves V, Anjos E. Propranolol nos hemangiomas infantis: casuística nacional com 30 doentes. Acta Pediatr Port 2012; 43: 139-143

Metry D, Heyer G, Hess C, et al. PHACE Syndrome Research Conference. Consensus statement on diagnostic criteria for PHACE syndrome. Pediatrics 2009; 124: 1447–1456

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Paller AS, Mancini AJ (eds). Hurwitz Clinical Pediatric Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Starkey E, Shahidullah H. Propranolol for infantile haemangiomas: a review. Arch Dis Child 2011; 96: 890-893

Storch CH, Hoeger PH. Propranolol for infantile haemangiomas: insights into the molecular mechanisms of action. British J Dermatol 2010; 163: 269-274

Weston WL, Lane AT, Morelli JG. Color Textbook of Pediatric Dermatology. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2007

MOLUSCO CONTAGIOSO

Definição e importância do problema

A afecção designada classicamente por Molluscum contagiosum ou “molusco contagioso” é uma doença benigna, autolimitada, de distribuição mundial, causada pela infecção de queratinócitos por um vírus DNA da família Poxviridae / do género Molluscipoxvirus. Trata-se duma proliferação tumoral em que a epiderme se hipertrofia e hiperplasia.

Com especificidade para células humanas, não se torna possível cultivá-lo em ovo ou culturas de tecidos. Trata-se da infecção vírica cutânea mais frequente em crianças, principalmente antes dos 10 anos de idade.

Com elevada contagiosidade, e surgindo frequentemente em pequenas epidemias, a transmissão da doença ocorre directamente, através do contacto pele – pele, ou indirectamente, através do contacto com objectos contaminados, sendo que as crianças que frequentam piscinas têm maior probabilidade de contágio. A transmissão é favorecida pelo calor, humidade ambiental e precárias condições de higiene. O período de incubação é variável desde 2 semanas a 6 meses.

Algumas séries apontam para prevalências da ordem de 30% da população em geral, podendo ultrapassar 70% na população seropositiva para VIH (vírus da imunodeficiência humana).

Manifestações clínicas

As lesões da afecção surgem como pequenas pápulas esferóides e umbilicadas, inicialmente com 1-5 mm, da cor da pele, rosadas, ou cor branca-pérola, de superfície brilhante ou translúcidas. Em número variável, e mais frequentes nos casos de dermite atópica), podem aumentar gradualmente de dimensões (por vezes até 5-20 mm ou >) e de número (havendo casos descritos referindo cerca de 100). Novas lesões podem surgir em simultâneo, pelo que, frequentemente, podem ser observadas lesões de dimensões variáveis.

A distribuição das lesões é irregular, podendo aparecer em qualquer local do tegumento. No entanto, nas crianças as localizações mais frequentes são as áreas de atrito, como regiões cervical, face, axilar, tronco e extremidades. Embora as lesões com localização anogenital sejam menos frequentes em crianças, podem corresponder a auto-inoculação, sem que indiciem transmissão sexual. (Figuras 1, 2 e 3) (NIHDE)

FIGURA 1. Pequena pápula esferóide e umbilicada (NIHDE)

FIGURAS 2 e 3. Pequenas pápulas esferóides umbilicadas da cor da pele (NIHDE)

Em geral as lesões desaparecem espontaneamente no período de um ano.

Diagnóstico

O diagnóstico é clínico na grande maioria dos casos. Em circunstâncias especiais poderá fazer-se o diagnóstico diferencial com verrugas vulgares. Nos doentes seropositivos para o VIH (situação hoje mais rara e, em princípio excluída pela história clínica), é importante o diagnóstico diferencial com criptococose, infecção que assume aspectos clínicos muito semelhantes.

Uma manobra útil no diagnóstico diferencial consiste em espremer uma lesão, com pinça: se esta manobra produzir a expulsão de uma massa esbranquiçada, confirma-se o diagnóstico de molusco contagioso. A referida massa – o corpo do molusco – é constituída por elementos que distendem as células – (corpo de inclusão citoplásmico, com 20-30μ), os quais são agregados de partículas – vírus.

Raramente é necessária biópsia cutânea.

Na dúvida de diagnóstico pode proceder-se a uma manobra útil, que consiste em espremer a lesão com uma pinça. Se esta manobra produzir expulsão de uma massa esbranquiçada confirma-se o diagnóstico de molusco contagioso.

Complicações

Eritema e alterações eczematiformes podem surgir em torno das lesões – “Dermite associada a molusco“, traduzindo uma provável resposta imune do hospedeiro a infecção.

O molusco contagioso pode ser muito pruriginoso. O acto de coçar pode servir como meio de auto-inoculação e favorecer a impetiginização das lesões.

Reiterando o que foi dito antes, os doentes com dermite atópica são mais susceptíveis à aquisição de infecção e/ou desenvolvimento de complicações.

Tratamento

É da máxima importância tranquilizar os pais e informá-los de que se trata de uma doença benigna, auto-limitada, cujo tempo de resolução espontânea é variável (3-12 meses).

A evicção de traumatismos e do acto de coçar são fundamentais para evitar a disseminação e auto-inoculação.

A decisão de tratamento deve ser individualizada. A escolha do tratamento tópico deve ser o mais inócua possível. Desta forma, a opção inicial deve incidir em métodos químicos de tratamento (hidróxido de potássio a 5% ou 10%), evitando os físicos (curetagem, criocirurgia, laser CO2), mais traumáticos, com necessidade de anestesia local.

BIBLIOGRAFIA

Bolognia J, Jorizzo J, Schaffer J (eds). Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Burns T, Brethnach S, Cox N (eds). Rook´s Textbook of Dermatology. Oxford: Blackwell, 2004

Cochito M, Trindade F, Paris FR, et al. Terapêutica Dermatológica em Ambulatório. Lisboa: Lidel, 2007

Darmstad GL, Dinulus JG. Neonatal skin care. Pediatr Clin North Am 2000; 47: 757- 482

Guerra-Rodrigo F, Gomes MAM, et al. Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010

Habif TP. Clinical Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2015

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Paller AS, Mancini AJ (eds). Hurwitz Clinical Pediatric Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Silverberg NB. Warts and molluscum contagiosum in children. Adv Dermatol 2004; 20: 23-73

Sladden MJ, Johnston GA. Common skin infections in children. BMJ 2004; 329: 95-99

Weston WL, Lane AT, Morelli JG. Color Textbook of Pediatric Dermatology. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2007

ESCABIOSE

Definição e importância do problema

escabiose é uma infestação provocada pelo ácaro Sarcoptes scabiei var. hominis, vulgarmente designada por sarna. Este ácaro é específico dos humanos, não infestando animais domésticos. Trata-se, pois, duma zoonose.

Esta infestação tende a ocorrer por surtos periódicos, afectando todas as raças, idades e grupos socioeconómicos. A transmissão ocorre por contacto próximo, sendo frequente entre membros do mesmo agregado familiar. Determinados factores associam-se a um risco mais elevado, nomeadamente grupos socioeconómicos desfavorecidos, casas com elevada densidade de habitantes e lares de idosos. Alguns indivíduos são portadores assintomáticos do ácaro, o qual pode sobreviver 3 dias no vestuário e fômites. Os referidos factores têm implicação no tratamento.

Etiopatogénese

Sarcoptes scabiei var. hominis é um ácaro muito pequeno, arredondado e translúcido, cuja fêmea mede cerca de 0,4 mm. É uma variante específica afectando a espécie humana.

Tem 4 pares de patas e reproduz-se pela postura de ovos fecundados.

O ácaro fêmea penetra na epiderme onde escava e avança lentamente originando a galeria, na qual põe os ovos e morre ao fim de 6 semanas.

A duração do macho é bastante inferior. Cada ovo resulta numa larva de 3 pares de patas e que se vem transformar em ácaro adulto. Este ciclo dura cerca de 2 semanas.

A quantidade de ácaros num doente infestado é altamente variável, mas é habitualmente inferior a 100, com excepção da sarna crostosa, na qual o indivíduo está infestado por centenas de ácaros, o que explica a elevada contagiosidade desta variante. Os ácaros podem sobreviver até 3 dias fora da epiderme.

O prurido é resultante de uma reacção de hipersensibilidade aos antigénios do ácaro. O sistema imunitário inicia esta reacção 2-6 semanas após a infestação. Se ocorrerem infestações subsequentes, o prurido ocorre em horas a dias, devido à memória imunológica. Existem indivíduos portadores assintomáticos. Estes portadores assintomáticos não são raros, razão pela qual o tratamento deve ser administrado a todos os contactantes próximos de um indivíduo infestado.

Manifestações clínicas

O principal sintoma é o prurido intenso, que se agrava durante a noite e após um banho quente. O prurido pode surgir antes de ocorrerem manifestações clínicas evidentes.

As lesões cutâneas são simétricas e envolvem classicamente as pregas interdigitais, face flexora dos punhos, axilas, região retroauricular, prega inframamária, cintura e umbigo, região glútea, prega inguinal, tornozelos e pés (Figuras 1 e 2). Nos homens são frequentes as lesões no pénis e escroto, enquanto nas mulheres é frequente o envolvimento da aréola e vulva. Nas crianças pequenas e idosos, a face e couro cabeludo também podem estar envolvidos.

FIGURA 1. Pápulas eritematosas na face lateral da mão e punho

FIGURA 2. Pápulas eritematosas na face flexora do punho

Habitualmente, observam-se pápulas eritematosas escoriadas. Podem surgir reacções eczematosas, bem como vesículas e pústulas. Estas duas últimas morfologias ocorrem particularmente nos lactentes, frequentemente envolvendo a superfície palmoplantar.

As galerias são o sinal patognomónico e representam, como foi referido antes, o túnel que a fêmea utiliza para depositar os ovos. Apesar de muito características, não estão presentes em todos os doentes e podem ser difíceis de observar.

Os nódulos escabióticos correspondem a uma intensa reacção inflamatória aos antigénios do ácaro. São mais frequentes na região genital, correspondendo a nódulos eritematosos superficiais, que podem apresentar escama aderente.

Diagnóstico

As manifestações clínicas e a história epidemiológica são habitualmente suficientes para o diagnóstico. Ocasionalmente, e em caso de dúvida, poderá realizar-se exame directo com microscópio óptico, de escama de pele com solução de hidróxido de potássio; é assim possível visualizar o ácaro ou ovos na maioria dos casos. A dermatoscopia é também útil no diagnóstico, permitindo melhor observação das galerias e a visualização do ácaro.

Tratamento

O tratamento é dirigido a todos os membros do agregado familiar. Inclui medidas de erradicação nos fômites e vestuário, bem como utilização de escabicidas tópicos e ocasionalmente sistémicos.

A relativa frequência de portadores assintomáticos e o tempo de latência do início dos sintomas (4-6 semanas), tornam essencial o tratamento simultâneo de todo o agregado familiar e contactantes próximos.

Apesar de o ácaro atingir preferencialmente zonas quentes e húmidas, o escabicida deve ser aplicado em toda a superfície cutânea incluindo face e couro cabeludo, nas crianças com menos de cinco anos. Para reduzir o potencial de reinfestação, a roupa de uso pessoal, a roupa de cama e as toalhas devem ser lavadas a 90ºC no início e no fim do tratamento.

Após tratamento eficaz a maioria dos doentes melhora do prurido em 3 dias; contudo, o prurido e as lesões podem persistir 2 a 4 semanas – é o prurido pós-escabiótico. Esta reacção não implica falência terapêutica, mas sim uma reacção imunológica a toxinas ou ácaros mortos. É ainda importante recordar que os escabicidas tópicos determinam sempre um certo grau de irritação cutânea, pelo que a sua aplicação excessiva agrava a dermite que frequentemente coexiste com a escabiose.

O medicamento utilizado deve ser aplicado minuciosamente ao deitar.

Na idade pediátrica os fármacos utilizados (ectoparasiticidas) são os seguintes:

  • Lindano (soluto a 1%), aplicação única à noite; seguida de banho cerca de 8 horas depois. A neurotoxicidade deste produto limita a sua utilização em crianças pequenas (< 2 anos), grávidas e em formas clínicas em que existam muitas abrasões na pele;
  • Benzoato de benzilo (soluto a 30%) com aplicação em toda a pele excepto face e cabeça, em 3 noites consecutivas, seguindo-se banho na manhã seguinte à terceira aplicação. Na manhã do 4º dia a roupa em uso deve ser escaldada ou lavada em máquina a 90ºC. Nas crianças pequenas com infestação maciça e dermatite acentuada deve evitar-se o benzoato de benzilo, optando-se por suspensão de enxofre a 5% (creme ou pomada) diariamente durante 3 a 5 dias;
  • Manipulado de enxofre a 10%, pomada: o seu uso é útil em crianças com menos de 2 anos, uma vez que nesta faixa etária há maior risco de dermite irritativa provocada pelo benzoato de benzilo. É eficaz, embora tenha como desvantagens a cosmeticidade pouco agradável e o custo mais elevado. Deve ser aplicado em 3 dias consecutivos;
  • Manipulado de permetrina a 5%, creme: aplica-se uma vez à noite, repetindo uma semana depois. Pode ser uma alternativa ao manipulado de enxofre nas crianças com menos de 2 anos. É menos irritativo do que o benzoato de benzilo e tem uma cosmeticidade mais agradável do que o manipulado de enxofre. Nas crianças com mais de 2 anos e nos adultos, o seu uso é recomendado como tratamento de segunda linha nos casos refractários após aplicação correcta do benzoato de benzilo, ou nos doentes com dermite atópica ou outras doenças cutâneas que aumentem o risco de dermite irritativa;
  • Invermectina: é o único fármaco de administração oral, apenas disponível através de manipulação. Tem utilidade em diversas doenças parasitárias humanas, das quais se destacam as filaríases.

O seu uso na sarna é restrito às formas refractárias, sobretudo se associadas a infecção por VIH em crianças com idade superior a 5 anos.

Após tratamento com escabicidas tópicos recomenda-se a aplicação de emolientes, para reduzir o prurido e facilitar a regeneração da pele.

BIBLIOGRAFIA

Bolognia J, Jorizzo J, Schaffer J (eds). Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Burns T, Brethnach S, Cox N (eds). Rook´s Textbook of Dermatology. Oxford: Blackwell, 2004

Cochito M, Trindade F, Paris FR, et al. Terapêutica Dermatológica em Ambulatório. Lisboa: Lidel, 2007

Darmstad GL, Dinulus JG. Neonatal skin care. Pediatr Clin North Am 2000; 47: 757-482

Guerra-Rodrigo F, Gomes MAM, et al. Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010

Habif TP. Clinical Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2015

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Paller AS, Mancini AJ (eds). Hurwitz Clinical Pediatric Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

PEDICULOSE

Definição e importância do problema

Pediculose é a infestação cutânea causada por piolhos, artrópodes hematófagos humanos pertencentes à família Pediculocidae, que compreende as espécies:

  • Pediculus humanus (corporis): do corpo ou roupa. Trata-se duma zoonose;
  • Pediculus humanus (capitis): do couro cabeludo;
  • Phthirius pubis: afectando a região púbica, pertence à família Pthiridae.

A pediculose do corpo e a pediculose púbica atingem preferencialmente adultos com vida precária e sexual activa, pelo que não são abordadas (Quadro 1).

Manifestações clínicas e diagnóstico

A pediculose da cabeça é uma infestação ubiquitária, verificando-se maior incidência entre os 3 e os 11 anos de idade. É mais frequente no sexo feminino. O contacto interpessoal é a forma mais frequente de transmissão, mas pode verificar-se a disseminação por fómites.

Os achados clínicos são limitados ao couro cabeludo, mais frequentemente região occipital e retroauricular. O sintoma clássico é o prurido marcado, ainda que de intensidade variável.

Na primeira infestação o prurido pode demorar 2 a 6 semanas até se evidenciar; em infestações futuras desenvolve-se prontamente. Salienta-se, assim, a possibilidade de ocorrência de surtos epidémicos em creches e escolas. Poderão surgir complicações (piodermites). Alguns indivíduos assintomáticos podem ser considerados “portadores”.

O diagnóstico é feito pela identificação do parasita ou pelos ovos (lêndeas, em geral muito numerosas) na haste do pêlo. Ocasionalmente pode existir febre baixa, irritabilidade, linfadenopatia ou infecção bacteriana secundária.

QUADRO 1 – Formas de pediculose

Parasita (piolho)Doença

Pediculus humanus var. capitis

Pediculus humanus var. corporis

Phthirus pubis

Pediculose da cabeça

Pediculose do corpo

Pediculose púbica

Diagnóstico

O diagnóstico é feito pela identificação do parasita ou pelos ovos (lêndeas, em geral muito numerosas) na haste do pêlo. Ocasionalmente pode existir febre baixa, irritabilidade, linfadenopatia ou infecção bacteriana secundária.

Tratamento

Perante o doente com pediculose da cabeça, recomenda-se investigação cuidadosa e tratamento simultâneo dos contactos infectados.

O medicamento pediculocida deve ser utilizado preferencialmente em forma líquida, com fricção cuidadosa das áreas de infestação, em duas aplicações, cada uma de, pelo menos, dez minutos, realizadas com uma semana de intervalo. Na primeira aplicação são destruídos os parasitas adultos; e na segunda, as larvas que eventualmente tenham eclodido dos ovos (lêndeas).

É fundamental a remoção mecânica das lêndeas, facilitada pela utilização de pentes especiais de dentes finos em bisel e de espaços apertados. É também aconselhável corte de cabelo (muito curto), o que irá facilitar a remoção das referidas lêndeas.

A remoção das lêndeas das pestanas é por vezes difícil, mas a utilização de pomada oftálmica com vaselina em dias consecutivos facilita a remoção mecânica destas.

Os fármacos actualmente disponíveis em Portugal para o tratamento da pediculose da cabeça incluem:

  • Permetrina a 1% e a 5%. Esta última dosagem é mais eficaz, mas em Portugal existe apenas em manipulado;
  • Benzoato de benzilo a 20%;
  • Crotamitona a 10%.

Estão, ainda, disponíveis produtos que têm como princípio activo complexos oleosos e siliconados que envolvem completamente os parasitas, formando um filme oclusivo que obstrui os seus espiráculos. Inicialmente pensava-se que o mecanismo da morte consistia em asfixia; no entanto, num estudo recente demonstrou-se que decorre de um processo de desequilíbrio osmótico. Ao envolver completamente o parasita, este não consegue excretar água através dos seus espiráculos, ocorrendo morte por ruptura intestinal.

Em casos seleccionados pode haver indicação para a utilização de fármacos sistémicos como cotrimoxazol e ivermectina. Estes fármacos, apesar de não estarem aprovados como pediculocidas, podem ser úteis em casos especiais, nomeadamente em situações de infestações maciças e em casos de resistência às terapêuticas previamente descritas. Nestas situações, devem ser utilizados em associação à terapêutica tópica.

BIBLIOGRAFIA

Bolognia J, Jorizzo J, Schaffer J (eds). Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Burns T, Brethnach S, Cox N (eds). Rook´s Textbook of Dermatology. Oxford: Blackwell, 2004

Cochito M, Trindade F, Paris FR, et al. Terapêutica Dermatológica em Ambulatório. Lisboa: Lidel, 2007

Darmstad GL, Dinulus JG. Neonatal skin care. Pediatr Clin North Am 2000; 47: 757-482

Guerra-Rodrigo F, Gomes MAM, et al. Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010

Habif TP. Clinical Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2015

Kliegman RM, Stanton BF, Geme JWSt, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Paller AS, Mancini AJ (eds). Hurwitz Clinical Pediatric Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Weston WL, Lane AT, Morelli JG. Color Textbook of Pediatric Dermatology. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2007

PSORÍASE

Definição e importância do problema

A psoríase é uma doença imunomediada na qual participam mecanismos autoinflamatórios e autoimunes, potencialmente crónica, multifactorial; a lesão cutânea elementar é a mancha ou placa circular, de bordo bem delimitado, cor vermelha viva, coberta por escama espessa, de cor branca ou prateada e pouco aderente. O espectro clínico é de gravidade variável e evolui frequentemente com períodos de agravamento, alternando com períodos de melhoria clínica.

Embora a verdadeira prevalência na idade pediátrica seja desconhecida (alguns autores referem valores entre 0,5 e 1%), ela corresponde a cerca de 4% de todas as dermatoses observadas em doentes menores de 16 anos. Nos últimos 25 anos tem existido um aumento significativo de estudos publicados no campo da epidemiologia da psoríase em idade pediátrica na Europa, Ásia e América do Norte: a prevalência parece ser maior nos países europeus, nas crianças mais velhas e no sexo feminino.

Em valores percentuais até 48%, na idade pediátrica existe história familiar em parentes do 1º grau e encontram-se diferenças genéticas específicas entre a psoríase com início na idade pediátrica e a do adulto.

Por outro lado, é importante reconhecer que as crianças com psoríase, da mesma forma que os adultos, podem ter um risco acrescido de comorbilidades (hipertensão, diabetes, hiperlipidémia, obesidade). Além disso, as lesões visíveis têm um impacte significativo na qualidade de vida, com repercussão nas actividades sociais, o que poderá provocar ansiedade e depressão, assim como comprometer o normal desenvolvimento da criança.

Etiopatogénese

A psoríase é uma doença multifactorial: por um lado existe uma interacção entre factores genéticos, imunológicos e ambientais; por outro, são reconhecidos factores e estímulos desencadeantes ou agravantes externos. Na prática são considerados:

Factores genéticos

A psoríase é determinada geneticamente, de forma poligénica e multifactorial, sendo fortemente influenciada por factores ambientais. Em aproximadamente um terço dos doentes há antecedentes familiares da doença.

Existem diversas associações com alguns fenótipos HLA (HLA-Cw6, HLA-A13 e 17 e HLA-B8) que parecem determinar a data de início e a expressão fenotípica da doença.

Factores desencadeantes

O início da psoríase pode estar relacionado com factores desencadeantes, e surgir em qualquer idade. A acção dos factores externos ou internos pode desencadear psoríase em indivíduos geneticamente predispostos.

  • As infecções estreptocóccicas, em particular faringites, constituindo factores desencadeantes ou agravantes.
  • O estresse psicológico pode precipitar ou exacerbar a psoríase.
  • Factores endócrinos e metabólicos: a gravideze a hipocalcémia podem induzir psoríase pustulosa.
  • Fenómeno isomorfo ou de Köbner: ocorre em 25% dos doentes; corresponde à indução de lesões psoriásicas em locais de traumatismo cutâneo.
  • Os fármacos: lítio, β-bloqueantes, interferão, anti-inflamatórios não esteróides e IECA.
  • Nas crianças os fármacos mais frequentemente implicados são os antimaláricos e os corticóides.
  • Outros: o consumo elevado de álcool e tabaco tem sido associado à psoríase.

Na psoríase surge resposta imune efectora de perfil T helper 1. As lesões cutâneas resultam da activação local do sistema imune, e da acumulação selectiva de linfócitos Th 1 (CD4+ e CD8+) que desencadeiam e mantêm a doença ao libertar citocinas e/ou outras moléculas inflamatórias, induzindo a hiperproliferação e diferenciação anormal de queratinócitos, de células endoteliais, fibroblastos, e mastócitos.

Sobressai igualmente inflitrado denso de polimorfonucleres com característico epidermotropismo.

A cronicidade resulta da estimulação linfocitária persistente por antigénios de provável origem epidérmica ainda desconhecidos.

Manifestações clínicas

O quadro clínico na criança é semelhante ao do adulto. A lesão característica é a placa eritematodescamativa, bem delimitada, com escama prateada espessa. O eritema é vermelho vivo e a remoção sucessiva da escama origina pontos hemorrágicos (sinal de Auspitz). As placas localizam-se predominantemente nas superfícies de extensão das extremidades (cotovelos e joelhos), couro cabeludo e na região lombo-sagrada. Nas crianças as lesões tendem a ser menos espessas, descamativas e mais pruriginosas. A face, o couro cabeludo e as pregas são afectados com maior frequência comparativamente ao adulto.

As principais formas clínicas da psoríase (que podem aparecer em sobreposição ou sequencialmente no tempo) são as seguintes:

Psoríase em placas

Nesta variante existem placas eritematodescamativas características nas superfícies de extensão (joelhos e cotovelos) e/ou couro cabeludo e tronco. (Figuras 1 e 2)

FIGURA 1. Psoríase em placas

FIGURA 2. Psoríase em placas no tronco

Psoríase guttata

É mais frequente em crianças e adultos jovens. Surge de forma súbita, habitualmente 1-2 semanas após faringite estreptócoccica, sob a forma de pápulas, redondas ou ovais, com escama discreta ou ausente, dispersas de forma grosseiramente simétrica pelo tegumento, mas com predomínio pelo tronco e extremidades proximais. Esta forma persiste 3 a 4 meses e pode ter remissão espontânea e recorrências.

FIGURA 3. Psoríase guttata

FIGURA 4. Psoríase inversa

Psoríase inversa

Afecta predominante ou exclusivamente as áreas de atrito, em particular a área das fraldas e axilas (compromisso electivo das pregas). As lesões mantêm o eritema vivo e bordo bem definido, mas a escama é reduzida ou ausente.

Psoríase pustulosa

Variante rara na criança, quer na sua forma generalizada, quer na forma localizada às palmas e plantas onde se observam pústulas.

Psoríase eritrodérmica

É a forma rara, e habitualmente grave, com eritema e esfoliação de quase todo o tegumento. Pode ser congénita.

Psoríase artropática

Surge artrite inflamatória seronegativa similar à artrite reumatóide em 5-30% dos doentes com psoríase. O início pode ocorrer na puberdade, sendo geralmente ulterior ao quadro cutâneo, na forma de artrite assimétrica mono ou oligoarticular.

Psoríase ungueal

A alteração mais frequente é o ponteado ungueal (40%); raramente surgem onicólise ou alterações da coloração.

Diagnóstico

É essencialmente clínico, baseado no aspecto das lesões e na sua distribuição e evolução. Não existem exames específicos para o diagnóstico de psoríase, mas em casos seleccionados o exame histopatológico constitui um instrumento de grande utilidade.

O diagnóstico diferencial na infância estabelece-se essencialmente com a dermite da área das fraldas, com o eczema numular, a pitiríase rosada e a epidermofitia.

Tratamento

O tratamento da psoríase em idade pediátrica constitui um desafio para o dermatologista já que existem poucos estudos aleatorizados e aprovados referentes a tal período etário. O mesmo deve, pois, ser adaptado a cada caso individual, em função da idade do doente, localização e extensão da doença, evolução e resposta a tratamentos anteriores.

As medidas gerais incluem banhos com óleos essenciais, aplicação de emolientes, eventualmente com agentes queratolíticos. Na psoríase em placas pode efectuar-se tratamento com corticoides de fraca a moderada potência e análogos da vitamina D, isolados ou em combinação.

Para as lesões da face e pregas dispomos actualmente dos novos imunomoduladores tópicos (tacrolimus e pimecrolimus) que são eficazes, bem tolerados, e destituídos de efeitos acessórios (atrofia e metabólicos).

A psoríase guttata aguda associada a infecção estreptocóccica deve ser tratada com antibioticoterapia dirigida.

A fototerapia com ultravioletas B (UVB) pode ser usada no tratamento da psoríase guttata e psoríase em placas crónica extensa e/ou refractária.

A helioterapia é benéfica e aconselhada com prudência. Os retinóides sistémicos, em particular a isotretinoína, são eficazes nas psoríases em placas, guttata, eritodérmica e pustulosa (assinalando efeitos quanto ao crescimento ósseo).

A terapêutica sistémica está reservada para os quadros graves, com grande extensão de superfície cutânea atingida: acitretina, metotrexato e ciclosporina. Além disso, estão aprovados para utilização em idade pediátrica três agentes biológicos com mecanismo selectivo no bloqueio das vias de inflamação: – adalimumab (≥ 4 Anos); – etanercept (≥ 6 Anos), ambos anti-TNF, e – ustecinumab (≥ 12 Anos), anti IL 12/23.

BIBLIOGRAFIA

Bolognia J, Jorizzo J, Schaffer J (eds). Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Burns T, Brethnach S, Cox N (eds). Rook´s Textbook of Dermatology. Oxford: Blackwell, 2004

Cochito M, Trindade F, Paris FR, et al. Terapêutica Dermatológica em Ambulatório. Lisboa: Lidel, 2007

Darmstad GL, Dinulus JG. Neonatal skin care. Pediatr Clin North Am 2000; 47: 757-482

Durack A, Gass JK. Assessing skin disease in children. Paediatr Child Health 2019; 29:47-51

Garcia-Perez M-E, Stevanovic T, Poubelle PE. New therapies under development for psoriasis. Curr Opin Pediatr 2013; 25: 480 – 487

Guerra-Rodrigo F, Gomes MAM, et al – Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010

Habif TP. Clinical Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2015

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Paller AS, Mancini AJ (eds). Hurwitz Clinical Pediatric Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Sharma V, Orchard D. Paediatric psoriasis. Paediatr Child Health 2011; 21:126-131

PITIRÍASE ROSADA (DOENÇA de GIBERT)

Definição e importância do problema

A pitiríase rosada é uma dermatose eritematodescamativa de início agudo, benigna e autolimitada. Não se associa a sintomas sistémicos significativos e o diagnóstico é baseado na apresentação clínica típica.

Ocorre em indivíduos jovens, geralmente entre os 10 e os 35 anos de idade. O pico de incidência ocorre na adolescência, sendo rara antes dos 2 anos e nos idosos. Surge em todas as raças, e parece ser mais frequente no sexo feminino. Alguns estudos referem incidência mais elevada na Primavera e Outono.

Etiopatogénese

O mecanismo de infecção vírica parece ser o mais provável, em relação com uma reacção de hipersensibilidade tardia ao agente infeccioso. A ocorrência ocasional em indivíduos da mesma família ou contactos próximos favorece esta hipótese. Os vírus do grupo Herpes, nomeadamente HHV-6 e HHV-7 são mais frequentemente implicados. Num estudo epidemiológico foram identificados como principais factores associados a história de utilização de vestuário novo (75% dos casos), infecção respiratória recente (51%) e infeção gastrintestinal recente (28%). De acordo com diversos estudos concluiu-se que determinados fármacos como captopril, betabloqueantes, isotretinoína e griseofulvina poderão causar erupções cutâneas semelhantes à pitiríase rosada

Manifestações clínicas

A pitiríase rosada manifesta-se habitualmente sob a forma de manchas ovaladas eritematodescamativas, com descamação fina periférica, localizadas predominantemente no tronco e região proximal dos membros. Contudo, surgem por vezes formas de apresentação clínica atípicas, que constituem um desafio diagnóstico.

A dermatose é ocasionalmente precedida por sintomas sistémicos ligeiros, nomeadamente cefaleias, febre baixa, artralgias e mal-estar geral.

Pitiríase rosada típica (clássica)

Inicia-se por mancha ou placa eritematosa ou cor de salmão, descamativa, ovalar, em regra localizada ao tronco e única (mancha mãe ou herald patch), de 2 a 5 cm de diâmetro, que aumenta progressivamente (Figuras 1 a 3) . A “mancha mãe” é identificável em cerca de 50 a 90 % dos casos; menos frequentemente surge na face, região cervical ou extremidades.

