FORMAÇÃO EM PEDIATRIA NA PÓS-GRADUAÇÃO

Os primórdios do ensino pós-graduado da Pediatria

Após a reforma de 1911, a par do ensino pré-graduado da Pediatria, passou a processar-se o treino clínico de médicos já formados, interessados na medicina da criança. Desde então, em Lisboa, o Hospital Dona Estefânia, ao tempo devotado também à assistência de adultos, passou a constituir em Portugal a escola pioneira de pós-graduação com Jaime Salazar de Sousa (Avô) e Leite Lage, inicialmente e, após a década de 40, com Manuel Cordeiro Ferreira e Silva Nunes.

No velho Hospital de Santa Marta, sucedendo a Jaime Salazar de Sousa, Castro Freire criou até à transferência do serviço para Santa Maria em 1954, outro centro de pós-graduação em Pediatria.

Em 1936, em Coimbra, cabe destacar Lúcio de Almeida que criou nos velhos Hospitais da Universidade um Centro de preparação de médicos pediatras; ao primeiro sucedeu Santos Bessa.

No Porto, na década de 30, Almeida Garrett no Hospital de Santo António iniciou um ciclo de pós-graduação, mais tarde transferido para o Hospital de S. João; nesta cidade, no Hospital de Maria Pia também passou a a realizar-se o treino clínico de médicos interessados em medicina da criança.

Formação pós-graduada e legislação sobre o internato médico

O internato do ano comum

Com a publicação do decreto-lei 203/2004, estabelecendo a unificação do internato geral e do complementar, foi criado um único internato médico a cujo período inicial de formação de 12 meses foi dado o nome de internato do ano comum (IAC). Este último passou a substituir o antigo internato geral (que tinha a duração de 2 anos), seguindo-se ao curso de Medicina e precedendo o de formação específica. O referido IAC integra cinco blocos: Medicina Interna, Pediatria Geral, Obstetrícia, Cirurgia Geral e Cuidados de Saúde Primários (englobando Clínica Geral e Saúde Pública).

A formação em Pediatria Geral no âmbito do IAC tem a duração de 2 meses e inclui treino tutelado em serviço de pediatria considerado idóneo: 1- em serviço de urgência pediátrica (12 horas por semana); e 2- em consulta externa. Obedecendo a objectivos pedagógicos de conhecimento e de desempenho, pretende-se que o interno do IAC (estagiário) adquira conhecimentos, atitudes e aptidões para o diagnóstico e tratamento das situações pediátricas mais comuns, tendo em consideração a importância da articulação e comunicação com “outros prestadores de cuidados”. A avaliação é contínua e baseada em determinados parâmetros. No termo do bloco é atribuída a classificação de Apto, ou não Apto (se < 10 valores).

De acordo com legislação de 2013 importa registar duas alterações: 1- considera-se adquirida autonomia para o exercício da clínica ao cabo de 1 ano de internato (anteriormente eram exigidos 2 anos); 2- exigência de nota mínima para acesso à fase seguinte da formação, isto é, ao internato de formação específica. Esta última designação segue-se às anteriores: sucessivamente, internato complementar, e internato da especialidade.

O internato de formação específica em Pediatria 

Até 1996 a formação básica propiciada aos internos de Pediatria, futuros pediatras, não estava estruturada nem regulamentada, condicionando oportunidades heterogéneas de treino clínico para aquisição de competências básicas em função do grau de investimento de cada instituição nesta área do ensino; de referir que ao candidato a pediatra era propiciada oportunidade de treino clínico apenas numa única instituição hospitalar.

O actual programa de formação em Pediatria, que constitui um marco importante da história da educação médica em Portugal, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1997. Com o mesmo, passaram a ser definidos, quer objectivos pedagógicos em termos de conhecimentos e competências, quer critérios de avaliação e períodos de formação em diversas valências. Neste modelo, a maior inovação consistiu na descentralização do estágio, passando o médico em formação, futuro pediatra, a rodar por diversas instituições, para além de hospitais centrais, hospitais distritais e centros de saúde.

Ciclos de estudos especiais

Os chamados ciclos de estudos especiais, definidos por legislação em 1982, constituem uma modalidade de treino pós-graduado, após exame final do internato complementar de pediatria (isto é, já na fase de especialista em Pediatria ou como pediatra geral).

Assim, o pediatra geral, submetendo-se a processo documental de candidatura, e sendo admitido, passará a frequentar estágio prático tutelado durante 6 meses a 1 ano (com programa de formação e avaliação teórico-prática final) para treino clínico mais diferenciado em determinado Serviço ou Unidade especializada de Pediatria em hospital central.

O objectivo é a obtenção de competências, designadamente na realização de técnicas, em determinadas áreas específicas, tais como Neonatologia, Gastrenterologia Pediátrica, Hematologia Pediátrica, Nefrologia Pediátrica, etc..

De um modo geral, esta estratégia de ensino/aprendizagem conferindo o grau de competência em determinada área, tem constituído um dos critérios a ponderar nas candidaturas para obtenção do grau de pediatra subespecialista.

A Pediatria Geral e as Subespecialidades Pediátricas

Como resultado da expansão progressiva dos conhecimentos no campo da Pediatria (cujo âmbito foi abordado anteriormente) têm desta emergido as chamadas subespecialidades pediátricas que correspondem a modos diferenciados de assistência médica no referido período evolutivo aplicados a aparelhos e sistemas (critério anátomo-fisiológico) ou a certas fases do desenvolvimento: perinatal/neonatal, escolar, adolescência (critério cronológico).

Tais áreas, que envolvem, designadamente, a aquisição de competências para a realização de técnicas e procedimentos, começaram a surgir na década de 50 nos Estados Unidos da América do Norte (EUA) com programas de formação elaborados pela Academia Americana de Pediatria (AAP). Esta tendência teve, mais tarde, o seu seguimento na Europa com diversos modelos funcionais e de oficialização obedecendo a critérios definidos pelas Comissões Europeias, os designados European Boards, ligados à Union Européenne des Médecins Spécialistes – UEMS.

Em obediência à nomenclatura habitualmente adoptada pela Ordem dos Médicos e pelos organismos da União Europeia (Confédération Européenne des Spécialistes de Pédiatrie – CESP) e UEMS que consideram a Pediatria uma especialidade, as respectivas modalidades diferenciadas, contribuindo para uma melhor qualidade no serviço a prestar à comunidade, são, de facto, consideradas subespecialidades pediátricas.

O desenvolvimento das subespecialidades pediátricas

Quer na América, quer na Europa, e designadamente em Portugal, têm sido gerados consensos (não em todas as áreas especializadas), segundo os quais as subespecialidades pediátricas deverão constituir conceptualmente um ramo derivado da Pediatria e não das subespecialidades afins da Medicina Interna ou da Cirurgia Geral. Reconhecendo que tal imperativo não assume a mesma relevância em todas as especialidades, a lógica conceptual seria que as subespecialidades pediátricas fossem desempenhadas, de raiz, por pediatras que adquiririam competência em determinada área específica. É evidente que numa fase de arranque, tal nem sempre aconteceu- era imperioso começar! – sendo bastantes os exemplos de contributos importantes de subespecialistas anteriormente ligados a áreas da medicina e cirurgia de adultos que transitaram para a área correspondente das subespecialidades pediátricas.

No âmbito da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) foram criadas diversas secções especializadas, referentes a diversas valências pediátricas (Pneumologia, Neonatologia, Cardiologia, Gastrenterologia, Pediatria Social, Educação Pediátrica, Hematologia/Oncologia, Cuidados Intensivos, Infecciologia, Endocrinologia, Nefrologia, Desenvolvimento, Alergologia, Reumatologia, Pediatria Ambulatória, Medicina do Adolescente, Cuidados Intensivos, etc.) com estatutos próprios, congregando os sócios com especial interesse na respectiva área. Tais secções ou mini-sociedades têm contribuído para fomentar a investigação e melhorar o intercâmbio entre instituições nacionais e estrangeiras.

Em Portugal, até ao final da década de 80, estavam reconhecidas pela Ordem dos Médicos as subespecialidades de Pediatria Cirúrgica, de Pedopsiquiatria e de Cardiologia Pediátrica. As mesmas passaram a ter internato próprio, o que traduz reconhecimento pelo Ministério da Saúde.

No início de 2003 foram reconhecidas pela Ordem dos Médicos 5 novas subespecialidades pediátricas: Neonatologia, Nefrologia, Gastrenterologia, Oncologia e Cuidados Intensivos, integrando programas de formação próprios.

Necessidade de equilíbrio entre a pediatria geral e as subespecialidades

A formação de novos subespecialistas deverá processar-se em função das necessidades do País, acautelando a subalternização dos pediatras generalistas. Haverá, pois, que evitar o “esvaziamento” da pediatria geral evitando erros cometidos no âmbito da medicina geral de adultos relacionados com a formação de subespecialistas sem uma formação básica indispensável ou tronco comum de medicina interna.

Quer nos hospitais centrais, quer nos hospitais distritais, haverá que preparar solidamente pediatras gerais competentes, que possam assumir com toda a legitimidade as tarefas de médico global ou médico assistente da criança, e aptos para uma triagem correcta para o pediatra subespecialista. Tal conceito deverá ser transmitido aos estudantes universitários.

Efectivamente, embora os hospitais centrais englobando áreas diferenciadas, sejam considerados por definição especializados, para a garantia duma pediatria de prestígio – e, por consequência, para a garantia dum melhor serviço à comunidade – os mesmos deverão incorporar, igualmente, a valência de pediatria geral, integrando pediatras gerais internistas com competências para a coordenação de equipas multidisciplinares para a abordagem dos casos complexos, crónicos ou agudos, idealmente em regime de dedicação exclusiva.

A relação entre a Pediatria Geral e a Medicina Familiar

Em 1990, sob os auspícios da Sociedade Portuguesa de Pediatria, foi elaborado um documento de análise e de recomendações, preparado por um grupo de trabalho coordenado por Fernanda Sampayo, intitulado “O problema da assistência à criança pelos clínicos gerais”.

Tendo sido considerado nesse documento, pela maioria dos seus membros, que em condições ideais a meta desejável seria a “generalização da assistência médica ao grupo etário pediátrico por pediatras”, a realidade actual, no entanto, não permite atingir tal desiderato, quer pela escassez de pediatras, quer pela própria legislação portuguesa que considera ser o médico de família/clínico geral o responsável pela saúde infantil no âmbito dos cuidados primários/centros de saúde.

Cabe referir, no entanto, que em tempos surgiu (apenas na legislação) a figura do chamado “pediatra comunitário” para o exercício de funções no âmbito dos cuidados primários de saúde, mas em estreita ligação com as estruturas hospitalares em cujas equipas estava previsto poder integrar-se.

Esta questão do desempenho profissional de pediatras nos cuidados de saúde primários em 2005-2006 foi revisitada, quer pela Comissão Nacional de Saúde da Criança e do Adolescente, quer pela Sociedade Portuguesa de Pediatria, defendendo o papel do pediatra (hospitalar) como consultor nos centros de saúde na área de influência respectiva, e não como substituto do médico de família, pressupondo uma correcta articulação entre as respectivas instituições.

Como é fácil depreender, a relação profissional entre pediatras gerais e médicos de família, e entre pediatras gerais e pediatras subespecialistas, tem implicações na formação que é propiciada a “cada grupo profissional”, na medida em que se torna desejável uma articulação funcional harmoniosa de programas formativos; efectivamente, uma melhor formação conduzirá seguramente a um melhor serviço aos cidadãos.

Competências clínicas na relação Pediatria Geral – Medicina Geral e Familiar

Não se podendo nem se devendo estabelecer barreiras muito estanques, e abstraindo os grandes tópicos considerados nucleares e específicos da medicina da criança e do adolescente, será pertinente discriminar as situações que classicamente têm sido consideradas fora do âmbito das subespecialidades pediátricas.

Este critério, por sua vez, poderá servir de base ao planeamento formativo das competências dos internos do internato de formação específica em pediatria e em medicina geral e familiar, tendo sempre em perspectiva a correcta e harmoniosa articulação assistencial. Como se deve depreender, haverá que ter em conta, sempre, o bom senso na aplicação de tal estratégia. De facto, a compartimentação excessiva de competências é prejudicial para o doente e cidadão que necessitam de cuidados de saúde; pelo contrário, haverá que fomentar a comunicação interprofissional e a multidisciplinaridade.

A lista que se segue, deve considerar-se apenas um esboço, necessariamente versátil:

Problemas das vias respiratórias:
Otite média aguda, otite média com derrame crónico, défice auditivo de condução relacionado com efusão, hipertrofia amigdalina, hipertrofia das adenóides, apneia obstrutiva em períodos breves, rinite vasomotora, rinite alérgica sazonal, rinofaringites frequentes, pneumonia, bronquiolite.

Problemas do foro cardiovascular:
Sopros inocentes, situações de hipertensão moderada em adolescentes obesos, obesidade na adolescência.

Problemas do foro gastrintestinal:
Regurgitação e vómitos do lactente, refluxo gastresofágico, obstipação, encoprese, diarreia, dor abdominal, infestações intestinais. 

Problemas do foro genito-urinário:
Enurese diurna e nocturna, infecções recorrentes do tracto urinário no sexo feminino, refluxo vesico-ureteral (graus 1,2,3), micro-hematúria, proteinúria postural, testículos retrácteis.

Problemas do foro hematológico:
Anemia ferropénica, trombocitopénia transitória idiopática.

Problemas do foro endocrinológico:
Obesidade e baixa estatura constitucional.

Problemas músculo-esqueléticos:
Torcicolo, entorse, escoliose ligeira, pés planos, joelhos varo e valgo.

Problemas do foro dermatológico:
Dermatite atópica, dermatite das fraldas, dermatite seborreica, acne, urticária, tinha, escabiose, verrugas, queimaduras ligeiras, picadas e mordeduras, impetigo, hemangioma, púrpura de Henoch-Schonlein.

Problemas do foro neurológico:
Cefaleia, enxaqueca, convulsões febris simples, convulsões típicas do tipo grande mal, convulsões do tipo pequeno mal, atraso mental, défice de atenção acompanhado de hiperactividade, dislexia, tiques menores.

Problemas do foro comportamental:
As chamadas “cólicas” do lactente, os chamados “espasmos do soluço”, perturbações do sono, fobia escolar, depressão ligeira.

Problemas do foro alérgico:
Reacções alimentares adversas e a maioria das situações de asma não complicada.

Problemas do foro neonatológico:
Recém-nascido saudável estacionado com a mãe na maternidade, recém-nascido saudável após a alta da maternidade, rastreio de sinais de risco.

Na verdade, os subespecialistas deverão reservar a sua disponibilidade para os problemas cada vez mais complexos relacionados, por exemplo, com uma cada vez maior sobrevivência de recém-nascidos de muito baixo peso, com as situações de doença crónica de maior gravidade que obrigam a estadias médias cada vez de maior duração e com a necessidade de realização de técnicas e procedimentos complexos envolvendo apoio multidisciplinar e equipas hospitalares altamente especializadas.

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ÉTICA, HUMANIZAÇÃO E CUIDADOS PALIATIVOS

Conceitos de Moral, Ética e Bioética

A Ética é um ramo da Filosofia; a palavra “ética” deriva do grego a partir de dois homónimos: “êthos” que significa disposição moral, e “éthos” que significa costume. Surge, assim, pela primeira vez, a ideia de moral associada a norma e costume.

Moral tem origem na palavra latina “mos” que significa costume, princípio. Ou seja, Ética e Moral com diferentes etimologias, têm um significado sobreponível dizendo respeito às regras de conduta do Homem.

O termo Bioética foi introduzido pelos americanos significando a ética ligada às ciências da vida.

Nesta perspectiva, a ética procura o bem-estar das pessoas através da melhor conduta profissional e da melhor decisão a tomar. A mesma implica, pois, escolhas e, na maior parte dos casos, as decisões (ditas éticas) resultam da necessidade de reequacionar e re-hierarquizar valores morais, religiosos, culturais e sociais.

Transpondo o conceito e atitude para a práxis médica, um problema ético surge quando, perante determinados factos, a decisão correcta é difícil implicando escolhas entre valores e verdades universalmente aceites, visando a resposta mais justa ou pelo menos, a menos injusta. Estando a Ética subjacente à Filosofia, a mesma não pode ser ensinada, no sentido da transmissão de saberes que reflectem conhecimentos recebidos e “outorgam” o elo de ligação destes últimos aos valores e opções considerados correctos. Trata-se, pois, de um método, um caminho para o pensamento, uma forma de olhar e argumentar na perspectiva de encontrar respostas e soluções para os dilemas que enfrenta. A Ética Médica é baseada num conjunto de princípios fundamentais os quais derivam não só da tradição hipocrática, como também do reconhecimento dos direitos humanos.

Destacam-se os seguintes: o respeito pela vida; o respeito pela pessoa e sua autonomia; o princípio da não maleficência e da beneficência; o princípio da justiça.

O respeito pela vida e a autonomia da Pessoa

O respeito pela vida do doente passa pela definição e compreensão do que se entende pela vida humana, pelos seus limites, isto é, quando começa e quando termina.

Para muitos, o início da vida corresponde ao momento da concepção, enquanto para outros ao momento da nidação e, para outros ainda, ao nascimento.

