A CRIANÇA EM PORTUGAL E NO MUNDO. DEMOGRAFIA E SAÚDE

Factos históricos

Os problemas relacionados com a criança somente começaram a suscitar o interesse real por parte dos físicos ou antigos médicos a partir de meados do século XVIII. A criança era considerada uma miniatura do adulto e a doença era interpretada como fazendo parte dum processo de regeneração moral, sendo a elevada mortalidade um acontecimento esperado. Após o nascimento, a sobrevivência ficava a cargo da selecção natural e apenas a alimentação fazia parte dos cuidados a ministrar.

Recuando à Antiguidade, cabe referir que na Roma antiga foi elaborada uma disposição legal assinada por Rómulo que concedia ao pai da criança o poder de abandonar os filhos nascidos com defeitos congénitos. Portanto, nessa época, o infanticídio era considerado legítimo.

Do séc. XV chegaram-nos pinturas da escola francesa que testemunham a atitude de abandono em locais diversos ou de lançamento ao rio de crianças acabadas de nascer, quer com peso deficiente e consideradas inviáveis, quer com diversos problemas incuráveis.

Na transição do século XVIII para o século XIX a Medicina englobava essencialmente dois grandes ramos: um, dedicado à realização de partos e ao recém-nascido (Obstetrícia), e outro à Medicina Geral que se ocupava da criança, do adolescente e do adulto.

No final do século XIX a Medicina da Criança (ou Pediatria, do grego pais, paidos, criança e iatreia, tratamento) já se encontrava relativamente individualizada da Medicina Geral, mantendo-se, no entanto, durante as primeiras décadas do século XX, a tradição de o recém-nascido continuar a ser seguido pelo médico que tinha realizado o parto.

No século XIX, coincidindo com a Revolução Industrial e o fenómeno da emancipação da Mulher, por toda a Europa começou a esboçar-se uma preocupação com os problemas sociais e a higiene pública, relacionando-se a pobreza com a doença. Em 1875 foi publicada a Lei Roussel com o objectivo de proteger as crianças dando-lhes assistência separadamente dos adultos. Multiplicaram-se os estabelecimentos para o acolhimento de crianças abandonadas – os hospícios ou asilos de crianças – aos quais se sucederam as instituições para prestação de cuidados na doença ou verdadeiros hospitais.

Em 1802, em Paris, foi inaugurado o que foi considerado o primeiro hospital para crianças – o Hopital des Enfants Malades.

Na Europa e América do Norte, outros hospitais de crianças foram inaugurados, tais como: em 1834 em Berlim o Charité, e em São Petersburgo o Nicolas, em 1852 em Londres o Great Ormond Street, em 1854 em Nova Iorque o Child’s Hospital and Nursery, em 1855 em Filadélfia o Children’s Hospital e, em 1875 em Toronto o Hôpital Pédiatrique.

Portugal foi um país que se colocou na vanguarda dos que se preocupavam com a assistência hospitalar de crianças. Assim, em 1877 foi inaugurado em Lisboa o Hospital de Dona Estefânia e, em 1881, no Porto, o Hospital de Crianças Maria Pia.

No final do século XIX a Pediatria, decorrente da Medicina Geral, passara sucessivamente pelas fases históricas designadas classicamente por anátomo-clínica, funcional ou fisiopatológica e etiopatogénica ou microbiológica, e confrontava-se com uma elevada mortalidade, explicada sobretudo por infecções e problemas nutricionais.

Assistência à criança

Até ao início do século XX, a figura central na assistência era o médico omnisciente com um papel crucial de amigo e conselheiro, tocando a um só tempo, todos os instrumentos, na arte de curar; na transição para o séc. XX esboçavam-se dois ramos da Medicina: a Medicina Geral e a Cirurgia Geral, esta última abrangendo os partos.

A necessidade de especialização médica, dado o universo de conhecimentos armazenados pela ciência contemporânea, somente começou a criar força em Portugal na primeira metade do século XX; com efeito, a partir da década de 30, certo número de médicos passou a dedicar-se às crianças incluindo recém-nascidos. Isto ocorreu de modo progressivo e paralelamente à criação, nos grandes centros, de serviços hospitalares de pediatria incipientes, correspondendo à separação progressiva das áreas para assistência às crianças das áreas dos adultos. Os primeiros especialistas de Pediatria reconhecidos pela Ordem dos Médicos surgiram em 1944.