FIGURA 1. “Mancha mãe” da pitiríase rosada. Adaptado de Ana Fidalgo, 2013 na 2ª edição da obra

FIGURA 2. Pitiríase rosada: esquema de distribuição das lesões na forma clássica ou típica. Seta indicando a Mancha mãe

FIGURA 3. Pitiríase rosada em adolescente – distribuição de manchas ovaladas rosadas, com descamação fina no tronco e região proximal dos membros

Numa minoria dos doentes (5%) pode ocorrer pródromo de mal-estar geral, anorexia, febre, cefaleias e artralgias. Após 5 a 15 dias surge, com carácter súbito, erupção constituída por inúmeras lesões semelhantes, mas mais pequenas que a precedente, de dimensões variáveis (0,5-1,5 cm), afectando tronco e extremidades proximais. As lesões são bem delimitadas, rosadas, ovalares, e o seu maior eixo dispõe-se paralelamente à grelha costal (linhas de clivagem de Langer), numa distribuição em “árvore de Natal”, que é mais evidente no dorso. O centro das lesões adquire uma escama fina, enrugada, que progride excentricamente, formando uma franja circular descamativa característica (em “collarete”). A face, palmas e plantas são habitualmente poupadas. O envolvimento das mucosas é raro. Na raça negra as lesões podem apresentar um aspecto psoriasiforme.

A erupção é assintomática, ou rara ligeiramente pruriginosa. Não se acompanha de sintomas sistémicos e evolui espontaneamente para a cura, podendo deixar hipo ou hiperpigmentação. Raramente ocorrem recidivas.

Pitiríase rosada atípica

As formas atípicas são mais frequentes nas crianças pequenas e em indivíduos de raça negra. Podem assumir morfologia pustular, purpúrica, vesicular, urticariforme ou semelhante ao eritema multiforme. A forma inversa carateriza-se pelo aparecimento de manchas ovaladas eritematosas ou rosadas, com descamação periférica, localizadas nas axilas e região inguinal. Estas formas clínicas requerem frequentemente diagnóstico diferencial com outras entidades, destacando-se a importância da ausência de sintomatologia sistémica.

Diagnóstico

É essencialmente clínico e baseado na morfologia, distribuição e evolução das lesões. As principais situações com as quais se faz o diagnóstico diferencial são as toxidermias, as dermatofitias e a psoríase gutata na forma clássica.

As formas atípicas podem conduzir a hipóteses de diagnóstico diferencial com várias entidades.

Quando a dermatose se prolonga por mais de 6 semanas, deve considerar-se o diagnóstico de pitiríase liquenóide.

Tratamento

A dermatose é autolimitada e com resolução espontânea em cerca de 6 semanas. Raramente pode prolongar-se por mais tempo. O tratamento consiste em medidas de conforto, nomeadamente emolientes, anti-histamínicos e corticoterapia tópica de baixa potência se houver prurido associado.

BIBLIOGRAFIA

Bolognia J, Jorizzo J, Schaffer J (eds). Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Drago F, Ciccarese G, Broccolo F, Cozzani E, Parodi A. Pityriasis Rosea in children: Clinical features and laboratory investigations. Dermatology 2015; 231:9–14

Drago F, Ciccarese G, Rebora A, et al. Pityriasis Rosea: a comprehensive classification. Dermatology 2016; 232: 431–443

Drago F, Broccolo F, Ciccarese G, et al. Persistent pityriasis rosea: an unusual form of pityriasis rosea with persistent active HHV-6 and HHV-7 infection. Dermatology 2015; 230: 23–26

Durack A, Gass JK. Assessing skin disease in children. Paediatr Child Health 2019; 29:47-51

Habif TP. Clinical Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2015

Kliegman RM, Stanton BF, Geme JWSt, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Ozyurek G, Alan S, Çenesizoglu E. Evaluation of clinico-epidemiological and histopathological features of pityriasis rosea. Postep Derm Alergol 2014; 31: 216-221

Paller AS, Mancini AJ (eds). Hurwitz Clinical Pediatric Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Urbina F, Das A, Sudy E. Clinical variants of pityriasis rosea. World J Clin Cases 2017; 5: 203-211

Weston WL, Lane AT, Morelli JG. Color Textbook of Pediatric Dermatology. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2007

DERMATITE DAS FRALDAS

Definição

A dermatite das fraldas (DF) é uma dermatose comum, com um pico de prevalência entre os 9 e os 12 meses de idade.

Tal nosologia engloba um amplo grupo de dermatoses de etiologia multifactorial que atingem a área da fralda. Destas, a dermite de contacto irritativa primária é a mais comum. Esta poderá ser complicada de infecção por Candida albicans ou por bactérias (Staphylococcus aureus e/ou Streptococcus). Classicamente é considerada o protótipo da dermatose irritativa de contacto.

Neste grupo estão também incluídas dermatoses mais raras e graves, sem qualquer relação com o uso de fraldas, como a histiocitose de células de Langerhans.

Para facilitar o diagnóstico diferencial das dermatoses da área da fralda estas poderão subdividir-se em 3 grupos (Quadro 1):

  1. Dermatoses causadas pela presença das fraldas;
  2. Dermatoses agravadas pela presença das fraldas;
  3. Dermatoses independentes do uso das fraldas.

QUADRO 1 – Dermatoses da área da fralda – diagnóstico diferencial

Dermatoses causadas pela presença das fraldasDermatoses agravadas pela presença das fraldasDermatoses independentes do uso das fraldas

· Dermatite da fralda irritativa e complicações

· Dermite contacto alérgica

· Miliária rubra e cristalina

· Dermite da fralda Candidiásica

· Dermite seborreica

· Psoríase

· Eczema atópico

· Infeções locais Staphyloccus e Streptoococcus

· Hemangiomas infantis

· Histiócitose células de langerhans

· Doença de Kawasaki

· Infecções por vírus Cosackie A6

· Défice de zinco

Etiopatogénese

A dermite das fraldas irritativa resulta da agressão local provocada por diversos factores, nomeadamente:

1- Exposição a fezes e urina. O pH alcalino da urina associado à acção das bactérias fecais parecem ser importantes mecanismos fisiopatológicos. De facto, as enzimas produzidas pelas bactérias fecais, bem como as proteases e lipases pancreáticas residuais nas fezes, são activadas em pH alcalino promovendo a irritação local. O leite de vaca está colonizado por um maior número de bactérias produtoras de urease, o que explica a maior incidência de dermite das fraldas em lactentes que ingerem leite de vaca.

2- Uso prolongado de fraldas, produzindo um efeito oclusivo local, contribui para prolongar o tempo de exposição às fezes e urina, bem como para promover a hiper-hidratação e aumento de temperatura locais, e consequente compromisso da função barreira da epiderme.

3- Fricção entre a pele e a fralda durante os movimentos poderá ser um factor físico de agravamento.

4- Irritantes químicos presentes em componentes das fraldas ou produtos de aplicação tópica poderão constituir outro factor implicado na etiopatogénese da DF.

5- Infecção por Candida albicans, facilitada pelo pH alcalino local (urina), poderá complicar-se por sobreinfecção, o que implica possibilidade de persistência e agravamento.

Todos estes factores levam a um compromisso da estrutura do estrato córneo e consequente perda de integridade da barreira cutânea, o que constitui o factor essencial na base da DF.

Nalgumas crianças a sensibilização a substâncias presentes nas fraldas descartáveis (corantes, adesivos) poderá constituir o principal mecanismo implicado na etiopatogénese da DF. Estes casos corresponderão a DF de contacto alérgicas, sendo a distribuição da dermatose essencialmente diferente da DF irritativa, o que será útil para o seu diagnóstico diferencial.

Manifestações clínicas

A DF irritativa (Fig. 1) apresenta-se clinicamente como uma área de eritema brilhante, ligeiro a grave (de aspecto “envernizado), por vezes associado a descamação discreta, edema ou até erosões superficiais. A dermatose localiza-se essencialmente nas superfícies convexas em contacto mais íntimo com a fralda – face interna das coxas, região glútea, perianal, genital e abdominal inferior (aspecto em W poupando, habitualmente o fundo das pregas).

FIGURA 1. Dermatite de contacto irritativa das fraldas

FIGURA 2. Dermatite das fraldas de Jacquet

Raramente em situações de DF irritativa primária, crónica e grave poderão ocorrer erosões e ulcerações extensas, surgindo a DF de Sevestre Jacquet (Fig. 2) ou assistir-se ao aparecimento de pápulas ou nódulos ulcerados (designando-se granuloma glúteo infantil) e pápulas e nódulos pseudoverrucosos (usando-se igualmente o termo pápulas e nódulos pseudoverrucosos). Estas entidades são consideradas formas graves embora raras de DF.

Dependendo da existência de infecções secundárias ou da presença de uma dermatose de base (dermite seborreica ou psoríase) as manifestações clínicas poderão variar. De facto, a presença de eritema intenso com descamação periférica, associado a máculas ou pústulas periféricas (satélites) deverá sugerir sobreinfecção por Candida: o atingimento preferencial das pregas, bem como a confluência do eritema, envolvendo em continuidade e sem intervalos de pele sã, os genitais e a região perianal, serão outras pistas para este diagnóstico. A DF por Candida (na gíria, candidiásica) grave e refractária deverá levantar a suspeita de imunodeficiência.

No caso de sobreinfecção por Staphlycoccus ou Streptococcus a presença de áreas bem delimitadas de eritema vermelho vivo, com localização perianal, sem pústulas satélite associadas, constituem pistas importantes. Dor, febre e mal-estar geral poderão ser sintomas acompanhantes.

Em casos de DF não respondentes à terapêutica habitual e apresentando distribuição atípica (por exemplo, distribuição linear ao longo da linha da cintura e porção superior das coxas – áreas em contacto com elástico das fraldas) o diagnóstico de DF de contacto alérgica deve ser considerado.

A forma aguda difusa de histiocitose de células de Langerhans – doença de Letterer-Siwe – é uma doença clonal proliferativa com envolvimento multissistémico (incluindo pele, ossos, gânglios linfáticos, pulmão e fígado). As suas manifestações cutâneas podem simular quadros de DF, apresentando-se como pápulas eritematosas, vesículas ou pústulas envolvendo as pregas perineais. No entanto, estão habitualmente associadas a lesões noutras localizações do tegumento, nomeadamente axilas, pescoço, tronco e couro cabeludo.

Diagnóstico

O diagnóstico é essencialmente clínico com base na anamnese e exame objectivo. É importante reconhecer quais as lesões primárias, a sua localização e distribuição inicial, bem como a sua relação com as lesões que ocorrem secundariamente. Com a evolução da dermatose, esta pode tornar-se inespecífica, dificultando o diagnóstico diferencial; por isso, o conhecimento da localização inicial das lesões assume extrema importância.

Perante a suspeita clínica de DF de contacto alérgica a realização de testes epicutâneos poderá ser útil para a identificação do alergénio responsável.

Tratamento

O tratamento da DF assenta numa série de medidas gerais que podem ser recordadas usando a sigla ABCDE em língua inglesa:

Air – Refere-se à intervenção terapêutica mais eficaz: a remoção da fralda, permitindo períodos sem fralda de modo a poupar a pele da agressão e fricção locais constantes.

Barrier  Em cada muda de fralda deverá ser aplicado um creme barreira. Estes actuam formando um filme protector sobre a pele, permitindo a sua cicatrização, protegida do contacto com as fezes, urina e irritação local. O agente mais amplamente estudado e utilizado é o óxido de zinco, o qual além da sua acção protectora tem também propriedades antissépticas e cicatrizantes. Utilizando outras moléculas mais recentes, nomeadamente o dexpanthenol, foram obtidos resultados comparáveis aos obtidos com o óxido de zinco no tratamento da DF irritativa primária.
Não é necessária a remoção completa dos vestígios do creme barreira antes de cada nova aplicação, de modo a minorar a irritação da pele induzida pela fricção. O pó de talco não está recomendado, nomeadamente pelo risco de inalação e de consequente probabilidade de doenças respiratórias associadas.

Clean – O banho deverá ser diário e efectuado com água tépida e produtos de acção suave e efeito emoliente, com pH próximo do fisiológico. Os toalhetes de limpeza existentes no mercado poderão conter agentes indutores de dermites de contacto alérgicas, pelo que deverão ser usados com precaução. Na limpeza, deverá ser evitada a fricção excessiva para não agravar a irritação local.

Diaper– O uso de fraldas superabsorventes diminuiu a incidência de DF nos países desenvolvidos. Idem para as clássicas fraldas de pano, reutilizáveis.
No entanto, mais importante do que o tipo de fralda é a frequência das mudas, para que o tempo de contacto da fralda suja com a pele seja mínimo. A mudança frequente de fraldas superabsorventes leva à diminuição da incidência de DF, minorando a humidade e promovendo um pH local mais fisiológico.

Education – Os pais devem ser esclarecidos quanto à importância fulcral das medidas gerais no tratamento da DF, evitando a aplicação de produtos não recomendados que poderão agravar a dermatose.
Caso o processo inflamatório seja muito intenso poderão usar-se dermocorticóides de baixa potência (hidrocortisona a 1%) por curtos períodos. De facto, havendo uma lesão significativa da pele afectada em relação à superfície corporal total da criança, a absorção transcutânea de qualquer tópico aplicado poderá ser maior, conduzindo facilmente à ocorrência de efeitos adversos sistémicos (ver capítulo Inicial desta Parte).

No caso de sobreinfecção por Candida deverão ser usados tópicos com acção antifúngica (nistatina ou clotrimazol).

As infecções bacterianas da área da fralda geralmente necessitam de terapia antimicrobiana oral com amoxicilina-clavulanato, clindamicina ou cotrimoxazol. Antibióticos tópicos como bacitracina deverão ser evitados, devido à possível indução de dermites de contacto alérgicas.

Se as atitudes descritas não forem eficazes, outras causas de DF devem ser consideradas.

Na suspeita de DF alérgica, o tratamento passa pela evicção do alergénio, após identificação do responsável através dos testes epicutâneos.

BIBLIOGRAFIA

Bolognia J, Jorizzo J, Schaffer J (eds). Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Burns T, Brethnach S, Cox N (eds). Rook´s Textbook of Dermatology. Oxford: Blackwell, 2004

Cochito M, Trindade F, Paris FR, et al. Terapêutica Dermatológica em Ambulatório. Lisboa: Lidel, 2007

Darmstad GL, Dinulus JG. Neonatal skin care. Pediatr Clin North Am 2000; 47: 757-482

Guerra-Rodrigo F, Gomes MAM, et al. Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Paller AS, Mancini AJ (eds). Hurwitz Clinical Pediatric Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Weston WL, Lane AT, Morelli JG. Color Textbook of Pediatric Dermatology. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2007

ACNE

Definição e importância do problema

acne (palavra derivada do grego significando eflorescência) é, tal como a dermite seborreica, uma doença das glândulas sebáceas). Trata-se duma dermatose inflamatória crónica, multifactorial, que envolve a unidade pilossebácea. Caracteriza-se por acentuado polimorfismo clínico: comedões (abertos e fechados), pápulas, pústulas, nódulos, quistos e cicatrizes. As lesões localizam-se predominantemente na face, dorso superior e face anterior do tórax (áreas ricas em unidades pilossebáceas). (ver adiante o Glossário)

No que respeita à nomenclatura, são consideradas duas situações: acne propriamente dita (mais frequente e, como tal, mais importante na prática clínica) e erupções acneiformes (em regra precipitadas por agentes externos nos quais se incluem os medicamentos).

A acne vulgar é uma doença muito comum, sobretudo em adolescentes, afectando cerca de 85% da população desta faixa etária. No entanto, pode ser observada na pré-puberdade e em adultos. O impacte psicossocial da acne é enorme. A maioria dos doentes tem baixa autoestima, elevados índices de depressão e ansiedade. Após o seu reconhecimento, impõe-se um tratamento adequado, o mais precocemente possível, por forma a evitar cicatrizes como sequelas.

Etiopatogénese

Na etiopatogénese da acne há a considerar quatro factores interdependentes:

  1. Excesso de produção sebácea;
  2. Alteração da queratinização dos folículos;
  3. Colonização dos ductos pilossebáceos por bactérias lipofílicas, com especial ênfase para a proliferação de Propionibacterium acnes;
  4. Libertação de mediadores inflamatórios.

Recorda-se que a superfície cutânea lipídica, designada por filme lipídico, é composta por mistura de sebo, produto de secreção das glândulas sebáceas, e de lípidos derivados da desintegração das células epidérmicas durante o processo de queratinização.

Vários estudos têm demonstrado que a primeira etapa no processo de desenvolvimento da acne está relacionada com o excesso de produção sebácea. Isto deve-se à estimulação das glândulas sebáceas e dos corneócitos foliculares pelos androgénios, como DHT (De-hidrotestosterona) e testosterona.

A testosterona é o androgénio mais importante na acne por actuar simultaneamente na proliferação das glândulas sebáceas e na lipogénese.

A estimulação hormonal é mais marcada na puberdade, levando a formação de comedões, pápulas e pústulas. O grau de acne comedónica em mulheres em idade pré-pubertária correlaciona-se com os níveis de DHEAS (De-hidroepiandrosterona). Praticamente em simultâneo, verifica-se aumento da proliferação dos queratinócitos, com diminuição da descamação, e consequente obstrução da unidade pilossebácea. À medida que o sebo e a queratina se acumulam no microcomedão, desenvolvem-se comedões abertos e fechados, clinicamente visíveis.

P. acnes é um microrganismo anaeróbio presente nas lesões de acne. A presença deste agente promove a inflamação e a activação da resposta imunológica por uma série de mecanismos, nomeadamente através da estimulação de mediadores pró-inflamatórios que se difundem pela parede folicular. O referido agente P acnes activa receptores de monócitos e neutrófilos que, por sua vez, vão levar a produção de múltiplas citocinas pró-inflamatórias (IL-12. IL-8 e TNF).

Igualmente parece ser importante a acção de P. acnes sobre os triglicéridos do sebo, de que resultam ácidos gordos que exercem quimiotaxia sobre células inflamatórias com invasão e subsequente acção patogénica sobre as estruturas foliculares.

Vários estudos têm sugerido que alguns pacientes evidenciam hipersensibilidade à bactéria P. acnes, o que pode justificar a variabilidade na manifestação quanto a lesões inflamatórias, de indivíduo para indivíduo.

As citocinas produzidas pelas células CD4+ e por macrófagos endoteliais que regulam a produção de mediadores inflamatórios (VCAM-1 ou molécula de adesão à parede vascular, e ICAM-1 ou molécula de adesão intercelular) localizam-se em torno da unidade pilossebácea. Estas alterações favorecem a retenção de queratina e de sebo no folículo, perpetuando o mecanismo fisiopatológico da acne.

Outros mediadores / receptores, incluindo a hormona de crescimento e o factor de crescimento de insulina (IGF), também regulam a produção da glândula sebácea, podendo, desta forma, contribuir para o desenvolvimento da afecção. Por outro lado, a glândula sebácea actua como órgão neuroendócrino-inflamatório que é activado via hormona libertadora de corticotrofina em resposta ao estresse. O aumento da De-hidroepiandrosterona sérica pode estar associada à presença de acne na síndroma do ovário poliquístico.

No âmbito deste ciclo complexo de eventos fisiopatológicos, importa ainda relevar certos factos, decorrentes da investigação:

  • havendo antecedentes familiares da afecção, duplica o risco de desenvolvimento da mesma;
  • a acne surge mais precocemente em doentes do sexo feminino, embora afecte mais frequentemente doentes do sexo masculino;
  • o tabagismo agrava a acne, sobretudo os casos de acne grave;
  • a utilização de cosméticos oleosos, oclusivos e vestuário apertado, podem agravar/ induzir aparecimento da doença;
  • em doentes com hirsutismo, irregularidades no período menstrual, e com desenvolvimento precoce das lesões de acne (2-7 anos) deve suspeitar-se de associação com doenças do foro hiperandrogénico;
  • alguns fármacos, como antiepiléticos e antineoplásicos, podem estar associados ao aparecimento de acne;
  • não está provada, dum modo geral, a associação entre tipo de regime alimentar e desenvolvimento da acne (apenas num estudo se verificou possível associação com ingestão de lacticínios.

Manifestações clínicas

acne vulgar, caracterizada por grande polimorfismo, atinge os locais com mais abundância em glândulas sebáceas: face e tronco superior; não se acompanha de sintomas sistémicos. Os comedões fechados e abertos, geralmente representam a fase inicial da doença. Os comedões fechados traduzem-se por pápulas com a cor de pele, não foliculares, portanto, sem eritema; podem ser imperceptíveis, detectados apenas à palpação. Os comedões abertos correspondem a aberturas foliculares preenchidas por queratina, tendo por isso cor mais escura (preto/ castanhos). (Figuras de 1 a 5)

FIGURA 1. Acne comedónica

FIGURA 2. Acne pápulo-pustulosa moderada

FIGURA 3. Acne pápulo-pustulosa marcadamente inflamatória

FIGURA 4. Acne nodular grave

FIGURA 5. Acne infantil (agravada após aplicação tópica de corticóide)

acne inflamatória inicia-se com o desenvolvimento de comedões, o que leva ao aparecimento de pápulas, pústulas, nódulos e quistos de diferente gravidade. As pápulas eritematosas geralmente têm cerca de 1-5 mm de diâmetro. As pústulas têm uma dimensão semelhante e são constituídas por pus e flora normal. As lesões podem evoluir para formação de nódulos com sinais inflamatórios, e tensos. Os quistos são mais profundos e são preenchidos por pus e fluido sero-hemático.

Em doentes com acne nódulo-quística grave, observa-se a coalescência das lesões, com formação de placas inflamadas. A acne fulminante é uma forma muito rara de acne noduloquística, com repercussões sistémicas: evidenciando aspecto supurativo e ulcerado, é acompanhada de febre, artralgias, mialgias, alterações ósseas e hepatosplenomegalia.

Sob o ponto de vista de sistematização clínica, a literatura aponta ainda outras variantes:

  • acne neonatal: forma rara e transitória, surgindo nas duas primeiras semanas após o nascimento e desaparecendo espontaneamente até aos 3 meses de vida; caracteriza-se pelo aparecimento de pápulas inflamatórias agrupadas em áreas centrais da face, admitindo-se possível associação com níveis elevados de hormonas maternas e também com a colonização dos folículos por leveduras do género Malassezia;
  • acne infantil: forma que surge entre os 3 e os 6 meses de vida e apresentando-se sob a forma de múltiplos comedões que, mantendo-se até aos 12 meses, por vezes, podem levar à formação de cicatrizes punctiformes; o recrudescimento é possível a partir da puberdade;
  • acne mecânica, acne cosmética e acne iatrogénica associada a fármacos, são outras variantes descritas com etiopatogénese facilmente dedutível.

Tratamento

O tratamento precoce da acne é da maior importância, sobretudo para a prevenção de desenvolvimento de cicatrizes. Os tratamentos disponíveis variam em função da gravidade do quadro clínico. O sucesso da terapêutica implica uma compreensão clara e uma adesão ao tratamento por parte do doente; contudo, os resultados são lentos, o que pode desencorajar. Desta forma, é muito importante o correcto esclarecimento da doença por parte do médico, a explicação minuciosa do tratamento, bem como os eventuais efeitos adversos da terapêutica. Em suma, empatia, compreensão e paciência são necessárias.

A. Cuidados gerais

  • A limpeza da pele deve ser um ritual diário, tendo o cuidado de manter o filme hidrolipídico íntegro.
  • A lavagem excessiva pode tornar a pele mais seca, estimulando ainda mais a produção de sebo. Na higiene diária está indicada a utilização de agentes hidratantes adequados para peles oleosas, isentos de gordura / oil free, não comedogénicos.
  • Devem ser averiguados todos os produtos de acção tópica eventualmente aplicados, e suspender os inadequados.
  • A manipulação das lesões está proscrita.
  • É extremamente importante a aplicação de protector solar com elevado índice de protecção, de modo a evitar as alterações da pigmentação e acentuação das cicatrizes.

B. Tratamento tópico

Os tratamentos tópicos da acne são fundamentais. Podem ser utilizados em monoterapia, combinados (casos ligeiros, moderados) ou como coadjuvantes do tratamento sistémico (casos moderados a graves).

1. Monoterapia
    • Peróxido de benzoílo

      É eficaz como agente antibacteriano, sem o risco de desenvolvimento de resistências. Pode ser utilizado sob a forma de gel ou de sabão. Recomendado no tratamento em monoterapia ou em combinação nas formas ligeiras/ graves.

    • Retinóides (isotretinoína, tretinoína, adapaleno)

      Os retinóides tópicos normalizam a hiperproliferação folicular e a hiperqueratinização. Desta forma, têm essencialmente acção comedolítica, mas também anti-inflamatória. Devem ser aplicados uma vez por dia. Estão associados a irritação cutânea, rubor e descamação na fase inicial do tratamento que, depois, tende a reverter. Recomenda-se a utilização de creme hidratante compensador, bem como protecção solar cuidadosa, pela hipersensibilidade à exposição solar classicamente associada aos retinóides.

    • Antibióticos (eritromicina, clindamicina)

      Actuando contra o P. acnes, têm propriedades anti-inflamatórias. No entanto, tem-se colocado o problema do desenvolvimento de estirpes resistentes. Desta forma, a sua utilização em monoterapia não é recomendada.

2. Terapêutica combinada

(peróxido de benzoílo / retinóide tópico; retinóide tópico / antibiótico)
A esta modalidade (considerada actualmente padrão de ouro/gold standard no âmbito do tratamento tópico da acne) são atribuídas as seguintes vantagens: possibilidade de obter efeitos sinérgicos; efeito mais rápido; esquema com uma aplicação diária; possibilidade de maior adesão pelo paciente e família.

C. Tratamento sistémico

O tratamento sistémico deve ser reservado para os casos da acne moderada a grave, os quais devem ser assistidos por especialista de Dermatologia.

Relativamente a esta modalidade de tratamento, importa uma referência a algumas particularidades.

Retinóides (isotretinoína)
  • A introdução da isotretinoína a partir de 1980, veio revolucionar o tratamento da acne. Este fármaco tem a particularidade de ser o único com efeito de indução de indução de remissões a longo prazo, e mesmo da cura, pois actua em vários passos da cadeia etiopatogénica da acne. A dose recomendada é de 0,5-1 mg /kg/dia e o tratamento deve ser prolongado (geralmente mais de 3 meses) até se atingir a dose cumulativa, capaz de induzir remissão sustentada (120mg/kg). Após a interrupção do fármaco, o seu efeito terapêutico mantém-se por mais 1-3 meses.
  • A isotretinoína é teratogénica, razão pela qual a sua prescrição no sexo feminino em idade fértil só poderá ser feita após exclusão de gravidez e sob anticoncepção; está contra-indicada se a adolescente ou mulher adulta estiverem a amamentar.
  • É recomendada a avaliação analítica, antes do início e durante a terapêutica, sobretudo para monitorização dos valores de triglicéridos.
  • A isotretinína tem como principal efeito adverso a xerose da pele e mucosas; em tal circunstância recomenda-se a utilização de emolientes adequados como coadjuvantes do tratamento.
Antibióticos
  • Os antibióticos pertencentes ao grupo das tetraciclinas (minociclina e doxiciclina), actuando ao nível da parede bacteriana, são os mais vulgarmente utilizados. Têm marcado efeito anti-inflamatório e, por isso, têm indicação sobretudo nos casos da acne de predomínio inflamatório. No entanto, à semelhança dos antibióticos tópicos, acarretam riscos de desenvolvimento de estirpes resistentes.
Terapêutica hormonal
  • A terapêutica com estrogénios pode ser utilizada para diminuir a produção sebácea. Por outro lado, diminui a produção de androgénios pelo ovário, suprimindo a libertação de gonadotrofinas. Esta poderá ser uma opção terapêutica em doentes do sexo feminino

GLOSSÁRIO

Comedão Pequena saliência esbranquiçada em cujo centro há um ponto negro, formada por substâncias gordurosas acumuladas numa glândula sebácea. Os comedões localizam-se, preferencialmente, no rosto e constituem uma das manifestações da acne. Nome popular: ponto negro.

BIBLIOGRAFIA

Bolognia J, Jorizzo J, Schaffer J (eds). Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Burns T, Brethnach S, Cox N (eds). Rook´s Textbook of Dermatology. Oxford: Blackwell, 2004

Cochito M, Trindade F, Paris FR, et al. Terapêutica Dermatológica em Ambulatório. Lisboa: Lidel, 2007

Darmstad GL, Dinulus JG. Neonatal skin care. Pediatr Clin North Am 2000; 47: 757-482

Eichenfield LF, Krakowski AC, Piggott C, et al. Evidence-based recommendations for the diagnosis and treatment of pediatric acne. Pediatrics 2013; 131(Suppl 3) : S163-S186

Guerra-Rodrigo F, Gomes MAM, et al. Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010

Habif TP. Clinical Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2015

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Nguyen R, Su J, Treatment of acne vulgaris. Paediatr Child Health 2011; 21:119-125 Paller AS, Mancini AJ (eds). Hurwitz Clinical Pediatric Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Robeva R, Assyov Y, Tomova A, et al. Acne vulgaris is associated with intensive pubertal development and altitude of residence. Eur J Pediatr 2013; 172:465-471

Sawni A, Singh A. Complementary, holistic, and integrative medicine: acne. Pediatr Rev 2013; 34:91-92

Weston WL, Lane AT, Morelli JG. Color Textbook of Pediatric Dermatology. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2007

DERMATITE ATÓPICA

Definição e importância do problema

A dermatite atópica (DA) é uma doença inflamatória crónica, recorrente, com grande variabilidade clínica, muito pruriginosa, de expressão cutânea, muito frequente na infância.

A sua prevalência tem vindo a aumentar nos últimos anos, sobretudo nos países mais desenvolvidos, estimando-se actualmente que atinja cerca de 24% em crianças com menos de 5 anos e cerca de 3,5% dos adultos, na população europeia. Este aumento de prevalência tem sido atribuído a vários factores, como a poluição, maior exposição a ácaros, aditivos alimentares, diminuição da prevalência do aleitamento materno e maior acuidade diagnóstica.

Etiopatogénese

A etiopatogénese depende de interacções complexas entre factores genéticos e factores ambientais, de natureza química, física ou microbiológica. Fundamentalmente baseia-se em três pilares: 1- predisposição genética; 2 – disfunção da barreira cutânea facilitando a entrada de alergénios, irritantes e microrganismos; e 3 – inflamação persistente da derme, com infiltrado inflamatório de tipo Th 2 inicialmente, e Th1 na forma tardia.

Existe uma associação entre a DA e outras doenças, como asma e rinite alérgica; os mecanismos patogénicos envolvidos nestas patologias são em larga medida semelhantes, sendo frequente a agregação familiar.

A importância da genética na DA está demonstrada em vários estudos, nomeadamente comparando a incidência em gémeos monozigóticos com a que se verifica em gémeos dizigóticos e outros irmãos. Foram descritas alterações genéticas em vários cromossomas (3q21, 1q21, 17q25 e 20p), com efeitos na inflamação e imunidade cutâneas condicionando designadamente, aumento da produção de IgE.