Do ponto de vista filosófico um ser humano é ou passa a ser uma pessoa quando, para além da vida biológica, existe uma vida psíquica, emocional, cognitiva e espiritual que lhe permite conduzir a própria vida de forma autónoma e responsável. Análoga indefinição existe quanto ao conceito de morte, o qual não é de consenso universal, sobretudo para as pessoas sem formação ou cultura médica. A este respeito, cabe referir que a decisão médica de desconectar um indivíduo do ventilador, em princípio, não levanta problemas éticos, uma vez que o conceito de morte cerebral é unanimemente reconhecido e está bem estabelecido em normas nacionais e internacionais.

O respeito pela pessoa deve partir da prévia definição de pessoa. Quando nos referimos ao doente como pessoa há que considerar a sua autonomia, isto é, a sua vontade e capacidade de autodeterminação.

Assim, o respeito pela pessoa doente passa pela obtenção do seu consentimento prévio para a realização de diversos procedimentos ou intervenções médico-cirúrgicas. Ou seja, está em causa o chamado princípio da autonomia, ao mesmo subjacente o chamado “consentimento informado ou consentimento esclarecido” (mais que informar, é preciso garantir que tenha havido recepção da mensagem com esclarecimentos). Este tópico será abordado de modo especial adiante.

Nesta perspectiva, a decisão médica deve ser partilhada com o doente (e seus familiares), sobretudo quando esta decisão pode ter consequências para a vida do próprio.

Em Pediatria nem sempre tal é possível; tratando-se de um adolescente existe autonomia, desde que esteja consciente e capaz de se autodeterminar. Cabe referir, contudo, que em determinadas situações a revelação da verdade de um prognóstico reservado pode ser contraproducente e até prejudicial para o tratamento.

No caso de adolescente não autónomo (por exemplo, em coma vegetativo, persistente ou temporário), e nos restantes grupos etários pediátricos, a decisão terá de ser tomada em colaboração com os familiares.

Poderão mesmo surgir situações delicadas quando, por exemplo, familiares de doentes em estado crítico recusam tratamentos considerados vitais pelo médico (caso das Testemunhas de Jeová).

Recentemente, o princípio da autonomia tem sido considerado um elemento perturbador na relação médico/doente: para o primeiro, porque introduz um interlocutor activo ao questionar normas relativas ao diagnóstico e decisão terapêutica tradicionalmente deixados ao critério médico; para o doente, porque a inerente fragilidade e susceptibilidade biopsíquica geram desequilíbrio na referida relação clínica, dificultando o seu protagonismo no processo de tomada de decisão.

Os princípios da beneficência e de não maleficência

Estes princípios têm a sua origem no código de ética hipocrática e nos princípios da moral cristã. De referir, aliás, que certos autores chamam a atenção para o facto de o princípio da não maleficência ter precedência sobre o da beneficência porque, antes de beneficiar, há que não prejudicar. Para alguns especialistas nesta área, tais princípios constituem a essência da ética profissional médica.

A dificuldade da sua aplicação reside em conhecer o que é considerado benéfico para um determinado doente, pois este poderá ter uma concepção não coincidente com a do médico.

A administração de uma transfusão de sangue a um doente pode ser considerada pelo médico como um acto bom, mas pelo doente, Testemunha de Jeová, um acto perverso.

Nos doentes em fase terminal, em especial do foro oncológico, será melhor optar por tratamento analgésico e paliativo, mesmo que não se prolongue a vida do doente, ou dever-se-á prolongar esta à custa de maiores sofrimentos?

Analisemos outro exemplo: se o médico praticar determinado acto com a intenção de beneficiar o doente, a sua atitude é eticamente irrepreensível, mesmo que desse acto resulte um efeito colateral indesejável. O importante é que a intenção do médico seja boa e a natureza intrínseca do acto seja também boa ou, pelo menos, neutra. Assim, se o médico administrar um analgésico narcótico a um doente oncológico em grande sofrimento e em fase terminal da doença, pratica um acto moralmente correcto, mesmo que essa atitude terapêutica possa abreviar a sua vida por algumas horas ou dias, dado que a sua intenção era aliviar o sofrimento.

Outra questão diz respeito à distinção entre meios ordinários e extraordinários de tratamento a qual não deve ser assumida em termos absolutos, mas sim equacionada em termos do doente, da doença e dos resultados esperados. Ou seja, não existem meios de tratamento que, à partida, se possam considerar como ordinários e extraordinários.

Segundo o princípio da proporcionalidade dos meios, considera-se um tratamento como extraordinário quando ele representa para o doente uma grande desproporção entre os benefícios esperados e os encargos (custos) para o próprio (ou sua família). A hemodiálise, as transplantações, etc. podem constituir meios ordinários para certos doentes ou em certas doenças, e extraordinários, noutros.

A metodologia das decisões conhecidas pela sigla DNR (Do Not Resuscitate) tem a ver, precisamente, com a não aplicação de meios de ressuscitação em doentes nos quais os critérios médicos e científicos permitem prever, com razoável segurança, que o benefício decorrente da aplicação desses meios terapêuticos será ínfimo para os doentes em causa.

O princípio da justiça

Trata-se do princípio que encerra em si mais dilemas para o médico.

Quando os recursos são escassos o princípio de justiça tem, sobretudo, o sentido de justiça distributiva, isto é, de fazer com que o maior número possível de indivíduos necessitados possam beneficiar desses recursos. Desperdiçar os escassos recursos existentes com doentes que deles não necessitam constituirá uma injustiça para os que deles podem beneficiar.

Decorre desta lógica que o princípio da justiça tem, na sua aplicação para os médicos, um sentido utilitarista, ou seja, de que deverão beneficiar dos poucos recursos existentes os doentes que maiores benefícios possam colher.

Neste campo da decisão existem muitas armadilhas para quem não se encontra previamente alertado. Por exemplo, na ausência de ventilador disponível, qual a decisão perante um jovem que chega à unidade de cuidados intensivos, com um traumatismo craniano, boas perspectivas de evoluir favoravelmente, e em que simultaneamente existe outro acometido por acidente vascular cerebral, de prognóstico mau ligado ao ventilador?

Deverá ser desligado o doente com prognóstico mais reservado quanto à vida e função para ceder o ventilador ao doente com prognóstico mais optimista?

Este e outros exemplos podem ser comparados às situações, hoje históricas, chamadas de triagem de guerra, nas quais os cirurgiões preferiam tratar prioritariamente os moderadamente feridos, em relação aos muito graves ou ligeiros. Também durante a II Guerra Mundial, quando a penicilina era ainda muito escassa, dava-se preferência à sua utilização em soldados com doenças transmitidas sexualmente (pois ficando rapidamente curados poderiam voltar ao campo de batalha) em relação a outras situações infecciosas.

Assim, os recursos deverão ser atribuídos aos doentes que mais benefícios possam vir a colher, tornando-se claro que a escassez de recursos impõe uma rotatividade no acesso à sua utilização, para que os benefícios dos mesmos possam ser aplicados ao maior número de doentes deles necessitados.

Neste contexto e aplicando o princípio da justiça às unidades de cuidados intensivos, deverão ser bem definidos os critérios de admissão e de alta dos doentes assistidos, de modo a ser possível aplicar os respectivos recursos ao maior número possível de doentes.

Os princípios e a prática clínica

O consentimento informado, alicerçado no princípio da autonomia, define-se como a livre aceitação e autorização pelo doente de intervenção médica ou participação em programa de investigação, após adequada explicação pelo médico da natureza daquelas, relação custos/benefícios e alternativas. Apresenta duas vertentes fundamentais: a legal e a relacional.

A vertente legal é a regra social de consentimento em instituições que devem obter legalmente consentimento válido para doentes e pessoas, previamente à realização de procedimentos terapêuticos ou de programas de investigação. No entanto, isoladamente, não legitima a decisão ou actuação terapêutica e só corporiza integralmente a decisão do doente quando devidamente associada à vertente relacional que a fundamenta e complementa.

A vertente relacional diz respeito à expressão das preferências e opções do doente. Tal expressão viabiliza escolhas racionais e partilha da decisão, bem como contínua permuta interactiva e negocial reforçando, modificando ou anulando o consentimento inicial.

Esta interacção sedimentadora da aliança terapêutica médico/doente rendibiliza, por sua vez, o trabalho do médico porque o doente estará mais apto a colaborar, terá expectativas mais realistas e estará mais preparado para eventuais complicações.

O consentimento informado tem sido geralmente considerado um dever parental, apesar de questionável e moralmente desajustado relativamente ao doente pediátrico competente.

Dado que a autonomia é baseada na capacidade de o doente compreender as consequências e alternativas possíveis à sua escolha e que muitas crianças em idade escolar e adolescentes já possuem essa capacidade, esse facto pode gerar conflitos, atendendo ao direito legal de supervisão parental em matéria de saúde.

O número de adolescentes que necessitam de cuidados hospitalares tem progressivamente aumentado, tendo sido publicados poucos estudos que foquem problemas éticos durante a hospitalização neste grupo etário, sendo que alguns dos dilemas éticos surgidos na população adolescente não se enquadram adequadamente nas orientações existentes referentes a crianças e adultos.

Exemplificando, com um caso clínico: uma adolescente de 16 anos portadora de fibrose quística, com história anterior de 2 transplantes cardiopulmonares, entra pela terceira vez consecutiva em fase de rejeição aguda e é internada numa unidade de cuidados intensivos pediátricos. Apesar da terapêutica adequada, a situação clínica deteriora-se e é necessário decidir ou não pela ventilação mecânica. Ouvindo a família, o pediatra está de acordo em não ventilar, atendendo ao mau prognóstico, mas adia a decisão final até à realização de conferência entre a doente e o médico assistente. Lúcida, ciente da irreversibilidade da sua situação clínica, convicta da ineficácia de medidas terapêuticas invasivas adicionais, recusa a ventilação, sendo a decisão integralmente respeitada.

Este caso clínico é um exemplo do exercício de autonomia, aparentemente isento de paternalismo. A visão global do diagnóstico, situação clínica e evolução da criança, aliada ao sentido ético do exercício da medicina, permitiu à equipa clínica autonomizar a doente e simultaneamente ter a atitude responsável e profissional de a poupar a um prolongamento inútil de vida.

Assim, o exercício da autonomia não implica crueldade no confronto com a realidade de vida e de morte ao permitir que o doente se pronuncie e eventualmente decida, quando tem condições para tal, sobre questões que influenciam de forma decisiva a vivência do seu corpo na doença.

O pediatra ou outro médico ao dialogar em paridade com uma adolescente que, por doença grave e prolongada, admite as hipóteses de vida ou de morte que se lhe deparam, deve demonstrar capacidade de diálogo e humildade. Deve também revelar respeito pelo princípio da beneficência ao reconhecer o sofrimento físico, psicológico e espiritual de crianças e adolescentes, os quais têm direito a protecção e alívio da dor. É este o fundamento dos cuidados paliativos.

Importa, no entanto, sublinhar que a autonomia não é um princípio que retira à criança ou adolescente resiliência, fragilizando-a e tornando-a indefesa face à doença e à morte. Muito pelo contrário, pode constituir um factor de crescimento de interioridade e intimidade daqueles, reconhecendo-lhes direitos e capacidade de protecção contra a imensidão de normas, regras, teorias e tecnologias de que a medicina dispõe actualmente.

Ou seja, o exercício da autonomia contém de uma maneira ou de outra, quiçá de forma complementar, os princípios da beneficência e da não maleficência.

De referir que a informação dada ao doente pelo médico deve pautar-se pela preocupação de comunicação através de linguagem simples, fluida, isenta de termos técnicos, adequada e acessível, que consiga transmitir a verdade àquele, devidamente enquadrada por empatia e solicitude, que o médico deve disponibilizar de modo personalizado.

Contudo, a preocupação do total esclarecimento relativamente à doença não deve sobrepor-se à compaixão face ao doente doseando-a (ou até, por vezes, omitindo-a e adaptando-a à idade, perfil e momento psicológico). Isto é, cada doente tem direito à verdade que pode suportar.

A legislação em Portugal

Em Portugal a legislação portuguesa confere o direito à autodeterminação em saúde aos menores de 18 anos, mediante a portaria nº 52/85 que permite o acesso às consultas de planeamento familiar a todos os jovens em idade fértil, bem como o artigo 141º da lei nº 6/84 DR-Iª série nº 109- 11/5/1988 que reconhece o direito ao consentimento de interrupção voluntária de gravidez em jovens dos 16 aos 18 anos, desde que nas situações contempladas na lei.

Por sua vez, a autonomia da criança é reconhecida no Código Penal – decreto-lei nº 48/95 de 15/3/1995 ao “Reconhecer no domínio dos bens jurídicos livremente disponíveis, como causa de exclusão de ilicitude, o consentimento prestado por quem tiver mais de 14 anos e possuir o discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta”.

Também o Código Deontológico da Ordem dos Médicos refere que “No caso de crianças ou incapazes, o médico procurará respeitar, na medida do possível, as opções do doente, de acordo com as capacidades de discernimento que lhes reconhece, actuando sempre em consciência na defesa dos interesses do doente”.

Consentimento informado e esclarecido

Sublinhando a importância do triângulo relacional “criança, pais e médico” é reconhecido o direito ao consentimento informado e confidencialidade em adolescentes maiores de 14 anos relativamente à contracepção oral, ao tratamento de doenças sexualmente transmissíveis e ainda nos casos de comportamento aditivo (alcoolismo, ou toxicodependência), sem necessidade de consentimento parental.

Em caso de terapêutica com baixo risco de mortalidade e morbilidade (tratamento da acne, por exemplo), poderá também ser dispensado o consentimento parental. Pelo contrário, nos casos em que a terapêutica envolva considerável risco (intervenções cirúrgicas ou terapêutica do foro oncológico com citostáticos) é exigido o consentimento informado e esclarecido do doente, caso este se situe no grupo etário superior aos 18 anos, ou o consentimento parental se se tratar de menor de 18 anos, não legalmente emancipado.

Exemplificando, é também necessário permissão informada em caso de:

  • Imunizações;
  • Exames diagnósticos invasivos (cateterismo cardíaco, broncoscopia);
  • Terapêutica prolongada com anticonvulsantes para controlo da epilepsia;
  • Correcção cirúrgica de anomalias esqueléticas;
  • Remoção cirúrgica de massa tumoral suspeita;
  • Punção lombar (mesmo em situações de emergência).

O assentimento da criança e permissão informada e esclarecida dos pais será aconselhável em situações como:

  • Punção venosa numa criança depois dos 10 anos;
  • Exames complementares diagnósticos nos casos de dor abdominal recorrente numa criança depois dos 10 anos;
  • Medicação psicotrópica para controlar a perturbação da atenção grave.

Ou seja, em medicina da criança e do adolescente o assentimento reconhece e assume o doente como pessoa com capacidade de ser integrada num processo decisional e pressupõe:

  • Ajudar o doente a compreender a sua doença;
  • Transmitir-lhe a normal expectativa dos exames e tratamentos a realizar;
  • Atender à compreensão do doente face à sua doença.

A dissensão ou persistente recusa ao assentimento deve ser respeitada sempre que a intervenção proposta não seja essencial ao bem-estar da pessoa ou possa ser adiada sem risco.

Em investigação é vinculativa, mesmo que os pais tenham autorizado.

Recentemente, o grupo de trabalho em ética da Confederation of European Specialists in Paediatrics (CESP) publicou as linhas de actuação e recomendações do Consentimento Informado/Assentimento em Pediatria e em investigação biomédica envolvendo populações pediátricas.

O documento é norteado por uma preocupação de preservar a dignidade da criança e adolescente nas suas dimensões física, psicológica e intelectual, salvaguardar os seus interesses, protegê-los de riscos, assegurar e respeitar a sua privacidade/confidencialidade e reforçar o seu direito à expressão e cumprimento dos seus desejos e preferências sempre que possível, numa perspectiva realista.

Humanização dos cuidados

Em 1945, pela primeira vez Spitz descreveu a síndroma do hospitalismo. As manifestações clínicas de tal situação, relacionadas com o ambiente hospitalar de separação da mãe e família da criança, o próprio trauma e agressão emocional da doença implicando muitas vezes intervenções diagnósticas e terapêuticas, traduzem-se por carência afectiva, regressão do desenvolvimento psicomotor e afectivo, e estados depressivos.

Foi precisamente na transição da década de 70-80 que passou a desenvolver-se, em Portugal, uma “cultura” – originária dos Estados Unidos da América do Norte – de encarar a criança, mais ligada à família e ao seu meio, mesmo quando no hospital, tornando este meio mais acolhedor, compreensivo, humano. Em Portugal cabe destacar o pioneirismo na aplicação sistemática de certas práticas do Instituto Português de Oncologia e do Hospital Pediátrico de Coimbra.

Assim, contribui para a humanização todo o profissional de saúde que recusa a rotina reduzida ao tecnicismo, que vê no doente uma pessoa inteira com emoções, angústias ou desesperos que se estendem às famílias.

A partir de então, nas maternidades passou a vigorar, de modo progressivo, a prática de contacto precoce mãe-filho, já na sala de partos, onde o recém-nascido deveria ser colocado ao peito para estimular a secreção láctea e o vínculo.

