Definição e importância do problema

escabiose é uma infestação provocada pelo ácaro Sarcoptes scabiei var. hominis, vulgarmente designada por sarna. Este ácaro é específico dos humanos, não infestando animais domésticos. Trata-se, pois, duma zoonose.

Esta infestação tende a ocorrer por surtos periódicos, afectando todas as raças, idades e grupos socioeconómicos. A transmissão ocorre por contacto próximo, sendo frequente entre membros do mesmo agregado familiar. Determinados factores associam-se a um risco mais elevado, nomeadamente grupos socioeconómicos desfavorecidos, casas com elevada densidade de habitantes e lares de idosos. Alguns indivíduos são portadores assintomáticos do ácaro, o qual pode sobreviver 3 dias no vestuário e fômites. Os referidos factores têm implicação no tratamento.

Etiopatogénese

Sarcoptes scabiei var. hominis é um ácaro muito pequeno, arredondado e translúcido, cuja fêmea mede cerca de 0,4 mm. É uma variante específica afectando a espécie humana.

Tem 4 pares de patas e reproduz-se pela postura de ovos fecundados.

O ácaro fêmea penetra na epiderme onde escava e avança lentamente originando a galeria, na qual põe os ovos e morre ao fim de 6 semanas.

A duração do macho é bastante inferior. Cada ovo resulta numa larva de 3 pares de patas e que se vem transformar em ácaro adulto. Este ciclo dura cerca de 2 semanas.

A quantidade de ácaros num doente infestado é altamente variável, mas é habitualmente inferior a 100, com excepção da sarna crostosa, na qual o indivíduo está infestado por centenas de ácaros, o que explica a elevada contagiosidade desta variante. Os ácaros podem sobreviver até 3 dias fora da epiderme.

O prurido é resultante de uma reacção de hipersensibilidade aos antigénios do ácaro. O sistema imunitário inicia esta reacção 2-6 semanas após a infestação. Se ocorrerem infestações subsequentes, o prurido ocorre em horas a dias, devido à memória imunológica. Existem indivíduos portadores assintomáticos. Estes portadores assintomáticos não são raros, razão pela qual o tratamento deve ser administrado a todos os contactantes próximos de um indivíduo infestado.

Manifestações clínicas

O principal sintoma é o prurido intenso, que se agrava durante a noite e após um banho quente. O prurido pode surgir antes de ocorrerem manifestações clínicas evidentes.

As lesões cutâneas são simétricas e envolvem classicamente as pregas interdigitais, face flexora dos punhos, axilas, região retroauricular, prega inframamária, cintura e umbigo, região glútea, prega inguinal, tornozelos e pés (Figuras 1 e 2). Nos homens são frequentes as lesões no pénis e escroto, enquanto nas mulheres é frequente o envolvimento da aréola e vulva. Nas crianças pequenas e idosos, a face e couro cabeludo também podem estar envolvidos.

FIGURA 1. Pápulas eritematosas na face lateral da mão e punho

FIGURA 2. Pápulas eritematosas na face flexora do punho

Habitualmente, observam-se pápulas eritematosas escoriadas. Podem surgir reacções eczematosas, bem como vesículas e pústulas. Estas duas últimas morfologias ocorrem particularmente nos lactentes, frequentemente envolvendo a superfície palmoplantar.

As galerias são o sinal patognomónico e representam, como foi referido antes, o túnel que a fêmea utiliza para depositar os ovos. Apesar de muito características, não estão presentes em todos os doentes e podem ser difíceis de observar.

Os nódulos escabióticos correspondem a uma intensa reacção inflamatória aos antigénios do ácaro. São mais frequentes na região genital, correspondendo a nódulos eritematosos superficiais, que podem apresentar escama aderente.