Abordando o problema da disfunção da barreira cutânea torna-se obrigatório mencionar a filagrina, que é uma proteína intracelular que se gera durante o processo de cornificação, e cujos polipéptidos contribuem para a agregação dos filamentos de queratina. Assim, a filagrina é essencial para manter uma barreira cutânea intacta e uma correcta hidratação da epiderme. Será fácil compreender que mutações no gene da filagrina predispõem a défice funcional da barreira com efeitos diversos, entre eles, aumento da perda de água transepidérmica, aumento do pH cutâneo e a maior predisposição para DA. Diversos estudos demonstraram que a pele dos pacientes com DA evidencia uma expressão diminuída da filagrina e aumento do risco de sensibilizações alérgicas e asma.

Outro aspecto da disfunção da barreira da pele relaciona-se com alterações na composição lipídica do cimento intercelular explicáveis por défice de certos ácidos gordos essenciais e de ceramidas cuja aplicação induz melhoria clínica.

Comparando a pele de indivíduos saudáveis com a de indivíduos com lesões agudas e crónicas de DA, notam-se as seguintes diferenças de padrão inflamatório:

  • na pele não lesada de indivíduos atópicos e, sobretudo, nas lesões de DA aguda, verifica-se aumento de células expressando IL-4 e IL-13;
  • na DA aguda não se verifica número significativo de células que expressam IFN-gama ou IL-12;
  • nas lesões crónicas de DA evidencia-se menor número de células que expressam IL-4 e IL-13, mas aumento do número de células que expressam IL-5, GM-CSF, IL-12 e IFN-gama em comparação com a DA aguda, traduzindo um shift TH1.

Ainda no que respeita ao padrão inflamatório importa salientar que nos pacientes com DA se verificam os seguintes factos: – colonização constante por Staphylococcus aureus, para além doutros agentes, o que facilita a instalação de quadros de impetigo; – colonização que tem um papel relevante na manutenção de processos inflamatórios crónicos através da estimulação directa de linfócitos T pelos superantigénios que as bactérias colonizadoras produzem; – interferência de certas proteínas estafilocócicas na síntese de IgE, IL-4 e IFN-gama, podendo induzir a libertação de histamina e de leucotrienos.

Investigações recentes chamaram a atenção para o papel de péptidos antimicrobianos chamados catelicidinas (LL-37) e beta-defensinas (HBD-2) que existem na pele humana normal e cuja expressão está aumentada em doenças inflamatórias como a psoríase. A combinação de LL-37 e HBD-2 tem efeito sinérgico bactericida contra S. aureus. Nos pacientes com DA verificou-se que o teor dos referidos péptidos na pele é baixo, quer em lesões agudas quer em lesões crónicas. Estes dados poderão explicar a já referida frequente colonização da pele por tal microrganismo. (ver Parte Imunoalergologia)

Manifestações clínicas

A DA inicia-se em cerca de 75% dos doentes nos primeiros 6 meses de vida e em cerca de 90% nos primeiros cinco anos; é raro o início da doença após a idade pediátrica. Pode haver remissão espontânea em 60% dos casos com evolução recorrente nos restantes. Evolui com episódios de agudização caracterizados por prurido intenso. As localizações características variam com a idade.

A DA caracteriza-se, nas fases de agudização, pelo aparecimento de pápulas ou placas eritematodescamativas, muito pruriginosas, por vezes com edema e exsudação. À medida que evoluem para a cronicidade, as placas tornam-se mais espessas e liquenificadas, secas, de coloração eritematosa – acastanhada, com acentuação do reticulado normal da pele. Em todas as fases o prurido é um sintoma constante e assume importância pela sua intensidade, levando a coceira incoercível e perturbações do sono e da qualidade de vida.

Nas crianças até aos 2 anos de idade as lesões localizam-se sobretudo na face, na região retroauricular – onde podem produzir fissuração – e nas superfícies de extensão dos membros superiores e inferiores. Podem, porém, generalizar-se e atingir grande parte da superfície corporal.

À medida que a criança cresce, as lesões passam a estar localizadas sobretudo nas pregas de flexão dos membros, continuando a ser comum o envolvimento facial, cervical e retroauricular (Figura 1), evidenciando carácter acentuadamente exsudativo nas pálpebras, bochechas, preservando o maciço centrofacial.

De referir, por comparação, que nos adultos é também este o padrão habitual, sendo frequente o eczema palpebral, muitas vezes persistente e criando dificuldades terapêuticas.

Há várias alterações cutâneas características da DA que podem ser observadas mesmo nos períodos de remissão da doença, nomeadamente a xerose generalizada, a prega ou linha de Denni-Morgan (prega transversal nas pálpebras inferiores), a pitiríase alba (manchas hipopigmentadas residuais), a queratose pilar (micropápulas foliculares nas superfícies de extensão proximais dos membros, ásperas), o dermografismo branco, a queilite (cieiro) e a dermatose plantar juvenil.

No chamado eczema numular existem placas circulares de diversas dimensões, pruriginosas e exsudativas, por vezes com crostas. O aspecto morfológico poderá suscitar o diagnóstico diferencial com toxidermias, dermatofitias e pitiríase rosada ou doença de Gibert.

Verifica-se maior susceptibilidade a irritantes, como água, produtos de limpeza comuns, detergentes, químicos, e a alergénios de contacto. Outro aspecto importante na prática clínica é a maior susceptibilidade dos doentes com DA às infecções, traduzindo-se num maior risco de quadros infecciosos graves, bacterianos ou víricos, por exemplo a disseminação de infecção pelos vírus Herpes simplex de que resulta o chamado eczema herpeticum. (Figuras 2 e 3)

FIGURA 1. Eczema atópico grave afectando a face

FIGURAS 2 e 3. Eczema herpeticum (NIHDE)

Hidratação cutânea

Emolientes – Uma formulação emoliente adequada com efeito de poupança de esteróides deverá conter ácidos gordos essenciais, óleos, substâncias calmantes, suavizantes e antipruriginosas, na forma de emulsão O/A (consultar Glossário geral) . Deve ser de fácil aplicação, com textura agradável e não ser excessivamente gorda para que não constitua um factor de rejeição a uma aplicação diária por períodos prolongados, embora suficientemente gorda para impedir a evaporação. Devem ser utilizados diariamente, quer na prevenção/manutenção, quer nas fases de agravamento da doença.

Em períodos de maior exacerbação pode reforçar-se o efeito emoliente com banhos rápidos de imersão (10 minutos), a temperaturas tépidas, seguidos da aplicação imediata de emolientes. Nas áreas de xerose (pele anormalmente seca), a hidratação deverá ser efectuada ao longo do dia de forma repetida.

Terapêutica farmacológica

Corticosteróides – Em formulações tópicas (preferencialmente cremes), constituem a terapêutica efectiva de primeira linha. O tipo de fármaco varia consoante a apresentação clínica, a localização das lesões e o período previsível de utilização, verificando-se maior absorção em áreas de oclusão e nas pregas.

A corticoterapia tópica não deverá ser prescrita em períodos prolongados, pelo risco de efeitos secundários. Os cremes e loções deverão ser reservados para lesões agudas e as pomadas para lesões de maior cronicidade. A hidrocortisona a 1%, de menor potência, é o corticosteróide tópico de primeira escolha para a face. No restante tegumento deverão ser preferidos corticosteróides de maior potência, com reduzidos efeitos sistémicos (metil-prednisolona a 0.1%; fluticasona a 0.05%). Estes fármacos deverão ser aplicados idealmente após o banho, à noite.

A prescrição de corticóides sistémicos deverá reservar-se a ciclos muito curtos para permitir a redução da intensidade das lesões e facilitar a instituição de formas terapêuticas menos agressivas; a prednisolona (até 1mg/Kg/dia, em períodos geralmente inferiores a 1 semana) é de elevada eficácia, devendo proceder-se a uma diminuição progressiva da dose para obviar recorrências.

Antibióticos – A antibioticoterapia é frequentemente necessária na terapêutica da DA. Utiliza-se habitualmente ácido fusídico tópico ou mupirocina nas situações de impetiginização ligeira das lesões de eczema, sendo de evitar a aplicação tópica de produtos contendo penicilina ou sulfamidas, devido ao risco de sensibilização. Nos quadros de impétigo manifesto dever-se-á optar por antibiótico sistémico cujo espectro inclua S. aureus. Com efeito, a infecção cutânea é comum, particularmente com o referido agente. As combinações de corticóides e antimicrobianos para uso tópico devem ser reservadas às formas de DA infectada, circunscrita. A terapêutica anti-infecciosa sistémica é de extrema importância nas formas infectadas graves; a flucloxacilina, os macrólidos e as cefalosporinas são os antibióticos sistémicos de eleição.

Anti-histamínicos – Os anti-histamínicos sistémicos (hidroxizina, loratadina, cetirizina) são úteis para reduzir o purido, considerando-se neste contexto preferíveis as moléculas da 1ª geração, com efeitos sedativos. Não devem ser utilizados anti-histamínicos tópicos.

Inibidores tópicos da calcineurina – Actualmente dispomos de uma excelente alternativa à corticoterapia tópica: os chamados imunomoduladores tópicos – tacrolimus e pimecrolimus. Trata-se de macrólidos imunossupressores que se ligam a um receptor intracelular (imunofilina) formando um complexo que inibe a calcineurina e, em consequência, a transcrição nuclear do gene de IL2 e de vários mediadores inflamatórios, tais como interleucinas, TNF-alfa, IFN-gama, etc.. A sua actividade imunossupressora é complexa, sendo capazes nomeadamente de inibir a desgranulação de mastócitos, diminuir a expressão de receptores para interleucinas (IL-8) e de diminuir a expressão de moléculas de adesão.

De acordo com os dados disponíveis a sua aplicação tópica é bastante segura, sendo a absorção sistémica quase nula. O efeito secundário mais frequente é uma sensação transitória de ardor ou picada no local de aplicação, que não impede habitualmente a continuação do tratamento, e se desvanece à medida que este prossegue, acompanhando a melhoria cutânea. Ao contrário dos corticosteróides tópicos, os imunomoduladores tópicos não provocam atrofia da pele e não induzem taquifilaxia.

Estas novas terapêuticas têm sido muito úteis, rapidamente alcançando o estatuto de fármacos de primeira linha, quer como terapêutica de manutenção, quer como alternativa aos corticosteróides nas fases subagudas, sobretudo em áreas de maior susceptibilidade aos efeitos secundários destes.

O tacrolimus é uma pomada comercializada em duas concentrações: 0,03% e 0,1%. Está comprovada a sua eficácia e segurança em adultos e em crianças.

O pimecrolimus, na forma de creme a 1%, tem maior especificidade cutânea e melhor tolerância, havendo estudos que comprovam a sua segurança em bebés a partir dos 3 meses de idade. Tem uma afinidade para a calcineurina, cerca de 3 vezes inferior à do tacrolimus.

Imunossupressores – A ciclosporina A é uma boa alternativa que tem sido usada com sucesso e com bom perfil de segurança. Com doses iguais ou inferiores a 5mg/kg/dia obtêm-se habitualmente remissões rápidas. As taxas de recorrência são altas (cerca de 75% às 6 semanas).

Também o metotrexato, o micofenolato de mofetil e a azatioprina são imunossupressores eficazes que podem ser úteis no controlo de situações refractárias, embora o seu uso seja limitado pela potencial toxicidade.

Outros fármacos – Os inibidores dos leucotrienos foram tentados como terapêutica adjuvante mas não revelaram grande eficácia.

Os estudos com interferão gama e alfa tiveram resultados clínicos muito variáveis, globalmente pouco animadores e com efeitos secundários sistémicos importantes.

Com omalizumab tem-se conseguido resultados globalmente satisfatórios mas irregulares.

Estudos recentes avaliando o possível papel dos probióticos e simbióticos na prevenção e ou tratamento complementar nos casos de DA, concluíram que os mesmos têm efeito na prevenção da sensibilização a alergénios alimentares comuns, reduzindo a incidência de DA na primeira infância.

Fototerapia e vitamina D 

A fototerapia com radiação ultra-violeta B (UVB) e a fotoquimioterapia com radiação ultra-violeta A, após fotossensibilização com psoralenos (PUVA), são também opções terapêuticas de segunda linha, muito úteis e eficazes em doentes com idade e capacidade para colaborar.

Estudos recentes demonstraram que níveis mais elevados do metabólito 25 (OH) vitamina D se correlacionam com melhoria clínica, e níveis traduzindo deficiência do metabólito, com agravamento.

Em suma, salienta-se que a DA é uma doença com evolução crónica e início precoce, que afecta muito gravemente a qualidade de vida, de forma considerada equivalente à da diabetes insulino – dependente.

Todas as atitudes terapêuticas devem ser cuidadosamente avaliadas no sentido de evitar os efeitos acessórios que a sua aplicação crónica ou prolongada pode acarretar.

São referidas a seguir algumas regras gerais importantes a seguir, nos cuidados com a pele em idade pediátrica, e aplicáveis em diversas situações anteriormente descritas.

  1. O banho deve ser diário, muito rápido (5 a 10 minutos), sempre com água tépida e utilizando produtos de limpeza adequados: sabões supergordos, syndets (sólidos ou líquidos), óleos de banho dispersíveis ou ainda banhos coloidais (que utilizam cereais que removem por adsorsão os detritos lipo e hidrofílicos e deixam uma camada superficial protectora).
  2. O produto ideal para o banho deverá respeitar o pH cutâneo, a camada lipídica superficial e o ecossistema da pele.
  3. Os emolientes devem ser usados preferencialmente após o banho, com a pele ainda húmida.

*Syndets: detergentes sintéticos ou “sabão sem sabão”, com pH neutro ou ligeiramente ácido, bom efeito detergente, fazendo pouca espuma. Também chamados “Pains”, podem apresentar-se em formas sólidas ou líquidas.

BIBLIOGRAFIA

Allen SJ, Jordan S, Storey M, et al. Probiotics in the prevention of eczema: a randomised controlled trial. Arch Dis Child 2014; 99: 1014 -1019

American Academy of Dermatology Task Force. Guidelines of care for the management of atopic dermatitis: section 1. Diagnosis and assessment of atopic dermatitis. J Am Acad Dermatol 2014; 70: 338-351

Berke R, Singh A, Guralnick M. Atopic dermatitis: an overview. Am Fam Physician 2012; 86: 35 – 42

Bieber T. Atopic dermatitis. Ann Dermatol 2010; 22: 125 – 137

Brown S, Reynolds NJ. Atopic and non-atopic eczema. BMJ 2006; 332: 584-588

Eichenfield LF, Ellis CN, Mancini AJ, et al. Atopic dermatitis: epidemiology and pathogenesis update. Semin Cut Med Surg 2012; 31: 3 – 5

Elazab N, Mendy A, Gasana J, et al. Probiotic administration in early life, atopy and asthma: a meta-analysis of clinical trials. Pediatrics 2013; 132: e666-e676

Gehring U, Bolte G, Borte M, et al. Exposure to endotoxin decreases the risk of atopic eczema in infancy: a cohort study. J Allergy Clin Immunol 2001; 108:847-853

Guerra-Rodrigo F, Gomes MAM, et al. Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010

Habif TP. Clinical Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2015

Hanifin et al. Guidelines of care for atopic dermatitis. J Am Acad 2004; 50: 391-404

Ibáñez MD, del Río PR, Alsina D G-S, et al. Effect of synbiotic supplementation on children with atopic dermatitis: an observational prospective study. Eur J Pediatr 2018; 177:1851–1858

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

LePoidevin LM, Lee DE, Shi VY. A comparison of international management guidelines for atopic dermatitis. Pediatr Dermatol 2019; 36: 36-65

Leung DY, Bieber T. Atopic dermatitis. Lancet 2003; 361: 151 – 160

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Mutgi K, Koo J. Update on the role of systemic vitamin D in atopic dermatitis. Pediatric Dermatology 2013; 30: 303- 307

Paller AS, Mancini AJ (eds). Hurwitz Clinical Pediatric Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Pelucchi C, Chatenaud L, Turati F, et al. Probiotics supplementation during pregnanacy or infancy for the prevention of atopic dermatitis: a meta-analysis. Epidemiology 2012; 23: 402-414. doi: 10.1097/EDE.0b013e31824d5da2.

Sawni A, Singh A. Complementary, holistic, and integrative medicine: acne. Pediatr Rev 2013; 34:91-92

Shekariah T, Kalavala M, Alfaham M. Atopic dermatitis: a practical approach. Paediatr Child Health 2011; 21:112-118

Siegfried EC, Igelman S, Jaworsk JC, et al. Use of dupilimab in pediatric atopic dermatitis: Access, dosing, and implications for managing severe atopic dermatitis. Pediatr Dermatol 2019; 36: 172-176

Simon D, Lang KK. Atopic dermatitis: from new pathogenic insights toward a barrier-restoring and anti-inflammatory therapy. Curr Opin Pediatr 2011; 23: 647-652

Simon D, Lang KK. Atopic dermatitis: from new pathogenic insights toward a barrier-restoring and anti-inflamatory therapy. Curr Opin Pediatr 2011; 23: 647-652

von Kobyletzki LB, Bornehag C-G, Hasselgren M, Eczema in early childhood is strongly associated with development of asthma and rhinitis in a prospective cohort. BMC Dermatology 2012; 12:11

Waldman AR, Ahluwalia J, Udkoff J, et al. Atopic dermatitis Pediatr Rev 2018; 39: 180-193; DOI: 10.1542/pir.2016-0169

Weston WL, Lane AT, Morelli JG. Color Textbook of Pediatric Dermatology. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2007

Wolf R, Wolf D. Abnormal epidermal barrier in the pathogenesis of atopic dermatitis. Clin Dermatol 2012; 30: 329-334

Yang EJ, Beck KM, Sekhon S, et al. The impact of pediatric atopic dermatitis on families: A review. Pediatr Dermatol 2019; 36: 66-71

DERMATITE SEBORREICA

Definição

Define-se seborreia (etimologicamente, excesso de sebo ou secreção sebácea) como aumento do teor em lípidos na superfície cutânea; trata-se dum estado fisiológico constitucional da pele (seborreica) que fica lisa, brilhante, untuosa, com dilatação dos poros foliculares, por vezes acompanhada de ligeiro eritema difuso. Localiza-se nas regiões em que as glândulas sebáceas são mais numerosas e desenvolvidas – as regiões seborreicas: couro cabeludo, fronte, pirâmide nasal, pregas axilares e inguinais.

A pele seborreica é com frequência sede de diversas dermatoses que por ela estão condicionadas ou que dela dependem, como sucede na dermite (ou Dermatite) seborreica.

A chamada dermite seborreica (doença das glândulas sebáceas) é uma dermatose caracterizada por manchas ou placas finas de eritema variável e escama amarelada untuosa, que ocorre nas áreas do corpo com maior concentração de glândulas sebáceas, designadas de áreas seborreicas (couro cabeludo, face, região retroauricular, região pré-esternal e áreas intertriginosas).

Na idade pediátrica estão descritas duas faixas etárias de incidência, respectivamente, a infância e a adolescência, com padrões clínicos diferentes.

Etiopatogénese

Apesar de se tratar duma doença frequente, a etiopatogénese não está completamente esclarecida. A hipótese mais aceite actualmente está relacionada com a reacção inflamatória à presença das leveduras do género Malassezia e dos seus metabólitos (nomeadamente o ácido oleico, a malassezina e o indol-3-carbaldeído), num fundo de susceptibilidade genética/imunitária individual.

As leveduras do género Malassezia são comensais do microbioma cutâneo. No entanto, em elevadas concentrações, podem alterar a função de barreira da pele e afectar o controlo da inflamação. O número destas leveduras geralmente diminui com a resposta clínica favorável à terapêutica e aumenta de novo nas exacerbações clínicas. Porém, não existe uma correlação directa entre o número de leveduras e a presença e a gravidade da dermite seborreica.

A doença afecta as regiões anatómicas onde existem glândulas sebáceas activas e está frequentemente associada à hiperprodução de sebo. No entanto, existem indivíduos com aumento da produção de sebo sem dermite seborreica, e indivíduos com dermite seborreica, e com produção normal de sebo.

A presença de factores de susceptibilidade do indivíduo relacionados com o metabolismo dos lípidos cutâneos, a resposta imunitária e a resposta inflamatória poderão justificar estes factos. Sabe-se também que algumas espécies de Malassezia produzem ácido oleico na superfície cutânea por actividade da sua lipase, sendo o ácido oleico irritante para a pele. Outras produzem malassezina e indol-3-carbaldeído, substâncias com actividade na imunorregulação. Assim, a quantidade de sebo produzida não é por si só um factor relevante, mas sim a composição dos lípidos da superfície cutânea determinada por factores genéticos do indivíduo e pela actividade domicrobioma, sobretudo das leveduras do género Malassezia.

Manifestações clínicas

A dermite seborreica da infância surge entre a 2ª e a 10ª semanas de vida e tem o seu pico aos 3 meses de idade. Habitualmente, a manifestação inicial surge no couro cabeludo (sobretudo no vértex e fontanela anterior) sob a forma de escamas amareladas e untuosas, desde finas a muito espessas e aderentes ao couro cabeludo e cabelo, e é designada de crosta láctea (Figura 1). Na maioria dos casos, encontra-se limitada ao couro cabeludo, mas pode atingir a região frontal (Figura 2), pavilhões auriculares, supracílios, nariz e nuca. Podem aparecer lesões eritematosas, de bordos mais ou menos definidos e escama fina, na face e noutras regiões seborreicas, como as regiões retroauricular, cervical (Figura 3), axilar, inguinal, umbilical e anogenital, de forma simétrica. Nas regiões axilares e inguinais, pode ocasionalmente haver eritema exuberante com exsudação e sobreinfecção por Candida. A doença é aparentemente assintomática, sem prurido, e o paciente não evidencia qualquer alteração do estado geral.

A dermite seborreica da infância é autolimitada, resolvendo-se espontaneamente em semanas ou meses (na maioria pelos 8-12 meses de idade). Ocasionalmente, algumas crianças, sobretudo de raça negra, poderão manter ligeira descamação do couro cabeludo durante a idade pré-escolar.

Na adolescência, pode haver recorrência ou aparecimento de novo de dermite seborreica. Nesta faixa etária, o padrão clínico é semelhante ao do adulto: manchas ou placas finas, de eritema mais ou menos intenso e escama untuosa amarelada, sobretudo no couro cabeludo, supracílios, sulcos nasogenianos e região pré-esternal. No couro cabeludo, o prurido é frequente e as lesões menos definidas. Com menor frequência, pode ser causa de intertrigo axilar e inguinal. Ocasionalmente pode ser causa de otite externa não purulenta. O curso da doença é crónico recorrente, e de intensidade flutuante, muitas vezes exacerbado por questões de tensão psicoemocional. A exposição ao sol e ao calor poderão exacerbar a doença.

FIGURA 1. Crosta láctea

FIGURA 2. Crosta láctea e dermite seborreica da região frontal

FIGURA 3. Dermite seborreica da prega cervical

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico da dermite seborreica é clínico. Na infância, realiza-se o diagnóstico diferencial com:

  • Dermite atópica – A dermite seborreica tem geralmente início mais precocemente (<3 meses). O padrão de distribuição é diferente e a escama untuosa. A ausência de prurido, irritabilidade e perturbação do sono é também uma característica diferenciadora. A dermite atópica pode seguir-se à dermite seborreica.
  • Dermite de contacto irritativa da área da fralda – A dermite irritativa da área da fralda sem outra complicação geralmente limita-se à area da fralda e tende a poupar as pregas.
  • Psoríase – Se o padrão anatómico for semelhante, as lesões podem ser semelhantes, dado que as lesões de psoríase nas pregas não têm a característica escama amiantácea. Caso existam placas de psoríase típicas noutros locais, o diagnóstico diferencial será facilitado. Caso contrário, a evolução da dermatose revelará o diagnóstico.
  • Síndroma de Leiner – Síndroma rara que combina dermatose semelhante a dermite seborreica grave generalizada, podendo associar-se a diarreia e paragem de crescimento e progredir para eritrodermia esfoliativa. Está associada a várias imunodeficiências.
  • Histiocitose das células de Langerhans – A clínica pode ser muito semelhante, com distribuição nas áreas seborreicas e descamação espessa no couro cabeludo e regiões retroauriculares. No entanto, note-se a existência de pápulas eritemato-acastanhadas, frequentemente erosionadas ou com crosta, lesões purpúricas e envolvimento sistémico (diarreia, anemia, hepatoesplenomegália, linfadenopatia, envolvimento ósseo).

No caso das crianças em idade pré-escolar que tenham descamação do couro cabeludo, pode ser necessário o diagnóstico diferencial com tinha do couro cabeludo por Trichophyton tonsurans. Um curso crónico arrastado, sem alopécia, será mais a favor de dermite seborreica.

No adolescente, a psoríase poderá também fazer parte do diagnóstico diferencial se a dermite seborreica for de atingimento exclusivo do couro cabeludo, com lesões mais definidas e de escama mais grossa.

Tratamento

Na infância, o tratamento baseia-se em produtos de lavagem e tópicos com acção emoliente. Em casos mais extensos ou persistentes, poderá indicar-se cetoconazol a 2% em creme e ciclos curtos de corticóides tópicos de baixa potência (hidrocortisona a 1%), se componente inflamatório significativo. No couro cabeludo, preconiza-se a higiene frequente com champôs suaves; se a escama for muito espessa e aderente, poderão usar-se óleos emolientes, com aplicação em camada fina seguida de massagem suave com uma escova macia e posterior lavagem. Poderão ainda usar-se champôs, emulsões ou cremes disponíveis no mercado que associam substâncias com propriedades emolientes e queratolíticas suaves. Devem ser evitados queratolíticos fortes ou procedimentos mecânicos agressivos, que podem exacerbar a doença.

Na dermite seborreica do couro cabeludo do adolescente, recomenda-se o uso de champôs com propriedades anti-fúngicas (cetoconazol, climbazol, miconazol, piroctona olamina, piritionato de zinco) e/ou queratolíticas (ácido salicílico, lactato de amónio), 2 a 3 vezes por semana, alternados com o champô de frequência habitual. Em períodos de excerbação, poderão ser usados corticóides de média potência (por exemplo, 17-butirato de hidrocortisona em solução, 1 mg/ml, aplicado à noite). Na dermite seborreica de outros locais do corpo, pode recomendar-se a aplicação diária de cremes que associam substâncias emolientes e antifúngicas (piroctona olamina, piritionato de zinco). Nas exacerbações, poderão ser aplicados corticosteróides tópicos de média potência ou, inibidores tópicos da calcineurina (estes últimos na face).

Prognóstico

A dermite seborreica é uma doença benigna com bom prognóstico. Na infância tem resolução espontânea. Na adolescência, do mesmo modo que no adulto, é uma doença crónica de curso flutuante, geralmente controlável com o tratamento.

BIBLIOGRAFIA

Bolognia J, Jorizzo J, Schaffer J (eds). Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Burns T, Brethnach S, Cox N (eds). Rook´s Textbook of Dermatology. Oxford: Blackwell, 2004

Cochito M, Trindade F, Paris FR, et al. Terapêutica Dermatológica em Ambulatório. Lisboa: Lidel, 2007

Darmstad GL, Dinulus JG. Neonatal skin care. Pediatr Clin North Am 2000; 47: 757-482

Guerra-Rodrigo F, Gomes MAM, et al. Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010

Habif TP. Clinical Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2015

Kliegman RM, Stanton BF, Geme JWSt, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Paller AS, Mancini AJ (eds). Hurwitz Clinical Pediatric Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Weston WL, Lane AT, Morelli JG. Color Textbook of Pediatric Dermatology. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2007

O ÓRGÃO PELE – GENERALIDADES ​

Importância do problema

A Dermatologia Pediátrica, com um grande incremento nos últimos trinta anos, nalguns países constitui uma subespecialidade em plena expansão.

Na realidade, as particularidades da pele num período da vida caracterizado pelo crescimento e desenvolvimento, a importância das manifestações dermatológicas no reconhecimento da maior parte de doenças genéticas complexas, bem como todas as manifestações mais comuns neste grupo etário, ou ainda a especificidade das subtilezas clínicas, justificam o interesse e a sua individualidade.

De salientar ainda o grande número de queixas na área da Dermatologia, o impacte no desenvolvimento e autoestima das doenças cutâneas na criança e em particular na adolescência.

Nos capítulos seguintes são abordados os problemas dermatológicos com que o médico de família e o pediatra mais frequentemente lidam; na ausência de complicações pode-se considerar que a respectiva orientação e terapêutica são consideradas do foro dos referidos clínicos.

De acordo com critérios semiológicos e etiopatogénicos foi estabelecida a seguinte sistematização: Doenças das glândulas sebáceas: acne e doença seborreica; Dermatite atópica; Dermatite das fraldas; Doenças eritemato-descamativas: psoríase e pitiríase rosada/doença de Gibert; Zoonoses: pediculose e escabiose; Doença infecciosa vírica: molusco contagioso; Doença tumoral benigna: hemangiomas.

Alguns dos problemas dermatológicos, enquadrados em determinadas entidades, sistémicas ou não, são também abordados noutras partes do livro, designadamente (Infecciologia, Imunoalergologia, Reumatologia, Oftalmologia, etc.).

A estrutura e a função da pele

A pele é um órgão estrutural e funcionalmente complexo. Envolve totalmente o corpo e continua-se com as mucosas orificiais. É composta por duas partes embriologicamente distintas: a epiderme e seus anexos (pêlos, unhas e glândulas), de origem ectodérmica, e a derme e hipoderme, com origem na mesoderme. Os nervos e melanócitos têm origem neuroectodérmica.

A epiderme é um epitélio estratificado pavimentoso, queratinizado e avascular que está submetido a um ciclo contínuo de renovação. É composta por quatro tipos de células: os queratinócitos, os melanócitos, as células de Langerhans e as células de Merkel. Microscopicamente organiza-se em quatro estratos, que da profundidade para a superfície, se denominam de basal, espinhoso, granuloso e córneo. Os queratinócitos são dotados de capacidade de diferenciação em células anucleadas (corneócitos) que revestem a superfície epidérmica – camada córnea.

A derme é constituída por células residentes (fibroblastos, mastócitos, histiócitos e macrófagos), por uma população variável de células migrantes (linfócitos, plasmócitos e eosinófilos), por fibras (colagénio e elásticas) e por substância fundamental. Nela se integram os anexos epidérmicos, os vasos e os nervos provenientes da hipoderme.

A derme, assentando na hipoderme ou tecido celular subcutâneo, é constituída por lobos adiposos separados por septos fibrosos.

A função mais importante da pele é manter a homeostasia interna, prevenindo a perda de água, regulando a temperatura corporal e protegendo da absorção de substâncias nocivas, radiação ultravioleta, entrada de microrganismo e traumatismos físicos.

Tal função de barreira cutânea começa a desenvolver-se in utero, com aparecimento de uma epiderme totalmente desenvolvida às 34 semanas de gestação e uma maturação completa do estrato córneo entre as 30 e as 37 semanas.

 Diferenças estruturais entre a pele do recém-nascido e do adulto

Nos primeiros dias de vida, a pele dos recém-nascidos (RN) sofre vários processos de adaptação necessários à transição do ambiente húmido intrauterino para a atmosfera, considerada “ambiente seco”.