O ensino pioneiro da Pediatria nas Universidades portuguesas

Nas Universidades portuguesas o ensino das disciplinas de “Gravidez e Partos” e de “Medicina da Criança” passou a ser independente do da Medicina e da Cirurgia a partir de 1898. Na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, o primeiro regente da disciplina de “Gravidez e Partos” foi Alfredo da Costa. A disciplina de “Pediatria e Orthopedia” foi criada pela Reforma de 1911, tendo como primeiro regente Jaime Ernesto Salazar d’Eça e Sousa, considerado o criador da Pediatria portuguesa e, particularmente, da Pediatria Cirúrgica, no Hospital de Dona Estefânia. Em 1921 publicou o livro “Doenças das Creanças”.

Na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, o primeiro professor de Pediatria, a partir de 1917, foi A. Dias de Almeida Jr. que já se dedicava às crianças desde 1894. Em Coimbra, o ensino da Pediatria começou em 1917 com Morais Sarmento.

Sociedade Portuguesa de Pediatria

No âmbito dos eventos que influenciaram o desenvolvimento da Pediatria em Portugal a partir do final da década de 30 do século XX contam-se, em 1938, o início de publicação regular de uma revista dedicada à Pediatria e aos pediatras e, em 1948, a fundação duma associação científica de pediatras que foi designada por Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), mantida até aos nosssos dias.

A referida revista, órgão oficial da SPP foi denominada Revista Portuguesa de Pediatria e Puericultura, sendo seu fundador Carlos Salazar de Sousa. Mantendo-se ininterrupta tal publicação desde o seu início, mudou de nome duas vezes: em 1980 para Revista Portuguesa de Pediatria e, mais recentemente, em 1993, para Acta Pediátrica Portuguesa com o subtítulo de “Revista de Medicina da Criança e do Adolescente”.

A criação da SPP, forum privilegiado para troca de experiências e de convívio científicos entre os pediatras, marca um momento alto na evolução da Pediatria no nosso país. Da sua primeira direcção (1948-1950) fizeram parte os pediatras mais representativos desta área da medicina na época: Almeida Garrett, do Porto (presidente) assessorado por Lúcio de Almeida (Coimbra), Manuel Cordeiro Ferreira, Castro Freire, Carlos Salazar de Sousa e Abel da Cunha (Lisboa).

Considerando os objectivos da SPP, cabe referir essencialmente: a promoção e difusão dos progressos da Pediatria nas vertentes assistencial, pedagógica e de investigação; o intercâmbio científico com associações congéneres internacionais e países de expressão portuguesa; intervenção junto dos poderes públicos e da sociedade civil na perspectiva de resolução dos problemas relacionados com a criança e o adolescente.

Âmbito da Pediatria

Na actualidade, a Pediatria deve ser entendida como medicina integral dum período do ser humano compreendido entre a concepção e o final da adolescência.

De acordo com esta concepção abrangente, a pediatria compreende toda uma problemática de saúde de um período da existência humana que se inicia mesmo antes da decisão de procriar; efectivamente estão hoje provadas as repercussões das doenças do embrião e do feto e recém-nascido na criança e no adulto.

No aspecto conceptual, esta área da medicina não deverá ser, pois, entendida numa perspectiva exclusivamente biológica, nem limitar-se à abordagem de episódios bem delimitados do ser humano (uma pessoa) em crescimento e desenvolvimento, caracterizado por vulnerabilidades de diversa ordem.

Embora para a compreensão dos processos patológicos haja necessidade de descer até às minúcias da Biologia Molecular, no sentido mais rigoroso do âmbito da Pediatria, esta abrange toda uma resenha de vida em determinado período, pressupondo interacção com o meio físico, biológico, social (a família, a sociedade, o estado, os seus pares).

Na medida em que é assumida tal compreensão da Pediatria torna-se difícil delimitar com rigor as suas fronteiras, não devendo ser entendida como uma especialidade.