Ao sistema de alojamento conjunto mãe-filho nas enfermarias de puérperas, tem sido dada importância crescente. Assim, o conceito de berçário nas maternidades (recém-nascidos saudáveis em enfermaria separada da mãe) passou a ser considerado obsoleto e antinatural.

A par doutras medidas relacionadas com a qualidade do atendimento nas diversas instituições, passou igualmente a ser cada vez mais habitual a mãe acompanhar o seu filho durante a hospitalização em qualquer grupo etário, abrindo-se as portas das unidades de internamento ou de ambulatório às famílias segundo certas regras que passaram a estar incluídas nos manuais de qualidade e consagradas por legislação, de que se destaca a Carta de Direitos das Crianças Hospitalizadas descrita adiante.

Quer a Secção de Pediatria Social da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), criada em 1979, quer o Instituto de Apoio à Criança (IAC), fundado em 1983, têm tido ao longo dos anos um papel pedagógico altamente relevante, veiculando, designadamente, os conceitos da humanização e de assistência centrada na família, constituindo-se como grupos de pressão junto das autoridades governamentais no sentido de as práticas de humanização passarem a ter suporte legal, o que tem vindo a acontecer ao longo dos anos.

Cuidados paliativos

A partir de 1960, sob os auspícios da OMS, passou a ser comum o termo de cuidados paliativos como um novo paradigma de assistência total e activa ao doente e família por equipa multidisciplinar, não necessariamente em fim de vida, quando se verifica uma de duas situações:

  • Doença crónica, avançada e ou incurável, de prognóstico muito reservado com imprevisível resposta à terapêutica;
  • Doença progressiva (sintomatologia rapidamente evolutiva com consequente sofrimento do doente e família).

Tal tipo de cuidados permite suprimir ou atenuar sintomas sem actuar directamente na doença que os provoca, dando também apoio à família para lidar com a doença, na tentativa de melhorar a qualidade de vida do doente na sua relação com a mesma sem que tal signifique abandono.

Constitui dever ético da equipa assistencial junto da família chamar a atenção de modo humanizado para certos princípios e realidades que poderão contribuir para a compreensão de atitudes (diversas da distanásia ou encarniçamento terapêutico, e da eutanásia ou morte provocada sem sofrimento):

  • Evolução vida – morte como processo natural e inevitável;
  • Não adiamento nem aceleração da morte;
  • Alívio da dor e doutros sintomas numa relação fraterna;
  • Valorização da dignidade e da qualidade de vida da pessoa;
  • Informação de modo individualizado, gradual e adaptado à cultura, religião e circunstâncias psico-afectivas da “unidade” doente-família, a cargo da equipa que presta cuidados.

Embora em instituições de saúde prestando assistência a adultos existam unidades de cuidados paliativos com equipa própria, separadas doutras enfermarias e unidades, na idade pediátrica tal assistência é propiciada, em geral, em enfermarias convencionais, embora em área reservada e versátil com o recato e isolamento que a situação impõe. Tais situações surgem com maior frequência em unidades de cuidados intensivos neonatais e pediátricas e em serviços de oncologia pediátrica.

Salienta-se, em suma, que a noção de cuidados paliativos:

  1. Não diz respeito exclusivamente a cuidados terminais, em fim de vida;
  2. Não se resume ao tratamento da dor;
  3. Exige que se proceda à avaliação global da pessoa que sofre atendendo à sua complexidade biológica, psico-afectiva, familiar e social.

Carta de Direitos das Crianças Hospitalizadas

Em consonância com o conceito de humanização, importa relevar um importante documento (já generalizado e aplicado no nosso país), aprovado pela Confederação Europeia dos Sindicatos Nacionais e Associações de Profissionais de Pediatria em 1996:

  1. As crianças somente serão admitidas no hospital se os cuidados de que necessitam não puderem ser igualmente administrados no domicílio ou em regime ambulatório;
  2. As crianças hospitalizadas têm o direito de ter os seus pais permanentemente com elas, desde que isso seja para maior benefício da criança. Assim, deve ser oferecido alojamento a todos os pais e estes devem ser auxiliados e encorajados a permanecer junto delas. De modo a comparticipar na assistência dos seus filhos, os pais devem ser informados acerca da rotina da enfermaria e encorajada a sua participação activa;
  3. As crianças ou os seus pais têm o direito a uma informação apropriada à sua idade e compreensão;
  4. As crianças e os pais têm o direito a uma informada participação em todas as decisões que envolvem a sua assistência. Todas as crianças devem ser protegidas de tratamentos médicos desnecessários, devendo tomar-se medidas no sentido de minorar o seu sofrimento físico e emocional;
  5. As crianças devem ser tratadas com tacto e compreensão, e a sua privacidade sempre respeitada;
  6. As crianças devem ser assistidas por uma equipa adequadamente treinada e plenamente consciente das necessidades físicas e emocionais de cada grupo etário;
  7. As crianças têm o direito de usar as suas próprias roupas e ter os seus pertences pessoais;
  8. As crianças devem ser assistidas conjuntamente com outras crianças do mesmo grupo etário, separadamente dos adultos em todas as valências assistenciais (consulta, internamento, serviço de urgência, etc.);
  9. As crianças devem ter um ambiente guarnecido e apetrechado de modo a satisfazer as suas necessidades e que esteja de acordo com as normas conhecidas de vigilância e segurança;
  10. As crianças devem ter total oportunidade para brincar, para diversão e educação adequadas à sua idade e condição.

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SAÚDE E BEM-ESTAR NOS PRIMEIROS 5 ANOS DE VIDA

The foundations for virtually every aspect of human development – physical, intelectual and emotional – are laid in early childhood.

Michael Marmot, 2010

A saúde e o bem-estar da criança nos primeiros 5 anos de vida são essenciais para um desenvolvimento adequado na preparação para a escola, e a base de um futuro sem desigualdades. Uma criança cuidada, estimulada e protegida virá a ser um adulto com mais educação e melhor oportunidade de sucesso.

Há consenso em que o bem-estar infantil inclui todos os domínios da qualidade de vida: físicos, emocionais e sociais. A intervenção deve estar focada na primeira infância, mas ser sustentada ao longo do ciclo da vida. As estratégias integram medidas objectivas de saúde, educação e condições da vida familiar, e subjectivas como o gosto pela aprendizagem.

Há ainda evidência de que as desigualdades sociais são a causa mais importante de deficiente capacidade na aquisição de competências. As crianças de famílias em exclusão social e pobreza nascem em desvantagem e, se não houver intervenção, crescem com maior risco biológico e socioeconómico.

Investigação conjunta de economistas, psicólogos do desenvolvimento e neurobiólogos demonstrou que as experiências precoces têm uma influência única e poderosa no desenvolvimento cognitivo e social, na arquitectura cerebral e na neuroquímica, que é máxima na primeira infância. Estes aspectos geraram até o interesse da área económica considerando que a visão a longo prazo para o fortalecimento do futuro mercado de trabalho é o investimento na criança nos primeiros anos de vida, o que constitui uma oportunidade de lobbying para a saúde e educação.

Em 2015, os 53 países da OMS-Euro aprovaram a Minsk Declaration, sendo consensual que investir no desenvolvimento infantil numa idade precoce e proteger a criança contra o estresse tóxico e a exposição ambiental perigosa, em pontos críticos do desenvolvimento, são escolhas políticas de maior custo efectivo.

Para um desenvolvimento saudável equacionam-se os recursos (assets para os anglo-saxónicos) internos e externos que potenciam as capacidades individuais e combinam factores de suporte (família, escola, centro de saúde) com os de capacitação (valorização na comunidade) e de ligação (modelos e pares) para a aquisição de competências sociais (planeamento, decisão e resiliência), autoestima e visão optimista do futuro.

Como se define e mede o Bem-estar?

O conceito de bem-estar é um processo dinâmico que exige objectivos pessoais e sociais e se associa à qualidade de vida.

A UNICEF considera seis dimensões que medem o bem-estar mas permitem ainda identificar as desigualdades:

  1. Material (pobreza, desemprego familiar, baixo nível de educação dos pais);
  2. Saúde e segurança (mortalidade infantil, baixo peso ao nascer, taxa de vacinação e mortalidade por acidente);
  3. Educacional (sucesso escolar na leitura e literacia em matemática e ciências, gosto pela aprendizagem e pela escola);
  4. Família e amigos (tipologia da família e relações intrafamiliares e com os amigos);
  5. Comportamentos e risco na saúde (hábito de pequeno almoço, ingestão de fruta e actividade física diariamente, excesso de peso) e/ou de violência (maus tratos, negligência, bullying);
  6. Bem-estar subjectivo (percepção da saúde, gosto pela escola, sensação de felicidade).

Estratégias de intervenção

A missão de quem cuida de crianças, sejam os pais e avós, os professores ou os profissionais de saúde, é educar para a escola nos primeiros anos e preparar para a vida até aos 18 anos.

Educar para a escola inclui as aptidões básicas para progredir no discurso e na compreensão e aquisição de conhecimento, as competências motoras, a atitude relativamente à aprendizagem, a concentração, a memória e a capacidade de lidar com outras crianças sem agressividade.

Preparar para a vida envolve a compreensão da importância da saúde e do trabalho e a sensibilidade para construir uma relação, constituir família e cuidar de uma criança.

Esta abordagem obriga a intervenção ao longo do ciclo da vida, sensibilização dos adolescentes e capacitação dos jovens para os cuidados às crianças, e envolvimento dos pais em todas as fases do desenvolvimento, processo dinâmico que começa antes da concepção, e exige a aprendizagem dos jovens para a parentalidade.

São ainda necessárias parcerias intersectoriais exigindo articulação interdisciplinar coordenada e abrangendo diversos sectores: – do poder central como a saúde, a educação, a justiça e segurança social; – do poder local, autarquias, instituições locais de saúde que envolvem toda a sociedade incluindo o sector privado; – as instituições sem fins lucrativos; e – os media.

Problemas como a pobreza infantil, o desemprego das famílias ou o desemprego jovem são nacionais e exigem planeamento a nível global. No entanto, os resultados conseguem-se com programas locais que melhorem a capacitação dos pais e resolvam a falta de creches.

A educação é reconhecida como um determinante social major da saúde e a tutela deve promover escolas inclusivas, jardins de infância e outras oportunidades educacionais como prioridades nacionais.

Um estudo publicado por AJ Reynolds e colaboradores na revista Science em 2011, baseado em coorte de crianças de famílias afroamericanas do subúrbio seguidas durante 25 anos mostrou que a frequência de infantário aos 3 anos resulta em melhores níveis de educação, socioeconómicos e de saúde aos 28 anos.

Está provado que mais de um ano em pré-escolar é equiparável a 18 meses de escolaridade; e também que, em famílias com exclusão social, a intervenção deve ser precoce, e a oportunidade de frequência de creche no primeiro ano de vida é a certeza de que a criança tem acesso a nutrição adequada, afecto e estímulo.

O desenvolvimento infantil e juvenil é muito mais do que a saúde, é a Saúde em Todas as Políticas, políticas que minimizem a exposição à pobreza, e as desigualdades, assim como as experiências adversas, e maximizem a estimulação cognitiva, as oportunidades, a interacção responsável com os cuidadores, e o acesso aos cuidados de saúde e aos serviços de protecção social.

Nesta perspectiva torna-se obrigatório que as políticas públicas monitorizem a transmissão da desigualdade não só entre gerações, mas também na mesma geração.

Exemplos de boas práticas

Internacionais

São muitos os países e regiões que têm criado programas específicos intersectoriais baseados na evidência de que um início de vida positivo ajuda a criança a atingir o seu pleno potencial, e condições adversas aumentam a probabilidade de maus resultados. Por outro lado, confirmam que a intervenção integrada é mais efectiva do que a isolada e todos têm uma base forte na comunidade e o envolvimento e capacitação dos pais.

São exemplos de planeamento nacional, o programa da Irlanda (2011), Better Outcomes, Brighter Futures 2014-2020, o da Austrália, Kids Matter e os de implementação regional como o do Rio Grande do Sul (Brasil, 2007), Primeira Infância Melhor ou o da Escócia, Health for all Children e Early Years Matters (2009).

No Iowa/USA, assinalaram-se 20% das crianças, dos 4 meses aos 5 anos, com risco moderado ou grave de atraso de desenvolvimento, do comportamento ou risco social, tendo apenas 50% destas, sido detectadas antes da entrada na escola. O programa 1st Five Healthy Mental Development Initiative identificou o estresse crónico familiar e a depressão do cuidador como causas e envolveu os enfermeiros de cuidados primários na detecção precoce destas famílias. Outro programa, Ready Child Equation inclui não só a preparação da criança para a escola, mas também a preparação da escola para a criança, e a capacidade da família/comunidade em proporcionar oportunidades.

Em Portugal

Portugal integra o grupo dos dez melhores países do mundo quanto à mortalidade abaixo dos 5 anos juntamente com o Japão, a Estónia, Finlândia, Suécia, Noruega e Eslovénia.

Outros indicadores mostram igualmente a evolução nas últimas décadas, as boas práticas e os projectos em curso na Saúde.

Na Educação, a evidência de que a fase pré-escolar é tão ou mais importante que a escolar exigiu um esforço para conseguir que 95,4% das crianças tivessem acesso aos 4 anos e 35% aos 3 anos. Aos 15 anos, em avaliações internacionais comparativas, os resultados de matemática (PISA) mostraram um desvio negativo de 4 pontos e na leitura (PIRLS) de 4,69 relativamente à média europeia.

A Justiça reviu e publicou em 2014 nova legislação quanto à protecção e adopção. A Área Social implementou legislação para creches e amas e foram alargadas licenças parentais em tempo e aos avós.

Há projectos nacionais com implementação local como as Cidades Amigas das Crianças, as Redes Sociais ou o Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância, entre outros.

Cidades como Aveiro, Gondomar e Vila Real aderiram ao programa da UNICEF – Cidades Amigas das Crianças (2015), o qual inclui a melhoria dos espaços e a criação de condições de vida saudável para crianças e jovens assim como o envolvimento nas decisões, ouvindo e estimulando fóruns de opinião sobre os tópicos em análise.

Em 2006, surgiram as redes sociais como parceria estratégica única existente em cada autarquia, dinamizada pela Câmara e presidida por eleitos locais, com um âmbito de intervenção transversal. Esta orientação veio criar condições para pensar e desenvolver a intervenção social centrando-a nos problemas locais.

São agentes promotores de um planeamento integrado e sistemático da intervenção, (participado), implicando a definição de prioridades, a base da acção articulada dos diferentes parceiros.

Mas há ainda exemplo de parcerias, de que o Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância é o paradigma, pois significa actuação coordenada dos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social, da Educação e da Saúde, organização de Equipas Locais de Intervenção que integram profissionais da saúde, educação e área social, apoio das autarquias e envolvimento das famílias e da comunidade.

As equipas multidisciplinares definem um Plano Individual de Intervenção Precoce que é um instrumento organizador para as famílias e para os profissionais envolvidos, com base na situação referenciada, no potencial de desenvolvimento da criança, e também nas alterações necessárias para que se possa cumprir.

Na Região de Lisboa e Vale do Tejo, em 2015, foi dado apoio a 7.267 crianças, o que corresponde a 77% das necessidades previstas. No entanto, predomina a intervenção aos 4-5 anos pois aquelas são habitualmente referidas pela área da educação. É importante a sensibilização dos profissionais de saúde dos cuidados primários que, no âmbito de uma medicina compreensiva, de oportunidade e de proximidade, em período-chave como o da vacinação no primeiro ano de vida, podem identificar situações que necessitem de intervenção e sejam referenciadas em idades mais precoces.

Os serviços terão de ser proactivos na identificação de situações e crianças e famílias vulneráveis e com necessidade de apoio integrado.

Monitorização

Monitorizar o bem-estar das crianças é complexo e pode parecer missão impossível. Deve-se optar por um pequeno número de indicadores em domínios principais: físico, psicológico, social e cognitivo/educacional, subdivididos em múltiplas medidas.

  1. Físico: estado de saúde, nutrição, prevenção da doença, actividade física e segurança.
    1. Saúde global e dentária
    2. Presença ou ausência de doença crónica
    3. Comportamentos de risco
    4. Estilos de vida saudáveis como sono, exercício, tempo gasto a ver TV
  2. Psicológico: estado mental e emocional.
    1. Avaliação de comportamento depressivo
    2. Diagnóstico de problemas de comportamento
    3. Percepção de autoestima
    4. Aptidão para lidar com os desafios
  3. Social: aptidões sociais básicas, utilização do tempo, aptidão de relacionamento emocional.
    1. Relação pais-filho, comunicação e empatia. Envolvimento no desporto, e actividades na comunidade
    2. Comportamentos sociais positivos: relacionamento com outras crianças, empatia, resolução de conflitos
    3. Comportamentos sociais negativos: comportamento de oposição, bullying
  4. Cognitivo/educacional: aptidões de leitura, memória, e raciocínio próprio da idade.
    1. Avaliação de problemas pré-escolares
    2. Dificuldade na aprendizagem
    3. Preocupação parental
    4. Interesse da criança na leitura por prazer

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OS SUPERIORES INTERESSES DA CRIANÇA

A criança passou pela História quase até ao séc. XX sem nunca ter visto ser reconhecida a sua natureza e as suas necessidades irredutíveis, designadamente a de ter direito a direitos fundamentais.