Extensas pesquisas levadas a cabo nos últimos 10 anos mostraram que a pele no RN a é estrutural e funcionalmente imatura comparada com a dos adultos: sucintamentre, realça-se que: – a epiderme é mais fina; – o grau de hidratação é reduzido por aumento da perda transepidérmica de água; – o pH é básico, sendo que a progressiva acidificação que vai surgindo progressivamente confere protecção contra potenciais microrganismos; – a colonização microbiana precoce favorece o desenvolvimento da função imunológica da pele, e provavelmente a maturação de outras funções de defesa da barreira cutânea; – o estabelecimento do microbioma cutâneo saudável processa-se ao longo do primeiro ano de vida; – a relação superfície/massa corporal consideravelmente superior nos RN (700 cm2/kg) comparativamente aos adultos (250 cm2/kg); – a imaturidade do sistema de metabolização, transporte e destoxificação de fármacos, convergem para se verificar maior susceptibilidade aos efeitos de eventual toxicidade percutânea.

Tendo em consideração as implicações práticas da especial susceptibilidade inerente à pele do RN, podem ser tiradas as seguintes ilações: – apenas produtos indispensáveis deverão ser aplicados a pequenos lactentes; – está contraindicada a utilização de antissépticos como o ácido bórico; – recomenda-se prudência na aplicação de certos parasiticidas ou repelentes; – certos fármacos como corticóides tópicos potentes administrados durante tempo prolongado poderão originar supressão funcional do do eixo hipófise suprarrenal.

Recomendações quanto à necessidade de cuidados com a pele

Os cuidados com a pele dos RN e crianças pequenas variam entre populações e são maioritariamente baseados em factores tradicionais e culturais. Em 2009 e 2016 foram publicadas recomendações, a seguir sintetizadas.

  • Primeira limpeza: o RN deve ser apenas seco com uma toalha para estabilização da temperatura. A permanência da vernix caseosa oferece vantagens em termos de protecção cutânea e apenas o excesso deve ser removido. Um primeiro banho muito precoce deve ser evitado para não atrasar de forma desnecessária a amamentação e o contacto pele com pele e aumentar o risco de hipotermia. Se o primeiro banho for dado por profissionais de saúde, estes devem idealmente usar luvas para prevenir a contaminação microbiana dos RN. (ver Parte referente à Perinatologia/Neonatologia).
  • Banho regular: pode ser dado sem receios, mesmo antes da queda do cordão umbilical. A recomendação para dar banho tem vantagens em relação à limpeza com um pano ou esponja, nomeadamente no que diz respeito a menor perda de água transepidérmica e maior hidratação do estrato córneo. Por outro lado, o banho ao fim do dia ajuda a acalmar o bebé e a melhorar o sono, sendo um momento de divertimento, estimulação táctil e criação de laços com o cuidador. O banho deve ter uma duração ideal entre 5 a 10 minutos e uma frequência de, pelo menos, duas a três vezes por semana.
    Podem ser usados agentes de limpeza líquidos suaves, preferencialmente compostos por detergentes sintéticos (syndets), não perfumados e com pH neutro ou ácido (5,5-7,0). Os vulgares sabões ou sabonetes contêm surfactantes na sua composição, o que contribui para remover o factor de hidratação natural e lípidos cutâneos, podendo comprometer a normal maturação da barreira cutânea.
  • Segurança durante o banho: a banheira deve estar colocada num local seguro. A contaminação microbiana é evitada mantendo a banheira e brinquedos limpos (a desinfecção apenas é necessária em contexto hospitalar). A temperatura ideal da água situa-se entre os 37-37,5ºC e a do ambiente entre 22-24ºC. A altura do nível da água não deve ultrapassar o nível da anca do bebé sentado (+/- 5 cm) e a criança nunca deve ser deixada sozinha.
  • Após o banho: o bebé deve ser coberto com uma toalha seca imediatamente após o banho para evitar diminuição da temperatura corporal. É recomendada a aplicação diária de emoliente em todo o tegumento, idealmente logo após o banho. O seu uso habitual preserva e aumenta a função de barreira cutânea. Devem ser aplicados em camada fina para evitar efeito oclusivo, sobretudo na área das pregas. A escolha deve recair sobre os emolientes sem fragrâncias e conservantes para evitar efeitos de irritação ou sensibilização cutâneas.
    Não está recomendada a utilização de óleos vegetais alimentares na água do banho ou directamente na pele do bebé, uma vez que é difícil garantir a sua composição química e biológica e não estão comprovados os seus efeitos benéficos. Os óleos minerais adequadamente formulados são estáveis, quimicamente inertes e seguros, podendo ser usados para massagem do bebé.

BIBLIOGRAFIA

Bolognia J, Jorizzo J, Schaffer J (eds). Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Burns T, Brethnach S, Cox N (eds). Rook´s Textbook of Dermatology. Oxford: Blackwell, 2004

Cochito M, Trindade F, Paris FR, et al. Terapêutica Dermatológica em Ambulatório. Lisboa: Lidel, 2007

Darmstad GL, Dinulus JG. Neonatal skin care. Pediatr Clin North Am 2000; 47: 757-482

Guerra-Rodrigo F, Gomes MAM, et al. Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010

Habif TP. Clinical Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2015

Kliegman RM, Stanton BF, Geme JWSt, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Paller AS, Mancini AJ (eds). Hurwitz Clinical Pediatric Dermatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Weston WL, Lane AT, Morelli JG. Color Textbook of Pediatric Dermatology. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2007

REABILITAÇÃO RESPIRATÓRIA

Importância do problema

Na fisiopatologia respiratória da criança, para além das doenças próprias do grupo etário, há que considerar a sua exposição potencial a todos os agentes causadores de doença respiratória nos adultos. Por outro lado, os mecanismos de resposta broncopulmonar aos agentes agressores na criança são diferentes, estando condicionados pela imaturidade anatómica, funcional e imunológica. Se doenças como a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), e doenças com supuração, são comparativamente mais raras na criança, (excepto a fibrose quística e a doença de cílios imóveis) a maior susceptibilidade a algumas doenças víricas e bacterianas com grande resposta secretora e inflamatória pode condicionar alterações estruturais broncoalveolares numa fase maturativa facilitando o aparecimento de sequelas. Por outro lado, tal resposta inflamatória em vias aéreas de menor dimensão poderá explicar a frequência da sibilância já desde a primeira infância, chegando alguns estudos a referir a sua ocorrência em 40% do universo deste grupo etário. Daí a importância da reabilitação respiratória pediátrica (Rrp) definida como um conjunto de acções duma equipa interdisciplinar dirigidas à criança com doença respiratória com o objectivo de restaurar a anatomia e a função pulmonares, diminuir a incapacidade, aumentar a independência individual e a integração social, e diminuir a frequência das exacerbações e dos internamentos hospitalares.

Na Rrp aplicam-se uma série de técnicas como a cinesiterapia respiratória, a inaloterapia, a readaptação ao esforço, a cinesiterapia vertebral, etc.. Como particularidade da Rrp está o facto de os seus métodos estarem em grande parte condicionados pela capacidade de colaboração da criança. Tal colaboração está muito ligada à sua idade, e depende do entendimento que aquela tem do que se lhe pede e da sua capacidade de repetir o gesto. Tal capacidade vai em geral, mas não de modo uniforme, aumentando ao longo dos anos. Crianças há colaborando precocemente no que lhes é solicitado, e outras com perturbação do desenvolvimento em que isso não é possível. Tal facto exigirá uma grande perícia do técnico de reabilitação com utilização de manobras em que o carácter passivo e activo-assistido será predominante.

Para um funcionamento eficaz da função respiratória é necessário um conjunto de três condições: vias aéreas permeáveis que permitam a passagem do ar desde o exterior até aos pulmões; a integridade da caixa torácica associada à normal acção muscular que lhe permita funcionar como bomba inspiradora e expiradora do ar respondendo ao estímulo respiratório central com os seus mecanismos reguladores; uma correcta relação ventilação/perfusão o que implica um adequado suprimento de sangue pela circulação pulmonar realizando-se as trocas gasosas através duma normal barreira alvéolo-capilar.

A Rrp actua principalmente na restauração da primeira das condições acima enunciadas, menos na segunda e só indirectamente procura interferir na terceira. Para conseguir tais objectivos a Rrp utiliza as estratégias de limpeza das secreções das vias aéreas, de treino dos tempos inspiratório, expiratório e seu sincronismo, e de utilização de O2 como terapêutica, promovendo a readaptação ao esforço.

Actuação prática

Permeabilização das vias aéreas

É fundamental manter a permeabilidade das vias aéreas e, no que diz respeito à reabilitação das doenças broncopulmonares, será quase invariavelmente, a primeira acção a promover. Sem a manutenção duma via aérea minimamente permeável será difícil avançar para outras técnicas. O aumento das secreções brônquicas acontece frequentemente como resultado de múltiplas situações patológicas afectando a árvore tráqueo-brônquica e o parênquima pulmonar como laringotraqueobronquite, bronquiolite, pneumonia, bronquiectasia e asma brônquica, sobretudo na fase secretora.

Na fibrose quística a presença de secreções espessas e muitas vezes infectadas é uma constante e um factor fisiopatológico fundamental na evolução da doença.

Situação particular é o caso das unidades de cuidados intensivos. Como se sabe, um dos efeitos secundários da ventilação mecânica (iatrogénico) é o aumento da produção da muco e a sua acumulação por impedimento dos mecanismos fisiológicos de limpeza. Em qualquer situação em que for necessária a entubação endotraqueal e/ou a ventilação mecânica, mesmo sem doença broncopulmonar de base, é fundamental promover uma adequada cinesiterapia respiratória sendo insuficiente a simples aspiração do tubo endotraqueal. Todas as situações que cursam com retenção e espessamento das secreções criam as condições para o aparecimento de sobreinfecções e o desenvolvimento de atelectasias com desequilíbrio da relação ventilação/perfusão concorrendo para acentuar as alterações gasométricas que se somam às da doença base. Neste enquadramento se percebe a importância desta etapa da Rrp. Situações há em que a limpeza eficaz e criteriosa das secreções brônquicas é o objectivo principal, quase único da intervenção da Rrp.

A maneira como a cinesiterapia respiratória consegue restaurar a permeabilidade das vias aéreas depende dum conjunto de técnicas próprias exigindo treino e arte na sua aplicação a um grupo etário que vai desde o nascimento à adultícia e cuja descrição ultrapassa os objectivos deste livro.

O primeiro passo é promover uma adequada humidificação das secreções, sobretudo nas situações em que estas se apresentam secas e aderentes. Pode ser conseguido tal desiderato na criança com uma abundante ingestão de líquidos, fluidificantes ou através da humidificação do ar inalado. De seguida promove-se a libertação e mobilização de secreções podendo, para o efeito, ser utilizadas técnicas vibratórias e de percussão cujos efeitos acessórios devem ser rigorosamente ponderados. Com as secreções soltas nas vias aéreas há que promover a sua deslocação da periferia para a orofaringe a partir da qual podem ser deglutidas ou expelidas. Tal pode ser conseguido com técnicas de estimulação da tosse eficaz, aceleração do fluxo expiratório, drenagem postural, drenagem autogénica, etc.. Estas técnicas devem ser utilizadas na sua exigência, duração e frequência de acordo com a criança e a situação a tratar. Por outro lado, nas crianças com dificuldade respiratória ou com alterações gasométricas presentes ou latentes, todas estas técnicas deverão ser executadas com monitorização da saturação em O2 que pode ser efectuada, de forma cómoda com pulsoxímetro, ponderando a necessidade do ajuste ou introdução de suplemento de O2. Uma respiração progressivamente menos rude a caminho da normalidade, e mesmo uma subida dos valores da saturação em O2, podem ser sinais de cinesiterapia eficaz.

Melhoria da capacidade inspiratória

A inspiração é, em condições normais, a fase activa da respiração com preponderância do papel do diafragma. Excluindo as doenças neuromusculares, são raras as situações em que há um verdadeiro défice de força muscular dos músculos inspiratórios. Entre estas estão as das crianças sujeitas a longos períodos de ventilação mecânica em que poderá vir a instalar-se um verdadeiro défice por desuso. Assim, para a melhoria da capacidade respiratória, pode justificar-se a inclusão dum cuidadoso programa de fortalecimento do diafragma e dos intercostais externos através de manobras de facilitação e cargas externas manuais ou mecânicas. O que acontece na esmagadora maioria das situações é uma incoordenada utilização destes músculos, tornando-se fundamental um programa de correcção das assinergias ventilatórias. Nas doenças neuromusculares da primeira infância em que haja tendência a baixa CV (capacidade vital) pode instalar-se uma menor expansibilidade da parede torácica por defeito com síndroma restritiva. Nesta patologia os objectivos essenciais da ajuda ventilatória externa são manter a distensibilidade pulmonar e a mobilidade torácica.

Melhoria da função expiratória

A função dos músculos expiratórios (abdominais e intercostais internos) é sobretudo importante no mecanismo da tosse e no exercício físico. Para além do treino em força (por meio do uso de objectos e aparelhos de treino de sopro) deve ser procurada a eficácia no treino da tosse produtiva. Em toda as patologia em que a acumulação de secreções seja um problema, sobretudo quando a tosse é pouco eficaz, será um dos treinos a realizar. Se na fase expiratória se verificar um encerramento precoce das vias aéreas (como no enfisema ou na fase de crise da asma) será treinada a chamada expiração “filada” (com lábios semicerrados), lenta e suave, para criar uma pressão expiratória positiva activa e assim facilitar o tempo expiratório combatendo a hiperinsuflação.

Correcção das assinergias ventilatórias

Em muitas das patologias respiratórias há perturbação da sinergia dos movimentos respiratórios. Pode observar-se uma deficiente utilização do diafragma, por vezes em situação funcional prejudicada (em posição de distensão, como nos quadros de hiperinsuflação), esboçando um movimento paradoxal de ascensão na fase inspiratória. Em situações de desadequada utilização dos músculos inspiratórios acessórios, como é frequente nas crises de dificuldade respiratória, há um indevido desvio da predominância inspiratória para os andares superiores do tórax, com horizontalização dos arcos costais e anteversão dos ombros, acrescentando-se mais um factor de desvantagem ventilatória a um quadro de dificuldade. A tendência do asmático em forçar a inspiração associada ao encurtamento e ineficácia da expiração tem como resultado a distensão pulmonar com crescente deficiência ventilatória.

cinesiterapia utiliza técnicas de relaxamento, de posicionamento e de massagem para diminuir a tensão muscular, diminuindo o excessivo gasto energético associado à incoordenada utilização muscular; promove também a transferência da parte mais importante da mecânica ventilatória do andar torácico superior para o andar abdómino-diafragmático; e utiliza o treino de movimentos inspiratórios submáximos, nasais e expiratórios suaves e prolongados com deslocação do volume corrente para o volume de reserva expiratória. Em situações sequelares de doenças pleurais com retracção e assimetrias torácicas pode lançar-se mão de técnicas de correcção postural, cinesiterapia vertebral e tonificação muscular específicas. Todos estes treinos são inicialmente efectuados e aprendidos em repouso e, em fase posterior, são aplicados ao exercício e na realização das actividades de vida diária.

Oxigenoterapia

O oxigénio como meio terapêutico é também utilizado em reabilitação tal como por outras especialidades que tratam estes doentes. São diversas as patologias respiratórias que cursam com hipoxémia (insuficiência respiratória) aguda ou crónica a que se pode associar ou não a hipercápnia (insuficiência ventilatória). A baixa crónica de pressão arterial de oxigénio (PaO2) na criança está habitualmente associada a hipertensão pulmonar, a policitémia e a restrição de crescimento estaturo-ponderal. Interferindo no desenvolvimento das funções mentais superiores e na capacidade de esforço físico, limita o direito fundamental da criança a brincar, criando incapacidade e desvantagem perante os seus pares. A correcção da hipoxémia na criança é, assim, uma necessidade ainda mais premente que no adulto. Deve procurar manter-se a PaO2 entre 65 e 90 mmHg e uma saturação em O2 acima 90%. Especial atenção deve ser prestada ao período nocturno e ao esforço físico. Durante a noite, por menor eficácia do centro respiratório e prejuízo funcional do diafragma, para além do agravamento da hipoxémia pode vir a associar-se a hipercápnia o que coloca o problema na forma de administração do O2. A causa para a dessaturação arterial durante o exercício pode ser múltipla e de difícil caracterização se não for procurada durante o mesmo. Tal pode ser conseguido, nas crianças capazes de colaborar, através duma prova de avaliação cárdio-respiratória, como adiante se desenvolve. O suplemento de O2 deverá ser aumentado de forma a permitir uma maior tolerância ao esforço. No dia a dia da criança a utilização de oxigénio em meios portáteis (garrafas transportáveis) e disponibilizado através da via nasal facilita a sua actividade e melhor integração entre os seus pares.

Exercício físico

Como já foi referido, a actividade física, muitas vezes limitada na criança com doença respiratória, é um dos factores mais importantes no desenvolvimento psicomotor. A criança tem cansaço e dispneia e tem tendência para o sedentarismo quando não são os adultos a limitar-lhe a actividade. Com efeito, um programa de exercício físico correctamente aplicado melhora a capacidade de esforço, diminui o cansaço para o mesmo esforço, facilita a integração da criança no seu grupo, melhora a sua auto-estima contribuindo para o seu desenvolvimento psicomotor.

O exercício físico usado desta forma terapêutica em crianças com patologia respiratória deve ser prescrito como um “medicamento”. Pode ter contra-indicações, alguns riscos, devendo ser doseado individualmente e com precauções para cada criança no pressuposto de que muitas dos problemas clínicos respiratórios podem ser acompanhados de doença cardiovascular primária ou secundária.

Nas crianças com doença respiratória ou cardíaca que apresentem dispneia ou incapacidade de esforço, e a quem se queira indicar exercício físico duma forma adaptada e mais segura, aconselha-se a realização duma prova de esforço em unidade de avaliação cárdio-respiratória com equipamento apropriado de monitorização e pessoal treinado. Ao longo da prova de esforço são registados e vigiados os sinais vitais pulso,pressão arterial, respiração), ECG, consumo de O2, produção de CO2, QR (quociente respiratório), equivalentes ventilatórios, ventilação/minuto e taxa metabólica. A evolução da prova e a interpretação dos resultados permitem, na maior parte dos casos, identificar se a causa da limitação ao exercício é pulmonar, cardíaca, por broncospasmo, etc.. Os parâmetros registados durante a prova servirão de base para a prescrição do tipo de exercício indicado caso a caso conforme a tolerância. Esta prova pode servir igualmente para avaliar o sucesso de algumas intervenções terapêuticas, nomeadamente nos casos de transplante pulmonar ou cardíaco.

Nota final

Não há estudos comparativos sobre a eficácia da reabilitação respiratória nas crianças com doença pulmonar, o que pode estar associado à dificuldade na individualização dos diversos componentes implicados na acção terapêutica. Está provado, contudo, que a reabilitação melhora o bem-estar das crianças com esta patologia, diminui a taxa de hospitalizações e, associada a outros programas terapêuticos, prolonga a sobrevida.

BIBLIOGRAFIA

Delisa JA. Physical Medicine & Rehabilitation Principles and Practice. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2005

Goldber B. Sports and Exercise for Children with Chronic Health Conditions. Champaign (USA): Human Kinetics, 1995

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria, Madrid: Panamericana, 2015

Palfrey JS, Sofis LA, Davidson EJ, et al. The pediatric alliance for coordinated care: evoluation of a medical home model. Pediatrics 2004; 113: 1507-1516

Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA (eds). Rudolph´s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011

Seddon PC, Khan Y. Respiratory problems in children with neurological impairment. Arch Dis Child 2003; 88: 75-78

Tzeng AC, Bach JR. Prevention of pulmonary morbidity for patients with neuromuscular disease. Chest 2000; 118: 1390-1396

Wilmott R, Bush A, Deterding R, Ratjen F, Sly P, Zar H, Li A (eds). Kendig’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Elsevier, 2019

FIBROSE QUÍSTICA

Definição e importância do problema

A fibrose quística (FQ) é uma doença hereditária multiorgânica que afecta as glândulas exócrinas e provoca ampla variedade de manifestações clínicas e complicações. Resulta de mutações no gene da CFTR (cystic fibrosis transmembrane conductance regulator), uma proteína transportadora que se localiza na membrana celular (MC) apical das células epiteliais de várias mucosas, nomeadamente da via aérea, da via biliar, intestino, ductos pancreáticos, glândulas sudoríparas, entre outras. Este transportador de membrana (canal de iões de cloro mediado pelo AMP- cíclico) está relacionado com o transporte de iões, havendo aumento da viscosidade das secreções, em caso de ausência ou défice funcional. Como resultado da disfunção sistémica e repercussão mais importante no pulmão e pâncreas, caracteriza-se essencialmente por doença pulmonar crónica e insuficiência pancreática.

Aspectos epidemiológicos e genéticos

A FQ é uma doença de transmissão autossómica recessiva, que atinge mais de 70.000 indivíduos em todo o mundo, 30.000 dos quais na Europa. A incidência é mais elevada nos países do Norte da Europa (1/1.400 na Irlanda), e menor em populações não caucasianas. (1/17.000 entre africanos e 1/90.000 entre asiáticos).

Em Portugal, o Programa Nacional de Diagnóstico Precoce, num estudo-piloto patrocinado pela DGS entre Novembro 2013 e Outubro 2014, incluindo o rastreio para a FQ, permitiu num total de 80.000 recém-nascidos (RN) o diagnóstico de 10 casos o que corresponde a uma incidência de 1/8.000, um valor menos elevado do que as estimativas anteriores.

Estão descritas mais de 1.900 mutações do gene da FQ no cromossoma 7, sendo, no entanto, a mutação F508del (phe508del) a que determina a deleção da fenilalanina na posição 508, a mais frequente. A referida deleção, variando de região para região, com uma frequência entre 45 e 55% no sul da Europa, corresponde a cerca de 67% dos casos de FQ em todo o mundo.

Em 2012, do total de 298 doentes tratados nos Centros de Referência em Portugal, 48% (143) eram homozigóticos e 31,9% (95) heterozigóticos para a mutação F508del, a qual é responsável por 63,9% dos alelos.

Fisiopatologia

A identificação do gene CFTR em 1989 permitiu grandes avanços na compreensão dos mecanismos fisiopatológicos da FQ. Este gene localizado no braço longo do cromossoma 7 codifica uma proteína, a CFTR.

As mutações do gene determinam alterações na função, ausência ou diminuição da produção da CFTR; consequentemente há alteração do transporte transmembranar de cloro, bem como diminuição da actividade dos canais de sódio das células epiteliais da via aérea, do que resulta diminuição da secreção de cloro e aumento da reabsorção de sódio.

Estas alterações, específicas do transporte iónico, predispõem à depleção do líquido de superfície das vias aéreas e alterações da depuração mucociliar. As secreções brônquicas tornam-se espessas, difíceis de eliminar, o que produz um ambiente nas vias aéreas favorável à sua obstrução, inflamação e infeção crónica por agentes bacterianos específicos como Pseudomonas aeruginosa. A infecção por este agente vai condicionar o aparecimento duma resposta inflamatória persistente e intensa com consequente aparecimento de atelectasias com formação de bronquiectasias e degradação progressiva da função pulmonar.

Além de Pseudomonas aeruginosa outros agentes podem estar envolvidos neste processo: Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae, Stenotrophomonas maltophilia, Achromobacter xylososidans, Aspergillus spp, e micobactérias atípicas, contribuindo para o processo destrutivo a nível do parênqima pulmonar.

A síndroma de má absorção está relacionada com o défice de secreção, quer enzimática, quer de bicarbonato. O défice de enzimas pancreáticas é agravado pela deficiente alcalinização do conteúdo duodenal, com inactivação dessas mesmas enzimas.

As mutações do gene CFTR são agrupadas em 6 classes de acordo com as suas características funcionais, resultantes do efeito da mutação genética na função da proteína CFTR. (Quadro 1)

As mutações de classe I a III, têm uma CFTR ausente ou com função mínima, enquanto nas de classe IV a VI a CFTR, mantendo-se uma função parcial geralmente associada a níveis de cloro mais baixo no suor, a função pancreática poderá estar preservada, não apresentando o doente insuficiência pancreática.

A referida classificação permite agrupar as mutações consoante a sua gravidade clínica, sendo que as 3 primeiras (classe I, II e III) correspondem a fenótipos mais graves, e as 3 últimas a fenótipos mais ligeiros.

QUADRO 1 – Classificação dos diferentes tipos de mutação que afectam o gene CFTR

ClasseExemplo MutaçãoImpacto na estrutura e função da CFTR
IG542XAusência de proteína CFTR funcional. Codão stop prematuro que produz um mRNA truncado
IIF508delDefeito de tráfego. A CFTR é produzida, mas estruturalmente anormal sendo destruída no retículo endoplasmático antes de atingir a MC
IIIG551DDefeito de regulação. A CFTR é produzida, alcança a MC, mas o canal de cloro não responde ao estímulo para abrir
IVR347PDefeito de conductividade. A CFTR é produzida, alcança a MC, responde ao estímulo normal, mas a sua função é residual
VA455ESíntese reduzida. CFTR normal, mas quantidade reduzida na MC. Verifica-se alguma função residual da CFTR
VIc.120del23Diminuição da retenção/ancoragem da CFTR a nível da superfície celular e estabilidade na MC

No entanto, apesar da identificação de mais de 1.900 mutações da CFTR, o efeito funcional de muitas continua desconhecido, ou está por esclarecer. É também importante notar que algumas mutações partilham mais do que uma classe de defeito. O exemplo mais evidente é a F508del que, além do defeito de tráfego (classe II), tem também um defeito de abertura do canal de cloro (classe III) e um defeito de estabilidade na superfície celular (classe VI).

O conhecimento do defeito molecular veio permitir uma abordagem diferente a nível terapêutico com o desenvolvimento de novos medicamentos moduladores; estes, actuando a nível da alteração primordial, são chamados correctores ou potenciadores consoante o local de actuação.

Manifestações clínicas

No período neonatal pode manifestar-se como ileo meconial (15% dos doentes), peritonite meconial, icterícia intensa e prolongada (com hiperbilirrubinémia directa elevada), ou alcalose hipoclorémica (resultante de perda de sais). O referido quadro de oclusão intestinal neonatal é quase patognomónico; consequentemente torna-se obrigatória a investigação de FQ em tal circunstância (ver adiante: tripsina imunorreactiva, prova de suor logo que possível e/ou estudo genético).

As manifestações mais frequentes (51% dos casos nos EUA) da FQ são respiratórias, nomeadamente sibilância recorrente e infecções respiratórias de repetição, com colonização sucessivamente por Staphylococcus aureusHaemophilus influenzae e Pseudomonas aeruginosa (colonização crónica com uma prevalência de cerca de 80%, dos 25 aos 34 anos). (Quadro 2)

QUADRO 2 – Manifestações clínicas na fibrose quística

Respiratórias

Tosse produtiva crónica e/ou expectoração purulenta
Infecção/colonização das vias aéreas com agentes típicos

    • Staphylococcus aureus
    • Haemophilus influenzae
    • Pseudomona aeruginosa
    • Burkholderia cepácea

Episódios recorrentes de obstrução das vias aéreas:

    • Bronquiolite
    • Bronquite
    • Asma

Hemoptises
Hipoxémia
Alterações radiográficas permanentes como:

    • Atelectasias
    • Bronquiectasias
    • Pneumotórax

Pansinusopatia crónica
Polipose nasal

Gastrintestinais
Ileo meconial
Icterícia prolongada
Diarreia crónica
Refluxo gastresofágico
Má progressão estaturo-ponderal
Prolapso rectal
Síndroma de oclusão intestinal distal
Pancreatite recorrente
Cirrose biliar focal
Genito-urinárias
Azooespermia
Agenésia dos canais deferentes
Outras
Diabetes mellitus associada a FQ
Hipoproteínémia/edema
Desidratação hiponatrémica
Alcalose hipoclorémica
Hipocratismo digital
Défice de vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K) e Zinco

A colonização por estes agentes pode classificar-se em intermitente e crónica (se houver isolamento bacteriano em 6 meses consecutivos). A colonização por Pseudomonas aeruginosa começa por ser intermitente, e depois, persistente, uma vez que a bactéria tem a capacidade de adquirir uma alteração da expressão génica que permite a produção de um biofilme que dificulta a sua eliminação (forma mucóide). Após colonização definitiva verifica-se deterioração acelerada da função pulmonar. A colonização pelo referido agente é influenciada por vários factores, nomeadamente o genótipo, o sexo (as crianças do sexo feminino são colonizadas mais precocemente), a presença de insuficiência pancreática, e a eficácia do isolamento dos doentes em cada centro.

Outro agente – multirresistente aos antibióticos – (Burkholderia cepacea) pode colonizar de modo crónico as vias aéreas dos doentes com FQ. À infecção por este agente associam-se deterioração importante da função pulmonar e mau prognóstico, variando entre deterioração insidiosa, progressiva e evolução fatal, rápida.

Podem surgir infecções por outros agentes, como Stenotrophomonas maltophilia, Achromobacter xylosoxidans e Aspergillus fumigatus, assintomáticas ou originando diversos tipos de manifestações incluindo a forma de aspergilose broncopulmonar alérgica.

A infecção recorrente e/ou persistente conduz a uma resposta inflamatória intensa, com hipertrofia e hiperplasia das glândulas secretoras e lesão progressiva das vias aéreas; pode verificar-se evolução para bronquiectasias e outras alterações irreversíveis do parênquima pulmonar.

Surge, assim, o quadro de doença pulmonar crónica obstrutiva, com insuficiência respiratória progressiva. São habituais os períodos de exacerbação da sintomatologia, nomeadamente com tosse mais frequente, incremento de secreções brônquicas, agravamento da dificuldade respiratória, febre, perda acentuada de peso, hemoptises, e/ou agravamento radiológico e dos resultados das provas de função respiratória (diminuição do volume expiratório máximo por segundo/VEMS superior a 10% do valor basal e/ou da capacidade vital forçada).

Outra complicação respiratória possível é o pneumotórax espontâneo (5 a 8% dos casos de FQ), que pode resultar de mecanismos valvulares (obstrução de vias aéreas por secreções), com ruptura de espaços aéreos periféricos para a pleura. Trata-se duma situação com elevadas taxas de recorrência e de mortalidade.

Além das vias aéreas inferiores, também as superiores são afectadas: pansinusopatia e polipose nasal são frequentes.

Em cerca de 2% dos doentes surge um quadro clínico atípico, caracterizado apenas por doença sinopulmonar crónica, sem insuficiência pulmonar, e valores normais ou limite quanto à eliminação de cloro no suor (ver adiante-prova do suor). Outras formas de atipia do quadro clínico traduzem-se por má progressão ponderal na infância (cerca de 40% dos casos) relacionada com maior consumo energético, e síndroma de má absorção resultante da insuficiência pancreática (em cerca 85 a 90% dos doentes). Esta última conduz a diarreia crónica por má absorção (dejecções volumosas, fétidas e gordurosas), edema relacionado com a hipoproteinemia, anemia, défice de vitaminas lipossolúveis, com aumento do tempo de protrombina (por défice de vitamina K), neuropatia periférica, encurtamento de semi-vida dos eritrócitos (por défice de vitamina E). De referir que são também característicos os episódios recorrentes de pancreatite aguda.