Diagnóstico

As manifestações clínicas e a história epidemiológica são habitualmente suficientes para o diagnóstico. Ocasionalmente, e em caso de dúvida, poderá realizar-se exame directo com microscópio óptico, de escama de pele com solução de hidróxido de potássio; é assim possível visualizar o ácaro ou ovos na maioria dos casos. A dermatoscopia é também útil no diagnóstico, permitindo melhor observação das galerias e a visualização do ácaro.

Tratamento

O tratamento é dirigido a todos os membros do agregado familiar. Inclui medidas de erradicação nos fômites e vestuário, bem como utilização de escabicidas tópicos e ocasionalmente sistémicos.

A relativa frequência de portadores assintomáticos e o tempo de latência do início dos sintomas (4-6 semanas), tornam essencial o tratamento simultâneo de todo o agregado familiar e contactantes próximos.

Apesar de o ácaro atingir preferencialmente zonas quentes e húmidas, o escabicida deve ser aplicado em toda a superfície cutânea incluindo face e couro cabeludo, nas crianças com menos de cinco anos. Para reduzir o potencial de reinfestação, a roupa de uso pessoal, a roupa de cama e as toalhas devem ser lavadas a 90ºC no início e no fim do tratamento.

Após tratamento eficaz a maioria dos doentes melhora do prurido em 3 dias; contudo, o prurido e as lesões podem persistir 2 a 4 semanas – é o prurido pós-escabiótico. Esta reacção não implica falência terapêutica, mas sim uma reacção imunológica a toxinas ou ácaros mortos. É ainda importante recordar que os escabicidas tópicos determinam sempre um certo grau de irritação cutânea, pelo que a sua aplicação excessiva agrava a dermite que frequentemente coexiste com a escabiose.

O medicamento utilizado deve ser aplicado minuciosamente ao deitar.

Na idade pediátrica os fármacos utilizados (ectoparasiticidas) são os seguintes:

  • Lindano (soluto a 1%), aplicação única à noite; seguida de banho cerca de 8 horas depois. A neurotoxicidade deste produto limita a sua utilização em crianças pequenas (< 2 anos), grávidas e em formas clínicas em que existam muitas abrasões na pele;
  • Benzoato de benzilo (soluto a 30%) com aplicação em toda a pele excepto face e cabeça, em 3 noites consecutivas, seguindo-se banho na manhã seguinte à terceira aplicação. Na manhã do 4º dia a roupa em uso deve ser escaldada ou lavada em máquina a 90ºC. Nas crianças pequenas com infestação maciça e dermatite acentuada deve evitar-se o benzoato de benzilo, optando-se por suspensão de enxofre a 5% (creme ou pomada) diariamente durante 3 a 5 dias;
  • Manipulado de enxofre a 10%, pomada: o seu uso é útil em crianças com menos de 2 anos, uma vez que nesta faixa etária há maior risco de dermite irritativa provocada pelo benzoato de benzilo. É eficaz, embora tenha como desvantagens a cosmeticidade pouco agradável e o custo mais elevado. Deve ser aplicado em 3 dias consecutivos;
  • Manipulado de permetrina a 5%, creme: aplica-se uma vez à noite, repetindo uma semana depois. Pode ser uma alternativa ao manipulado de enxofre nas crianças com menos de 2 anos. É menos irritativo do que o benzoato de benzilo e tem uma cosmeticidade mais agradável do que o manipulado de enxofre. Nas crianças com mais de 2 anos e nos adultos, o seu uso é recomendado como tratamento de segunda linha nos casos refractários após aplicação correcta do benzoato de benzilo, ou nos doentes com dermite atópica ou outras doenças cutâneas que aumentem o risco de dermite irritativa;
  • Invermectina: é o único fármaco de administração oral, apenas disponível através de manipulação. Tem utilidade em diversas doenças parasitárias humanas, das quais se destacam as filaríases.

O seu uso na sarna é restrito às formas refractárias, sobretudo se associadas a infecção por VIH em crianças com idade superior a 5 anos.

Após tratamento com escabicidas tópicos recomenda-se a aplicação de emolientes, para reduzir o prurido e facilitar a regeneração da pele.

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