A conquista de uma certa visibilidade para a infância, foi uma penosa caminhada da existência humana.

A história do destino humano é, uma história de interesses que não, de facto, os da criança.

No séc. II A. C. a primeira infância mereceu de Varrão (escritor latino) uma classificação especial na hierarquização das sucessivas idades do ser humano.

Nunca houve vocábulo latino para designar o bebé e a designação de lactente (alumnus) – focalizada, tão só, na propriedade de ser alimentado – determinou até há cerca de 40 anos a nomenclatura científica em vigor.

Já na nossa década de 70 em concurso de provas públicas da carreira hospitalar fui «aconselhado» por membros de um júri de provas públicas a não usar a designação de bebé porque só era «cientificamente» tida como correcta a referida nomenclatura de lactente.

O termo mais antigo, usado para designar a criança, foi de «puer» significando indistintamente quer a cria animal quer a cria humana.

A língua latina consagrou, durante muito tempo, o termo «infans» significando, etimologicamente, aquele que não fala.

Tanto a designação central de «puer» como a designação complementar de «infirmitas» (imaturidade moral e intelectual) acentuavam o estatuto deficitário da criança entendida, designadamente, como escrava na ordem social.

Pais Monteiro refere, a este propósito, a associação que S. Paulo faz da criança na sua epístola aos Gálatas: «Enquanto o herdeiro é menor, se bem que seja o senhor de tudo, em nada se diferencia de um escravo».

A civilização grega que tanto inspirou e inspira, ainda, a cultura da dita civilização ocidental ignorou, quase por completo, a criança.

Sempre numa perspectiva reducionista, ao tratar da infância, Galeno tentou a conciliação entre o corpo e o espírito, porém sempre numa representação etimológica do mal que proviria quer do «interior natural», quer do contexto exterior que hoje identificamos à circunstância ou envolvimento de cada criança.

A teologia cristã, nomeadamente em todo o Antigo Testamento, estigmatiza a criança identificando-a inequivocamente ao mal.

O Novo Testamento explica muito do mal que a criança integra em função do pecado materno projectado à concepção. Em termos educacionais o pecado original determina todo o mal que a criança necessariamente vai vivenciar.

Santo Agostinho congrega, a este propósito o pensamento de então referido à criança – «se a deixássemos fazer o que lhe apetece, não há crime que não a víssemos cometer».

Na História da Humanidade o interesse pela criança radicou-se, tão só, na simbologia do mal. A criança foi, século a século, sem grandes variações conceptuais, esse símbolo do mal, da imperfeição, do pecado original, da culpa materna, do lugar do erro, tal como definido na filosofia cartesiana.

O eventual «amor» pela criança na era romana concentrava-se no interesse que os filhos representavam como potencial força militar necessária à máquina da guerra.

Apesar da representação da criança presente nos sarcófagos dos séc. III e IV, revelada na vida familiar porventura valorizadora da criança, não há qualquer prova, designadamente através da arte, de amor dos pais pelos filhos, representado esse amor como sentimento de empatia, ternura, respeito ou tão só, interesse providenciado face à criança. Badinter sintetiza sumariamente o sentimento social face à criança – «erro ou pecado, a infância é um mal».

A morte de um filho é sentida como um acidente banal que nem merece a presença dos pais no respectivo enterro. Montaigne, mais tarde e a este propósito, confessava assim o seu sentir – «perdi dois ou três filhos na ama, não sem pesar mas sem drama».

Toda a Idade Média ignora a criança e é desse testemunho a sua ausência ou porventura, a sua representação, na arte. O culto da Virgem Maria, porém, representando, então, Nossa Senhora e o Menino, projecta, sobretudo, a imagem triunfante da mulher criadora em oposição a Eva, a pecadora. As crianças na proximidade da díade divina reforçam o significado do culto já projectado na criança.

Até fins da Idade Média, as crianças vestiam como os adultos, sendo, portanto, manifesta a ausência do estatuto infantil que hoje identificamos, entre outras expressões, com o vestuário infantil. Ainda em termos de Arte, poderá ser importante a dúvida sobre o significado da representação do putto (criança nua na pintura italiana do séc. XVI), tão bem simbolizada por Ticiano, num retábulo pintado em 1526. O gosto do putto terá representado um dos primeiros sinais de interesse pela criança que a Arte prodigaliza na sua missão de sempre antecipar, na esfera do sensível, o que só mais tarde o social ou político se encarrega de representar?

A cultura religiosa passou, todavia, a configurar, aparentemente, algum do respeito pela infância identificado com a figura do Menino Jesus cujo modelo os artistas do séc. XVI iam buscar a crianças diferentes, designadamente com trissomia 21 ou outras situações que hoje identificamos como síndromas malformativas. Objectos que o Menino manipula, designadamente colheres, são, inequivocamente, alguns sinais de interesse pelo comportamento infantil. Porventura inexplicado é o posicionamento da criança ao colo da Virgem Maria.

O designado instinto maternal faz posicionar a criança do lado esquerdo do colo da mãe e é essa a forma de colo que mães ou raparigas já púberes favorecem ao invés de homens ou raparigas pré-púberes quando solicitados a colocarem um bebé ao seu colo.

Do séc. X ao séc. XVII, apesar da manutenção de uma mortalidade infantil elevadíssima, a convicção da imortalidade da alma da criança passou a ser uma verdade cada vez mais sedimentada, influenciada que foi por uma cristianização progressiva dos costumes.

O grande debate teológico da Idade Média, na revisitação de Aristóteles, dizia respeito ao momento em que o feto seria insuflado pelo espírito de Deus, recebendo então uma alma. Até ao sec. XV o Menino é predominantemente posicionado no colo direito da Virgem.

O gótico tardio consolida, então, a figura do Menino Jesus do lado esquerdo do colo, configurando, porventura, o instinto materno como marca indelével desse sentimento maternal mais puro representado por uma Virgem Maria cada vez mais envolvida com o seu Menino.

A representação de um eventual interesse pela criança trazido pela Arte terá preanunciado uma viragem na história dos sentimentos face à criança. Velasquez retrata a criança filha da nobreza enquanto Goya é mais retratista da infância proletária.

A arte da Renascença traz-nos, como novidade, as crianças (putti) na sua plena vitalidade encarnando, porventura, a felicidade na sua identificação com o Paraíso.

É notório o contraste desta representação artística face aos quadros medievais de Brughel em que a criança é um epifenómeno das festas exteriores, posicionada num canto das telas, brincando no chão isolada do contexto social.

A negligência face à criança na coerência do que temos expressado, faz parte da História da Humanidade. A expressão mais constante desta negligência foi o abandono.

De Mause citado por Reis Monteiro escreveu que «a forma de abandono mais extrema e mais antiga é a venda directa de crianças». Esta venda era legal no império babilónico e era, igualmente, uma constante em muitas culturas da Antiguidade.

Expressão extrema do abandono era o infanticídio, representado pelo deixar as crianças à mercê da natureza e dos predadores, nos caminhos do mundo. Porventura uma expressão menos drástica do abandono foi representada pela roda em que a criança era entregue, anonimamente, a instituições ditas de caridade ou de assistência.

Outra forma de abandono que ocupou durante mais tempo a história foi representado pela entrega de crianças a amas. Fala-se de amas na Bíblia, no código de Hamurabi, nos papiros egípcios, na literatura grega e romana, na tradição burguesa da Europa renascentista. No séc. XVII a procura era excedentária face à oferta. Mal nasciam, as crianças eram levadas para amas, muitas vezes localizadas longe das residências familiares.

Mais de 10% das crianças emigradas em função de uma oferta mercenária, morria pelo caminho. De uma forma mais discreta, o abandono com infanticídio continuava, porém, a ser a regra.

Não era socialmente dignificada, na aristocracia, a evidência do amor maternal e daí a razoabilidade da tese de que era o clima cultural que ofuscava o instinto em oposição ao conceito de Badinter de não ser o amor materno, ele próprio, um instinto humano.

O abandono infantil, sobretudo nas classes sociais mais elevadas era expresso, também, pela entrega das crianças a governantas, a preceptoras e a colégios internos.

O processo de emancipação da mulher nos séc. XVII e XVIII inspirava, de facto, muitos dos comportamentos familiares impondo o interesse dos progenitores a qualquer interesse da criança ainda sem direitos, sem privilégios, sem amor.

No séc. XVII, a infância não suscitava, ainda, nenhum interesse particular e poderá ter sido causa parcial desta evidência a alta mortalidade infantil que fazia poupar sentimentos vinculadores dentro da família.

Com Rousseau opera-se uma revolução do modelo. Ele afirmava: «É preciso deixar amadurecer a infância dentro de cada criança». É assim que, no séc. XVIII passaram as famílias a dar largas à sua euforia sentimental, passando as alegrias e as virtudes familiares a invadir a Arte e a Literatura. Da realidade social passou-se à realidade sentimental, passando a arte a representar o idílico da família em todo o seu esplendor.

Rousseau influencia, de facto, decisivamente, muita da cultura parental, representada nas relações sociais. Da mãe deslavada de amor à «mãe-pelicano» há todo um caminho que, progressivamente, faz nascer o reino da «criança-rainha» conforme expressão de Badinter. O nascimento da Puericultura em 1866 com Caron representa o início do caminho para a escola de virtudes em que são decisivos o médico e a professora.

Surgem então na Europa, e especialmente em França, os dispensários de saúde infantil centrados na confiança entre os profissionais e a mãe. Nesses dispensários e nos consultórios eram afixados quadros relatando a atenção pública e privada devotada à díade mãe-bebé. De qualquer modo, não era ainda consistente a mudança em pleno séc. XIX. No popular «livre de famille» em França, a criança era cruel e egoísta e «só era anjo quando estava a dormir».

Por outro lado, a criança passa a ser alvo de outro interesse por parte dos artistas do Realismo e do Naturalismo nas Artes Plásticas do séc. XIX. A iconografia da Sagrada Família, até então dominante, desaparece no início do séc. XIX. Aumentam, entretanto, e a ritmo crescente, as encomendas de quadros de representação das famílias burguesas.

Chegamos aos primórdios do séc. XX irrompendo, então, as primeiras expressões do denominado interesse pela criança. Esta nova modernidade inspira os artistas do simbolismo, designadamente António Carneiro, que intitula uma sua tela temática de «A vida – Esperança, Amor, Saudade». A criança surge valorizada em si mesma, nomeadamente através do direito a um novo significado do seu bem-estar.

É extraordinária a mudança de conceito expresso, por exemplo, no pensamento, direi pediátrico, de Winnicott – «a criança está de boa saúde quando pode brincar ao pé da sua mãe ou de um adulto que valorize a sua criatividade». Em termos sociológicos, poder-se-á dizer que é a partir do séc. XIX e, consolidadamente, a partir do séc. XX, que os poderes públicos passam a considerar alguns dos interesses das crianças, principalmente reportados às suas necessidades especiais, garantidas quando da evidência de qualquer vulnerabilidade e desamparo.

Como escreveu Reis Monteiro, «a descoberta da criança, vítima da família e da sociedade, tornou-a objecto de protecção pública e privada». É curioso, porém, constatar que, na segunda metade do séc. XIX, surgem, pela primeira vez, Sociedades Protectoras da Infância, porém depois de criadas as Sociedades Protectoras dos Animais. A expressão «Direitos da Criança» encontra-se, pela primeira vez, num artigo publicado em 1852 nos EUA intitulado «The Rights of the children».

Provavelmente, em 1872 é utilizada pela primeira vez a designação «Pediatria» mas é em 1900 que Ellen Kay, citada por Monteiro escreve «O Século da Criança» onde a autora proclama, porventura também pela primeira vez, que «as crianças têm deveres e direitos tão firmemente estabelecidos como os dos seus pais». Na coerência desta evolução fantástica é adoptada em 1924 pela Assembleia da Sociedade das Nações, a Declaração dos Direitos da Criança elaborada por Eglantine Jebb que cinco anos antes (em 1919) tinha, por sua vez, fundado o movimento internacional «Save the Children», criador de símbolos (entre os quais gravatas promotoras do interesse pelas crianças).

Em 1948 é proclamada a Declaração Universal dos Direitos do Homem onde se assume que a Maternidade e a Infância têm direito a uma ajuda e a uma assistência especiais (Artº. 25º. 2). A UNICEF, designação que sucede à de ICEF, nasce a 6 de Outubro de 1953, mas é a 20 de Novembro de 1959 que, definitivamente, é aprovada, por unanimidade (por 78 Estados-Membros da ONU), a Declaração dos Direitos da Criança. A Declaração proclama dez Princípios Fundamentais que consagram o que se poderá entender como os interesses superiores da criança, designadamente face à sua protecção e desenvolvimento.

Pela primeira vez a impressão «Interesse superior da criança» aparece num texto internacional tão significativo como é a Declaração. No seu Princípio 2 pode ler-se. «A Criança deve beneficiar de uma protecção especial… Na adopção de leis com esse fim, o interesse superior da criança deve ser o factor determinante».

Mas é a 20 de Novembro de 1987 que a Assembleia Geral das Nações Unidas adapta e aprova a Convenção dos Direitos da Criança que, direi, é uma efectiva proclamação dos Interesses Superiores da Criança que fazem parte do seu texto em muitos dos seus 54 artigos, definitivamente consagrados em 1989. Como uma autêntica revolução, toda uma literatura científica irrompe numa valorização incessante das competências infantis.

Na mesma data da publicação da Convenção, publicámos com a Fundação Gulbenkian uma expressão significativa da evidência científica de então: «Biopsychology of early parent-infant communication». Tal como em relação a todas as Declarações, Convenções ou Proclamações, surgem críticas tendo essencialmente como alvo o exagerado «pedocentrismo» que situava a criança como um objecto jurídico.

A este propósito Reis Monteiro comenta ser a criança uma criança, não podendo tudo ser Direito tal como o Direito não pode ser tudo. De qualquer modo, o Direito de Família tornou-se progressivamente pedocêntrico e, a este propósito, reza assim um texto publicado pelo Conselho da Europa em 1989:

«As responsabilidades parentais são o conjunto dos poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar moral e material da criança, nomeadamente cuidando da personalidade da criança, mantendo relações pessoais com ela, assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens.»

A interpretação dos vários Estados confere à Convenção a extensão das suas prioridades. A Santa Sé, por exemplo, interpreta os Artigos da Convenção de modo a salvaguardar os direitos primários e inalienáveis dos pais.

O poder parental era, assim, reportado ao interesse superior da criança tal como expresso no Código Napoleónico que integra pela primeira vez a expressão «interesse da criança» como norma jurídica aplicável. O interesse superior passou a ser afirmação usada no Direito Internacional a partir de múltiplas menções dos estatutos jurídicos internos de muitos países.

No Princípio 7 da Convenção é proclamado que «o interesse superior da criança deve ser o guia daqueles que têm a responsabilidade pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, prioritariamente, aos pais». O interesse superior da criança passou a ser uma «consideração primordial» que fez transcender os próprios direitos parentais e, porventura, até os valores culturais de cada sociedade em função do primado da protecção e do desenvolvimento da criança.

O interesse superior da criança terá sido, assim, uma consagração ética que coloca a criança não como objecto mas como sujeito de Direito. Jacqueline Rubellin-Devichi entende que as soluções para a criança nunca são só jurídicas sem prejuízo do valor do direito que assegura os direitos de cidadania à criança desde o seu nascimento. Para Martin Stettler não existe uma definição para o «interesse da criança». Trata-se de uma noção com impacte afectivo e emocional que «convém deixar à apreciação dos pais ou à autoridade competente quando não há acordo» sendo este um pressuposto básico para a mediação.

Na Reunião de Lisboa de 1988, os Ministros da Justiça tinham já adoptado uma Resolução tratando da sequência dos direitos da criança no domínio do direito privado.

Neste sentido, a Convenção dos Direitos da Criança deverá ser entendida como uma Nova Carta da Revolução dos Direitos do Homem projectando na criança a consagração fundamental da Declaração dos Direitos do Homem. A Convenção dos Direitos da Criança é a grande proclamação ética centrada na criança.

A nova cultura que deverá inspirar as nossas sociedades e os nossos estados terá de ser construída nesta abordagem de uma ética centrada na criança que, por sua vez, determinará todos as outras disposições legais e políticas, do Ambiente à Educação, da Saúde à Justiça, da Segurança Social à Intervenção Familiar.

A criança não será mais, assim, o ser dependente, o menor cívico, o sujeito de vulnerabilidade. Os governos dispõem, hoje, através da Convenção de uma Carta de Princípios que os obriga a privilegiar a criança no seu existir pleno prevenindo as provações, as negligências, a violência. A garantia de oportunidades de afecto, de vínculos, de harmonia familiar, de concentração de interesses decorre da vivência do que é o interesse superior da criança a mobilizar políticas e regulamentações sociais.

O Direito não poderá ser uma regulamentação dos direitos sobre a criança mas outrossim, uma afirmação dos direitos à criança. Toda a circunstância da criança, designadamente a familiar, tem de ser inspirada por este direito à criança que pressupõe o primado da sua dignidade e o interesse superior de a respeitar. A projecção deste interesse em todas as expressões das Ciências Humanas está contida num dos componentes do Preâmbulo da Convenção – … «a criança para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão…».