Mais rara e tardiamente poderá surgir diabetes mellitus em relação com a lesão pancreática endócrina crónica (3% das crianças, 14% dos adultos).

Outras manifestações frequentes são: refluxo gastresofágico, síndroma de oclusão intestinal distal (10% dos casos), prolapso rectal (< 1% de pacientes), litíase biliar (5%), desidratação hiponatrémica ou alcalose metabólica graves, atraso pubertário e atrésia do canal deferente com infertilidade masculina (azoospermia em > 98% dos casos). Nas adolescentes pode surgir amenorreia secundária. Raramente surge cirrose biliar com hipertensão portal.

Exames complementares e diagnóstico

O diagnóstico é efectuado no primeiro ano de vida em 70% dos casos e, até aos 8 anos, em 90%. Existem situações de diagnóstico tardio, associadas a quadros clínicos menos exuberantes.

É feito com base na clínica (uma ou mais características fenotípicas clássicas), ou antecedentes familiares (consanguinidade, irmão ou primo em primeiro grau com FQ), ou resultado do rastreio neonatal positivo confirmado por duas provas do suor positivas (doseamento de Cloro no suor > 60 mEq/L através de iontoforese com pilocarpina; de salientar que valores de cloro < 40 mEq/L são considerados normais; e considerados no limite se entre 40 a 60 mEq/L), ou detecção de duas mutações do gene da fibrose quística, ou evidência de anomalias características do transporte do ião cloro (devidas à disfunção da proteína CFTR) a nível das células epiteliais da mucosa nasal, pela determinação da diferença de potencial nasal ou determinação da secreção de cloro a nível da mucosa intestinal na biópsia rectal. (Quadro 3)

QUADRO 3 – Diagnóstico de FQ

Presença de sinais clínicos típicos
(respiratórios, gastrintestinais ou génitourinários)
ou
Familiar próximo com FQ
ou
Rastreio neonatal positivo

+

2 provas de Cloro no suor > 60 mEq/L
ou
Identificação de 2 mutações FQ
ou
Alteração da diferença de potencial na mucosa nasal
ou na biópsia da mucosa retal

O Quadro 4 sintetiza situações clínicas diversas em que a prova do suor pode evidenciar, quer resultados falsos positivos, quer falsos negativos.

QUADRO 4 – Prova do suor em diversas situações clínicas

1. VALORES FALSOS POSITIVOS (> 60 mEq/L)
Causas metabólicas
Fucosidose Glicogenose tipo I Mucopolissacaridoses Defice da desidrogenase da glicose 6-fosfato Hipotiroidismo Diabetes insípida resistente à vasopressina Insuficiência supra-renal Colestase familiar Hipoparatiroidismo familiar Anorexia nervosa Disfunção autonómica Doença celíaca Hipogamaglobulinémia
Doenças da pele e glândulas sudoríparas
Má-nutrição Displasia ectodérmica Dermite atópica
Causas iatrogénicas
Infusão de prostaglandinas E1
2. VALORES FALSOS NEGATIVOS (< 40 mEq/L)
Erros metodológicos
Amostra insuficiente Evaporação parcial da amostra Erros de cálculo Edema

As figuras 1 e 2 mostram aspectos imagiológicos torácicos (radiografia convencional e TAC) de doentes com FQ e clínica de insuficiência respiratória (associada a escoliose), salientando-se enfisema, infiltrados bilaterais intersticiais e reticulonodulares, e bronquiectasias

FIGURA 1. Radiografia póstero-anterior do tórax em doente com FQ e escoliose. Enfisema significativo e bronquiectasias

FIGURA 2. TAC torácica em doente com FQ. Áreas múltiplas de bronquiectasias

Para a identificação das mutações torna-se necessário proceder a análise extensa do ADN. A metodologia utilizada poderá ser a sequenciação completa da zona codificante dos 27 exões do gene CFTR com as regiões intrónicas adjacentes.

Em relação ao estudo genético por ADN salienta-se que devido ao grande número de mutações do gene CFTR já identificadas, a grande variação geográfica e racial na sua frequência e distribuição, habitualmente apenas são testadas as mutações mais frequentes numa determinada população. Em Portugal, no Laboratório de Genética Humana do INSA, o painel padronizado pesquisa 92,7% das mutações associadas à FQ na população portuguesa.

De referir que aproximadamente em cerca de 1% dos casos de FQ não são detectadas mutações; e em cerca de 18%, apenas um dos genes mutantes é identificado. Poderá ainda existir mais do que uma mutação em cada gene, com múltiplas combinações possíveis, o que poderá determinar diversidade considerável de fenótipos. Há também mutações que não são determinantes de doença.

Salienta-se ainda que algumas crianças ou adultos com sintomas sugestivos de FQ poderão evidenciar, através da prova do suor ou do estudo genético resultados não conclusivos. Em tais circunstâncias os pacientes deverão ser seguidos em centros especializados de FQ, procedendo-se a avaliações da função CFTR e da diferença de potencial nasal, e ainda a biópsia rectal, esta última susceptível de demonstrar diminuição da secreção de cloro a nível do epitélio da respectiva.

Outros exames complementares importantes para o diagnóstico da insuficiência pancreática incluem os estudos da função pancreática, nomeadamente através dos doseamentos de gorduras fecais (72 horas), e a determinação da elastase fecal.

O doseamento de tripsina imunorreactiva sérica (TIR) nos recém-nascidos (utilizando o cartão para a prova de Guthrie no âmbito do diagnóstico precoce) e a detecção de azoospermia obstrutiva após a puberdade (análise do esperma e ecografias, com confirmação por biópsia testicular), também podem contribuir para o diagnóstico. Outro aspecto quase patognomónico da fibrose quística é a pansinusite, detectada por radiografia ou TAC dos seios perinasais.

Actualmente já é possível o diagnóstico pré-natal, por pesquisa das mutações em células fetais obtidas por biópsia das vilosidades coriónicas, ou amniocentese.

rastreio neonatal da FQ com início em Novembro 2013 (projeto-piloto patrocinado pela DGS) mantém-se em curso, estando prevista a sua inclusão no Programa Nacional de Diagnóstico Precoce. Consiste no doseamento, no cartão para a prova de Guthrie, dos níveis séricos da tripsina imunorreactiva (TIR) e da proteína associada à pancreatite (PAP) no caso de a TIR estar aumentada (de acordo com algoritmo de rastreio já aplicado em Portugal). O diagnóstico é confirmado com envio do RN aos Centros de Referência para realização da prova do suor e ulterior pesquisa das 50 mutações mais frequentes.

O rastreio neonatal modificou substancialmente o paradigma diagnóstico da FQ pelas seguintes razões: 1- permitindo a identificação dos doentes antes do surgimento das manifestações clínicas; 2- possibilitando a intervenção preventiva e instituição de tratamento precoce; 3- evitando as complicações da doença inerentes a um atraso no diagnóstico, tais como o estabelecimento de lesões pulmonares e o aparecimento de má-nutrição.

Vigilância e tratamento

A FQ implica um acompanhamento regular da criança e família por uma equipa multidisciplinar que inclui pediatra com experiência em FQ, enfermeira, dietista, fisioterapeuta, psicóloga, entre outros.

Nesta perspectiva está indicada a vigilância regular bi ou trimestral discriminada a seguir.

Avaliação seriada de determinados parâmetros

  1. Altura (deve manter-se acima do percentil 5)
  2. Peso (sinal de alarme: perda de peso em 2 meses consecutivos)
  3. Índices → índice nutricional (que se deve manter > 90%) de acordo com a fórmula: (Peso Actual(Kg) / Peso ideal para a altura) x 100
    (normal – 90 a 110%; baixo peso – 85 a 89%; má-nutrição ligeira – 80 a 84%; má-nutrição moderada – 75 a 79%; má-nutrição grave <75%);
    → índice de massa corporal (IMC) após os 2 anos, segundo a fórmula: Peso em Kg /Altura em metros ao quadrado <> P(kg)/A(m2); consultar Parte V.
  4. Sintomas gastrintestinais (náuseas, vómitos, saciedade precoce, dor abdominal)
  5. Sintomas respiratórios (tosse, expectoração, tolerância ao esforço)
  6. Sintomas sugestivos de diabetes (poliúria, polidipsia, perda de peso súbita)
  7. Oximetria para avaliação da saturação de O2-Hb por método transcutâneo (em todas as consultas)
  8. Provas de função respiratória (periodicidade de 3 meses, após os 5 anos)
  9. Exames laboratoriais: hemograma, velocidade de sedimentação, transaminases, fosfatase alcalina, tempo de protrombina, glicémia em jejum, ureia, creatinina, ácido úrico, ionograma sérico, cálcio, fósforo, gasometria, electroferese das proteínas, colesterol, triglicéridos, vitaminas A, E, 25-OH-vitamina D, ferro, ferritina, transferrina, imunoglobulinas, IgE total, IgE específica para Aspergillus (anualmente)
  10. Exame cultural da expectoração com TSA (3/3 meses e durante as exacerbações respiratórias)
  11. Radiografia de tórax postero-anterior e de perfil (anual e em cada exacerbação)
  12. TAC de alta definição de tórax (eventualmente de 3 em 3 anos)
  13. TAC dos seios perinasais (de 5/5 anos)
  14. Ecografia abdominal (anual)
  15. Osteodensitometria por DEXA (a partir dos 10 anos)
  16. Vigilância de efeitos tóxicos da terapêutica (audiograma, função renal)

Suprimento nutricional

Os cálculos são feitos na base de 150% das necessidades calóricas de uma criança saudável da mesma idade e sexo, incluindo suplementos vitamínicos, vitaminas lipossolúveis A, D, E e K, de enzimas pancreáticas – 500 a 2.000 Unidades de lipase/kg/refeição, e inibidores da secreção ácida gástrica (inibidores da bomba de protões e antagonistas H2). Administração de suplementos dietéticos orais (designadamente, englobando glutamina e magnésio) se se verificar perda de peso ou pausa no crescimento. Pode eventualmente ser necessário proceder a gastrostomia/PEG para alimentação por débito contínuo durante a noite rendibilizando o suprimento nutricional.

Prevenção de infecções respiratórias

Através da vacinação anual contra virus influenza e vacinação contra o pneumococo (vacina conjugada para 13 serótipos, seguida de vacina polissacarídea para 23 serótipos em doentes com >2 anos), vacina antivaricela e anti-hepatite A. Deve evitar-se o infantário antes dos 12 meses. Deve evitar-se o contacto entre doentes com FQ colonizados por agentes microbianos diferentes, devendo, os que estão colonizados com Pseudomonas aeruginosa e Burkholderia cepácea, ser consultados em dias diferentes dos restantes doentes.

Promoção do processo de depuração das vias aéreas

Através de cinesiterapia respiratória diária, broncodilatadores (β-agonistas de curta ação) se broncospasmo, fluidificantes das secreções e mucolíticos (N-acetil cisteína, dornase alfa recombinante, cloreto de sódio hipertónico).

Luta contra a inflamação das vias aéreas

Administração de anti-inflamatórios (maior benefício abaixo dos 15 anos de idade e em doentes colonizados por Pseudomonas aeruginosa). A prednisolona na dose de 1-2 mg/kg/dia em dias alternados reduz o declínio da função pulmonar, mas o efeito é modesto, não diminui o número de hospitalizações, aumenta a incidência de diabetes, de atraso de crescimento e de cataratas; ou seja, os riscos da sua utilização ultrapassam os benefícios. A corticoterapia sistémica deve ser utilizada apenas em casos de broncospasmo grave ou exacerbação, e apenas durante o tempo necessário para o controlo sintomático. A corticoterapia por via inalatória pode ser utilizada nos doentes que mantêm broncospasmo na presença de atopia.

O ibuprofeno em altas doses tem um efeito positivo na função pulmonar nas crianças com doença pulmonar moderada, mas comporta risco de hemorragia digestiva e de nefrotoxicidade. A azitromicina, que tem propriedades anti-inflamatórias e de imunomodulação, é utilizada para melhorar a função pulmonar, reduzir as exacerbações respiratórias e aumentar o índice de massa corporal. Na infecção por Pseudomonas aeruginosa pode diminuir a formação de biofilmes, reduzindo a carga inflamatória no pulmão com FQ.

Tratamento das infecções respiratórias.

Este procedimento deverá ter em consideração a gravidade do quadro clínico. Se o doente evidenciar estabilidade clínica poderá e deverá ser tratado em ambulatório em regime oral; pelo contrário, se o estado geral for precário, e perante sinais francos de compromisso respiratório (hipoxémia, dificuldade respiratória, diminuição de 10% nas provas de função respiratória), o tratamento deverá ser providenciado em regime de internamento com terapêutica por via IV.

A antibioticoterapia, inicialmente empírica, deverá passar a dirigida de acordo com o agente microbiano isolado no exame cultural da expectoração e respectivo TSA (Quadro 5). Muitas vezes são isolados mais do que um agente, o que implica necessidade de antibioticoterapia múltipla.

Nos doentes com infecção crónica, isto é, colonizados por determinado agente, as estratégias terapêuticas dependerão do referido agente.

Os principais micorganismos isolados nas vias aéreas dos doentes com FQ são Haemophilus influenzaeStaphylococcus aureus e pseudomonas aeruginosa.

A infecção por este último agente é responsável por uma deterioração pulmonar mais rápida e estabelecimento de lesão estrutural definitiva, pelo que é da maior importância a sua erradicação. Quando a colonização está já estabelecida é fundamental o tratamento da infecção/colonização persistente no sentido de travar o declínio progressivo da função pulmonar, instituindo terapêutica de supressão crónica com antibióticos inalados, em contínuo (colistina), ou em ciclos de 28 dias (tobramicina, aztreonan-lisina) alternando com períodos de pausa de 28 dias (Quadro 6).

A terapêutica antibiótica frequente implica a possibilidade de aparecimento de estirpes resistentes e de toxicidade (renal, otológica), o que obriga a vigilância rigorosa.

QUADRO 5 – FQ: Antibioticoterapia (AB) adequada a cada agente bacteriano

Agente isoladoAB em AmbulatórioAB em Internamento
Haemophilus influenzaeAmoxicilina 50-100mg/kg/d, 8/8h, 14 dias, oral
Se β-lactamase (+):
Amoxicilina – ácido clavulânico, 80-100 mg/kg/d 8/8 h, 15 dias, oral

Amoxicilina – ácido clavulânico, 150 mg/kg/d 8/8 h, 14 dias, ev

ou

Staphylococcus aureusFlucloxacilina, 50-100 mg/kg/d, 6/6 ou 8/8h, 4 semanas, oral
ou
Flucloxacilina+macrólido
ou
Ácido fusídico, 30 mg/kg/d, 8/8 h, 3 semanas, oral
Flucloxacilina, 100 mg/kg/d, 6/6 ou 8/8 h, 14 a 21 dias, ev
Staphylococcus aureus (MSRA)Ácido fusídico, 30 mg/kg/d, 8/8 h, 3 semanas, oral + rifampicina, 5-10 mg/kg/d, 1x dia, 3semanas, oral
Se insucesso,
Linezolida
<12 anos:30 mg/kg/dia, 12/12h,
>12 anos 600 mg 12/12h
3 semanas oral
Vancomicina, 40 mg/kg/d, 6/6 ou 8/8 h, 14 dias, ev
ou
Teicoplanina 10 mg/Kg/d 1x dia ev
ou
Linezolida
<12 anos:30 mg/kg/dia, 12/12h, ev
>12 anos 600 mg 12/12h, ev

QUADRO 6 – Antibioticoterapia na FQ para a Pseudomonas aeruginosa

Agente isoladoAntibioticoterapia em ambulatórioAntibioticoterapia em internamento
Pseudomonas aeruginosa
1º isolamento
Colistina, 1 a 2 milhões U, 12/12h, inalado 12 meses + Ciprofloxacina, 30mg/kg/d, 12/12h, 3 semanas, oral
ou
Tobramicina,300mg,12/12h, inalado, ciclos de 28 dias “on–off” até 12 meses
Ceftazidima (150-300 mg/kg/d, 8/8 h) (máx 6 gr) + Tobramicina (10 mg/kg/d, 24/24 h), 14 dias, ev
Pseudomonas aeruginosa
2º isolamento
Colistina, 1 a 2 milhões U, 12/12h, inalado 12 meses + Ciprofloxacina, 30mg/kg/d, 12/12h, 3 semanas, oral
ou
Tobramicina,300mg,12/12h, inalado, ciclos de 28 dias “on–off” até 12 meses
ou
Aztreonam-lisina, 75mg 8/8h inalado, ciclos de 28 dias “on-off”até 12 meses
Ceftazidima (150-300 mg/kg/d,8/8 h) (máx 6 gr) + Tobramicina (10 mg/kg/d, 24/24 h), 14 dias, ev
 Infecção crónica 
Pseudomonas aeruginosa
Tratamento de supressão da infecção crónica (doente colonizado)
Colistina, 1 a 2 milhões U, 12/12h, inalado contínuo (diário)
ou
Tobramicina, 300mg/kg, 12/12h, em aerossol, ciclos de 28 dias “on–off”
ou
Aztreonam-lisina, 75mg 8/8h inalado, ciclos de 28 dias “on-off”

Infecção crónica grave:
Alternando ciclos de antibiótico inalado colistina, tobramicina ou aztreonam de 28/28 dias

Nas excerbações graves:
Ceftazidima (150-300 mg/kg/d,8/8 h) (máx 6 gr) + Tobramicina (10 mg/kg/d, 8/8 ou 12/12 h), 14 dias, ev
(ou de acordo com antibiograma)

Outras medidas

Ácido urso-desoxicólico

Para retardar a progressão da lesão hepática, o ácido urso-desoxicólico tem utilidade em pacientes com elevação das transaminases ou sinais de hipertensão portal. Poderá estar indicado o transplante hepático em situações de falência hepática.

Terapêutica da insuficiência respiratória

Com oxigenoterapia, ventilação não invasiva e como último recurso, transplante bipulmonar.

Terapêutica da oclusão intestinal (ileo meconial ou síndroma de oclusão intestinal distal)

Com esta finalidade procede-se à administração de N-acetilcisteína, clísteres hiperosmolares (gastrografina), ou a intervenção cirúrgica.

Moduladores da CFTR

Trata-se de fármacos cujo objectivo é corrigir o defeito primordial que afecta a proteína CFTR. Têm como alvo certas mutações específicas da CFTR.

Este grupo de agentes farmacológicos inclui os potenciadores e os correctores. Os potenciadores melhoram o transporte de cloro actuando na CFTR a nível da MC, permitindo a abertura do canal iónico; actuam nas mutações de classe III. Os correctores restauram a proteína CFTR e melhoram o tráfego intracelular promovendo a sua chegada à MC actuando nas mutações de Classe II. Agentes como o ataluren (PTC 124)correctores de produção (read throug agents), podem ter utilidade nas mutações que têm codons stop prematuros, em que não há síntese de CFTR, como acontece nas mutações de classe I.

Os fármacos que se revelaram mais eficazes foram os potenciadores; neste âmbito, em 2012 foi aprovado o ivacaftor (Kalydeco®) pela FDA para utilização em doentes com 6 anos ou mais de idade portadores da mutação G551D. Embora esta mutação de classe III represente apenas 4% dos doentes com FQ, com grandes variações geográficas (sendo menos de 1% na Dinamarca, Itália e Portugal e cerca de 14% na Irlanda), com a sua utilização verificou-se um incremento de cerca de 10% no VEMS, no peso, nos biomarcadores da CFTR e na qualidade de vida, a par duma diminuição de 50% nas exacerbações pulmonares. A sua indicação terapêutica foi recentemente alargada a mais 8 mutações de classe III e a indivíduos com a mutação R117H.

Em relação à mutação mais frequente a F508del (classe II) a combinação de um corrector com um potenciador lumacaftor/ivacaftor (Orkambi®) parece ser necessária para a restaurar parcialmente a função CFTR; embora modestos, os resultados parecem ser promissores, tendo a sua utilização em doentes homozigóticos para a mutação F508del, com idade superior a 12 anos, sido aprovada em 24 de Setembro de 2015, pela Agência Europeia do Medicamento (EMA).

Terapêutica génica

A terapêutica génica não obteve até à data resultados satisfatórios, por problemas relacionados com os vectores, ou o seu efeito evanescente, com desaparecimento rápido da sua expressão a nível da célula do hospedeiro.

Prognóstico

O prognóstico da FQ, embora evidenciando melhoria em relação a décadas anteriores graças a um diagnóstico mais precoce, implicando tratamento muito complexo, é ainda reservado.

Trata-se duma doença crónica com importante morbilidade e mortalidade cursando com vários episódios de agudização e múltiplos internamentos.

A comprovação do agravamento através das provas de função respiratória constitui o principal factor de mau prognóstico, sendo a insuficiência respiratória a principal causa de morte.

A evolução terapêutica tem sido significativa nos últimos 20 anos, permitindo incrementar a esperança média de vida que se situa actualmente por volta dos 38 anos.

Com efeito, o conhecimento do comportamento funcional das diversas mutações relacionadas com a FQ, e o desenvolvimento de novas terapêuticas dirigidas à correção do defeito primordial da FQ, permitirão num futuro próximo tratar os doentes de acordo com a alteração genética e o fenótipo molecular respectivos.

Para o doente importa aliar o incremento em anos de vida à qualidade dessa mesma vida. Torna-se, pois, fundamental garantir a qualidade dos cuidados, com programas efectivos de transição para consultas de adultos, e assegurando a continuidade dos cuidados especializados e multidisciplinares.

Igualmente importantes são os aspectos individuais e sociais da doença, atendendo designadamente aos problemas da adolescência, da escola, da integração no mercado de trabalho, da constituição de família, e do aparecimento cada vez maior de mães com fibrose quística com um ou mais filhos. Para abordagem destas situações torna-se crucial a criação de equipas multidisciplinares (englobando nomeadamente psicólogos e assistentes sociais), actuando em espírito de humanização, com eficácia, eficiência e efectividade.

BIBLIOGRAFIA

Alves SP, Frank MA, Bueno D. Medications used in pediatric cystic fibrosis population. Einstein 2018; 16: 1-8. DOI: 10.31744/Einstein_journal/2018AO4212

Amaral MD. Novel personalized therapies for cystic fibrosis: treating the basic defect in all patients. J Intern Med 2015; 277: 155-166.

Balfour –Lynn IM, et al. Radical new treatments for cystic fibrosis. Arch Dis Child 2015; 100: 727

Bell S. New pharmacological approaches for cystic fibrosis: promises, progress, pitfalls. Pharmacol Ther 2015; 145: 19-34.

Direcção Geral da Saúde. Norma Nº 031/2012 “Diagnóstico da Fibrose Quística em Idade Pediátrica e no Adulto” actualizada em 30/07/2015

Direcção Geral da Saúde. Norma Nº 032/2012 “Tratamento e Seguimento da Fibrose Quística em Idade Pediátrica e no Adulto” actualizada em 9/06/2015

Derichs N. Targeting a genetic defect: cystic fibrosis transmembrane conductance regulator modulators in cystic fibrosis. Eur Respir Rev 2013; 22: 127, 58-65

Döring G, Conway SP, Heijerman HGM, Hodson ME, et al. Antibiotic therapy against Pseudomonas aeruginosa in cystic fibrosis: a European consensus. Eur Respir J 2000; 16: 749-67.

Forrester DL, Knox AJ, Smyth AR, et al. Glutamine supplementation in cystic fibrosis: a randomized placebo-controlled trial. Pediatr Pulmonol 2016; 51: 253-257

Hodson ME, Geddes DM. Cystic Fibrosis. New York: Hodder Arnold (Oxford University Press Inc.), 2007

Isaiah A, Daher A, Sharma PB, et al. Predictors of sleep hypoxemia in children with cystic fibrosis. Pediatyr Pulmonol 2019; 54: 264-272

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Konstan MW, Plant BJ, Stuart Elborn J, et al. Efficacy response in CF patients treated with ivacaftor: post-hoc analysis. Pediatr Pulmonol 2015; 50: 447-455

Martiniano SL. Advances in the diagnosis and treatment of Cystic Fibrosis. Advances in Pediatrics 2014; 61:225-243

Milla CE, Moss RB. Recent advances in cystic fibrosis. Curr Opin Pediatr 2015; 27:317-324.

Ramsey BW, Pepe MS, Quan JM, Otto K et al. Intermittent administration of inhaled tobramycin in patients with cystic fibrosis. N Engl J Med 1999; 340: 23-30

Rueegg CS, Kuehni CE, Gallati S, et al. Comparison of two sweat test systems for the diagnosis of cystic fibrosis in newborns. Pediatr Pulmonol 2019; 54:273-279

Santi M, Milani GP, Simonetti GD, et al. Magnesium in cystic fibrosis – systematic review of the literature. Pediatr Pulmonol 2016; 51: 196-202

Sousa R. First year evaluation of the Portuguese pilot neonatal screening for cystic fibrosis. ePSO1.2. Proceedings of the 38th European Cystic Fibrosis Conference 10-13 June 2015

Vanstone MB, Egan ME, Zhang JH, et al. Association between serum 25-hydroyvitamin D level and pulmonary exacerbations in cystic fibrosis. Pediatr Pulmonol 2015; 50: 441-446

Wilmott R, Bush A, Deterding R, Ratjen F, Sly P, Zar H, Li A (eds). Kendig’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Elsevier, 2019

Wong J. K. Staphylococcus aureus in early cystic fibrosis lung disease. Pediatr Pulmonol 2013; 48: 1151-1159

Wyllie R, Hyams JS, Kay M (eds). Pediatric Gastrointestinal and Liver Disease. Philadelphia: Elsevier, 2016

HEMOSSIDEROSE PULMONAR E SÍNDROMAS DE HEMORRAGIA ALVEOLAR DIFUSA

Definição e importância do problema

A designação actual de hemossiderose pulmonar corresponde a situações em que se verifica hemorragia alveolar difusa (HAD) com acumulação de ferro nos macrófagos (na forma de hemossiderina), hemoptise, anemia ferropénica, subsequente fibrose pulmonar traduzida radiologicamente por infiltrados alveolares.

A HAD ocorre como resultado de lesão da microvasculatura do pulmão, em geral lenta e insidiosa devido à baixa pressão circulatória pulmonar.

Tal condição pode manifestar-se isolada, mas é mais frequentemente associada a outra patologia. Surge assim a designação de hemossiderose pulmonar idiopática (HPI) quando a DAH surge isoladamente na ausência de patologia subjacente exaustivamente pesquisada.

Aspectos epidemiológicos

As situações patológicas que decorrem com HAD são muito variáveis quanto a sintomatologia, gravidade e alterações laboratoriais.

A verdadeira incidência de HPI não é conhecida. Estudos Suecos e Japoneses estimam uma prevalência de 0,24 a 1,23 casos por milhão de crianças, sendo que em geral ocorre entre 1-7 anos, e mais raramente na idade adulta. Quando surge em idade inferior a 10 anos (em 80% dos casos versus 20% restantes até aos 30 anos), apresenta igual distribuição por sexos; no entanto, em crianças com mais de 10 anos ocorre mais frequentemente no sexo masculino (2/1).

Etiopatogénese e classificação

Na maioria dos casos a hemorragia alveolar difusa (HAD), com ou sem capilarite pulmonar, associa-se a uma grande variedade de entidades patológicas sintetizadas no Quadro 1. Tais entidades integram essencialmente nosologias do foro da Reumatologia, Imunoalergologia, Pneumologia Nefrologia e Cardiologia, e englobam doenças e síndromas abordadas noutros capítulos desta obra.

Dada a importância da capilarite pulmonar na patogénese da HAD, importa referir algumas das respectivas características histológicas para melhor enquadramento das manifestações clínicas:
– trombos de fibrina ocluindo capilares; -coágulos de fibrina aderentes aos septos interalveolares; – necrose fibrinóide das paredes capilares;
– eritrócitos nos espaços intersticiais com deposição de hemossiderina (ver atrás).

Nas formas clínicas não acompanhadas de capilarite são notórios os seguintes achados patológicos: – hipertrofia da musculatura lisa vascular podendo determinar hipertensão pulmonar; – edema; -trombose vascular e enfarte; – eritrócitos na via aérea.

Em ambas as formas verifica-se coloração acastanhada do tecido pulmonar pela presença de hemossiderina no interior dos macrófagos (aspecto identificado, quer por lavado broncoalveolar, quer por amostra de biopsia). Macroscopicamente o pulmão tem peso elevado, com áreas de consolidação vermelho-acastanhadas.

Quanto às lesões, distinguem-se as chamadas formas difusas e as formas focais.

QUADRO 1- Síndromas de hemorragia alveolar difusa

Com capilarite pulmonar
Capilarite pulmonar idiopática, granulomatose com poliangeíte ou de Wegener, lúpus eritematoso disseminado, síndroma de Goodpasture, síndroma de anticorpos antifosfolípidos, púrpura de Schonlein-Henoch, nefropatia IgA, poliarterite nodosa, síndroma de Behçet, crioglobulinémia, capilarite induzida por fármacos, síndroma pulmonar renal idiopática.
Sem capilarite pulmonar
· Causas não cardiovasculares: Hemossiderose pulmonar idiopática, síndroma de Heiner, hemorragia pulmonar idiopática da infância, transplantação da medula óssea, imunodeficiência, coagulopatias, doença celíaca (síndroma de Lane-Hamilton).
· Causas cardiovasculares: Estenose mitral, doença venoclusiva pulmonar, anomalias arteriovenosas, hipertensão pulmonar, insuficiência cardíaca crónica, trombose vascular com enfarte,etc..

Manifestações clínicas

As formas de apresentação clínica, muito variáveis, traduzem hemorragia alveolar difusa conduzindo à tríade de hemoptise, por vezes grave, anemia e infiltrados pulmonares.

FIGURA 1. Sinais de hipocratismo digital no contexto de hemossiderose pulmonar. (NIHDE)

A forma aguda caracteriza-se por episódios recorrentes ou crises respiratórias com polipneia, sibilância, tosse, cianose, febre, taquicardia, dor abdominal. Em cerca de 20% das crianças há hepatoesplenomegália e linfadenopatia.

Descreve-se também uma forma de apresentação insidiosa caracterizada por palidez, cansaço fácil, défice de progressão ponderal e anemia crónica ferropénica refractária ao tratamento.

O sangue deglutido pode simular hemorragia digestiva. O surgimento de alterações cutâneas e ou articulares podem sugerir colagenose ou vasculite sistémica. Sinusite recorrente, otite ou hemorragias ou úlceras nasais podem sugerir vasculite de Wegener.

A recorrência da hemorragia ocasiona uma evolução progressiva com insuficiência respiratória crónica associada a fibrose pulmonar. Poderá igualmente surgir hemorragia pulmonar maciça.

 A figura 1 mostra sinais de hipocratismo digital por insuficiência respiratória crónica no contexto de hemossiderose pulmonar.

Deve valorizar-se a tríade clássica: anemia ferropénica, hemoptises e infiltrados alveolares detectados pela radiografia do tórax.