O exercício da clínica da criança e do adolescente implica, pois, para além da competência técnica e profissional, o domínio de conhecimentos, atitudes e aptidões em campos que extravasam largamente o âmbito exclusivamente biomédico.

Com efeito, na actualidade, para responder cabalmente aos desafios que a profissão lhe impõe, o médico assistente da criança e adolescente (pediatra ou não) deve ter uma preparação humanista, com domínio de matérias relacionadas com Pedagogia, Direito, Ética, Psicologia, Sociologia, Filosofia, Antropologia, entre outras, e com aptidões e atitudes que o capacitem para o exercício da defesa dos direitos das referidas pessoas com a indispensável cooperação da família e da comunidade. É, pois, indispensável que o médico em causa saiba actuar contra as ameaças de diversa ordem a que, na actualidade, crianças e adolescentes, estão sujeitos, tais como a poluição, a violência no ambiente urbano e rodoviário, o sedentarismo, os erros alimentares, a toxicodependência etc., e compreenda a necessidade de intervenção de todo o sistema envolvente.

Por outro lado, torna-se necessário que o referido médico e os serviços de saúde reconheçam que os pais são os primeiros responsáveis pela saúde dos seus filhos, tornando-se fundamental assegurar uma verdadeira e eficaz colaboração entre os primeiros e os profissionais de saúde. Aliás, diversos estudos têm demonstrado que os pais e família resolvem a grande maioria dos problemas dos seus filhos sem procurar os serviços médicos; torna-se, por isso, fundamental que os pais possam ter acesso, através dos meios convencionais de comunicação (livros, folhetos, revistas, internet) a informação para os ajudar a tomar decisões esclarecidas quanto à atitude correcta a ter quando os filhos adoecem.

Em suma, o médico devotado à criança e ao adolescente deverá ter um conjunto de atributos que definem o que se chama “profissionalismo”: honestidade e integridade, espírito de responsabilidade, respeito pelos outros (a essência do humanismo), empatia, espírito de colaboração, capacidade de comunicação, a noção correcta dos limites da sua competência, a sensibilidade para a actualização e aperfeiçoamento profissional, e o espírito de altruismo e de advocacia em prol da criança.

O objectivo último é privilegiar o bem-estar da criança ou adolescente como pessoas, valorizando as suas potencialidades e minimizando os efeitos das condições adversas da vida.

Efectivamente, está provado que experiências emocionalmente gratificantes induzem uma projecção optimista, enquanto as frustrações amortecem e embotam todo o potencial humano de desenvolvimento.

O conceito global de Saúde

De acordo com o conceito clássico da Organização Mundial de Saúde (OMS) datado de 1946, entende-se por saúde o estado completo de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade.

A saúde depende, pois, de um estado de equilíbrio activo e dinâmico entre o ser humano em qualquer fase de crescimento e desenvolvimento e o seu meio. Numa perspectiva didáctica, podem ser considerados diversos factores com interferência em tal equilíbrio:

  • Factores físicos; relativamente a outras espécies animais o ser humano está provido de recursos mais escassos sob o ponto de vista físico: corre menos, trepa menos, adapta-se mais deficientemente às condições adversas de temperatura e de humidade, por exemplo. As viaturas motorizadas, constituindo “corpos estranhos” nos meios urbanos ou rurais e utilizando formas de energia com características de velocidade e aceleração para as quais o seu organismo não está preparado, podem conduzir a morbilidade que pode ser exemplificada pelas consequências dos acidentes de viação.
    Outros exemplos perturbadores do equilíbrio com repercussões de grau diverso na saúde são o deficiente ordenamento urbano, as deficientes condições de habitação e da rede viária.
  • Factores biológicos; os agentes microbianos convivendo com o ser humano fazem parte dum ecossistema. Uma das consequências do desequilíbrio no meio comum ao homem e aos micróbios origina as doenças infecciosas, sabendo-se que a transmissão daqueles se pode fazer, não só directamente de pessoa a pessoa, como através de componentes do meio como a água, alimentos, vectores, etc.. Hoje em dia, com a facilidade de transportes por via aérea, tal transmissão pode fazer-se com grande rapidez.
  • Factores sociais; ao longo dos séculos o ser humano, organizado em comunidades com características diversas, deu corpo a um sistema organizativo social e económico complexo caracterizado por produção e troca de bens entre as mesmas (por exemplo produção e distribuição de energia, de água, etc.) na procura de qualidade de vida e aumento de sobrevivência. Daqui podemos inferir as consequências, para o estado de saúde, que poderão resultar da falência de tal sistema.
  • Factores culturais; o ser humano é um ser que herdou cultura dos seus antepassados utilizando os instrumentos próprios da sua civilização, partilhando os bens colectivos da sociedade onde está inserido. Ora, o estado de saúde depende da utilização adequada dos recursos como nutrientes, água e ar; poderá haver perturbação neste equilíbrio se os recursos forem inadequados (por excesso ou por carência) ou se o estado educacional da população não permitir uma utilização racional e equilibrada daqueles. As doenças relacionadas com carências de alimentos (por exemplo subnutrição) ou com excessos (obesidade, diabetes, dependência de drogas, hipertensão, aterosclerose, alcoolismo, etc.) traduzem, na maior parte das vezes, comportamentos desviantes relacionados, quer com aspectos culturais, quer com disfunções dos mecanismos organizativos e educacionais.

No sentido clássico, Saúde Pública é o conjunto de actividades organizadas pela colectividade para manter, proteger e melhorar a saúde do povo ou das comunidades e grupos de população no meio em que vivem (criação das condições ao ajustamento ecológico: indivíduos – meio ambiente).

Habitualmente considera-se que o conceito de Saúde Pública é mais limitado do que o de Saúde, não abrangendo a medicina clínica individual nem as ciências médicas ditas básicas. Saúde na Comunidade é um termo que também se usa nesta acepção. No moderno conceito de Saúde Pública, a noção de ambiente tem um sentido mais lato abrangendo as suas componentes social, física, biológica, assim como aspectos como a cultura e a economia envolventes, e o próprio Estado.

Reconhecimento dos Direitos da Criança

A partir do início do século XX, o mundo passou a reconhecer cada vez mais a importância do ser humano em crescimento e desenvolvimento o que, ao longo de décadas, tem sido traduzido por um conjunto de eventos, iniciativas e documentos que se encontram sintetizados cronologicamente no Quadro 1.

Relativamente ao documento “Saúde para Todos no Ano 2000” cabe referir as suas grandes linhas de orientação correspondendo a outros tantos compromissos dos Estados Membros: – igualdade de acesso à saúde; – promoção da saúde e prevenção da doença; – participação activa da comunidade; – cooperação de todos os responsáveis da saúde promovendo políticas no sentido de reduzir os riscos provenientes do ambiente físico, económico e social; – sistema de saúde privilegiando os cuidados de saúde primários; – cooperação internacional com vista à resolução de problemas que não têm fronteiras, como a poluição e a comercialização de produtos nocivos.

Sistema de Saúde Português

Portugal conheceu nos últimos 40 anos um significativo processo de mudança. Houve mudança não só política, como económica e social, e de opções internacionais com a integração na União Europeia, passando de uma estrutura social de subdesenvolvido para país desenvolvido.

A testemunhar tal mudança, o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) colocou Portugal em posição destacada no ranking mundial dos melhores sistemas de saúde.

Pode afirmar-se que os progressos realizados em Portugal, repercutindo- se no campo da Saúde em Geral, e no da Saúde Infantil e Juvenil em especial, tiveram como base o desenvolvimento dos cuidados primários definidos como “cuidados essenciais baseados em métodos de trabalho e tecnologias de natureza prática, cientificamente credíveis e socialmente aceitáveis, universalmente acessíveis na comunidade aos indivíduos e famílias, com a sua total participação e a um custo comportável para as comunidades e para os países à medida que eles se desenvolvem num espírito de autonomia.”

Com efeito, em 1979 foi criado o Serviço Nacional de Saúde (SNS) integrando diversos níveis de cuidados de acesso universal, incluindo os relacionados com a promoção da saúde, a vigilância e a prevenção da doença.