Foi em todo este contexto que um conjunto extremamente significativo de universitários e investigadores consagrados elaboraram em Lisboa, em 1995, a Declaração de Lisboa de que cito, tão só, a primeira conclusão:

«As famílias devem ser ajudadas a reconhecer que constituem a fonte primária de amor e apoio e que são também responsáveis pela criação das forças interiores de que a criança necessita para se tornar resiliente face ao stress».

Porém, quando todos os ideólogos falam dos novos direitos da criança, é preciso assimilar que existem equívocos que ficaram por resolver. O direito da criança em ter pai e mãe confronta-se com a frustração deste «interesse superior» por via de uma disfunção familiar cada vez mais prevalente. Mais claramente ainda, a menção interesse superior significará que o interesse da criança deverá prevalecer sobre os interesses dos adultos ou da sociedade e sobre os interesses económicos e culturais.

Será, ainda, interesse superior da criança, tal como afirma Almiro Simões Rodrigues, o «direito ao desenvolvimento», isto é, o interesse da criança tem de ser entendido em função da dinâmica do seu desenvolvimento, ao longo do ciclo de vida da sua infância e da sua juventude. As referências da Convenção à «capacidade» e ao «discernimento», terão de ser entendidas na perspectiva que a filosofia dos «Touchpoints» consagra e que julgo ser paradigmática e indispensável para o cumprimento das novas disposições legais.

A Nova Lei de Protecção a Menores de 1999, na leitura de Maria Amélia Jardim, integra, inequivocamente, os valores do «interesse superior da criança» no respeito inalienável dos significados e das fases de toda a dinâmica do desenvolvimento infantil e juvenil. Estamos longe, porém, desta Revolução Ética a inspirar todas as intervenções decorrentes desta prioridade do Direito que reconhece, declaradamente, o interesse superior da criança.

Reconheço esta distância quase infinita no que respeita às práticas da nossa Saúde e da nossa Educação. Se a Sociedade actual, na nossa cultura, reconhecesse que a prioridade social era a criança tendo em conta os seus interesses superiores e se neste contexto estivesse garantido o pressuposto de que o interesse superior da criança é o de ser respeitada e amada, fundamentalmente dentro da sua família, então todo o pensamento político inspirador da actividade dos governos seria o de viabilizar uma cultura familiocêntrica com inequívocos investimentos na construção familiar e na relação vinculadora desde os primeiros tempos de vida.

Ao nível dos direitos, o advogado mediador quando do divórcio, representará os pais nessa mediação mas o seu exercício terá que estar centrado no superior interesse da criança e é essa advocacia que tem de prevalecer. Não chegam os padrinhos dos ritos de passagem de que é paradigma o baptismo, nem os educadores das creches e dos jardins de infância que cabem por destino a cada criança para fazer vingar um apoio tutorial complementar ou, às vezes, supletivo da intervenção familiar.

É preciso criar condições para que haja paixão na espera por cada nascer, na descoberta do “quem é quem” logo que cada bebé nasce, no apoio dinâmico à explosão de cada temperamento projectado no modo de comer, de dormir ou de brincar. Usamos hoje, ainda, a expressão “bem-estar” porventura para designar que nos referimos aos interesses superiores da criança que, de facto, se expressam nesse bem-estar.

A linguagem jurídica abstracta que refere o interesse superior da criança não se esclarece, todavia, com a nossa mera menção de bem-estar. O «interesse superior da criança» é, hoje, um conceito que apela à interdisciplinidade e representará este facto a grande esperança de progresso para o que resta deste século. Foi numa dimensão pluridisciplinar que fizemos (Conselho Técnico-Científico da Casa Pia de Lisboa) «Um Projecto de Esperança» confrontados com a pedofilia – extremo de agressão que pode ser feita à criança, pressuposta a revisitação de toda uma história de desrespeito pela criança.

Para que haja coerência do nosso pensar à nossa prática é preciso que a organização social e política centre os seus investimentos na criança, sobretudo quando ela é bebé.

A Saúde, a Educação, o Ambiente e a Justiça têm de estar unidos através de uma só estratégia em função da criança. O interesse superior da criança não se compadece com a imagem de receptor de direito, de cuidados ou de protecção; os interesses da criança exigem que consideremos que ela «contribui para a formação tanto da própria infância como da sociedade» e, por isso, as suas opiniões terão de ser sempre ouvidas e consideradas.

Só a título de exemplo e na coerência deste primado, teríamos que ver garantida nos Cuidados Primários a consulta pré-natal de contexto pediátrico, teríamos de ver favorecida, ao nascer, uma intervenção personalizada, junto de cada pai e de cada mãe, consolidada com a oportunidade de uma descoberta individualizada do bebé no favorecimento dos seus instintos tão ferido de riscos nas nossas Maternidades, teríamos de investir em mais tempo de guarda materna, no favorecimento de melhores horários para os pais nos primeiros dois anos de vida do bebé, teríamos de ter mais e melhores Serviços de Educação para os primeiros tempos de vida da criança, teríamos de garantir mais jardins e parques para as nossas crianças, teríamos de favorecer apoios fiscais, subsídios de habitação, de aleitamento, apoios à aquisição de fraldas e de brinquedos, mas sobretudo, teríamos de investir mais na formação profissional para que cada acto de consulta ou de intervenção educacional seja o fervilhar de uma paixão continuadamente dilatada pela magia de cada bebé em cada novo dia de uma vida preenchida de paz, em cada família.

A partir da década de 70, numa era inequivocamente “bebológica”, a contribuição da Pediatria para fazer vingar os interesses superiores do bebé tem sido uma constante.

Em 1984, a investigação que corporizou o nosso Doutoramento foi baseada no estudo sobre a influência do contacto precoce mãe-bebé no comportamento da díade. As influências antropológicas marcaram um posicionamento de maior proximidade na relação mãe-filho.

A nossa estadia em África (Guiné) representou um tempo ganho marcado pela aquisição de uma nova cultura centrada na dignidade do respeito e da tolerância. Fizémos, nestas últimas três décadas, o «Nascer e Depois», fizémos o «Olá Bebé», fizémos o «Bebé XXI», fizemos o «Stress e Violência» e fizémos o «Mais Criança». Acreditamos hoje, sobretudo, que é preciso coerência para podermos corresponder aos superiores interesses da criança.

Vinte anos depois, todavia, a Convenção dos Direitos da Criança ainda não chegou à Cultura do nosso tempo social e moral. No respeito pelo superior interesse da criança (artº. 3º.), o direito à participação (artº. 12º.) tem de fazer garantir que têm sempre de ser devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança.

Assim, o interesse superior da criança não pode ser, tão só, uma sentença que a Convenção dos Direitos da Criança proporcionou, como receita, aos tribunais. O interesse superior da criança é uma declaração do amor pela criança e é este conceito que deverá inspirar o mundo e os cidadãos deste mundo.

Precisamos, mais do que nunca, de uma revolução de praxis para que os interesses superiores da criança não se inquinem com a rotina, com as abstracções e com as sentenças.

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A CRIANÇA EM PORTUGAL E NO MUNDO. DEMOGRAFIA E SAÚDE

Factos históricos

Os problemas relacionados com a criança somente começaram a suscitar o interesse real por parte dos físicos ou antigos médicos a partir de meados do século XVIII. A criança era considerada uma miniatura do adulto e a doença era interpretada como fazendo parte dum processo de regeneração moral, sendo a elevada mortalidade um acontecimento esperado. Após o nascimento, a sobrevivência ficava a cargo da selecção natural e apenas a alimentação fazia parte dos cuidados a ministrar.

Recuando à Antiguidade, cabe referir que na Roma antiga foi elaborada uma disposição legal assinada por Rómulo que concedia ao pai da criança o poder de abandonar os filhos nascidos com defeitos congénitos. Portanto, nessa época, o infanticídio era considerado legítimo.

Do séc. XV chegaram-nos pinturas da escola francesa que testemunham a atitude de abandono em locais diversos ou de lançamento ao rio de crianças acabadas de nascer, quer com peso deficiente e consideradas inviáveis, quer com diversos problemas incuráveis.

Na transição do século XVIII para o século XIX a Medicina englobava essencialmente dois grandes ramos: um, dedicado à realização de partos e ao recém-nascido (Obstetrícia), e outro à Medicina Geral que se ocupava da criança, do adolescente e do adulto.

No final do século XIX a Medicina da Criança (ou Pediatria, do grego pais, paidos, criança e iatreia, tratamento) já se encontrava relativamente individualizada da Medicina Geral, mantendo-se, no entanto, durante as primeiras décadas do século XX, a tradição de o recém-nascido continuar a ser seguido pelo médico que tinha realizado o parto.

No século XIX, coincidindo com a Revolução Industrial e o fenómeno da emancipação da Mulher, por toda a Europa começou a esboçar-se uma preocupação com os problemas sociais e a higiene pública, relacionando-se a pobreza com a doença. Em 1875 foi publicada a Lei Roussel com o objectivo de proteger as crianças dando-lhes assistência separadamente dos adultos. Multiplicaram-se os estabelecimentos para o acolhimento de crianças abandonadas – os hospícios ou asilos de crianças – aos quais se sucederam as instituições para prestação de cuidados na doença ou verdadeiros hospitais.

Em 1802, em Paris, foi inaugurado o que foi considerado o primeiro hospital para crianças – o Hopital des Enfants Malades.

Na Europa e América do Norte, outros hospitais de crianças foram inaugurados, tais como: em 1834 em Berlim o Charité, e em São Petersburgo o Nicolas, em 1852 em Londres o Great Ormond Street, em 1854 em Nova Iorque o Child’s Hospital and Nursery, em 1855 em Filadélfia o Children’s Hospital e, em 1875 em Toronto o Hôpital Pédiatrique.

Portugal foi um país que se colocou na vanguarda dos que se preocupavam com a assistência hospitalar de crianças. Assim, em 1877 foi inaugurado em Lisboa o Hospital de Dona Estefânia e, em 1881, no Porto, o Hospital de Crianças Maria Pia.

No final do século XIX a Pediatria, decorrente da Medicina Geral, passara sucessivamente pelas fases históricas designadas classicamente por anátomo-clínica, funcional ou fisiopatológica e etiopatogénica ou microbiológica, e confrontava-se com uma elevada mortalidade, explicada sobretudo por infecções e problemas nutricionais.

Assistência à criança

Até ao início do século XX, a figura central na assistência era o médico omnisciente com um papel crucial de amigo e conselheiro, tocando a um só tempo, todos os instrumentos, na arte de curar; na transição para o séc. XX esboçavam-se dois ramos da Medicina: a Medicina Geral e a Cirurgia Geral, esta última abrangendo os partos.

A necessidade de especialização médica, dado o universo de conhecimentos armazenados pela ciência contemporânea, somente começou a criar força em Portugal na primeira metade do século XX; com efeito, a partir da década de 30, certo número de médicos passou a dedicar-se às crianças incluindo recém-nascidos. Isto ocorreu de modo progressivo e paralelamente à criação, nos grandes centros, de serviços hospitalares de pediatria incipientes, correspondendo à separação progressiva das áreas para assistência às crianças das áreas dos adultos. Os primeiros especialistas de Pediatria reconhecidos pela Ordem dos Médicos surgiram em 1944.

O ensino pioneiro da Pediatria nas Universidades portuguesas

Nas Universidades portuguesas o ensino das disciplinas de “Gravidez e Partos” e de “Medicina da Criança” passou a ser independente do da Medicina e da Cirurgia a partir de 1898. Na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, o primeiro regente da disciplina de “Gravidez e Partos” foi Alfredo da Costa. A disciplina de “Pediatria e Orthopedia” foi criada pela Reforma de 1911, tendo como primeiro regente Jaime Ernesto Salazar d’Eça e Sousa, considerado o criador da Pediatria portuguesa e, particularmente, da Pediatria Cirúrgica, no Hospital de Dona Estefânia. Em 1921 publicou o livro “Doenças das Creanças”.

Na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, o primeiro professor de Pediatria, a partir de 1917, foi A. Dias de Almeida Jr. que já se dedicava às crianças desde 1894. Em Coimbra, o ensino da Pediatria começou em 1917 com Morais Sarmento.

Sociedade Portuguesa de Pediatria

No âmbito dos eventos que influenciaram o desenvolvimento da Pediatria em Portugal a partir do final da década de 30 do século XX contam-se, em 1938, o início de publicação regular de uma revista dedicada à Pediatria e aos pediatras e, em 1948, a fundação duma associação científica de pediatras que foi designada por Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), mantida até aos nosssos dias.

A referida revista, órgão oficial da SPP foi denominada Revista Portuguesa de Pediatria e Puericultura, sendo seu fundador Carlos Salazar de Sousa. Mantendo-se ininterrupta tal publicação desde o seu início, mudou de nome duas vezes: em 1980 para Revista Portuguesa de Pediatria e, mais recentemente, em 1993, para Acta Pediátrica Portuguesa com o subtítulo de “Revista de Medicina da Criança e do Adolescente”.

A criação da SPP, forum privilegiado para troca de experiências e de convívio científicos entre os pediatras, marca um momento alto na evolução da Pediatria no nosso país. Da sua primeira direcção (1948-1950) fizeram parte os pediatras mais representativos desta área da medicina na época: Almeida Garrett, do Porto (presidente) assessorado por Lúcio de Almeida (Coimbra), Manuel Cordeiro Ferreira, Castro Freire, Carlos Salazar de Sousa e Abel da Cunha (Lisboa).

Considerando os objectivos da SPP, cabe referir essencialmente: a promoção e difusão dos progressos da Pediatria nas vertentes assistencial, pedagógica e de investigação; o intercâmbio científico com associações congéneres internacionais e países de expressão portuguesa; intervenção junto dos poderes públicos e da sociedade civil na perspectiva de resolução dos problemas relacionados com a criança e o adolescente.

Âmbito da Pediatria

Na actualidade, a Pediatria deve ser entendida como medicina integral dum período do ser humano compreendido entre a concepção e o final da adolescência.

De acordo com esta concepção abrangente, a pediatria compreende toda uma problemática de saúde de um período da existência humana que se inicia mesmo antes da decisão de procriar; efectivamente estão hoje provadas as repercussões das doenças do embrião e do feto e recém-nascido na criança e no adulto.

No aspecto conceptual, esta área da medicina não deverá ser, pois, entendida numa perspectiva exclusivamente biológica, nem limitar-se à abordagem de episódios bem delimitados do ser humano (uma pessoa) em crescimento e desenvolvimento, caracterizado por vulnerabilidades de diversa ordem.

Embora para a compreensão dos processos patológicos haja necessidade de descer até às minúcias da Biologia Molecular, no sentido mais rigoroso do âmbito da Pediatria, esta abrange toda uma resenha de vida em determinado período, pressupondo interacção com o meio físico, biológico, social (a família, a sociedade, o estado, os seus pares).

Na medida em que é assumida tal compreensão da Pediatria torna-se difícil delimitar com rigor as suas fronteiras, não devendo ser entendida como uma especialidade.

O exercício da clínica da criança e do adolescente implica, pois, para além da competência técnica e profissional, o domínio de conhecimentos, atitudes e aptidões em campos que extravasam largamente o âmbito exclusivamente biomédico.

Com efeito, na actualidade, para responder cabalmente aos desafios que a profissão lhe impõe, o médico assistente da criança e adolescente (pediatra ou não) deve ter uma preparação humanista, com domínio de matérias relacionadas com Pedagogia, Direito, Ética, Psicologia, Sociologia, Filosofia, Antropologia, entre outras, e com aptidões e atitudes que o capacitem para o exercício da defesa dos direitos das referidas pessoas com a indispensável cooperação da família e da comunidade. É, pois, indispensável que o médico em causa saiba actuar contra as ameaças de diversa ordem a que, na actualidade, crianças e adolescentes, estão sujeitos, tais como a poluição, a violência no ambiente urbano e rodoviário, o sedentarismo, os erros alimentares, a toxicodependência etc., e compreenda a necessidade de intervenção de todo o sistema envolvente.

Por outro lado, torna-se necessário que o referido médico e os serviços de saúde reconheçam que os pais são os primeiros responsáveis pela saúde dos seus filhos, tornando-se fundamental assegurar uma verdadeira e eficaz colaboração entre os primeiros e os profissionais de saúde. Aliás, diversos estudos têm demonstrado que os pais e família resolvem a grande maioria dos problemas dos seus filhos sem procurar os serviços médicos; torna-se, por isso, fundamental que os pais possam ter acesso, através dos meios convencionais de comunicação (livros, folhetos, revistas, internet) a informação para os ajudar a tomar decisões esclarecidas quanto à atitude correcta a ter quando os filhos adoecem.

Em suma, o médico devotado à criança e ao adolescente deverá ter um conjunto de atributos que definem o que se chama “profissionalismo”: honestidade e integridade, espírito de responsabilidade, respeito pelos outros (a essência do humanismo), empatia, espírito de colaboração, capacidade de comunicação, a noção correcta dos limites da sua competência, a sensibilidade para a actualização e aperfeiçoamento profissional, e o espírito de altruismo e de advocacia em prol da criança.