Deve valorizar-se a tríade clássica: anemia ferropénica, hemoptises e infiltrados alveolares detectados pela radiografia do tórax.

Exames complementares

Uma vez que os macrófagos alveolares não conseguem metabolizar o ferro da hemoglobina, este acumula-se no seu interior provocando anemia ferropénica com níveis de ferro sérico e medular muito baixos. Assim, esta patologia é caracterizada pelo paradoxo de uma anemia ferropénica com ferro depositado no tecido pulmonar, o que condiciona fibrose. A anemia é tipicamente microcítica e hipocrómica com reticulocitose.

Os níveis de bilirrubina sérica estão aumentados bem como a excreção urinária de urobilinogénio.

Em geral, após um episódio agudo há leucocitose com desvio à esquerda (neutrófilos imaturos no sangue periférico). Em cerca de 15 a 20% dos casos verifica-se eosinofilia.

Pela deglutição de saliva com sangue, a pesquisa de sangue nas fezes pode ser positiva.

Na radiografia do tórax pode observar-se infiltrado alveolar uni ou bilateral, migratório, e que pode sofrer remissão completa após a fase sintomática. (Figura 2)

FIGURA 2. Hemossiderose pulmonar: radiografia do tórax (AP) evidenciando opacidades dispersas em ambos os campos pulmonares. (NIHDE)

FIGURA 3. Hemossiderose pulmonar: TAC torácica evidenciando opacidades dispersas e sinais de bronquiectasias. (NIHDE)

Durante a fase aguda a cintigrafia pode demonstrar sinais de hemorragia. A capacidade de difusão do monóxido de carbono está aumentada (uma vez que este se liga aos eritrócitos presentes nos alvéolos).

A broncoscopia com lavado broncoalveolar pode revelar a presença de macrófagos com depósito abundante de hemossiderina (apenas se a hemorragia tiver ocorrido há mais de 2 ou 3 dias); no entanto, este achado apenas comprova a ocorrência de hemorragia pulmonar e não a etiologia. O exame cultural é negativo.

A negatividade doutros exames específicos como ANA, ANCA, factor reumatóide, anticorpo antifosfolípidos e anticorpos antimembrana basal do glomérulo exclui certas formas secundárias.

O aspirado gástrico também pode conter macrófagos com hemossiderina.

Torna-se fundamental proceder a ECG e Eco-CG para excluir causas cardíacas de HAD.

Na síndroma de Heiner os estudos anátomo-patológicos demonstram depósitos alveolares de IgG, IgA e C3. Algumas crianças têm títulos elevados de IgE, IgG e IgA contra as proteínas do leite de vaca e melhoram após supressão do leite no regime alimentar. Verifica-se eosinofilia periférica.

A biópsia pulmonar na forma idiopática é característica e demonstra a ausência de deposição de imunoglobulinas ou complemento na membrana basal alveolar. Este dado exclui síndroma de Goodpasture.

A referida biópsia inicialmente deve ser feita por fibroscopia (biópsia transbrônquica retirando-se amostras de diferentes lobos e segmentos). Se não for possível o diagnóstico por esta técnica, deverão ser colhidas amostras maiores e a biópsia deverá ser realizada por toracoscopia ou em “pulmão aberto”.

O estudo da função pulmonar demonstra um padrão de insuficiência respiratória restritiva (pela fibrose) e obstrutiva (por irritabilidade brônquica). A detecção de autoanticorpos deve ser negativa.

Tratamento

As formas agudas de HAD o objectivo terapêutico emergente é a estabilização do processo activo com medidas de suporte que incluem o tratamento da hipoxemia com eventual ventilação mecânica em unidade de cuidados intensivos e reanimação circulatória com transfusão de concentrado eritrocitário.

As diferentes etiologias de base requerem medidas específicas como seja por exemplo a supressão do leite no caso de síndroma de Heiner (hipersensibilidade às proteínas do leite de vaca).

A supressão do glúten na dieta nos casos de associação da HAD a doença celíaca (síndroma de Lane-Hamilton) conduz ao desaparecimento dos sintomas intestinais e do foro respiratório (comprovando-se tal com a regressão da sintomatologia respiratória e dos sinais radiológicos torácicos). (Quadro 1)

A hemossiderose pulmonar idiopática, dado o seu carácter recorrente e imprevisível, obriga a tratamento continuado com corticosteroides sistémicos, os fármacos de primeira linha. Em situações de hemorragia recorrente ou refractária, em associação aos esteroides estão indicadas ciclofosfamida, azatioprina, hidroxicloroquina, e IGIV.

Casos de HAD com capilarite pulmonar e ou mediada por imunocomplexos implicam utilizar esteroides, imunossupressores e IGIV.

De acordo com estudos recentes, em casos graves de HAD, com ou sem capilarite, preconizou-se a metilprednisolona em bolus (30 mg/kg IV , até máximo de 1 grama), prednisona oral (2 mg/kg/dia), ciclofosfamida oral (2 mg/kg/dia) e doses mensais de IGIV imunomoduladoras (2g/kg). Verificada a remissão, o tratamento de manutenção inclui doses mais baixas de prednisona, e azatioprina ou metotrexato.

Prognóstico

No que respeita às HAD em geral, e à HPI em especial, com os meios da terapia intensiva e a utilização mais enérgica de corticoides e de citostáticos, a sobrevivência dos doentes com qualidade de vida mais aceitável aumentou significativamente: de uma média de sobrevivência de 3 anos após o diagnóstico, evoluiu-se para uma sobrevivência de 80% aos 5 anos.

BIBLIOGRAFIA

Das S, Langston C, Fan LL. Interstitial lung disease in children. Curr Opin Pediatr 2011; 23:325-331

Godfrey S. Pulmonary hemorrhage/hemoptysis in children. Pediatr Pulmonol 2004; 37: 476-484

Goldman L, Schafer AI (eds). Goldman-Cecil Medicine. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2016

Ioachimescu OC, Sieber S, Kotch A. Idiopathic pulmonary hemosiderosis revisited. Eur Respir J 2004; 24: 162-170

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Moissidi SI, Chaidaron D, Vichyanond P, Bahna SL. Milk induced pulmonary disease infants (Heiner Syndrome). Pediatr Allergy Immunol 2005; 16: 545-562

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Nuesslein TG, Teig N, Rieger C. Pulmonary haemosiderosis in infants and children. Paediatr Respir Rev 2006; 7: 45- 48

Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA(eds). Rudolph´s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011

Susarla SC, Fan LL. Diffuse alveolar hemorrhage syndromes in children. Curr Opin Pediatr 2007; 19: 314-320

Wilmott R, Bush A, Deterding R, Ratjen F, Sly P, Zar H, Li A (eds). Kendig’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Elsevier, 2019

Yao TC, Hung IJ, Jaing TH, et al. Pitfalls in the diagnosis of idiopathic pulmonary haemosiderosis. Arch Dis Child 2002; 86: 436-438

SÍNDROMAS DE ASPIRAÇÃO

Importância do problema

Existe uma gama muito variada de substâncias, produtos diversos, alimentos, corpos estranhos, ou até produtos biológicos (como por exemplo, secreções nasofaríngeas e conteúdo gástrico) que podem atingir intempestivamente a via respiratória (fenómeno de broncoaspiração) e originar obstrução mecânica e sinais e sintomas que podem culminar em asfixia e morte na ausência de procedimentos emergentes ou urgentes.

As manifestações clínicas e o resultado final são variados, dependendo fundamentalmente do material aspirado e da quantidade deste. De salientar que a aspiração de pequenos volumes ode ter consequências patológicas quando o processo é repetitivo.

Considerando-se que na prática clínica nos confrontamos com duas eventualidades (síndromas de aspiração aguda e síndromas de aspiração recorrente), neste capítulo é dada ênfase às situações relacionadas com a aspiração acidental de objectos de pequenas dimensões na perspectiva de chamada de atenção para a necessidade de prevenção.

Etiopatogénese

Qualquer objecto de pequenas dimensões (peças de jogos ou de brinquedos,botões, feijões ou grãos de leguminosas secas, rebuçados, pequenas peças acessórias do vestuário de metal ou plástico, etc.) que ultrapasse a barreira laríngea pode ser aspirado para as vias respiratórias inferiores originando obstrução de grau diverso. Se os objectos aspirados forem constituídos por matéria orgânica, o risco de vida imediato é menos significativo. No caso de se tratar de objectos irritantes para a mucosa brônquica, o edema da respectiva parede contribui para agravar a diminuição do calibre da via respiratória.

Importa também citar a acção de determinados produtos tóxicos inalados e ou aspirados, tais como petróleo, naftaleno, pó de talco, vapores de mercúrio, pesticidas, produtos clorados, goma-laca, berílio, etc., que poderão originar, para além de obstrução mecânica, a formação de granuloma e pneumonite intersticial por acção crónica irritativa e agressiva sobre as estruturas canaliculares da via respiratória.

Como factores predisponentes da broncoaspiração, os mesmos podem ser sistematizados como se segue: neuromusculares (paralisia cerebral, doenças neuromusculares, paralisia das cordas vocais, depressão do estado de consciência, etc.); – malformativas (atrésia das cóanas, micrognatia, macroglóssia, fenda palatina, refluxo gastresogágico / RGE, fístula traquesogágica, etc.); – outros (prematuridade, acalasia cricofaríngea, intubação traqueal, traquesotomia, etc.).

Manifestações clínicas

A noção precisa de aspiração de corpo estranho é rara sobretudo em crianças pequenas com ausência de testemunhas. Esta circunstância implica, por isso, elevado índice de suspeita.

Por outro lado, a história de início súbito de tosse disfónica e dificuldade respiratória (sibilância ou estridor, cianose e retracção torácica, apneia, etc.) é muito típica e sugestiva.

Dum modo geral, os sinais e sintomas dependem da localização e das características do corpo estranho na via respiratória.

Localizando-se na traqueia com obstrução total, surgirão asfixia e retracções torácicas marcadas. Se a obstrução for parcial e alta, como consequência surgirão estridor inspiratório e expiratório assim como retracção costal superior; se a obstrução for baixa e parcial, os sinais serão sibilância e estridor inspiratório.

Se a localização for o brônquio principal, os sinais mais típicos são a tosse, sibilância e, por vezes, hemoptise.

Se o corpo estranho se alojar em brônquio lobar ou segmentar serão notórios diminuição do murmúrio vesicular, sibilos e roncos, com sibilância localizados ao lado afectado. Pela inspecção, poderá notar-se diferença quanto ao grau de expansão dos dois hemitóraxes.

No caso de haver atraso no diagnóstico, poderão surgir episódios recorrentes de sibilância diagnosticados como “asma, pneumonia ou bronquiectasias”, não sendo de excluir em tal circunstância, pneumonia secundária.

Torna-se importante frisar que a possibilidade da presença de corpo estranho nas vias respiratórias deve ser sempre admitida no diagnóstico diferencial de todo e qualquer tipo de problema respiratório, designadamente na criança pequena, valorizando sempre, claro está, a anammese.

Se se verificar aspiração do conteúdo gástrico por vómito ou regurgitação, o processo é potencialmente grave, podendo ser fatal em cerca de 4% dos casos. No momento da aspiração gera-se um quadro de sufocação com tosse e dificuldade respiratória como consequência de broncospasmo e inflamação. A evolução depende do volume aspirado, podendo surgir quadro de síndroma de dificuldade respiratória aguda (SDRA) nas 48 horas seguintes, com forte probabilidade de sobreinfecção.

Exames complementares

A suspeita de aspiração de corpo estranho implica proceder a exame radiográfico do tórax (devendo idealmente ser feito em inspiração e em expiração, contemplando igualmente as incidências em decúbito bilateral); poderá não revelar qualquer sinal anómalo ou, pelo contrário, sinais directos e indirectos. De referir os seguintes sinais: atelectasia (Figura 1); enfisema notório na fase de expiração por acumulação progressiva de ar nos casos de obstrução parcial e mecanismo valvular (Figura 2); imagem do próprio corpo estranho caso seja radiopaco sinais retracção com desvio do mediastino; infiltrados de visualização precoce (~2 horas), sobretudo nos lóbulos inferiores, no caso de aspiração de material alimentar.

Um cubo Rubiks faz um presente perfeito para qualquer ocasião. Saiba mais sobre este enigma incrível no este link.

FIGURA 1. Padrão radiográfico de atelectasia pulmonar (segmento do lobo superior à direita) por aspiração de corpo estranho não radiopaco. (NIHDE)

FIGURA 2. Radiografia do tórax evidenciando sinais de hiperinsuflação do pulmão direito por mecanismo valvular e hipoventilação do hemitórax esquerdo com desvio do mediastino para este lado

Nas situações em que o material alimentar (ou medicamentosos) aspirado é de composição lipídica, poderá verificar-se quadro de pneumonia lipídica, hoje raro, em geral associado a afecções em crianças com insuficiência mental ou problemas do foro neuromuscular.

Como complemento poderá haver necessidade de recurso à vídeo-radioscopia.

broncoscopia constitui uma técnica obrigatória, quer para a confirmação diagnóstica, quer na perspectiva de intervenção terapêutica para a remoção do corpo estranho.

Prevenção

Este tipo de acidentes, que surge com mais frequência entre os 6 meses e os 3 anos, pode ser prevenido através duma vigilância adequada por quem é responsável pelos cuidados a prestar à criança, e da escolha apropriada de brinquedos, alimentos ou peças de vestuário para a mesma. Tratando-se de crianças mais velhas, a prevenção passa pelo processo educativo incidindo sobre as próprias (cuidado com os objectos dados às crianças pequenas para brincar: objectos pequenos, não!).

Esta acção educativa deve começar na escola pré-primária.

Tratamento

  1. Perante situações de síndroma de aspiração aguda, na maior parte das vezes a aspiração de material estranho não constitui uma situação de emergência com asfixia e risco de vida. O grau de urgência/emergência depende da localização do corpo/material estranho e do grau de dificuldade respiratória.
    Se a criança for admitida no serviço de urgência em apneia e tiver idade superior a 1 ano, deverá proceder-se à manobra de Heimlich de imediato; se tiver menos de 1 ano deverá proceder-se à manobra de percussão forte do dorso.
    No entanto, o procedimento de eleição em situações de emergência/asfixia e história convincente de aspiração é a broncoscopia com broncoscópio rígido para remoção do corpo estranho.
    Nos casos em que a história não é convincente poderá utilizar-se inicialmente o broncoscópio flexível para confirmar o diagnóstico; em segunda linha, uma vez confirmado o diagnóstico, procede-se a broncoscopia rígida para remoção do corpo estranho.
  2. Nos casos de síndroma de aspiração recorrente há que atender às particularidades da patologia de base, sua evolução e respectivas medidas terapêuticas incluindo remoção do material estranho. Cada caso deverá ser avaliado, importando referir que, tratando-se de processo repetitivo, a aspiração de pequenos volumes poderá ter consequências patológicas.
    Em função do contexto clínico (sinais sugestivos de sobreinfecção) poderá estar indicada a antibioticoterapia.

BIBLIOGRAFIA

Chernick V, Boat TF, Wilmott RW, Bush A (eds). Kendig’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2006

Delegge MH, Aspiration pneumonia: incidence, mortality, and at-risk population. J Parentr Enteral Nutr 2002; 26: S19-S25

Goldman L, Schafer AI (eds). Goldman-Cecil Medicine. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2016

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Marik PE. Aspiration pmeumonitis and aspiration pneumonia. NEJM 2001; 344: 665-671

Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA (eds). Rudolps’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011

Taussig LM, Landau LE. Pediatric Respiratory Medicine. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2008

Wilmott R, Bush A, Deterding R, Ratjen F, Sly P, Zar H, Li A (eds). Kendig’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Elsevier, 2019

BRONQUIECTASIAS

Definição

Esta entidade clínica, descrita pela primeira vez por Laennec em 1819, define-se como processo crónico consistindo em dilatação anormal, permanente e irreversível do calibre brônquico, provavelmente como resultado de diversos eventos patológicos.

Na criança a incidência das bronquiectasias diminuiu nos últimos anos em resultado do desenvolvimento dos programas de vacinação, do tratamento precoce e adequado das infecções respiratórias, e da melhoria do estado de nutrição. A incidência real desta doença é difícil de avaliar devido à baixa suspeita clínica que condiciona o subdiagnóstico; no entanto, pode considerar-se que é relativamente rara nos países desenvolvidos.

QUADRO 1 – Bronquiectasias: Factores etiológicos

Abreviaturas: VIH: vírus da imunodeficiência humana;
VSR: vírus sincicial respiratório.

Infecções
Vírus (adenovírus, sarampo, VIH, VSR), tuberculose, tosse convulsa, Aspergillus, Pseudomonas, Mycoplasma.
Doenças congénitas
Deficiência da cartilagem (síndroma de Williams-Campbell), traqueobroncomegalia (síndroma de Mounier-Kuhn), síndroma de Marfan, síndroma de Ehler-Danlos, discinésia ciliar primária, síndroma de Kartagener, fibrose quística, deficiência de alfa1-antitripsina.
Imunodeficiências
Primária (hipogamaglobulinémia), secundária (causada por neoplasia, quimioterapia ou imunossupressão).
Obstrução
Aspiração de corpo estranho, tumor, estenose, compressão por anomalia congénita, asma, síndroma do lobo médio.
Aspiração
Refluxo gastresofágicoo, anomalias congénitas.
Inalação de gases tóxicos
Heroína, amónia, dióxido sulfúrico.

Etiopatogénese

Nos países desenvolvidos a causa mais frequente de bronquiectasias é a fibrose quística, explicável por obstrução brônquica e infecção crónica associada a esta doença. No entanto, os factores etiológicos de bronquiectasias são múltiplos, como se pode observar no Quadro 1.

Devido à melhoria dos cuidados de saúde algumas doenças como a tuberculose, sarampo e tosse convulsa, que eram as principais causas de bronquiectasias, diminuiram significativamente em incidência; no entanto, a infecção pulmonar ainda constitui o factor predisponente mais relevante do desenvolvimento de bronquiectasias. O adenovírus é particularmente agressivo para o pulmão. O vírus sincicial respiratório (VSR) pode causar bronquiectasias se a infecção ocorrer em crianças nascidas pré-termo.

A síndroma de Kartagener é uma tríade composta por situs inversus, sinusite e bronquiectasias. A discinésia ciliar primária é uma doença autossómica recessiva caracterizada por uma diminuição de função dos cílios brônquicos que contribui para a retenção das secreções e infecções recorrentes.

O refluxo gastresofágico e as aspirações crónicas secundárias às dificuldades de deglutição podem complicar-se com lesões brônquicas.

A presença prolongada de corpo estranho nas vias aéreas provoca obstrução crónica e inflamação, factores importantes do desenvolvimento de bronquiectasias.

A síndroma do lobo médio, que se caracteriza por atelectasia persistente deste lobo, é uma causa frequente de bronquiectasias localizadas, pela ausência de ventilação colateral; com efeito o brônquio lobar médio é mais longo e de calibre mais estreito, sendo a drenagem mais difícil. Uma das principais causas desta síndroma é a asma.

De salientar que em muitos casos a etiologia continua desconhecida.

As bronquiectasias, primariamente uma doença dos brônquios e bronquíolos, envolvem um círculo vicioso de obstruçãoinfecção → inflamação transmural → obstrução, com libertação de mediadores. Existe uma agressão inicial das vias aéreas que compromete os mecanismos de defesa, causando colonização bacteriana da árvore brônquica. Na tentativa de eliminar estes microrganismos surge uma reacção inflamatória que é ineficaz e, por este motivo, se torna crónica. Esta reacção provoca destruição da parede brônquica e consequente alteração e compromisso dos mecanismos de defesa com aumento da susceptibilidade à invasão bacteriana. Neste processo parece estarem envolvidos neutrófilos e linfócitos-T, tendo sido encontradas na expectoração concentrações aumentadas de elastase, interleucina-8 e factor de necrose tumoral alfa (TNF-alfa).

Microscopicamente o lume brônquico encontra-se obstruído por muco, há hipertrofia e hiperplasia das células caliciformes e glândulas da submucosa, com infiltração da mucosa e submucosa por células inflamatórias; verifica-se também hipervascularização brônquica e destruição do tecido elástico, tecido cartilagíneo e músculo liso, que são substituídos por tecido fibroso.

Classificação

Macroscopicamente verifica-se que os brônquios são irregulares e tortuosos, e os bronquíolos distais estão obstruídos por secreções, transformando-se progressivamente em cordões fibrosos.

De acordo com o aspecto macroscópico, as bronquiectasias podem dividir-se em:

  • Cilíndricas: nesta forma as vias aéreas dilatadas surgem, por vezes, como efeito residual de uma pneumonia;
  • Varicosas: nesta forma existem áreas constritivas focais ao longo das vias aéreas dilatadas que resultam de defeitos da parede brônquica;
  • Quísticas ou saculares: caracterizadas por dilatação progressiva das vias aéreas que terminam em formações quísticas ou aglomerados em cacho de uva. Este achado encontra-se nas formas graves de bronquiectasias.

Actualmente foi proposta uma nova classificação, com implicações práticas no prognóstico, considerando situações reversíveis e irreversíveise discriminando três grupos:

  • Pré-bronquiectasiasGrupo em que há infecção endobrônquica bacteriana crónica ou recorrente que pode estar associada a alterações inespecíficas identificadas através TCAD (tomografia computadorizada de alta definição) – espessamento da parede dos brônquios.
  • Bronquiectasias diagnosticadas por TAC. Com os achados através de TAC, clinicamente poderá assistir-se a persistência e progressão até bronquiectasias estabelecidas ou, pelo contrário, ao retorno à fase de pré-bronquiectasia ou à de normalidade.
  • Bronquiectasias estabelecidas. Esta situação corresponde a um quadro clínico em que, passados 2 anos após detecção dos achados tomográficos, estes se mantêm, o que corresponde a irreversibilidade.

Manifestações clínicas

Nas crianças existe habitualmente tosse que pode ser produtiva (as crianças deglutem as secreções); por vezes a expectoração é purulenta com cheiro fétido. As hemoptises são mais raras do que nos adultos. A recidiva de pneumopatia no mesmo território ou infecções brônquicas de repetição, devem fazer suspeitar de bronquiectasias.

Existem outros sinais menos específicos como atraso do desenvolvimento estaturo-ponderal ou febre inexplicada. Na anamnese é importante salientar os antecedentes familiares de doença respiratória, a consanguinidade, assim como os antecedentes pessoais desde o período neonatal.

O exame objectivo permite evidenciar sinais de gravidade como a alteração do estado geral, atraso estaturo-ponderal, deformação torácica, dispneia, cianose e hipocratismo digital. A auscultação permite detectar fervores nas áreas afectadas, por vezes sibilos e roncos.

As provas de função respiratória revelam sinais de obstrução, podendo ocorrer também defeito restritivo nos doentes em que existe destruição avançada do parênquima.

Diagnóstico

A radiografia de tórax poderá não revelar quaisquer sinais anómalos nos estádios mais precoces. As bronquiectasias são identificadas como imagens de dilatação brônquica com espessamento da respectiva parede, hiperinsu-flação compensatória, impactação mucóide e formação quística. Classicamente existem dois sinais característicos: sinal de “anel de sinete” (corte de topo do brônquio que é espessado e maior que o topo da artéria adjacente, o que não acontece em situações sem patologia em que a artéria e o brônquio têm tamanhos similares); e “sinal do carril” (linhas espessadas paralelas que representam corte longitudinal do brônquio). Nos casos mais graves pode ocorrer a imagem de pulmão em favo de mel. No entanto, devem ter-se em atenção outros sinais como uma condensação pulmonar que permanece após antibioticoterapia. (Figura 1)

FIGURA 1. Radiografia do tórax evidenciando sinais de bronquiectasias em doente com défice de alfa-1 antitripsina

FIGURA 2 e 3. TAC Torácica: Sinais de bronquiectasias no contexto de défice de alfa-1 antitripsina (A-1T) pulmonar. (NIHDE)

A broncografia de anteriores décadas foi substituída pela TCAD, que constitui o método “padrão de ouro” para o diagnóstico de bronquiectasias pela elevada sensibilidade e elevada especificidade.

A TAC permite também avaliar as complicações pulmonares associadas às bronquiectasias (como a bronquiolite obliterante), a extensão e evolução das lesões, e orientar o tratamento cirúrgico. (Figuras 2 e 3)

Através da fibrobroncoscopia é possível verificar ou excluir a presença de corpo estranho, efectuar a biópsia e colheita de lavado brônquico para diagnóstico etiológico. Este procedimento tem utilidade também na prevenção do aparecimento de bronquictasias a partir da verificação de síndroma do lobo médio ou de atelectasia persistente através de lavados brônquicos realizados precocemente.

Outros exames complementares de diagnóstico devem ser orientados para as etiologias mais prováveis. É importante salientar a prova do suor, a intradermorreação de Mantoux e o estudo da imunidade e alergia.

Tratamento

Globalmente, a actuação tem como objectivos o tratamento da doença primária, a drenagem das secreções, o controlo das infecções agudas e a diminuição da colonização bacteriana e da inflamação.

As exacerbações agudas são reconhecidas pelo aumento da expectoração, que se torna mais espessa e purulenta. A antibioticoterapia deve ser dirigida empiricamente aos agentes mais frequentes que são: Haemophilus influenza, Streptococcuspneumoniae e Staphylococcus aureus.Pseudomonas aeruginosa e Proteus vulgaris são menos frequentes. No tratamento das agudizações moderadas prefere-se a terapêutica oral com beta-lactâmicos e macrólidos. O antibiótico deve ser posteriormente ajustado de acordo com o exame bacteriológico da expectoração. A duração do tratamento é geralmente 2 a 4 semanas. Para exacerbações mais graves é, por vezes, necessário recorrer à terapêutica endovenosa.

Nalguns centros procede-se à profilaxia contínua com macrólidos ou outros antibióticos, por via oral ou em nebulização.

Existem outros medicamentos que podem ser utilizados, tais como os broncodilatadores inalados que diminuem a broncoconstrição, e os corticosteróides que reduzem a inflamação das vias aéreas.

Outra vertente importante do tratamento é a cinesiterapia respiratória que melhora a drenagem pulmonar.

As indicações para cirurgia são limitadas a doentes com: bronquiectasias localizadas, que sofrem exacerbações frequentes, com complicações graves como hemoptises maciças, ou processos piogénicos como o abcesso pulmonar.

Prognóstico

Apesar de dependente da precocidade do diagnóstico e do tratamento, de factores predisponentes e das complicações, o prognóstico é geralmente favorável devido às terapêuticas disponíveis actualmente, tais como antibióticos de largo espectro mais eficazes, e à melhoria dos resultados cirúrgicos.

BIBLIOGRAFIA

Angrill J et al. Bronchiectasis. Curr Opin Infect Dis 2001; 14:193-197

Eastham KM, Fall AJ, Mitchell L et al. The need to redefine non cystic fibrosis bronchiectasis in childhood. Thorax 2004; 59: 324-327

Evans DJ et al. Long-term antibiotics in the management of non-CF bronchiectasis – do they improve outcome? Respir Med 2003; 97; 851-858

Feldman C. Bronchiectasis: new approaches to diagnosis and management. Clin Chest Med 2011; 32: 536 -546

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds).Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Redding GJ. Bronchiectasis in children. Pediatr Clin North Am 2009; 56; 157-171

Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA (eds). Rudolph´s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011

Silverman E. et al. Current management of bronchiectasis: review and 3 case studies. Heart Lung 2003; 32; 59-64

Wilmott R, Bush A, Deterding R, Ratjen F, Sly P, Zar H, Li A (eds). Kendig’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Elsevier, 2019

BRONQUITE

Definição e importância do problema

Para definir esta entidade muitas denominações têm sido referidas por diversos autores.

bronquite aguda consiste num processo inflamatório agudo da mucosa dos brônquios de início abrupto, geralmente de origem vírica, em que a tosse é o sinal proeminente. De acordo com estatísticas dos Estados Unidos, estima-se que na idade pré-escolar ocorram cerca de 2 milhões de episódios de bronquite aguda. Dum modo geral acompanha ou surge na sequência de rinofaringite aguda ou de traqueíte aguda, fazendo parte do quadro clínico acompanhante doutras doenças infecciosas ou do foro respiratório com localização diversa.

bronquite crónica corresponde a uma situação caracterizada por produção excessiva de muco e tosse, associada a febre em períodos não inferiores a 3 meses. De facto, surgindo como manifestação clínica ou epifenómeno de um conjunto doutras entidades, em idade pediátrica o termo “bronquite crónica“ não tem a relevância que lhe é atribuída no adulto, acabando por prevalecer a situação de base como entidade.

Durante as últimas décadas parece que a prevalência duma das modalidades de bronquite – a chamada bronquite bacteriana persistente (BBP) – aumentou e, segundo alguns estudos, a mesma é identificada como causa mais comum de tosse crónica produtiva e como uma das causas de “asma de difícil controle”.

Etiopatogénese

Qualquer alteração dos mecanismos de depuração mucociliar, provocada por infecções respiratórias agudas, asma não controlada, traqueobroncomalácia, processos neurológicos que facilitem a aspiração, hiperfluxo vascular secundário a cardiopatia, e outros, facilitará a colonização bacteriana das vias respiratórias inferiores, sobretudo por microrganismos próprios da flora habitual da orofaringe, como Haemophilus influenzae, Streptococcuus pneumoniae Moraxella catarrhalis.

Classicamente descreve-se um círculo vicioso de fenómenos (precursor de bronquiectasias): Infecção à Inflamação à Lesão da via aérea à Alteração da depuração mucociliar à Infecção.

Os agentes infecciosos mais frequentemente associados à bronquite aguda são: adenovírus dos tipos 1, 7 e 12, vírus influenza e para-influenza, o vírus sincicial respiratório e os rinovírus.

Relativamente às bactérias, estão mais frequentemente implicadas as já referidas como agentes de colonização, assim como Bordetella pertussis e parapertussis e Streptococcus pyogenes. Outros germes têm igualmente sido apontados como agentes etiológicos: Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia psittaci.

O factor ambiente através das poeiras, fumos e alergénios (estes últimos abordados noutro capítulo) tem igualmente papel importante.

Está provada a associação entre fumo do tabaco (activo ou passivo), poluição do ar e bronquite, com ou sem sibilância.

No que respeita à bronquite crónica, em termos de factores etiológicos, tem perfeito cabimento, o que foi referido a propósito das pneumonias recorrentes.

Manifestações clínicas

Os sinais e sintomas característicos são tosse e febre associados a processo inflamatório das vias respiratórias superiores, sendo notória a rinite mucopurulenta com obstrução nasal. A tosse é inicialmente seca , irritatativa, não produtiva, tornando-se produtiva nos dias seguintes. Nos lactentes a tosse é emetizante conduzindo a anorexia e, por vezes, a desidratação.

Nas crianças maiores poderá haver expectoração e dor torácica.

A evolução tem, em geral, a duração de uma semana, com uma fase de recuperação de 1-2 semanas em que é típica a tosse persistente. Trata-se em geral dum processo autolimitado e benigno.

Poderá surgir infecção bacteriana secundária.