O objectivo último é privilegiar o bem-estar da criança ou adolescente como pessoas, valorizando as suas potencialidades e minimizando os efeitos das condições adversas da vida.

Efectivamente, está provado que experiências emocionalmente gratificantes induzem uma projecção optimista, enquanto as frustrações amortecem e embotam todo o potencial humano de desenvolvimento.

O conceito global de Saúde

De acordo com o conceito clássico da Organização Mundial de Saúde (OMS) datado de 1946, entende-se por saúde o estado completo de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade.

A saúde depende, pois, de um estado de equilíbrio activo e dinâmico entre o ser humano em qualquer fase de crescimento e desenvolvimento e o seu meio. Numa perspectiva didáctica, podem ser considerados diversos factores com interferência em tal equilíbrio:

  • Factores físicos; relativamente a outras espécies animais o ser humano está provido de recursos mais escassos sob o ponto de vista físico: corre menos, trepa menos, adapta-se mais deficientemente às condições adversas de temperatura e de humidade, por exemplo. As viaturas motorizadas, constituindo “corpos estranhos” nos meios urbanos ou rurais e utilizando formas de energia com características de velocidade e aceleração para as quais o seu organismo não está preparado, podem conduzir a morbilidade que pode ser exemplificada pelas consequências dos acidentes de viação.
    Outros exemplos perturbadores do equilíbrio com repercussões de grau diverso na saúde são o deficiente ordenamento urbano, as deficientes condições de habitação e da rede viária.
  • Factores biológicos; os agentes microbianos convivendo com o ser humano fazem parte dum ecossistema. Uma das consequências do desequilíbrio no meio comum ao homem e aos micróbios origina as doenças infecciosas, sabendo-se que a transmissão daqueles se pode fazer, não só directamente de pessoa a pessoa, como através de componentes do meio como a água, alimentos, vectores, etc.. Hoje em dia, com a facilidade de transportes por via aérea, tal transmissão pode fazer-se com grande rapidez.
  • Factores sociais; ao longo dos séculos o ser humano, organizado em comunidades com características diversas, deu corpo a um sistema organizativo social e económico complexo caracterizado por produção e troca de bens entre as mesmas (por exemplo produção e distribuição de energia, de água, etc.) na procura de qualidade de vida e aumento de sobrevivência. Daqui podemos inferir as consequências, para o estado de saúde, que poderão resultar da falência de tal sistema.
  • Factores culturais; o ser humano é um ser que herdou cultura dos seus antepassados utilizando os instrumentos próprios da sua civilização, partilhando os bens colectivos da sociedade onde está inserido. Ora, o estado de saúde depende da utilização adequada dos recursos como nutrientes, água e ar; poderá haver perturbação neste equilíbrio se os recursos forem inadequados (por excesso ou por carência) ou se o estado educacional da população não permitir uma utilização racional e equilibrada daqueles. As doenças relacionadas com carências de alimentos (por exemplo subnutrição) ou com excessos (obesidade, diabetes, dependência de drogas, hipertensão, aterosclerose, alcoolismo, etc.) traduzem, na maior parte das vezes, comportamentos desviantes relacionados, quer com aspectos culturais, quer com disfunções dos mecanismos organizativos e educacionais.

No sentido clássico, Saúde Pública é o conjunto de actividades organizadas pela colectividade para manter, proteger e melhorar a saúde do povo ou das comunidades e grupos de população no meio em que vivem (criação das condições ao ajustamento ecológico: indivíduos – meio ambiente).

Habitualmente considera-se que o conceito de Saúde Pública é mais limitado do que o de Saúde, não abrangendo a medicina clínica individual nem as ciências médicas ditas básicas. Saúde na Comunidade é um termo que também se usa nesta acepção. No moderno conceito de Saúde Pública, a noção de ambiente tem um sentido mais lato abrangendo as suas componentes social, física, biológica, assim como aspectos como a cultura e a economia envolventes, e o próprio Estado.

Reconhecimento dos Direitos da Criança

A partir do início do século XX, o mundo passou a reconhecer cada vez mais a importância do ser humano em crescimento e desenvolvimento o que, ao longo de décadas, tem sido traduzido por um conjunto de eventos, iniciativas e documentos que se encontram sintetizados cronologicamente no Quadro 1.

Relativamente ao documento “Saúde para Todos no Ano 2000” cabe referir as suas grandes linhas de orientação correspondendo a outros tantos compromissos dos Estados Membros: – igualdade de acesso à saúde; – promoção da saúde e prevenção da doença; – participação activa da comunidade; – cooperação de todos os responsáveis da saúde promovendo políticas no sentido de reduzir os riscos provenientes do ambiente físico, económico e social; – sistema de saúde privilegiando os cuidados de saúde primários; – cooperação internacional com vista à resolução de problemas que não têm fronteiras, como a poluição e a comercialização de produtos nocivos.

Sistema de Saúde Português

Portugal conheceu nos últimos 40 anos um significativo processo de mudança. Houve mudança não só política, como económica e social, e de opções internacionais com a integração na União Europeia, passando de uma estrutura social de subdesenvolvido para país desenvolvido.

A testemunhar tal mudança, o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) colocou Portugal em posição destacada no ranking mundial dos melhores sistemas de saúde.

Pode afirmar-se que os progressos realizados em Portugal, repercutindo- se no campo da Saúde em Geral, e no da Saúde Infantil e Juvenil em especial, tiveram como base o desenvolvimento dos cuidados primários definidos como “cuidados essenciais baseados em métodos de trabalho e tecnologias de natureza prática, cientificamente credíveis e socialmente aceitáveis, universalmente acessíveis na comunidade aos indivíduos e famílias, com a sua total participação e a um custo comportável para as comunidades e para os países à medida que eles se desenvolvem num espírito de autonomia.”

Com efeito, em 1979 foi criado o Serviço Nacional de Saúde (SNS) integrando diversos níveis de cuidados de acesso universal, incluindo os relacionados com a promoção da saúde, a vigilância e a prevenção da doença.

A Lei de Bases da Saúde em 1990 definiu novas linhas de actuação, nomeadamente o conceito de sistema de saúde englobando o SNS e todas as entidades públicas desenvolvendo actividades de promoção, de prevenção e de tratamento, bem como entidades privadas e os profissionais liberais que estabeleceram acordos com o SNS para a realização de todas ou de algumas daquelas actividades.

Em 1993 foi aprovado o estatuto do SNS passando a englobar cinco Administrações Regionais de Saúde (ARS) às quais foi conferida a máxima autonomia e competência para coordenar a actividade de todos os serviços de saúde, incluindo, pela primeira vez, os hospitais.

QUADRO 1 – Reconhecimento dos Direitos da Criança

1919 – Na sequência da degradação social e económica no período pós-Iª Guerra Mundial, por iniciativa de uma inglesa Eglantyne Jebb, foi criada a Union for Child Welfare.

1924 – ALiga das Nações adopta a Declaração de Genebra sobre Direitos da Criança elaborada pela Union for Child Wefare: essencialmente, direito aos recursos para o desenvolvimento material, moral e espiritual; direito à educação, protecção contra a exploração.

1948 – No âmbito da Assembleia Geral da ONU, foi aprovada a Declaração dos Direitos Humanos em cujo artigo 25º é referido especificamente o “direito da criança a cuidados e assistência especiais”.

1978 – Na Conferência Internacional de Alma – Ata é recomendado que, como parte da cobertura total das populações por meio de cuidados primários de saúde, se conceda prioridade máxima às necessidades especiais de grupos vulneráveis incluindo grávidas e crianças.

1979 – A ONU consagrou este ano como “Ano Internacional da Criança”.

1984 – Documento-Programa da OMS “ Saúde para Todos no ano 2000”.

1989 – A Assembleia Geral da ONU aprovou por unanimidade a “Convenção sobre os Direitos da Criança”.

1990 – Na “ Cimeira Mundial pela Criança” em Nova Iorque os líderes de 71 países assinaram a “Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, Protecção e o Desenvolvimento da criança”.

1994 – No Ano Internacional da Família foi reafirmado o papel primordial das famílias nos programas de apoio e protecção das crianças.

1999 – Foi adoptada a Convenção para a Proibição e Eliminação do Trabalho Infantil (Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho).

2000 – A Declaração do Milénio da ONU definindo Oito Objectivos do Desenvolvimento até 2015 incluindo metas específicas como a redução da taxa global de mortalidade de menores de 5 anos em dois terços, a redução a 50% das pessoas que passam fome, interromper e começar a reverter a disseminação do vírus da imunodeficiência humana(VIH), educação primária universal, plano de luta contra o envolvimento de crianças em conflitos armados, venda de crianças, prostituição e pornografia infantis.

2002 – Assembleia Geral da ONU com a participação de centenas de crianças como membros de delegações e o compromisso de líderes mundiais na construção de um “mundo para as crianças”; foi reafirmado o papel da família na responsabilidade primária pela protecção, educação e pelo desenvolvimento da criança.

2004 – Estratégia global sobre regime alimentar, actividade física e saúde definida pela OMS, com implicações na criança e adolescente

2007 – O relatório “Situação Mundial da Infância 2007” refere que a igualdade de género e o bem estar da criança são indissociáveis: quando a mulher tem maior poder para viver de maneira plena e produtiva, as crianças prosperam.

2011 – O relatório “Situação Mundial da Infância -2011” refere a necessidade de investir nos adolescentes, completando o que tem sido feito relativamente à 1ª década da vida. Adverte também sobre as pressões impedindo que 70 milhões de adolescentes beneficiem de escola, e sobre a exploração e violência de que têm sido vítimas.

2015 – No relatório “Situação Mundial da Infância – 2015”, reiterando-se os oito objectivos da ONU definidos em 2000, são apresentados os principais progressos em regiões mais carenciadas do globo, conseguidos até final de 2015: 2 milhões de crianças tratadas por má-nutrição grave; 11,3 milhões vacinadas contra o sarampo; 22,6 milhões com acesso a saneamento básico; 2 milhões beneficiando de apoio psico-social.

2016 – No início de 2016 a UNICEF dá prioridade à inovação na sua rede de mais de 190 países criando centros (incubadoras) de ideias para fomentar novas metodologias de trabalho a fim de melhorar as condições de vida. Citam-se como exemplos mais originais: invenção de gerador de energia eléctrica alimentado por urina; e o dispositivo designado por Solar Ear (carregador de pilhas para aparelhos auditivos através da energia solar).

Concretizando, o conceito de SNS engloba diversos níveis de cuidados (os chamados cuidados primários, os cuidados hospitalares e os cuidados continuados) exigindo, para o respectivo funcionamento, recursos humanos e materiais.

Cuidados de Saúde Primários (CSP)

Os CSP constituem a estrutura essencial do SNS em que o médico de família exerce papel de primeira linha na prestação de cuidados à população incluindo, claro, crianças e adolescentes; salienta-se a este propósito que o quadro dos centros de saúde (CES) não integra pediatras. Os restantes níveis de cuidados, de um modo geral, tradicionalmente praticados em hospitais, constituem uma segunda linha de intervenção à qual o doente acede após referenciação pelo médico de família, exceptuando nos casos de urgência e emergência, em que está previsto o acesso directo.

No âmbito dos centros de saúde (CES) ou estruturas vocacionadas para a prestação dos cuidados primários, têm sido constituídos agrupamentos (ACES) formando, juntamente com os hospitais em determinada área definida, as chamadas unidades locais de saúde (ULS) com gestão autónoma de modo a obter-se mais eficiente articulação e mais fácil acesso dos utilizadores. De referir que em 2006 teve início a reforma e reconfiguração dos CSP, ocorrendo a abertura das chamadas unidades de saúde familiar (USF) ou centros de saúde com modelos particulares de gestão.

Em 2013 a oferta de cuidados de saúde primários (CSP) pelo SNS em Portugal Continental integrava 388 centros de saúde agrupados em 74 ACES e 230 USF.

Cuidados Hospitalares e Extra-Hospitalares Pediátricos

Em 2016, num total de 225, a rede hospitalar do SNS do continente integrava 111 hospitais (organizados em 20 centros hospitalares), incluindo 82 hospitais gerais, 29 hospitais especializados, e 3 hospitais centrais especializados pediátricos. No que se refere a instituições privadas propiciando cuidados pediátricos em geral, o INE referia em 2015 o número de 86.

Em 2008 a Comissão Nacional da Saúde da Criança e do Adolescente (CNSCA) divulgou a chamada Carta Hospitalar de Pediatria que definiu os requisitos mínimos para os serviços que prestam cuidados a crianças e jovens; neste documento são definidos 2 tipos de Serviços de Pediatria: Geral e Especializada (SPG e SPE). No mesmo documento foram estabelecidos os seguintes princípios: 1) SPG para 60.000 indíviduos até 18 anos e 1 SPE para 300.000. 2) Nos SPG, quadro de 7 pediatras com < 55 anos (ou 14 pediatras se existir maternidade). 3) SPE com Urgência de Cirurgia Pediátrica. 4) Desenvolvimento de unidades de internamento de curta duração.

Cuidados Continuados Integrados

Em 2003 foi aprovada a Rede de Cuidados Continuados constituída por todas as entidades públicas, sociais e privadas (incluindo as Misericórdias) com a finalidade de promoção de bem-estar e conforto aos cidadãos (incluindo crianças) portadores de doenças crónicas ou de situações de limitação funcional em articulação com os cuidados de saúde primários e hospitalares.

Tratando-se duma valência lançada em 2006, cabe referir a existência de 131 unidades em 2011 segundo dados oficiais, não especificando eventuais valências pediátricas.

População e Recursos

Em 2017, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) apurou-se em Portugal uma população de 10.300.000 habitantes, correspondendo 1.890.194 (~18%) a idade inferior a 18 anos. De salientar que em 2008 a faixa de população jovem (< 15 anos) [~1,6 milhões] já era inferior à da faixa senior (> 65 anos) [~1,9 milhões], o que traduz envelhecimento demográfico. Os custos na área da saúde em 2010 corresponderam a 9,9% do PIB.

Nos últimos anos, o sector público tem investido especialmente em CSP, aumentando a respectiva parcela da despesa pública em relação ao total da despesa com a saúde. Em 2015 tal despesa correspondeu a 8,9% do PIB.

Relativamente ao ano de 2017 há a registar os seguintes números: a) médicos- 51.937 (correspondendo 69% a especialistas e 28% a extra-hospitalares); ratio global de 3,9 médicos/1.000 habitantes; b) o referido número de médicos inclui 2.085 pediatras (sendo 45% extra-hospitalares) permitindo ratio específico de 1 pediatra/1.500 habitantes com < 18 anos; c) 6.848 médicos de família, considerando-se que existe défice fora da zona centro do País; quanto à idade dos médicos importa salientar: com < 35 anos – 17%; e com > 65 anos – 11,4%; d) enfermeiros – 69.486.

No mesmo ano de 2017 havia no SNS: – 28.609 médicos (sendo 1/3 deste número correspondente a médicos em formação pós-graduada (internos); e – 43.559 enfermeiros.

Os dados do INE de Portugal e da OMS compararam a relação de enfermeiros/100.000 habitantes em Portugal e na Dinamarca: respectivamente – 589/100.000 habitantes e – 1.670/100.000 habitantes (neste último país, muito superior, mesmo em relação a outros países da Europa), sendo relevado pelas organizações internacionais o papel crucial do sector da enfermagem na prestação de cuidados de saúde (dados de 2015).

A taxa de cobertura em saúde infantil a nível nacional ronda os 90%, sendo que 85% das respectivas consultas são efectuadas nos CSP.

Problemas organizativos e soluções

Diversos estudos recentes têm evidenciado alguns problemas ou pontos fracos do sistema, designadamente deficiente articulação entre os vários níveis de cuidados com repercussão na prestação de cuidados à criança e adolescente:

  • Listas de espera, quer nos centros de saúde, quer nos hospitais;
  • Assimetrias regionais quanto à distribuição de pediatras, concentrados sobretudo nos grandes centros de Lisboa, Porto e outras grandes cidades do litoral em contraste com a desertificação do interior;
  • Défice de pediatras para a organização dos serviços de urgência pediátrica de Lisboa e Porto;
  • Elevada prevalência de pediatras com idade superior a 50 anos;
  • Défice de profissionais de enfermagem condicionando o recurso à “importação” de elementos estrangeiros;
  • Escassa relevância dada à investigação clínica ligada aos cuidados de saúde nas diversas vertentes;
  • Excessiva procura dos serviços de urgência dos hospitais centrais por oferta insuficiente de consultas nos hospitais e centros de saúde.

De facto, o modelo integrado de assistência à criança e adolescente nos CSP pelos médicos de família (vigilância de saúde infantil), e nos hospitais por equipas pediátricas (tratamento de situações mais complexas e graves obrigando eventualmente ao recurso a tecnologias sofisticadas dominadas por sub-especialistas) implica uma articulação perfeita entre os diversos níveis de cuidados. Para atingir tal objectivo, em 2008 a CNSCA considerou fundamentais determinadas linhas de actuação:

  1. dinamização das chamadas unidades coordenadoras funcionais (UCF) criadas em 1991, congregando profissionais do serviço de pediatria do hospital de referência do ACES e do próprio ACES para análise e resolução de problemas diversos;
  2. criação da figura do pediatra consultor designado pelo serviço de pediatria do hospital de referência do ACES;
  3. aperfeiçoamento na formação em medicina da criança e adolescente, quer na universidade, quer na pós-graduação (internato de medicina geral e familiar).

Numa tentativa de minorar as dificuldades resultantes do excessivo afluxo de doentes pediátricos aos serviços de urgência nas grandes cidades, a tutela determinou, no ano 2000, uma nova metodologia de acesso aos serviços de urgência hospitalar, considerando que o acesso ao Serviço Nacional de Saúde se processava através do centro de saúde.

Para atingir tal objectivo foi criado um serviço de atendimento/consultadoria permanente por via telefónica 24 horas/dia (em 1998 em Lisboa e Coimbra, e mais tarde para todo o País) com o nome de Saúde 24-Pediatria, segundo um modelo aplicado nos Estados Unidos a cargo de profissionais com formação específica.

Em 2007 teve início um programa de reestruturação dos serviços de urgência hospitalares encerrando alguns com o objectivo de concentração de recursos humanos e materiais noutros hospitais de determinada região, tendo em vista a melhoria dos cuidados. Esta medida, que contempla a garantia do sistema de transporte, tem sido contestada em zonas do interior, desertificadas e de mais difícil acesso.

Organização perinatal

Com a década de 80, coincidindo com uma fase de sensibilização dos órgãos do poder para a necessidade de reformas na saúde materno-infantil e de melhoria dos indicadores de saúde perinatal, iniciara-se uma fase de diferenciação da Pediatria em Portugal. Desde então até à actualidade registaram-se progressos notórios no panorama assistencial, quer no âmbito dos cuidados primários (incluindo a assistência à grávida), quer no âmbito dos cuidados hospitalares (distritais e centrais). Avançou-se na reorganização da assistência à grávida e recém-nascido, na modernização e reequipamento das instituições, e numa mais efectiva cooperação entre obstetras, pediatras e outros profissionais da área biomédica.

Pode afirmar-se que este período representa a conclusão dos passos fundamentais do modelo clássico sequencial de assistência perinatal clássico iniciado com os progressos dos cuidados pré-natais e da assistência ao parto em condições de segurança (pessoal treinado e equipamento adequado) e que culminou com o arranque das unidades de cuidados intensivos neonatais e do sistema de transporte do recém-nascido, da regionalização, e dos centros de diagnóstico pré-natal.

Diversos grupos de trabalho e comissões nacionais tiveram um papel crucial, apontando estratégias indispensáveis para tornar efectivos conceitos anteriormente delineados, tendo sido e tomadas medidas consideradas corajosas e inovadoras.

Salientam- se as grandes linhas de actuação: a) encerramento das maternidades com número de partos inferior a 1500/ano, sendo que em 2012 o processo é retomado, prevendo-se o encerramento de mais blocos de partos; b) definição das estruturas nucleares de assistência materno-neonatal reclassificando os hospitais, em dois grandes grupos: hospitais de apoio perinatal (HAP) correspondendo, em geral, aos hospitais distritais, integrando unidades de cuidados intermédios, com competência para prestar cuidados a grávidas e recém-nascidos saudáveis e de médio risco; hospitais de apoio perinatal diferenciado (HAPD) correspondendo, em geral, aos hospitais centrais, com competência para prestar cuidados a recém-nascidos e grávidas de alto risco, integrando unidades de cuidados intermédios e intensivos englobando cirurgia do recém-nascido; c) a necessidade de formação de pediatras com competência em Neonatologia; d) acções de formação com chamada de atenção para a enorme importância do conceito de transporte in utero.

No âmbito deste plano foram redefinidos em pormenor, quer o equipamento técnico necessário, quer o número de pediatras, obstetras, anestesistas, outros especialistas e enfermeiros, considerados indispensáveis para o funcionamento dos HAP e HAPD.

Na Parte XXXI é abordada a questão do transporte de doentes pediátricos.

Saúde Infantil e Juvenil no Mundo

O estado de saúde duma população pode ser avaliado por certos índices ou indicadores, tais como: natalidade, idade média da mãe aquando do nascimento do 1º filho, índice sintético de fecundidade, nados vivos de mães adolescentes, morbilidade, mortalidade (com especial realce para as taxas de mortalidade infantil, perinatal e de menores de 5 anos), causas de morte em idade pediátrica, entre outros). (Ver Glossário Geral para compreensão da terminologia e Quadros adiante) como indicadores de desenvolvimento dum país têm sido considerados também, para além dos critérios referidos, a esperança média de vida da população, a capitação do produto nacional bruto (PNB) e o poderio militar.

Seguidamente faz-se referência sucinta a alguns dados de mortalidade e morbilidade no âmbito da idade pediátrica traduzindo o panorama dos países em desenvolvimento, dos países industrializados, e de Portugal (que, segundo estatísticas internacionais, faz parte dos 38 países industrializados e desenvolvidos do mundo).

Países em desenvolvimento

No início da década de 80 a mortalidade no período neonatal (primeiras 4 semanas) representava cerca de 45% da mortalidade no primeiro ano de vida em todas as regiões excepto em África onde a proporção inferior (26%) era explicada pelo elevado número de óbitos pós-neonatais resultantes da malária.

No mesmo período, considerando as seis regiões definidas pela OMS, no que respeita à mortalidade no grupo etário 0-5 anos, salienta-se que cerca de 40% dos óbitos ocorreram em África e 25% no sueste asiático.

Entretanto, na década de 90, eram divulgados alguns resultados considerados animadores quanto a indicadores de saúde testemunhando concretização de algumas metas (que pareciam inatingíveis na década de 70) em zonas do globo de recursos muito precários: a) diminuição significativa da incidência de seis doenças com elevadas taxas de mortalidade nalguns países mais pobres (mais de 8 milhões de mortes anuais) – sarampo, pneumonia, gastrenterite, tétano, tosse convulsa, subnutrição; b) melhorias quanto à gravidade de sequelas no que respeita a doenças como poliomielite, carência em iodo, oncocercose, tracoma, xeroftalmia, como consequência de acções específicas desenvolvidas (políticas de acessibilidade universal e equitativa aos serviços de saúde, acesso universal à educação, maior disponibilidade de alimentos, formação de profissionais de saúde, e apoio de carácter técnico ou organizativo por parte de países de maiores recursos).

Em 1994, através da Comissão de Vigilância Epidemiológica da Rússia, foi chamada a atenção dos gestores da saúde para o papel da estabilidade político-económica em diversas regiões e países como garantia de êxito das medidas a levar a cabo para a melhoria do panorama da saúde em geral, e da saúde infantil em especial: o exemplo vem precisamente da Rússia, país em que, com a degradação económica, se verificou declínio da esperança de vida na população, a par do aumento da incidência de doenças infecciosas (respectivamente 290% e 180% em 1993 e 1994).

Em 2001 a Organização Mundial de Saúde (OMS) criou o Child Health Epidemiology Reference Group (CHERG) para a obtenção de dados sobre mortalidade infantil em todo o mundo.

De acordo com os estudos realizados por aquele grupo de estudo apurou-se que nos anos de 2005 e 2006 morreram em todo o mundo cerca de 11 milhões de crianças com idade inferior a 5 anos, correspondendo a grande maioria de tais óbitos (73%) a seis causas principais: problemas respiratórios (19%), diarreia (18%), malária (8%), infecção sistémica do recém-nascido (10%), parto prematuro (10%), complicações do parto (8%). Salienta-se que a infecção sistémica e a pneumonia explicaram 26% de todos os óbitos no grupo etário pediátrico.

Considerando a relação entre grupos nosológicos e mortalidade nas crianças de idade inferior a 5 anos, foram apurados os seguintes valores percentuais: má nutrição- 53%, diarreia- 61%, pneumonia- 52%, sarampo- 45%.

Apesar do reconhecimento dos direitos das crianças e de todas as recomendações dos organismos internacionais, designadamente da ONU, o relatório “Situação Mundial da Infância referente a 2005” mostra claramente que, para cerca de 50% dos dois biliões de crianças e jovens que vivem no mundo, com especial relevância para os dos países pobres em desenvolvimento, o panorama da saúde é total e brutalmente diferente do ideal que se pretende atingir parafraseando Kofi Annan, Secretário Geral das Nações Unidas.

Eis alguns dados expressivos dos países em desenvolvimento divulgados no referido relatório:

  • Os gastos militares nos países em desenvolvimento consomem cerca de 140 biliões de dólares por ano, recursos suficientes para acabar, em dez anos, com a pobreza absoluta em todo o planeta e satisfazer as suas necessidades básicas de alimentação, água, saúde e educação;
  • Cerca de 121 milhões de crianças, na imensa maioria vivendo nos países africanos ao sul do Saará, não frequentam a escola sendo-lhes negado o seu direito à educação em contradição com o compromisso dos governantes ao assinarem a Convenção sobre os Direitos da Criança;
  • Diariamente, cerca de 30 mil crianças morrem devido a doenças evitáveis, o que se traduz em 11 milhões de mortes infantis por ano;
  • Mais de meio milhão de mães morre anualmente por complicações surgidas durante a gravidez e parto;
  • Mais de 2 milhões de crianças de idade inferior a 15 anos estão infectadas com o vírus da imunodeficiência humana (VIH) fazendo prever número superior a 18 milhões de crianças órfãs como consequência da síndroma de imunodeficiência adquirida (SIDA) persistindo para além de 2015;
  • A malária continuará a ser uma das principais causas de morte infantil, pois a disponibilidade e a utilização de mosquiteiros e medicamentos são limitadas por razões comportamentais e financeiras;
  • A prática da mutilação genital feminina ainda é levada a cabo em cerca de 2/3 das crianças em países africanos desenvolvendo-se actualmente uma campanha liderada pela UNICEF e o patrocínio e exemplo do governo de Burquina Fasso onde uma importante campanha de educação pública suportada por legislação conseguiu reduzir a respectiva incidência em 32%;
  • Nas áreas rurais, mais de 1 bilião de pessoas (um quinto da humanidade), ainda carece de alimentação adequada, saneamento básico mínimo, água potável, níveis elementares da educação e de serviços básicos de saúde;
  • Mais de 250 mil crianças continuam a morrer em cada semana por diarreia e desnutrição evitáveis, não beneficiando duma medida de baixo custo, o soluto de reidratação oral da OMS;
  • O sarampo, a tosse convulsa e o tétano, doenças susceptíveis de prevenção com vacinas de baixo custo, ainda matam diariamente 8 mil crianças.

No cômputo geral da mortalidade no grupo etário pediátrico nas seis regiões da OMS, a síndroma de imunodeficiência adquirida (SIDA), a infecção por VIH (vírus da imunodeficiência humana) e a tuberculose constituem hoje os principais problemas globais da saúde.

Como pontos positivos do panorama da saúde mundial de acordo com o relatório UNICEF 2008 cabe particularizar: o exemplo da China onde se está a operar a Segunda Revolução – a da Saúde, com diminuição da TMM5 de 47% desde 1990; e o doutros países (Butão, Bolívia, Nepal, Laos) com diminuição de 50%.

Recuando ao Quadro 1 e aos Oito Objectivos do Milénio definidos na Declaração das Nações Unidas no ano 2000 (1- acabar com a fome e a miséria; 2- educação básica de qualidade para todos; 3- igualdade entre sexos e valorização da mulher; 4- redução da mortalidade infantil; 5- melhoria da saúde das gestantes; 6- combate à SIDA , malária e a outras doenças; 7- melhoria da qualidade de vida e respeito pelo meio ambiente; 8- colaboração universal dos cidadãos em prol do desenvolvimento), torna-se importante salientar os progressos descritos nos documentos mais recentes – “Situação Mundial da Infância” (anos de 2016 e 2017).

No relatório de 2016 é referido como mais relevante que: – as taxas de mortalidade infantil, foram reduzidas em mais de metade desde 1990; – crianças de ambos os sexos, em igual número, em 129 países, frequentam a escola; – número de pessoas que vivem na pobreza extrema no mundo inteiro é quase metade daquele registado na década de 1990.

O relatório publicado em 2017 aponta para o extraordinário impacte das novas tecnologias digitais (designadamente internet) na saúde, bem-estar e cultura das populações em todo o mundo, incluindo milhões de crianças. Trata-se das designadas pelo acrónimo TIC (tecnologias da informação e comunicação). De facto, segundo a UNICEF as TIC, embora comportem riscos quando utilizadas de modo perverso, anárquico, e sem orientação, consubstanciam contudo um acesso universal a várias fontes, oferecendo vantagens incontestáveis em prol duma maior equidade na educação, da qualidade do ensino e da aprendizagem, e do desenvolvimento profissional de professores.

Países industrializados

Nos países industrializados de economia evoluída, com uma problemática da saúde completamente diversa, foi também possível nas duas décadas anteriores obter progressos assinaláveis face ao desenvolvimento da biologia molecular, da tecnologia biomédica, das neurociências, da cirurgia de transplantação, do intensivismo médico-cirúrgico e do projecto do genoma humano.

Tais progressos podem ser testemunhados pela análise de alguns indicadores referidos adiante, a propósito da comparação do panorama português com o doutros países.

No entanto, nestes países, a par do desenvolvimento em áreas de ponta da medicina, tem emergido dramaticamente outro tipo de problemas, muitos deles em focos degradados das grandes cidades como sejam: a disfunção familiar, a gravidez na adolescência, a delinquência juvenil, o problema das “crianças de rua”, a toxicodependência, a infecção pelo VIH, a violência e o estresse. Tais problemas, criando novas morbilidades, obrigam a programas integrados de intervenção social.

Duas situações merecem uma referência especial: a obesidade e as situações de pobreza nos países ricos:

  • A obesidade corresponde a uma situação da mais elevada prevalência nos países da abundância, aparecendo, no entanto, já nos países em desenvolvimento como a Índia; trata-se, efectivamente da grande epidemia do séc XXI (a abordar na Parte sobre Nutrição), conduzindo a uma redução da esperança de vida pela co-morbilidade associada; em termos de patologia assiste-se a uma ambivalência insólita, pois noutras partes do globo muitas crianças, adolescentes e adultos morrem de fome;
  • Quanto às situações de pobreza nos países ricos, este problema foi recentemente objecto de um documento da UNICEF levado a cabo pelo Innocenti Research Centre no âmbito dos países da OCDE, nos quais se inclui Portugal; nele se refere que, entre os referidos países com maior taxa de pobreza se incluem os Estados Unidos da América do Norte e o México (20%); quanto aos de menor taxa, simultaneamente menos populosos, são mencionados a Dinamarca e a Finlândia, com menos de 3%, juntamente com a Suécia e a Noruega, com cerca de 5%. Portugal juntamente com o Reino Unido, Itália, Irlanda e Nova Zelândia surgem actualmente com taxas consideradas altas: 15–17%.

Portugal

Mortalidade e outros indicadores

No documento da DGS “A Saúde dos Portugueses-2015” foram considerados como determinantes, factores de risco e factores protectores da saúde: hábitos alimentares, exercício físico, tabagismo, álcool, dislipidémia, imunodeficiência, hipertensão arterial e vacinação. Com base no mesmo documento são analisados nesta alínea, relativa ao panorama nacional, como principais indicadores de saúde: natalidade, fecundidade, nados vivos de mães adolescentes (11-19 anos), idade média da mãe aquando do nascimento do 1º filho, taxas de mortalidade/TM (designadamente TMI/Infantil, TMPN/Perinatal, TMM5/em menores de 5 anos), causas de morte (ver Glossário Geral).

Outro indicador- a morbilidade – é analisada na alínea seguinte.

Para avaliar o bem-estar da criança considera-se actualmente que a taxa de mortalidade de menores de 5 anos (TMM5) constitui o critério mais adequado, pois ele traduz, com maior confiabilidade, as condições de desenvolvimento social e económico, o grau de educação para a saúde da família e cidadãos em geral, a disponibilidade de serviços de saúde materno-infantil incluindo os de assistência pré-natal, a disponibilidade de saneamento básico e a segurança do meio ambiente em que a criança vive.

Por outro lado, a TMM5 é menos influenciada pela falácia dos valores traduzidos pela noção aritmética de “média” do que o PNB per capita. Com efeito, para dar um exemplo, a escala natural não permite que a probabilidade de uma criança rica sobreviver seja mil vezes maior do que a duma criança pobre, ainda que a escala feita pelo homem lhe permita ter um rendimento mil vezes maior; ou seja, é muito pouco provável que uma TMM5 nacional seja afectada por uma minoria rica.

A velocidade com que se avança na redução da TMM5 pode ser determinada pela respectiva taxa média de redução anual (TMRA), devendo ser realçado que uma diminuição de, por exemplo, dez pontos de uma TMM5 elevada tem significado diferente de uma mesma diminuição de dez pontos a partir de uma TMM5 mais baixa (uma diminuição na TMM5 de 10 pontos entre 100 e 90, representa uma redução de 10%, enquanto a mesma redução de 10 pontos, entre 20 e 10, representa uma redução de 50%).

Cabe referir, a propósito, que a não verificação de uma relação fixa entre a TMRA e a taxa de crescimento anual do PNB leva a concluir que há necessidade de reajustamentos nas políticas de saúde e nas prioridades, tendo em vista o progresso económico e o progresso social.