As situações crónicas de bronquite obrigam ao diagnóstico diferencial com displasia broncopulmonar, bronquectasias e fibrose quística.

Os dados auscultatórios do tórax revelam roncos dispersos mais audíveis na metade superior da caixa torácica.

A radiografia do tórax é em geral normal na ausência de sobreinfecção bacteriana. Os exames complementares têm valor limitado, sugerindo em geral processo vírico. O hemograma poderá revelar leucocitose ligeira e, em cerca de 1/3 dos casos, mesmo nos processos comprovadamente de etiologia vírica, neutrofilia ligeira.

Tratamento e complicações

O tratamento mais eficaz é o tratamento preventivo incluindo o cumprimento do programa de nacional de vacinação.

Uma vez surgido o episódio, são adoptadas apenas medidas paliativas: desobstrução nasal com soro fisiológico e aspiração nasal cuidadosa das secreções; antipiréticos com prudência (paracetamol) e suprimento abundante de líquidos por via oral para promover a mucolise. Os antitússicos deverão ser utilizados com prudência e apenas nas situações de tosse não produtiva. Em circunstâncias especiais e em crianças maiores poderão ser utilizados anti-histamínicos durante 3-4 dias, havendo congestão nasal importante.

Nos casos de infecção bacteriana secundária está indicada antibioticoterapia. De acordo com o contexto clínico de cada caso poderá recorre-se à fisioterapia com o objectivo de promover a depuração mucociliar.

BIBLIOGRAFIA

Arnold JC, Singh KK, Spector SA, et al. Human bocavirus: Prevalence and clinical spectrum at a children’s hospital. CID 2006; 43: 283-288

Arroll B, Kenealy T. Antibiotics for acute bronchitis. BMJ 2001; 322: 939-940

Carolan PL, Sharma GD. Pediatric Bronchitis. MedScape On Line. Jan 22, 2019

Chernick V, Boat TF. Kendig’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Saunders, 1998

Crocetti M, Barone MA. Oski´s Essential Pediatrics. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2004

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Rudolph CD, Rudolph AM, et al (eds). Rudolph´s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011

Taussig LM, Landau LE. Pediatric Respiratory Medicine. St Louis: Mosby, 1999

Wilmott R, Bush A, Deterding R, Ratjen F, Sly P, Zar H, Li A (eds). Kendig’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Elsevier, 2019

BRONQUIOLITE OBLITERANTE

Definição e importância do problema

A bronquiolite obliterante (BO) é uma doença pulmonar crónica pouco comum na idade infantil secundária a agressão ao aparelho respiratório inferior, do que resulta: pequenos brônquios e bronquíolos obstruídos por tecido de granulação e fibrose, por vezes em associação a bronquiectasias nas vias aéreas de maior calibre. Actualmente esta afecção é englobada, sob o ponto de vista nosológico, nas chamadas doenças pulmonares intersticiais (DPI).

As chamadas doenças pulmonares intersticiais da infância (segundo alguns autores anglófonos designadas síndromas ChILD) compreendem um grupo heterogéneo de doenças pulmonares crónicas caracterizadas por infiltrados parenquimatosos difusos com repercussão na hematose, levando a hipoxémia. A sua classificação é complexa dado que: – integra situações clínicas com manifestações semelhantes , mas com etiopatogénese diversa; – e a patologia respectiva envolve sobretudo a via aérea, mais do que o interstício. Na sua base estão factores genéticos, podendo associar-se a doenças sistémicas e processos inflamatórios ou fibróticos como resposta a diversos estímulos. São considerados 3 grandes grupos de DPI ou ILD/interstitial lung disease: 1) de etiologia conhecida[por ex. doenças genéticas (lisossómicas, do metabolismo do surfactante, etc.), infecção crónica, DBP, etc.]; 2) de etiologia desconhecida[por ex. síndromas de hemorragia alveolar difusa (incluindo a “histórica” hemossiderose pulmonar a abordar adiante), certas formas de bronquiolite obliterante, doenças do colagénio, proteinose alveolar, etc.]; 3) formas exclusivas da infância , sobretudo em crianças com < 2 anos [por ex. hiperplasia celular neuroendócrina, glicogenose intersticial pulmonar, anomalias do crescimento e desenvolvimento pulmonares, defeitos genéticos do metabolismo do surfactante a que foi feita alusão sob outro ponto de vista noutra alínea, hemorragia pulmonar idiopática da infância, etc.].

Em estudos de exames necrópsicos em idade pediátrica foi calculada a prevalência de cerca de 2/1.000.

Etiopatogénese

A maioria dos casos segue-se a infecção respiratória causada por adenovírus, particularmente dos tipos 3, 7 e 21. Outras infecções têm sido associadas ao aparecimento de BO, nomeadamente por Legionella, Mycoplasma, B. pertussis, vírus influenza e do sarampo. Também a aspiração de material estranho, em particular conteúdo gástrico ácido em casos de refluxo gastresofágico, ou a inalação de tóxicos (por ex. NO2, NH3), podem levar ao aparecimento de BO. Alguns casos têm sido associados a artrite reumatóide, esclerodermia, lúpus eritematoso e síndroma de Stevens-Johnson.

Nos últimos anos a BO tem sido descrita como uma complicação tardia major da transplantação pulmonar. Além disso, têm sido identificadas lesões semelhantes nos doentes transplantados com medula óssea associadas a doença enxerto-hospedeiro. Nalguns casos não é possível determinar a etiologia.

A BO inicia-se como uma pneumonia grave necrosante com destruição do epitélio bronquiolar. Quando ocorre a cicatrização, massas de tecido de granulação obstruem o lume dos pequenos brônquios e bronquíolos, tornando-se posteriormente fibróticas e causando obliteração parcial ou total das vias aéreas. Nos casos mais graves há destruição do músculo e do tecido elástico com fibrose da parede e áreas envolventes. Existem áreas heterogéneas de distensão e outras de atelectasia. O calibre do leito capilar pulmonar fica diminuído. Devido à obstrução, a resistência aérea e o trabalho respiratório aumentam. A perfusão de áreas pulmonares mal ventiladas causa hipoxémia, e a diminuição na ventilação eficaz causa hipercapnia. A hipoxémia crónica, obstrução aérea e redução do calibre do leito vascular pulmonar, levam a edema pulmonar, o que compromete adicionalmente as trocas gasosas.

Manifestações clínicas

Na fase aguda a doença não se distingue da bronquiolite aguda: tosse, febre, pieira e dificuldade respiratória, com hipoxemia nos casos mais graves. Contudo, a evidência de broncopneumonia e pneumonia intersticial é mais comum. Após um período breve de aparente melhoria ou resolução, voltam a surgir sintomas de doença obstrutiva pulmonar com dispneia, taquipneia e tosse crónica. A auscultação pulmonar revela fervores e sibilos geralmente dispersos.

Ocasionalmente o processo obliterativo é predominantemente unilateral traduzido radiologicamente por um quadro de pulmão hipertransparente unilateral ou síndroma de Swyer-James. Neste caso, um exame torácico cuidadoso pode evidenciar sinais localizados no pulmão afectado.

Diagnóstico

O diagnóstico é sugerido pela clínica de tosse arrastada, pieira e dificuldade respiratória variável, evoluindo: com períodos de melhoria seguidos de agravamento, mais frequentemente após infecção pulmonar moderada a grave por adenovírus ou Mycoplasma; ou com obstrução respiratória persistente respondendo mal aos broncodilatadores, após transplante de medula óssea. A recuperação clínica em geral é incompleta e o doente raramente fica assintomático.

A radiografia do tórax evidencia sinais de insuflação com hipertransparência pulmonar periférica e zonas de opacidade do interstício, espessamentos peribrônquicos e áreas dispersas de broncopneumonia, podendo haver colapso ou consolidação de segmentos ou lobos.

A tomografia computadorizada de alta definição (TCAD) melhorou muito a capacidade de diagnóstico de lesões das pequenas vias aéreas. Na BO frequentemente existe um padrão em vidro despolido bilateral, com áreas de hiperdensidade alternando com outras de hipodensidade e rarefacção da vascularização na periferia dos campos pulmonares.

A angiografia digital pode evidenciar a diminuição da vasculatura pulmonar periférica. Estes aspectos geralmente são difusos, dispersos e bilaterais, mas podem ser localizados a um pulmão ou lobo como na síndroma de Swyer-James.

A confirmação diagnóstica obtém-se com biopsia pulmonar, sobretudo nos transplantados. Nos outros doentes, presentemente a história clínica associada aos aspectos típicos na TCAD, tornam desnecessária a biopsia pulmonar em muitos casos.

As provas de função respiratória são importantes não só no diagnóstico como no seguimento destes doentes, sobretudo a espirometria. Geralmente evidenciam sinais de doença pulmonar obstrutiva com diminuição de FEV1 e da relação FEV1/capacidade vital forçada (FVC). O fluxo expiratório forçado a meio da expiração (FEF 25-75) é um bom indicador de doença das pequenas vias aéreas.

A BO pode ocorrer, tal como foi referido, como complicação tardia grave do transplante pulmonar. A patogénese é desconhecida, mas parece tratar-se de uma forma peculiar de rejeição de órgão. Ocorre em quase 50% dos sobreviventes de transplante pulmonar e não responde à terapêutica usual, podendo ser irreversível.

Nos últimos anos uma entidade patológica diferente chamada bronquiolite obliterante-pneumonia organizativa (BOOP) tem sido descrita associada a várias doenças pulmonares incluindo pneumonias infecciosas, inalação de tóxicos e doenças do colagénio vascular. O aspecto anatomopatológico é semelhante à BO excepto no que respeita a uma característica: os septos alveolares estão espessados por um infiltrado celular inflamatório crónico e existe hiperplasia das células tipo II. Outra entidade é a síndroma de bronquiolite obliterante, surgindo em doentes transplantados de pulmão. 

Tratamento

O tratamento é de suporte e inclui oxigénio para manter saturação O2-Hb (SpO2) adequada prevenindo a hipertensão pulmonar e a insuficiência cardíaca. Por vezes os diuréticos são úteis no tratamento do edema pulmonar. É importante evitar lesão pulmonar secundária, quer por infecção, quer por aspiração nos casos em que há refluxo gastresofágico. A fisioterapia respiratória e a manutenção de um bom estado nutricional são também muito importantes.

O papel dos broncodilatadores é controverso, pois os doentes com BO têm obstrução fixa. Contudo, geralmente são usados, podendo haver benefício clínico mesmo em doentes em que não se verifica melhoria da função respiratória.

Vários tratamentos anti-inflamatórios têm sido usados na BO com êxito variável. Estes tratamentos dependem da causa pois a BO que se associa ao transplante de medula ou pulmonar difere na evolução e prognóstico da BO pós infeção vírica.

É possível que os corticóides possam limitar a progressão da doença modificando a resposta fibroblástica na fase inicial. Usam-se por via oral, por vezes durante períodos prolongados de meses. Alguns doentes beneficiam desta terapêutica melhorando a sua função pulmonar; contudo, outros não. Admite-se que a resposta positiva aos broncodilatadores possa indiciar utilidade da corticoterapia prolongada.

Em centros especializados têm sido utilizados agentes imunomodulares (por ex. tacrolimus), ciclofosfamida em aerossol e macrólidos (azitromicina) nos casos de BO associada a transplantes pulmonares.

Também o infliximab (anticorpo monoclonal), que se liga ao TNF-alfa, tem sido empregue nos casos de doentes transplantados com medula óssea.

Prognóstico

A evolução dos doentes com BO varia muito: desde alguns com sintomas ligeiros que melhoram gradualmente sobretudo depois dos 8-10 anos, até outros que continuam a ter significativa doença respiratória com obstrução crónica, bronquiectasias e infecções recorrentes. Mais raramente podem ter evolução rapidamente progressiva para insuficiência respiratória e morte pouco tempo depois do início dos sintomas. Presentemente o prognóstico em geral é razoavelmente bom com uma mortalidade baixa. Nalguns casos graves tem sido feito transplante pulmonar.

BIBLIOGRAFIA

Colom AJ, Tepe AM. Post-infectious bronchiolitis obliterans. Pediatr Pulmonol 2019; 54: 212-219

Even-Or E, Ghandourah H, Ali M, et al. Efficacy of high-dose steroids for bronchiolitis obliterans syndrome post pediatric hematopoietic stem cell transplantation. Pediatr Transplant 2018 Mar;22(2). doi: 10.1111/petr.13155

Guimarães J. Pieira. In: Radiologia do Tórax em Pediatria. Amadora: Roche Farmacêutica Química, 1997; 64-76

Kim CK, Kim SW, Kim JS, et al. Bronchiolitis obliterans in the 1990’s in Korea and the United States. Chest 2001; 120:1101-1106

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Kurland G, Michelson P. Bronchiolitis obliterans in children. Pediatr Pulmonol 2005; 39: 193-208

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Mauad T, Dolhnikoff M, et al. Histology of childhood bronchiolitis obliterans. Pediatr Pulmonol 2002; 33:466-474

Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA (eds). Rudolph´s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011

Wohl MEB. Bronchiolitis. In: Chernick V and Boat T (eds). Kendig’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Saunders, 1998; 473-484

Wilmott R, Bush A, Deterding R, Ratjen F, Sly P, Zar H, Li A (eds). Kendig’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Elsevier, 2019

Zhang L, Irion K, Kozakewich H, Reid L, Camargo JJ, Porto NS, Silva FA. Clinical course of postinfectious bronchiolitis obliterans. Pediatr Pulmonol 2000; 29; 341-350

BRONQUIOLITE AGUDA

Definição e aspectos epidemiológicos

A bronquiolite aguda é uma infecção das vias aéreas de pequeno calibre, de etiologia predominantemente vírica, própria das crianças com idade inferior a 2 anos, e conduzindo a dificuldade respiratória. Este quadro é precedido por sintomatologia das vias aéreas superiores (tosse seca, rinorreia e eventual febre). A designação bronquiolite aguda deve reservar-se para o primeiro episódio de sibilância, sendo de evitar em situações de sibilância recorrente.

Nas regiões temperadas do hemisfério norte, a maior incidência ocorre entre os meses de Novembro e Abril, correspondendo às épocas de maior actividade epidémica dos principais agentes etiológicos. O sexo masculino é afectado em cerca de 60% dos casos. As crianças integradas em famílias de baixo nível económico, expostas a fumo de tabaco e não amamentadas, têm maior risco.

A bronquiolite aguda é habitualmente autolimitada, com resolução em menos de 2 semanas, levando a internamento hospitalar em 1 a 2% dos casos. No entanto, dada a sua elevada incidência, constitui, em números absolutos, a primeira causa de internamento hospitalar em lactentes abaixo dos 6 meses, frequentemente com necessidade de cuidados intensivos.

A mortalidade é inferior a 1% dos doentes internados, ocorrendo predominantemente em crianças com patologia crónica cardíaca, pulmonar, neurológica ou imunitária concomitante.

Cerca de 50% dos doentes podem, após resolução da bronquiolite aguda, evoluir para situações de hiperreactividade brônquica.

É, assim, uma doença com significativa morbilidade e custos elevados sobre os serviços de saúde.

Etiopatogénese

O principal agente etiológico é o Vírus Sincicial Respiratório (VSR), responsável por 60 a 75% dos casos, seguindo-se o Metapneumovírus e Bocavírus humanos (10 a 15%). Outros agentes víricos podem ser detectados (Parainfluenza, Influenza, Rinovírus e Adenovírus). Em 30% dos casos, são documentadas infecções mistas (2 ou mais vírus), que se associam, nalgumas séries, a maior gravidade clínica. Os serótipos 3, 7 e 21 de Adenovírus são responsáveis por casos de maior gravidade, com probabilidade de evolução para bronquiolite obliterante.

Raramente, agentes como Mycoplasma pneumoniae ou Haemophilus influenzae têm sido associados a quadros de bronquiolite aguda.

O VSR, altamente contagioso, afecta virtualmente 100% das crianças até aos 2 anos sem que a evolução conduza necessariamente a bronquiolite aguda. A transmissão faz-se por gotículas de secreções ou contacto directo com mucosas ou objectos infectados e o vírus permanece viável em superfícies durante 6 horas, em roupa ou lenços de papel durante 30 minutos, e na pele durante 20 minutos. O tempo de incubação da doença é 4 a 6 dias.

O VSR infecta as células epiteliais respiratórias, transmitindo-se célula a célula, praticamente sem virémia, mas com lesão das membranas celulares, formação de sincícios e destruição epitelial. Estas alterações iniciam-se na mucosa nasal e progridem para o aparelho respiratório distal, atingindo os bronquíolos em 3 a 5 dias. A necrose epitelial é acompanhada por resposta do hospedeiro, com reacção inflamatória local (infiltração da submucosa por neutrófilos, macrófagos, eosinófilos e plasmócitos, desgranulação e libertação de substâncias citotóxicas, edema, acumulação intra-luminal de muco e detritos celulares, disfunção e destruição de cílios).

No que respeita à libertação de substâncias citotóxicas, importa pormenorizar os fenómenos mais significativos: a) desgranulação de eosinófilos com libertação de proteínas catiónicas com efeito citotóxico sobre o epitélio da via respiratória; b) libertação de IgE com papel importante na sibilância; c) outros mediadores com papel na patogénese da inflamação da via respiratória incluem a IL-8, a proteína inflamatória dos macrófagos 1 alfa, etc.; d) níveis mais elevados de interferão-gama e de leucotrienos na via aérea correlacionam-se com o grau de sibilância.

O broncospasmo é pouco significativo nos lactentes. A obstrução dos bronquíolos de calibres entre 300 e 73 micra leva a áreas arejadas irregularmente distribuídas, de atelectasia e hiperinsuflação por mecanismo valvular, com alteração da relação ventilação/perfusão. Como consequência poderá surgir insuficiência respiratória tipo I (hipoxémia) ou de tipo II (com hipercápnia).

Nos pequenos lactentes, o menor diâmetro das vias aéreas, o menor desenvolvimento de ventilação colateral, a maior elasticidade torácica, a reduzida eficácia da tosse e a menor eficácia da função ciliar, podem contribuir para maior gravidade da doença.

Manifestações clínicas

O quadro clínico inicia-se por rinorreia, injecção conjuntival, tosse irritativa, por vezes febre (inferior a 38ºC). Três a quatro dias depois surge respiração ruidosa ou sibilante, polipneia, retracção costal, adejo nasal, hiperinsuflação torácica e dificuldade alimentar. Abaixo dos 3 meses, a apneia pode constituir a forma de apresentação.

Na sua evolução, a bronquiolite pode complicar-se com irritabilidade, perturbação do sono, prostração, coma, vómitos ou desidratação.

A inspecção detecta hiperinsuflação torácica, e sinais de dificuldade respiratória, com polipneia. À auscultação pulmonar identifica-se prolongamento do tempo expiratório, expiração sibilante, sibilos bilaterais, roncos e fervores subcrepitantes dispersos. A diminuição global do murmúrio vesicular, o gemido, o balanceio da cabeça e a cianose são habitualmente sinais de maior gravidade. Na observação abdominal pode palpar-se fígado, por empurramento pelo diafragma.

São considerados principais factores de risco de bronquiolite grave: idade inferior a 3 meses, antecedentes de prematuridade, imunodeficiência, doença pulmonar crónica, doença neuromuscular e cardiopatia congénita, doenças cromossómicas, hipotonia, exaustão e episódios anteriores de sibilância.

Avaliação de gravidade

O curso clínico da bronquiolite aguda é variável e dinâmico, com ocorrências súbitas e transitórias (episódios de engasgamento ou apneia por exemplo); oscilações ao longo dos dias, com períodos de agravamento e melhoria, condicionados pela alimentação, agitação ou acumulação de secreções respiratórias; ou agravamento progressivo da dificuldade respiratória, a qual pode levar a insuficiência respiratória.

A classificação de gravidade pode ser dificultada pela evolução dinâmica da doença, obrigando a reavaliações clínicas frequentes. A obstrução das vias aéreas superiores, a relação com as refeições, posicionamento e o ciclo de sono/vigília, podem alterar a observação.

A avaliação da gravidade deve incluir a repercussão das alterações respiratórias sobre os estados de consciência, nutrição e de hidratação. O clínico deve também avaliar a capacidade da família para a prestação de cuidados e assegurar as necessárias reavaliações médicas. A presença de factores de risco anteriormente citados deve ser identificada.

Diversos índices de gravidade têm sido desenvolvidos com a finalidade de tornar mais objectiva a valorização do grau de dificuldade respiratória. Nenhum é, no entanto, universalmente aceite e considera-se que todos têm, em geral, pouco valor preditivo pela variabilidade temporal dos achados clínicos e diferenças de objectividade ou subjectividade entre observadores. Como exemplo, apresenta-se o índice de gravidade de Wang, que tem sido usado em diversos estudos aleatorizados e que, na opinião do autor, poderá ser adoptado como referência na prática clínica. A frequência respiratória deve ser avaliada por contagem visual dos movimentos torácicos durante um minuto. (Quadro 1)

QUADRO 1 – Índice de gravidade da bronquiolite aguda (Wang et al, 1992)

Nota: A pontuação pode variar entre 3 e 18, permitindo uniformizar diferentes observações ao longo do tempo, mesmo efectuadas por diferentes técnicos.

PONTUAÇÃO 0 1 2 3
Frequência respiratória (ciclos por minuto) <30 31-45 46-60 >60
Retracção costal Ausente Intercostal apenas Traqueo-esternal Grave com adejo nasal
Sibilos Ausente No final da expiração ou apenas audível com estetoscópio Em toda a expiração ou audível sem estetoscópio Expiratórios e inspiratórios
Estado geral Normal Irritabilidade, letargia, dificuldade alimentar

Exames complementares

O diagnóstico de bronquiolite aguda é clínico, baseado na síndroma de dificuldade respiratória obstrutiva baixa (primeiro episódio), idade da criança e contexto epidemiológico, principalmente durante as épocas epidémicas de VRS, Vírus Parainfluenza ou Influenza. O Adenovírus e Rinovírus ocorrem de forma esporádica.

A radiografia do tórax não é necessária na generalidade dos casos. As alterações radiográficas são muito frequentes (hiperinsuflação, acentuação do retículo, áreas de atelectasia ou condensação), mas não se correlacionam com a gravidade clínica. Diversos estudos concluem que as alterações inespecíficas detectadas na radiografia do tórax tendem a aumentar a prescrição inadequada de antibióticos ou corticosteróides sem benefícios para os doentes. A requisição de radiografia do tórax deve, assim, reservar-se para casos graves, com necessidade de cuidados intensivos ou suspeita de pneumotórax. (Figura 1)

FIGURA 1. Aspecto radiográfico do tórax (póstero-anterior e perfil), na bronquiolite aguda: sinais de hiperinsuflação; setas indicando áreas de espessamento peribrônquico e focos de atelectasia/enfisema

Os resultados do hemograma e doseamento de proteína C reactiva não dão contributo importante na bronquiolite aguda, sendo habitualmente desnecessários.

A determinação da saturação em oxigénio da hemoglobina (SpO2) por método percutâneo (oximetria de pulso) tem sido utilizada como complemento da avaliação clínica da gravidade da bronquiolite aguda, nomeadamente para a detecção de hipoxemia subclínica. Não há consensos em relação aos níveis de SpO2 admissíveis nas condições fisiológicas de vigília ou sono, verificando-se, no entanto, que situações de hipoxemia ligeira (91-93% no doente respirando em ar ambiente) são desprovidas de complicações, podendo, no entanto, levar a aumento do número de observações médicas, permanência no hospital ou internamento, sem claros benefícios para a criança. Assim, a monitorização de SpO2 deve ser feita de forma descontínua e criteriosa, mesmo durante o internamento.

A pesquisa de vírus nas secreções ou lavado nasal, por imunofluorescência ou polymerase chain reaction (PCR) está disponível na maioria das unidades de saúde. Pode ser útil para efeitos de agrupamento de doentes em contexto de internamento.

O diagnóstico serológico não é recomendado, por ser demorado e ter baixa sensibilidade.

A determinação do pH e gases pode ser feita no sangue capilar ou arterial, dando um importante contributo no doente grave, principalmente na decisão de internamento em unidade de cuidados intensivos.

O diagnóstico diferencial de bronquiolite aguda pode ser difícil, sobretudo nas formas clínicas menos típicas e sem contexto epidemiológico, podendo ser feito com causas anatómicas, outras infecções, síndromas aspirativas, doenças sistémicas ou asma brônquica. (Quadro 2)

QUADRO 2 – Diagnóstico diferencial da bronquiolite aguda

Causas anatómicas
Anel vascular, quisto pulmonar, enfisema lobar
Pneumotórax, hidrotórax, quilotórax
Aspiração de corpo estranho
Insuficiência circulatória
Doença cardíaca congénita ou adquirida
Anemia
Infecções
Pneumonia por vírus, Chlamydia, Rickettsia, Mycoplasma, bactérias, fungos
Parasitas
Irritantes
Inalação de substâncias tóxicas
Pneumonia de aspiração
Refluxo gastresofágico
Causas metabólicas
Intoxicações (ex: salicilatos)
Acidose
Causas metabólicas
Intoxicações (ex: salicilatos)
Acidose
Causas alérgicas
Asma
Pneumonias designadas de hipersensibilidade

Critérios de internamento

As seguintes apresentações clínicas são habitualmente motivo para internamento: idade inferior a 6 semanas; episódios de apneia (observados ou relatados); SpO2 persistentemente inferior a 92% em ar ambiente; suprimento inadequado de fluidos (inferior a 2/3 da dose habitual em mais do que duas refeições, quer por vómitos, quer por recusa alimentar); sinais de dificuldade respiratória grave (gemido, cianose, tiragem global, balanceio da cabeça, polipneia superior a 70 cpm); presença de co-morbilidades (cardiopatia congénita cianótica ou hemodinamicamente significativa, doença pulmonar crónica incluindo displasia broncopulmonar, imunodeficiência, doença neuromuscular). O ambiente socioeconómico e a capacidade da família em prestar cuidados e devem avaliados e tidos em consideração.

Tratamento

A bronquiolite aguda é uma doença autolimitada, evoluindo para a cura em 7 a 14 dias, habitualmente sem sequelas nem complicações. As formas ligeiras necessitam apenas de humidificação e aspiração cuidadosa das secreções das vias aéreas (o que promove a drenagem e desobstrução por mecanismos fisiológicos), cuidados no posicionamento, e alimentação do lactente. A família deve ser esclarecida no sentido de saber reconhecer precocemente qualquer eventual agravamento do quadro, havendo apoios disponíveis em termos de serviços de saúde.

A elevação da cabeça é recomendada para evitar a aspiração de alimentos. As refeições devem ser fraccionadas e, se a criança não conseguir ingerir, pelo menos, dois terços das suas necessidades diárias habituais, deverá ser ponderada a alimentação por sonda oro ou nasogástrica. Em caso de vómitos ou evidência de desidratação, poderá ser necessária a administração de fluidos endovenosos.

Nos últimos anos têm sido efectuados estudos duplamente cegos e aleatorizados com a finalidade de verificar a utilidade clínica dos fármacos tradicionalmente utilizados na terapêutica de bronquiolite aguda. Os resultados da investigação no sentido de provar cientificamente a utilidade de determinados fármacos no contexto do tópico em análise têm nulos; por isso, pode afirmar-se que actualmente não existe nenhum medicamento considerado eficaz ou útil na terapêutica desta infecção. Diversas entidades têm emitido normas para diagnóstico e terapêutica da bronquiolite aguda, sendo de destacar as da Direcção Geral da Saúde/Sociedade Portuguesa de Pediatria, Associação Americana de Pediatria e NICE Guidelines do Reino Unido, todas publicadas desde 2014.

Oxigénio

A administração de oxigénio suplementar, por prongas nasais, máscara ou cânulas nasais de alto fluxo, é habitualmente recomendada na bronquiolite aguda moderada a grave se SpO2 < 90%. Em caso de apneia, exaustão muscular, ou sinais clínicos com critérios gasométricos de insuficiência respiratória (gasometria capilar com pO2 < 60 mmHg, pCO2 > 60 mmHg ou pH < 7,25) pode estar indicado o internamento da criança em unidade de cuidados intensivos, para assistência respiratória não invasiva ou ventilação convencional.

Nos doentes com SpO2 entre 90 e 93%, a necessidade de administração de oxigénio suplementar não está bem estabelecida, havendo autores que referem que esta suplementação pode ser prejudicial, por prolongar a estadia no serviço de urgência ou o internamento, com custos acrescidos e eventuais efeitos secundários daí decorrentes.

Dados fisiológicos baseados no estudo da curva de dissociação de oxi-hemoglobina demonstram que pequenos aumentos da pressão arterial de oxigénio (Pa O2) associam-se a grandes aumentos de SpO2, na porção da curva abaixo dos 90%. Pelo contrário, para valores superiores a 90%, são necessários maiores incrementos da PaO2 para fazer aumentar a SpO2. Em lactentes com bronquiolite não há dados para afirmar qualquer diferença na sintomatologia, resultados clínicos ou diferenças na função respiratória que apoiem a administração de oxigénio suplementar em doentes com SpO2 entre 90 e 93%. O risco da hipoxemia deve ser sempre comparado com o risco de permanência nos serviços médicos ou de hospitalização. Períodos transitórios de hipoxemia, como os verificados na bronquiolite aguda, não têm habitualmente efeitos deletérios, ao contrário do que sucede na hipoxia crónica. A monitorização contínua de SpO2 durante o internamento leva também a maior duração do mesmo, sem evidência de benefícios. Os erros de medição e os alarmes erróneos e frequentes (má captação, deslocamento), levam perturbação do sono e ansiedade parental.

O oxigénio de alto fluxo melhora as avaliações fisiológicas de esforço respiratório, reduz o trabalho respiratório e diminui a necessidade de entubação. Como efeito secundário é de referir algum risco acrescido de pneumotórax. São necessários mais estudos, mas a administração de oxigénio de alto fluxo parece ser um método com interesse pela eficácia demonstrada no doente grave, antes do recurso à ventilação mecânica.

Nalguns centros, nas formas graves, é utilizada como primeira escolha a ventilação não invasiva com pressão positiva contínua (CPAP).

Hidratação e nutrição

A alimentação oral está habitualmente mantida nos casos ligeiros. No entanto, lactentes com frequência respiratória aumentada, obstrução nasal e alteração de coordenação entre a respiração e a deglutição, têm dificuldade em se alimentar, o que comporta risco de regurgitação ou vómito. Sendo uma doença altamente consumidora de energia, recomenda-se alimentação por sonda oro ou nasogástrica se o suprimento calórico for inferior a 2/3 das necessidades.

As necessidades hídricas e calóricas podem ser asseguradas por via endovenosa, obrigatória se a criança tiver vómitos persistentes ou sinais de desidratação. Pelo risco de hiponatrémia e síndroma inapropriada de hormona antidiurética, os solutos hipotónicos estão contraindicados, recomendando-se, habitualmente, NaCl a 0,9% com dextrose 5%.

Terapêutica farmacológica

Salbutamol

Pela frequência de sibilos na bronquiolite aguda vírica, é comum a utilização de broncodilatadores no tratamento da mesma. A maioria dos ensaios clínicos aleatorizados não demonstrou, no entanto, efeitos benéficos consistentes na sua utilização. Ocasionalmente verifica-se melhoria transitória dos índices de gravidade, sem repercussão, quer na duração dos sintomas, quer na necessidade ou duração do internamento hospitalar. Esses estudos são heterogéneos, com diferentes critérios de selecção dos doentes, vias de administração, sistemas de nebulização, etc., o que limita a sua interpretação. O uso de broncodilatadores pode comportar riscos como o tremor e a taquicardia.

As recomendações anteriores, que sugeriam a administração de uma dose de salbutamol na bronquiolite, que se manteria, posteriormente, em caso de resposta positiva, já não são válidas, uma vez que se constatou dificuldade em objectivar, não só a resposta, mas também, em definir o subgrupo dos respondentes.

O uso de salbutamol não é, assim, recomendado na bronquiolite aguda. Não são recomendados outros broncodilatadores, como terbutalina, procaterol ou brometo de ipratrópio.

Epinefrina

A epinefrina nebulizada tem efeitos alfa e beta-adrenérgicos com broncodilatação, vasoconstrição e diminuição do edema. Em estudos aleatorizados e controlados não foi demonstrado benefício da epinefrina nebulizada vs placebo nem vs salbutamol, nem sequer diminuição do tempo de internamento. Actualmente não se recomenda o seu uso na bronquiolite aguda vírica.

Corticosteróides

Apesar das provas científicas robustas favorecendo o uso de corticosteróides inalados ou sistémicos noutras situações que cursam com inflamação brônquica, não se demonstrou o mesmo na bronquiolite aguda. Uma revisão sistemática demonstrou que a corticoterapia não se associou a redução do número de internamentos ou da sua duração. Poderá verificar-se contudo certa melhoria em doentes com fundo atópico. Alguns autores referem que a corticoterapia prolonga o tempo de eliminação de vírus pelos lactentes.

Cloreto de sódio hipertónico

O cloreto de sódio hipertónico nebulizado tem sido largamente investigado no âmbito da terapêutica da bronquiolite aguda. O mecanismo fisiológico inclui a diminuição de edema da submucosa, com chamada de água ao lume brônquico, diminuição da viscosidade do muco e melhoria da função ciliar. Com efeito, provou-se cientificamente que o uso de cloreto de sódio hipertónico diminui a duração do internamento hospitalar, bem como os índices de gravidade ao longo do internamento. Têm sido testadas diversas concentrações (3%, 5%, 7%) com idênticos resultados. Ulteriormente, os resultados doutros estudos, aleatorizados e duplamente cegos contestaram as referidas vantagens.

No entanto, a AAP mantém a recomendação de uso de cloreto de sódio hipertónico em doentes seleccionados com bronquiolite aguda, chamando a atenção para a segurança de tal actuação terapêutica e para certos efeitos acessórios ligeiros e pouco frequentes (tosse, rinorreia).

Antibióticos

Os antibióticos não estão recomendados na terapêutica da bronquiolite aguda. No entanto, pela idade, pela presença de febre, e pela possibilidade de infecção bacteriana secundária, é frequente a sua utilização. O risco de sépsis ou bacteriemia em lactentes com quadro clínico de bronquiolite é de apenas 1%, em contraponto com a mesma probabilidade em lactentes com febre sem foco identificável (habitualmente referida ~ 7%). Risco com magnitude idêntica existe relativamente a outras infecções como meningite, infecção urinária, pneumonia ou outras doenças bacterianas graves; por isso, não se justifica a administração de antibioticoterapia empírica.

A realização de hemograma, avaliação dos parâmetros de fase aguda de infecção, a hemocultura, urocultura ou outros exames culturais em lactentes com o diagnóstico de bronquiolite aguda também não se justificam de forma generalizada. Na radiografia do tórax, as imagens de hipotransparência correspondem maioritariamente a áreas de atelectasia, sendo muito rara a sobreinfecção bacteriana pulmonar.

A presença de otite média aguda concomitante com a bronquiolite aguda é motivo de prescrição de antibióticos na prática clínica corrente. No entanto, na maioria dos casos, a otite é, neste contexto, muitas vezes de etiologia vírica; a este respeito, deve valorizar-se, como critério de otite média aguda bacteriana, o abaulamento da membrana timpânica, bem como a presença de otorreia.

Outros fármacos

A ribavirina é um fármaco antivírico, derivado das purinas, activo contra o VSR, o vírus da gripe e o vírus da Hepatite C. O seu uso é recomendado em casos graves de infecção por VRS, em contexto de cuidados intensivos. Trata-se dum fármaco dispendioso, tecnicamente difícil de administrar, e com efeitos tóxicos graves, nomeadamente teratogénicos.

O palizivumab não é recomendado na bronquiolite aguda, devendo ser reservado para profilaxia passiva (ver adiante). Não se recomenda a utilização de montelucaste, anti-histamínicos, diuréticos, xantinas, sulfato de magnésio, imunoglobulina humana anti-VSR, interferão, rhDNAse, ervas chinesas ou surfactante. Nalguns doentes graves, em unidades de cuidados intensivos, têm sido relatados casos de sucesso com administração de heliox (mistura de hélio 70% com oxigénio 30%).

Cinesiterapia respiratória

Uma revisão Cochrane recente comparou nove estudos aleatorizados que avaliaram os resultados da realização de cinesiterapia respiratória em lactentes internados com bronquiolite aguda. Não foram encontrados efeitos benéficos, nem com técnicas activas (vibração ou percussão), nem passivas (drenagem). Num dos estudos demonstrou-se diminuição da necessidade de oxigénio em casos de atelectasia extensa.

Profilaxia da infecção por VSR

Não existe vacina contra VSR.

O anticorpo monoclonal humano (palivizumab) pode reduzir a taxa de hospitalização em grupos de risco (antecedentes de prematuridade < 29 semanas, displasia bronco-pulmonar ou cardiopatia grave). A Sociedade Portuguesa de Pediatria tem emitido normas para a sua utilização na realidade portuguesa. Habitualmente são administradas 5 doses mensais (de Novembro a Março) de 15 mg/kg IM nos primeiros dois anos de vida. Tal actuação é dispendiosa, e não recomendada noutras situações (fibrose quística, doenças neuromusculares, síndroma de Down, malformações pulmonares, designadamente).

Além de se transmitir facilmente entre os conviventes, o VSR é viável durante longos períodos no meio ambiente (superfícies: 6 horas; roupas e lenço de papel: 30 minutos; pele: 20 minutos). É importante a lavagem correcta das mãos antes e após a manipulação das crianças, com água e sabão ou solução alcoólica, bem como o uso de luvas, toucas e medidas de isolamento de gotículas. Deve-se evitar a partilha de objectos e encorajar a limitação de contactos. Neste aspecto, assume particular importância a limitação de visitas aos recém-nascidos durante os meses de Inverno, bem como a consciencialização das famílias.

A evicção de tabaco e a incentivação do aleitamento materno contribuem para diminuir o risco de infecção e a gravidade da bronquiolite aguda.

Complicações e prognóstico

A bronquiolite aguda tem baixa mortalidade (0,01%), estando esta associada a factores de risco prévios.

A morbilidade é, pelo contrário, muito significativa, com complicações na fase aguda (atelectasia, insuficiência respiratória, apneia, pneumotórax, sobreinfecção bacteriana), evolução arrastada com deterioração clínica e evolução para quadro de bronquiolite obliterante.

Em cerca de 20 a 30% das crianças, podem ocorrer crises recorrentes de hiperreactividade brônquica ao longo da infância. Grandes estudos populacionais identificaram três fenótipos de crianças com sibilância recorrente: alguns lactentes têm calibre reduzido das vias aéreas e compromisso da função respiratória antes da bronquiolite; outros têm antecedentes familiares ou pessoais de atopia, contribuindo a infecção vírica para desencadear um quadro de asma brônquica: Nalguns casos podem surgir sequelas mantidas da lesão induzida pelo vírus.

BIBLIOGRAFIA

American Academy of Pediatrics Subcommittee on Diagnosis and Management of Bronchiolitis. Diagnosis and management of bronchiolitis. Pediatrics. 2014; 134: e1474-e1502. 134: e1774–e1793

American Academy of Pediatrics, Committee on Infectious Diseases and Bronchiolitis Guidelines Committee. Policy statement: updated guidance for palivizumab prophylaxis among infants and young children at increased risk of hospitalization for respiratory syncytial virus infection. Pediatrics 2014;134: 415–420

Baron J, El-Chaar G. Hypertonic saline for the treatment of bronchiolitis in infants and young children. A critical review of the literature. J Pediatr Pharmacol Ther 2016; 21: 7-26

Bressan S, Balzani M, Krauss B, Pettenazzo A, Zanconato S, Baraldi E. High-flow nasal cannula oxygen for bronchiolitis in a pediatric ward: a pilot study. Eur J Pediatr 2013;172: 1649–1656

Caffrey Osvald E, Clarke JR. NICE clinical guideline: bronchiolitis in children. Arch Dis Child Educ Pract Ed 2016; 101: 46-48

Cavaye D, Roberts DP, Saravanos GL, et al. Evaluation of national guidelines for bronchiolitis: agreements and controversies. J Paediatr Child Health 2019; 55: 25-31

Centers for Disease Control and Prevention. Respiratory syncytial virus activity—United States, July 2011-January 2013. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2013; 62 (8):141–144

Cunningham S, McMurray A. Observational study of two oxygen saturation targets for discharge in bronchiolitis. Arch Dis Child 2012;97: 361–363

Fernandes RM, Bialy LM, Vandermeer B, et al. Glucocorticoids for acute viral bronchiolitis in infants and young children. Cochrane Database Syst Rev 2013; (6):CD004878

Fernandes RM, Plint AC, Terwee CB, Sampaio C, et al. Validity of bronchiolitis outcome measures. Pediatrics 2015; 135: e1399- e1408

Florin TA, Byczkowski T, Ruddy RM et al. Utilization of 3% saline in infants hospitalized with bronchiolitis. J Pediatr 2015; 166: 1168-1174

Florin TA, Plint PC, Zork JJ. Viral bronchiolitis. Lancet 2017; 389: 211-224

Florin TA, Shaw KN, Kittick M, Yakscoe S, Zorc JJ. Nebulized hypertonic saline for bronchiolitis in the emergency department: a randomized clinical trial. JAMA Pediatr 2014;168: 664–670

Hasegawa K, Tsugawa Y, Brown DF, Mansbach JM, Camargo CA Jr. Trends in bronchiolitis hospitalizations in the United States, 2000-2009. Pediatrics 2013;132: 28–36

Kallappa C, Hufton M, Millen G, Ninan TK. Use of high flow nasal cannula oxygen (HFNCO) in infants with bronchiolitis on a paediatric ward: a 3-year experience. Arch Dis Child 2014; 99:790–791

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Kugelman A, Raibin K, Dabbah H, et al. Intravenous fluids versus gastric-tube feeding in hospitalized infants with viral bronchiolitis: a randomized, prospective pilot study. J Pediatr 2013;162:640–642

Mandelberg A, Amirav I. Hypertonic saline or high volume normal saline for viral bronchiolitis: mechanisms and rationale. Pediatr Pulmonol 2010; 45:36–40

Medina A, del Villar-Guerra P. CPAP support should be considered as the first choice in severe bronchiolitis. Eur J Pediatr 2019; 178: 119-120

Miller EK, Gebretsadik T, Carroll KN, et al. Viral etiologies of infant bronchiolitis, croup and upper respiratory illness during 4 consecutive years. Pediatr Infect Dis J 2013; 32: 950–955

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Nagakumar P, Doull I. Current therapy for bronchiolitis. Arch Dis Child 2012; 97: 827-830

Ornelas H, Barroso A, Carriço A, Matos A, Virella D, Rocha G, Santos I. Prescrição de Palivizumab para Prevenção de Infeção pelo Vírus Sincicial Respiratório em Crianças de Risco. Norma da DGS nº 012/2013 de 30/07/2013 actualizada a 08/10/2014

Ralston S, Hill V, Waters A. Occult serious bacterial infection in infants younger than 60 to 90 days with bronchiolitis: a systematic review. Arch Pediatr Adolesc Med 2011;165:951–956

Ricart S, Marcos MA, Sarda M, et al. Clinical risk factors are more relevant than respiratory viruses in predicting bronchiolitis severity. Pediatr Pulmonol 2013; 48:456–463

Roqué i Figuls M, Giné-Garriga M, Granados Rugeles C, Perrotta C. Chest physiotherapy for acute bronchiolitis in paediatric patients between 0 and 24 months old. Cochrane Database Syst Rev 2012;(2): CD004873

Ross PA, Newth CJL, Khemani RG. Accuracy of pulse oximetry in children. Pediatrics 2014;133: 22–29

Schuh S, Lalani A, Allen U, et al. Evaluation of the utility of radiography in acute bronchiolitis. J Pediatr 2007;150: 429– 433

Shay DK, Holman RC, Roosevelt GE, Clarke MJ, Anderson LJ. Bronchiolitis-associated mortality and estimates of respiratory syncytial virus-associated deaths among US children, 1979-1997. J Infect Dis 2001; 183:16–22

Skjerven HO, Hunderi JO, BrügmannPieper SK, et al. Racemic adrenaline and inhalation strategies in acute bronchiolitis. N Engl J Med 2013; 368:2286–2293

Spurling GK, Doust J, Del Mar CB, Eriksson L. Antibiotics for bronchiolitis in children. Cochrane Database Syst Rev. 2011;(6): CD005189

Wang EE, Milner R, Allen U, Maj H. Bronchodilators for treatment of mild bronchiolitis: a factorial randomised trial. Arch Dis Child 1992; 67: 289-293

Wang J, Xu E, Xiao Y. Isotonic versus hypotonic maintenance IV fluids in hospitalized children: a meta-analysis. Pediatrics 2014;133: 105–113

Wilmott R, Bush A, Deterding R, Ratjen F, Sly P, Zar H, Li A (eds). Kendig’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Elsevier, 2019

World Health Organization. Guidelines on hand hygiene in health care. Geneva, Switzerland: World Health Organization; 2009. Available at: http://whqlibdoc.who. int/publications/2009/9789241597906_eng. pdf. Accesso em Maio de 2016

Wu S, Baker C, Lang ME, et al. Nebulized hypertonic saline for bronchiolitis: a randomized clinical trial. JAMA Pediatr 2014; 168:657–663

Zhang L, Mendoza-Sassi RA, Wainwright C, Klassen TP. Nebulised hypertonic saline solution for acute bronchiolitis in infants. Cochrane Database Syst Rev 2013; 7:CD006458

PNEUMONIA RECORRENTE

Definições e importância do problema

No capítulo sobre pneumonia adquirida na comunidade foi definido o conceito de pneumonia aguda: início agudo de sintomas (tosse, taquipneia, dispneia) e sinais (diminuição do murmúrio, fervores, macicez, aumento das vibrações vocais), acompanhados por hipotransparência na radiografia do tórax.

Num primeiro episódio de pneumonia, se a criança evidenciar bom estado geral, por vezes não é feita radiografia do tórax. Contudo, se a situação não evoluir para a normalidade, ou se os episódios se repetirem, a radiografia do tórax torna-se fundamental.

Define-se pneumonia recorrente como 2 episódios de pneumonia em 1 ano ou 3 episódios em qualquer período de tempo. Neste caso há uma resolução clínica e radiológica entre os episódios de infecção.

Geralmente os sintomas melhoram em alguns dias, mas o tempo de resolução radiológica duma pneumonia é muito variável. Na maior parte dos casos há desaparecimento dos sintomas e melhoria ou cura das alterações radiológicas em 2-4 semanas. Mas uma pneumonia pneumocócica não complicada pode demorar 4-8 semanas a curar, enquanto uma pneumonia por adenovírus pode levar 6 meses ou mais. Por outro lado, com grande frequência desconhece-se a etiologia, o que dificulta o problema.

Fala-se de pneumonia persistente quando a clínica e radiologia persistem para além de 1 mês. Muitas vezes não é possível distinguir claramente entre recorrência e persistência por não se dispor de radiografias comprovando a resolução dos episódios.

As pneumonias recorrentes constituem um problema comum. A maioria das crianças tem 5-10 infecções respiratórias por ano, com uma frequência maior depois dos 6 meses e predominando no segundo ano de vida. Geralmente estas infecções afectam o aparelho respiratório superior, e só em 10-30% dos casos é envolvido o aparelho respiratório inferior.

Factores de risco

Vários factores influenciam a eclosão de infecções respiratórias (Quadro 1).

QUADRO 1 – Factores de risco de pneumonia recorrente

1 – Idade

2 – Sexo masculino

3 – Prematuridade

4 – Exposição aos agentes infecciosos

5 – Tabagismo/Poluição do ar ambiente

6 – Factores socioeconómicos

A idade é um factor importante. É habitual a diminuição progressiva da frequência das infecções respiratórias com o incremento dos anos, reflectindo o desenvolvimento da imunidade. Por razões desconhecidas as infecções das vias respiratórias inferiores são mais frequentes nos rapazes. Os lactentes nascidos pré-termo, sobretudo aqueles com doença pulmonar crónica, têm maior número de internamentos por pneumonia e mortalidade mais elevada que os nascidos de termo. A exposição aos agentes infecciosos nas creches e infantários, em amas com várias crianças ou famílias numerosas, aumenta a frequência de infecções respiratórias. O tabagismo, sobretudo materno, seja pré ou pós-natal, a exposição a lareiras e a poluição em geral, aumentam o risco de infecções respiratórias particularmente pneumonia. As condições de vida e outros factores socioeconómicos também influenciam a frequência das infecções respiratórias.

Avaliação clínica

A avaliação começa pela anamnese e exame objectivo. É importante inquirir sobre os seguintes tópicos: antecedentes familiares nomeadamente doenças graves, mortes infantis, alergias; se a gravidez foi vigiada, se há toxicodependência ou se a mãe teve múltiplos parceiros aumentando o risco de infecção por VIH e outras infecções congénitas; se a criança nasceu pré-termo e como nasceu, se teve necessidade de ventilação e oxigénio, se teve infecções nos primeiros tempos de vida ou se tem anomalias congénitas; o ambiente em que vive, particularmente se contacta com fumo de tabaco ou outros poluentes, se há animais domésticos, plantas ou aves; com quantos irmãos convive, se está numa creche durante o dia ou se fica numa ama com outras crianças.

Relativamente às infecções respiratórias: valorizar cada episódio de infecção; quando ocorreu, qual a localização da pneumonia e sua duração, se foi grave exigindo internamento ou se teve complicações; a frequência dos episódios e se os sintomas respiratórios persistem no intervalo entre infecções; como foi diagnosticada a pneumonia, se houve isolamento do agente etiológico; rever os exames radiológicos; que tratamentos fez, qual a sua duração e que resposta clínica obteve; valorizar a existência de outras infecções nomeadamente gastrintestinais, da pele ou do aparelho respiratório superior (otite, sinusite).

No exame objectivo há que avaliar a repercussão das infecções na evolução ponderal: se a criança tem aspecto doente ou se tem dismorfismo; notar a presença de rinorreia serosa, prega nasal transversal ou “olheiras” indiciando atopia, ou se tem obstrução respiratória superior com respiração ruidosa bucal; na boca verificar a presença de gengivite, ulcerações, perda de dentes ou doença periodontal que são próprias de imunodeficiência; se tem deformação torácica ou hipocratismo digital sugerindo doença pulmonar crónica; valorizar alterações na pele: petéquias (síndroma de Wiskott-Aldrich), seborreia generalizada (histiocitose), erupção eczematiforme (S. Hiper-IgE, S. Wiskott-Aldrich), telangiectasias na pele e conjuntivas (S. ataxia-telangiectasia). É importante avaliar a presença de tecido linfóide palpável, pois a sua ausência sugere deficiência de linfócitos T; se há aumento do tamanho do fígado ou baço. Na auscultação: valorizar a presença de sopros cardíacos ou de fervores, e se são localizados ou não.

Sistematização

Geralmente a história clínica fornece elementos suficientes para classificar o doente com pneumonias recorrentes numa de 4 categorias: crianças provavelmente normais, crianças com alergia, crianças com doença crónica não imunológica e crianças com imunodeficiência (Quadro 2).

QUADRO 2 – Contexto de pneumonias recorrentes

• Crianças provavelmente normais (50%)

• Crianças com doença alérgica (30%)

• Crianças com doença crónica não imunológica (10%)

• Crianças com imunodeficiência (10%)

Agrupar os doentes desta forma tem inconvenientes na medida em que compartimenta doenças que frequentemente têm alguns aspectos comuns. Por exemplo, a drepanocitose é uma doença crónica e não uma imunodeficiência primária; contudo, acompanha-se de alterações importantes dos mecanismos de defesa que levam a infecções respiratórias recorrentes. Contudo, tal forma de agrupar estes doentes tem grandes vantagens não só por facilitar o estudo, mas também para o tratamento e vigilância.

1. Crianças provavelmente normais

As infecções respiratórias são muito frequentes nos primeiros anos de vida, particularmente até aos 2 anos. Tal deve à maturação gradual da imunidade. Até cerca dos 6 meses a criança está protegida por anticorpos maternos adquiridos por via transplacentar, mas a partir dessa idade a protecção passiva começa a desaparecer. Se este fenómeno coincidir com a fase em que a criança entra para o infantário em Setembro, no início dos meses frios do ano a possibilidade de ter infecções recorrentes é grande. As crianças deste grupo constituem cerca de 50% dos doentes com pneumonias recorrentes. Apresentam algumas características comuns: geralmente não têm história familiar de imunodeficiência, o seu crescimento é normal, mantendo-se com bom estado geral entre os episódios infecciosos, geralmente não complicados, e não evidenciando alteração no exame objectivo. Além disso, não é habitual que tenham infecções graves noutros locais (infecções cutâneas, gastrintestinais ou outras). Estas particularidades ajudam a separar este grupo dos restantes.

Nestes casos é importante esclarecer os pais reforçando-lhes a confiança e propondo uma vigilância atenta da evolução. Por vezes são úteis alguns exames complementares simples como hemograma, proteína C reactiva (PCR), radiografia do tórax e eventuais exames culturais.

2. Crianças com doença alérgica

Este grupo também apresenta algumas características distintivas constituindo cerca de 30% dos casos de infecções respiratórias recorrentes. Frequentemente há história familiar de alergia e pieira em cada episódio de infecção respiratória. Muitos episódios decorrem em apirexia respondendo mal aos antibióticos. A tosse é muito frequente, por vezes nocturna ou surgindo com o riso ou o esforço. Por vezes há infecções das vias respiratórias superiores que desencadeiam tosse importante e grande produção de muco, podendo levar a atelectasias ou infiltrados, sobretudo no lobo médio. O crescimento é normal verificando-se frequentemente obstrução nasal com rinorreia, prega nasal transversal e eczema.

Nestes casos são úteis hemograma, PCR, doseamento de imunoglobulinas, IgE, específicas, radiografia do tórax e testes cutâneos. A espirometria deve obter-se quando possível, (ver Parte XII).

Os lactentes com pieira e pneumonias recorrentes colocam alguns problemas diagnósticos, sobretudo quando respondem mal aos broncodilatadores e anti-inflamatórios. Nestes casos será necessário excluir alguns diagnósticos, nomeadamente fibrose quística, aspiração de corpo estranho, refluxo gastresofágico, bronquiolite obliterante, anomalias congénitas do aparelho respiratório ou imunodeficiência.

3. Crianças com doença crónica não imunológica

Correspondem a cerca de 10% das crianças com infecções respiratórias recorrentes. Ao contrário dos anteriores, este grupo tem infecções que são contínuas, por vezes graves, levando ao internamento, muitas vezes sem isolamento dos agentes etiológicos. É frequente a repercussão no peso e estatura e o exame pode evidenciar fervores, deformação torácica e hipocratismo. As infecções surgem de forma semelhante e, por vezes, com a mesma localização. Nestes casos são geralmente causadas por obstrução brônquica (corpo estranho), por compressão extrínseca geralmente de origem ganglionar (tuberculose ou outras infecções, tumores) ou por anomalias estruturais (estenose brônquica, bronquiectasias, quisto broncogénico, sequestro).

Em algumas doenças deste grupo pode haver alteração dos mecanismos de defesa predispondo para a infecção como sucede em situações de má-nutrição ou na drepanocitose. (Quadro 3)

QUADRO 3 – Doença crónica não imunológica

• Síndromas de inalação (corpo estranho, refluxo gastroesofágico)

• Bronquiectasias (fibrose quística, síndroma de cílios imóveis)

• Anomalias congénitas do aparelho respiratório

• Doenças pulmonares (displasia broncopulmonar, bronquiolite obliterante, hemossiderose pulmonar, pneumonias de hipersensibilidade)

• Doenças neuromusculares

• Doenças cardíacas congénitas

• Doenças genéticas/metabólicas (síndroma de Down, Werdnig-Hoffmann)

• Doenças hematológicas (asplenia, hemoglobinopatias, imunossupressão)

• Doenças nutricionais (má-nutrição, enteropatias)

• Doenças renais (síndroma nefrótica, insuficiência renal)

• Diabetes mellitus

• Doenças do colagénio vascular

A pneumonia (recorrente) é a infecção mais comum mas pode haver diarreia crónica, tosse crónica, episódios repetidos de febre, entre outras.

Para esclarecimento etiológico, deve proceder-se nestes doentes a exames complementares como: hemograma, PCR, ureia e glicémia, urina, teste do suor, radiografia do tórax, imunoglobulinas e exames culturais. A broncofibroscopia e TAC torácica são geralmente necessárias. Poderá haver necessidade de outros testes diagnósticos mais específicos para confirmação das hipóteses diagnósticas colocadas.

4. Crianças com imunodeficiência

Perante uma criança com pneumonias recorrentes é muito frequente que se coloque a hipótese de imunodeficiência. Contudo, as imunodeficiências constituem apenas 10% das causas de infecções respiratórias recorrentes.

Neste grupo, as infecções frequentemente iniciam-se depois dos 6 meses de idade e são de vários tipos (sépsis, meningites, osteomielites), geralmente graves e predominando no aparelho respiratório, com localização variada. Apesar de ser comum a identificação do agente e a antibioticoterapia ser apropriada, a resposta ao tratamento é lenta. Muitas vezes a infecção é grave, controlada mas não erradicada, as complicações são frequentes e, no intervalo entre os episódios agudos, persistem sintomas crónicos. Habitualmente o crescimento é afectado, são comuns alterações cutâneas como eczema, piodermite, telangiectasia. A crianças poderão não ter gânglios linfáticos palpáveis nem amígdalas, ou, pelo contrário, ter linfadenopatia generalizada, hepatoesplenomegália sugerindo infecção por VIH, doença hematológica ou dos fagócitos.

As imunodeficiências primárias podem envolver os linfócitos B (50-70%), os linfócitos T (20-30%), ambos linfócitos B e T (10-15%), as células fagocíticas (15-20%) ou o complemento (2-5%). (Quadro 4)

QUADRO 4 – Imunodeficiências

Primárias

Imunodeficiências humorais:
Agamaglobulinémia ligada ao X
Imunodeficiência comum variável
Défice de IgA
Défice de subclasses de IgG
Má resposta específica a polissacáridos
Hipogamaglobulinémia transitória da infância

Imunodeficiências celulares:
Imunodeficiência combinada grave
Síndroma de DiGeorge
Candidíase mucocutânea
Síndroma de Wiskott- Aldrich
Ataxia telangiectasia

Défices fagocitários e do complemento:
Doença granulomatosa crónica
Síndroma de Hiper IgE
Défice de complemento: C3 ou C5

Secundárias

Doença vírica (VIH, CMV, VEB)
Prematuridade
Má-nutrição
Esplenectomia
Drepanocitose
Síndroma nefrótica
Doenças hematológicas malignas e imunossupressão

A identificação dos microrganismos causadores das infecções pode sugerir algumas entidades específicas. As infecções recorrentes com microrganismos extracelulares, capsulados ou infecções crónicas sinopulmonares são comuns nos doentes com asplenia ou défice de anticorpos. As infecções por oportunistas víricos, protozoários, bactérias, micobactérias ou fungos sugerem défice das células T. Infecções fúngicas, abcessos hepáticos ou osteomielite sugerem doença das células fagocíticas, enquanto as infecções recorrentes acompanhadas de sintomas autoimunes ou infecções recorrentes por N. meningitidis sugerem deficiência do complemento.

Numa fase inicial alguns exames complementares são úteis: hemograma, proteína C reactiva (PCR), imunoglobulinas, culturas, VIH e exames radiológicos. Mesmo que os resultados destes exames sejam normais, os doentes com forte suspeita de imunodeficiência deverão completar o estudo com exames mais complexos, nomeadamente doseamento de anticorpos contra antigénios vacinais (tétano, difteria, rubéola), testes cutâneos de hipersensibilidade retardada (Candida, toxóide tetânico), populações linfocitárias, estudo da função fagocítica, e testes para a função do complemento (CH50).

São muitas as doenças específicas neste grupo e a sua caracterização é variável. Algumas são bem conhecidas e existem múltiplos doentes descritos; outras estão incompletamente caracterizadas ou são tão raras que ainda não estão bem compreendidas.

Por isso, na suspeita de imunodeficiência de difícil caracterização é prudente dirigir o doente a um centro com experiência, o mesmo sucedendo nas doenças mais raras cujo seguimento deve ser feito por especialistas.

BIBLIOGRAFIA

Benedictis FM, Bush A. Recurrent lower respiratory tract infections in children BMJ 2018; 362 doi: https://doi.org/10.1136/bmj.k2698

Bergelson JM, Shah SS, Zaoutis TE. Pediatric Infectious Diseases. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2008

Brand PL, Hoving MF, de Groot EP. Evaluating the child with recurrent lower respiratory tract infections. Paediatr Resp Rev 2012; 13: 135 – 138

Bush A. Recurrent Respiratory Infections. Pediatr Clin North Am 2009; 56: 67-100

Couriel J. Assessment of the child with recurrent chest Infections. British Medical Bulletin 2002; 61: 115-132

Hoving MF, Brand PL. Causes of recurrent pneumonia in children in a general hospital. J Paediatr Child Health 2013; 49(3): E 208- 12-.doi:1111/jpc.12114

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Montella S, Corcione A, Santamaria F. Recurrent pneumonia in children: a reasoned diagnostic approach and a single centre experience. Int J Mol Sci 2017 Jan 29;18(2). pii: E296. doi: 10.3390/ijms18020296

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pedatria. Madrid: Panamericana, 2015

Panitch HB. Evolution of recurrent pneumonia. Pediatr Infect Dis J 2005; 24: 265-266

Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA (eds). Rudolph´s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011

Vasconcelos A, Vieira AS, Cordeiro CR, et al. Infecções Respiratórias Recorrentes. Lisboa: Círculo Médico, 2012

Wacogne I, Negrine RJS. Are follow-up chest x ray examinations helpful in the management of children recovering from pneumonia? Arch Dis Child 2003; 88: 457-458

Wardlaw T, Salama P, White Johansson E. Pneumonia: the leading killer of children. Lancet 2006; 368: 1048-1050

Wilmott R, Bush A, Deterding R, Ratjen F, Sly P, Zar H, Li A (eds). Kendig’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Elsevier, 2019