Escasseando em Portugal as estatísticas nacionais de morbilidade sistematizada, a taxa de mortalidade infantil (TMI) é ainda o indicador mais utilizado para reflectir a saúde infantil. A mortalidade infantil é analisada, geralmente, em função de duas componentes: a mortalidade neonatal, que se refere aos óbitos de crianças com menos de 28 dias de vida, e a mortalidade pós-neonatal, relativa aos óbitos com idade compreendida entre 28 dias e um ano (ver Glossário Geral).

A mortalidade neonatal encontra-se associada a anomalias congénitas e a complicações da gravidez e do parto. A mortalidade pós- neonatal está associada às condições de vida, a deficiências sanitárias e a acidentes diversos.

O chamado ponto de civilização (conceito relacionado com progresso), ou seja, o ano a partir do qual a mortalidade pós-neonatal passou a ter uma taxa inferior à da mortalidade neonatal, foi atingido em Portugal em 1974, muitos anos depois de outros países como o Reino Unido, a Alemanha e a França. Até então, efectivamente, tinha-se registado algum progresso no respeitante à mortalidade pós-neonatal, continuando estáveis as taxas de mortalidade neonatal e fetal tardia (NV + FM).

197538,919995,5
198024,320005,4
198121,820014,9
198219,820025
198319,320034,1
198416,720043,7
198517,120053,5
198615,920063,3
198714,220073,4
19881320083,2
198912,120093,6
199010,920102,4
199110,820113,1
19929,220123,3
19938,620132,9
19947,920142,8
19957,420152,9
19966,820163,2
19976,420172,6
19985,9  

DGS/DGIA

Fonte: Direcção Geral de Saúde

FIGURA 1 – Mortalidade Infantil em Portugal

197531,919949,2
198023,919959
198122,819968,4
198222,119977,2
198321,119986,7
198419,219996,3
198519,820006,1
198618,220015,5
198716,620025,9
198815,120035,1
198914,520133,4
199012,420144,1
199112,120153,8
199210,820163,9
199310,1  

DGS/DGIA

Fonte: Direcção Geral de Saúde

FIGURA 2 – Mortalidade Perinatal (28 e mais semanas) em Portugal

As Figuras 1 e 2 resumem respectivamente a evolução das taxas de mortalidade infantil (TMI) e perinatal (TMPN) até 2017:

  • Mortalidade infantil (com taxa de 77,5/1000 em 1960, baixando progressivamente para 7,9/1000 em 1994 e para 2,6/1000 em 2017;
    No que se refere às TMI no nosso país, importa salientar as seguintes notas:
    • grandes variações regionais: em 2010 as mesmas oscilaram entre 0,5 e 5,5/1000 e, no mesmo ano, a mortalidade infantil foi comparticipada em 68% por óbitos neonatais, e em 32% por óbitos pós-neonatais;
    • segundo a OMS, Portugal encontra-se entre os 10 países com melhores indicadores no Mundo, designadamente Singapura, Eslovénia, Chipre, Noruega, Finlândia, Luxemburgo e Japão.
  • Mortalidade perinatal – considerando o limite de 28 e mais semanas – reduzindo-se de 31,9/1000 em 1975 para 12,4/1000 em 1990, e para 3,9 em 2016.

Figura 3 – Mortalidade Infantil na Europa

Figura 4 – Mortalidade Perinatal na Europa

QUADRO 2 – Taxa de mortalidade de menores de 5 anos referido a determinado ano (TMM5) (nº de óbitos entre a data de nascimento e precisamente os 5 anos de idade por 1000 nados-vivos na referida data)

*Os valores mais elevados de TMM5  (>100) correspondem na totalidade a países africanos; de salientar que há países africanos com valores mais baixos (por ex. Argélia e o Egipto) registando respectivamente 20 e 23.

TMM5 (em 2016)
Luxemburgo 3
Islândia 2
Japão 2
Suécia 3
Noruega 3
Finlândia 3
Portugal 3
Dinamarca 4
Áustria 4
Suíça 4
Reino Unido (UK) 5
Canadá 5
Cuba 6
Estados Unidos (USA) 7
Chile 9
Argentina 14
Brasil 14
China 14

Em vários países de EU, a evolução das TMI e TMPN no período compreendido entre 1975 e 2003 pode ser observada nas Figuras 3 e 4.

Como se pode verificar na Figura 3, Portugal registava em 1985 a mais elevada mortalidade infantil (17,8/1000) relativamente aos países restantes. Nesse ano, a média europeia situava-se nos 9,5 óbitos até ao 1 ano de idade por mil nados vivos. Contudo, em 2004 Portugal já registava 5ª melhor posição quanto a taxas de mortalidade infantil e de mortalidade perinatal.

Em 2014, a TMI na Ilha de Chipre cifrou-se em 1,8 e na média dos países da UE 28  em 3,8.

De assinalar que o nosso país, (1985-2001), entre todos os estados membros da EU, registou a maior variação na descida da mortalidade infantil, neonatal e perinatal (redução de 71,9%) em confronto com as médias respectivas da EU (menos 51,6%).

No referente à TMM5 (taxa de 3), em 2016, Portugal ocupava o 2º lugar exaequo com Japão, Suécia, Noruega e Finlândia, entre 194 (Quadro 2). E em 2010 fazia parte dos países do mundo com taxas de declínio mais acentuadas quanto à referida TMM5.

Importa também analisar o decréscimo da natalidade em geral, designadamente a partir das últimas décadas do século XX: 1960 com 213.895 nados vivos (nv), 1980, com 158.352 e 1990 com 108.845. Já no século XXI, nos respectivos anos, a sequência é elucidativa: 2003 – 2006 – 2009 – 2010 -2011-2014-2015-2017 → 112.589-105.449 – 99.576 – 101.507 – 96.856 – 82.367- 85.500 – 86.154 nv. 

Reportando-nos às taxas de natalidade (ver Glossário Geral – número de nascimentos por 1.000 habitantes) foram obtidos os seguintes valores: em 2009 com 99.576 nados vivos (taxa de 9,4 nados-vivos/1.000 habitantes), obteve-se o valor mais baixo desde que há registos nacionais. Em 2010 subiu ligeiramente para 9,5/1.000 (correspondente a 101.507 nv, mais 1931 nv do que no ano anterior); e em 2017: 8,4/1.000.

Na EU outros dois países partilhavam em 2010 com Portugal as taxas de natalidade mais baixas, são a Alemanha (com 7,9) e a Áustria (com 9,1).

No que respeita ao índice sintético de fecundidade (ISF) ou número médio de filhos por mulher, no último decénio (2001-2011) manteve-se o que se vinha verificando desde 1982: a renovação de gerações deixou de estar garantida, pois para que cada mãe procrie uma criança – futura mãe – é necessário que as mulheres tenham em média 2,1 filhos. Ora, o valor de tal índice (1,3 em 2010), oscilou entre 1,21 e 1,36 entre 2013 e 2016, respectivamente. Salienta-se o contraste com o panorama no ano de 1971: 2,9.

Relativamente à proporção de partos sem assistência, também a evolução é muito significativa: 61% no ano de 1950; 0,4% no ano de 2000; e 0,1% em 2016.

No que concerne ao número de nados vivos de mães adolescentes (11-19 anos) – indicador de saúde por vezes subvalorizado – os dados estatísticos do INE fornecem os seguintes números ao longo dos anos:

  • 1970 → 11.049;
  • 1990 → 7.492;
  • 2012 → 3301.

Esta evolução, considerada favorável, pode ser interpretada no âmbito dos progressos realizados em cuidados primários, planeamento familiar e medicina do adolescente.

No documento da DGS (A Saúde dos Portugueses-2015) é considerado ainda outro indicador de saúde ligado à Saúde Infantil e Juvenil; trata-se da esperança de vida à nascença. Os progressos também realizados podem ser traduzidos pelos seguintes números, em triénios: 2006-2008 → 78,7 anos; 2012-2014 → 80,2 anos.

Quanto à percentagem de recém-nascidos (RN) antes das 37 semanas (RN pré-termo) e de RN com peso < 2.500 gramas (RN de baixo peso), em 2014 os respectivos valores foram 8,4 e 8,5.

O Quadro 3, dizendo respeito aos óbitos por grupos etários e às respectivas causas (ano de 2014), sugere as seguintes considerações: a) as quatro causas mais frequentes de mortalidade dos 0-19 anos foram, por ordem decrescente, tumores sólidos, problemas perinatais, anomalias congénitas e acidentes de vária ordem; b) no primeiro ano de vida prevaleceram as anomalias congénitas e os problemas do período perinatal; c) os acidentes de transporte e as causas externas foram mais frequentes entre os 15 e 19 anos; d) a relação entre o número de óbitos no 1º ano de vida e o número total de óbitos dos 0-19 anos foi 282/782 ou 36,06%; e) a relação entre o número de óbitos dos 0-19 anos e o número de óbitos em todas as idades foi 782/104.843 ou 0,74% (dados do Instituto Nacional de Estatística/INE).

QUADRO 3 – Mortalidade por causas e idades (Ano de 2014) Portugal

Abreviaturas: SNC: sistema nervoso central; incl.: incluindo; excl.: excluindo; CV: cardiovascular; DPC: doença pulmonar crónica; Cr.: cromossomopatias; SMSL: síndroma de morte súbita do lactente Fonte: INE/Direcção Geral da Saúde, 2014

Idades (anos)

Causas

<1 1-4 5-9 10-14 15-19 TOTAL
Infecções e parasitoses 4 1 5
Infecção meningocócica 1 1
Infecção não meningocócica 1 1 2
Tumores sólidos 4 29 37 26 55 151
Tumores linfoproliferativos e leucemias 2 4 4 4 9 23
Doenças do SNC e órgãos dos sentidos 6 7 7 12 16 48
Doenças endócrino-metabólicas 3 4 2 2 7 13
Doença do sistema circulatório 6 2 1 3 4 16
Doença isquémica do miocárdio 1 1 2
Outras doenças cardíacas 2 1 1 4
Doença cerebrovascular 1 1 2 4
Doença respiratória (incl. asma e DPC) 6 4 1 1 3 15
Pneumonia 3 2 1 1 7
Doença gastrenterológica e hepática 2 2 4
Doença nefrourológica 2 2
Acidentes (incl. de transporte) 4 4 10 13 49 80
Intoxicações acidentais 6 4 11 14 68 103
Suicídios e lesões autoprovocadas 1 1 14 16
Homicídios 1 3 4
Morte súbita (incl. SMSL) 3 1 1 2 7
Doenças perinatais 143 143
Complicações da gravidez e parto 1 1
Anomalias congénitas (incl. Cr. e excl. SN e CV) 58 14 2 2 4 80
Anomalias congénitas cardiovasculares 22 7 1 2 32
Anomalias congénitas do SN 9 2 1 1 1 14
Todas as causas 282 91 82 87 240 782

No que respeita à cobertura vacinal/taxa de vacinação das crianças avaliadas aos 2 anos, citando o documento “A Saúde dos Portugueses-2015”, da DGS, importa salientar os dados divulgados mais recentes, de 2014: BCG-99%; VHB-98,7%; DTPa-96,5%; Hib-96,7%; Men C-98,1%; VASPR-98,2%; VIP-97,9%. Trata-se, pois, de cobertura elevada do Programa Nacional de Vacinação, traduzindo exemplar desempenho desta valência do SNS. A vacina anti-HPV é administrada actualmente entre os 10 e 13 anos de idade. As coortes nascidas entre 1992 e 2000 apresentam provavelmente os mais elevados níveis de vacinação a nível mundial.

O Quadro 4 estabelece comparação de diversos indicadores básicos registados em diversos países incluindo Portugal.

QUADRO 4 – Indicadores básicos (ano de 2011)

PaísTMM5TMIPopulação
(milhares)
Nascimentos
(Milhares/ano) 
PNB /USD
(per capita)
Esperança de vida (anos)

USD: dólares dos Estados Unidos

Fonte: UNICEF, 2015

Portugal3310.6909721.25079
Noruega334.9256188.89081
Austrália5422.60630746.20082
Áustria448.4137448.30081
Brasil1614196.6552.99610.72073
Canadá6534.35038845.56081
Egipto211882.5371.8862.60073
USA86313.0854.32248.45079
França4363.12679242.42082
Grécia4411.39011725.03080
Costa Rica1094.727737.60079
Eslovénia322.0352023.61079
Espanha4446.45549930.99081
Morbilidade

Em Portugal, a análise de dados sistematizados nacionais sobre morbilidade depara com algumas limitações, estando disponíveis apenas dados parcelares sobre problemas específicos publicados por grupos de investigadores institucionais em revistas científicas, ou obtidos através da consulta das publicações do Instituto Nacional de Estatística (INE), do Observatório Nacional da Saúde (ONSA), do Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis (CVEDT) e do Centro de Estudos e Registo de Anomalias Congénitas ligados ao Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, ou dos Médicos-Sentinela.

No âmbito da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) funciona desde 2001 um departamento intitulado Unidade de Vigilância Pediátrica (UVP) – fazendo parte da International Network of Pediatric Surveillance Units, actualmente em parceria com o ONSA. Os seus objectivos são promover, facilitar e desenvolver o estudo de doenças raras ou pouco frequentes, importantes para a Pediatria e Saúde Infantil. Os dados são obtidos através dum sistema de notificação mensal mediante envio de cartões para preenchimento de retorno sistemático pelos sócios da SPP e médicos exercendo funções em instituições prestando cuidados à criança e adolescente.

Até Março de 2017, foram ou estão a ser investigadas as seguintes doenças: Diabetes mellitus antes dos 5 anos, Síndroma hemolítica urémica, Doença de Kawasaki, Infecção por Streptococcus B até aos três meses de vida, Encefalomielite/Mielite, Infecção congénita por citomegalovírus (CMV), Herpeszoster e Varicela com hospitalização, Lesões traumáticas provocadas por andarilhos, Paralisia cerebral aos 5 anos de idade, Surdez hereditária, Infecção congénita por Toxoplasma gondii e Acidente vascular cerebral.

Portugal, embora tenha registado progressos assinaláveis, está ainda entre os países da Europa com elevada prevalência de infecção por VIH/SIDA.

O Quadro 5, referindo-se à situação de infecção por VIH/SIDA no nosso país, sintetiza o número de casos por grupo etário e ano de diagnóstico entre 1983 e 2011); é notório o decréscimo ao longo dos anos, sobretudo no biénio 2010-2011.

QUADRO 5 – Infecção por VIH/SIDA em Portugal – nº de casos

Grupo etário 1983/1997 1998/2000 2001/2003 2004/2006 2007/2009 2010/2011 Total
0-11 meses 36 4 6 3 3 0 52
1-4 anos 22 3 2 4 1 0 32
5-9 anos 16 3 2 2 2 1 26
10-12 anos 5 1 0 0 0 0 6
13-14 anos 13 0 2 0 1 0 16
15-19 anos 92 39 25 7 7 3 173
Total 184 50 37 16 14 4 357


Com base nas estatísticas do INE e da Comissão Nacional de Saúde da Criança e do Adolescente, são referidas seguidamente diversas formas de morbilidade em idade pediátrica, representativas da situação actual no nosso país; algumas destas situações serão retomadas noutros capítulos.

  • Acidentes rodoviários: rácio de 1 óbito/3 doentes crónicos com sequelas (dados de 2008);
  • Lesões traumáticas por actos de violência (2002-2004): 479 crianças (0-14 anos) hospitalizadas em instituições do Serviço Nacional de Saúde;
  • Situações de risco social (incluindo casos de maus tratos): cerca de 3.000 crianças hospitalizadas no ano de 2003, aumentando cerca de 20% em 2004. Dados recentes (ano de 2017) apontam para uma média de 7 casos por dia;
  • Antes da integração dos novos países que passaram a integrar a Europa dos 27, Portugal era o país da EU com maior incidência de sífilis congénita;
  • A saúde periodontal (das gengivas e dos tecidos de suporte dentários) avaliada aos 12 anos apresenta uma evolução positiva desde 2006;
  • Entre 2000 e 2013 a prevalência e gravidade da cárie dentária aos 6 e 12 anos diminuíram (situações livres de cárie aumentando de 33% para 54%), atingindo-se ameta definida pela OMS.

Em suma, pode afirmar-se que para a melhoria dos indicadores de saúde infantil e juvenil em Portugal (salientando-se que a mortalidade infantil baixou cerca de 75% entre 1980 e 1998, sendo actualmente, como a perinatal, a 2ª melhor da União Europeia) contribuíram, essencialmente, os progressos no nível educacional da população, o desenvolvimento da rede de cuidados primários, a melhoria da assistência ao parto e dos cuidados perinatais, o programa nacional de vacinação (com taxas de cobertura que são superiores a 98% conduzindo a diminuição drástica das doenças infecciosas nos primeiros dois anos de vida), a organizção da assistência perinatal, e o desenvolvimento do intensivismo neonatal e pediátrico incluindo o respectivo transporte.

No cômputo geral das causas de mortalidade em idade pediátrica sobressaem actualmente, os problemas perinatais (nas primeiras idades), os tumores, e os acidentes e as situações relacionadas com actos violentos (na segunda infância e adolescência).

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