A Lei de Bases da Saúde em 1990 definiu novas linhas de actuação, nomeadamente o conceito de sistema de saúde englobando o SNS e todas as entidades públicas desenvolvendo actividades de promoção, de prevenção e de tratamento, bem como entidades privadas e os profissionais liberais que estabeleceram acordos com o SNS para a realização de todas ou de algumas daquelas actividades.

Em 1993 foi aprovado o estatuto do SNS passando a englobar cinco Administrações Regionais de Saúde (ARS) às quais foi conferida a máxima autonomia e competência para coordenar a actividade de todos os serviços de saúde, incluindo, pela primeira vez, os hospitais.

QUADRO 1 – Reconhecimento dos Direitos da Criança

1919 – Na sequência da degradação social e económica no período pós-Iª Guerra Mundial, por iniciativa de uma inglesa Eglantyne Jebb, foi criada a Union for Child Welfare.

1924 – ALiga das Nações adopta a Declaração de Genebra sobre Direitos da Criança elaborada pela Union for Child Wefare: essencialmente, direito aos recursos para o desenvolvimento material, moral e espiritual; direito à educação, protecção contra a exploração.

1948 – No âmbito da Assembleia Geral da ONU, foi aprovada a Declaração dos Direitos Humanos em cujo artigo 25º é referido especificamente o “direito da criança a cuidados e assistência especiais”.

1978 – Na Conferência Internacional de Alma – Ata é recomendado que, como parte da cobertura total das populações por meio de cuidados primários de saúde, se conceda prioridade máxima às necessidades especiais de grupos vulneráveis incluindo grávidas e crianças.

1979 – A ONU consagrou este ano como “Ano Internacional da Criança”.

1984 – Documento-Programa da OMS “ Saúde para Todos no ano 2000”.

1989 – A Assembleia Geral da ONU aprovou por unanimidade a “Convenção sobre os Direitos da Criança”.

1990 – Na “ Cimeira Mundial pela Criança” em Nova Iorque os líderes de 71 países assinaram a “Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, Protecção e o Desenvolvimento da criança”.

1994 – No Ano Internacional da Família foi reafirmado o papel primordial das famílias nos programas de apoio e protecção das crianças.

1999 – Foi adoptada a Convenção para a Proibição e Eliminação do Trabalho Infantil (Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho).

2000 – A Declaração do Milénio da ONU definindo Oito Objectivos do Desenvolvimento até 2015 incluindo metas específicas como a redução da taxa global de mortalidade de menores de 5 anos em dois terços, a redução a 50% das pessoas que passam fome, interromper e começar a reverter a disseminação do vírus da imunodeficiência humana(VIH), educação primária universal, plano de luta contra o envolvimento de crianças em conflitos armados, venda de crianças, prostituição e pornografia infantis.

2002 – Assembleia Geral da ONU com a participação de centenas de crianças como membros de delegações e o compromisso de líderes mundiais na construção de um “mundo para as crianças”; foi reafirmado o papel da família na responsabilidade primária pela protecção, educação e pelo desenvolvimento da criança.

2004 – Estratégia global sobre regime alimentar, actividade física e saúde definida pela OMS, com implicações na criança e adolescente

2007 – O relatório “Situação Mundial da Infância 2007” refere que a igualdade de género e o bem estar da criança são indissociáveis: quando a mulher tem maior poder para viver de maneira plena e produtiva, as crianças prosperam.

2011 – O relatório “Situação Mundial da Infância -2011” refere a necessidade de investir nos adolescentes, completando o que tem sido feito relativamente à 1ª década da vida. Adverte também sobre as pressões impedindo que 70 milhões de adolescentes beneficiem de escola, e sobre a exploração e violência de que têm sido vítimas.

2015 – No relatório “Situação Mundial da Infância – 2015”, reiterando-se os oito objectivos da ONU definidos em 2000, são apresentados os principais progressos em regiões mais carenciadas do globo, conseguidos até final de 2015: 2 milhões de crianças tratadas por má-nutrição grave; 11,3 milhões vacinadas contra o sarampo; 22,6 milhões com acesso a saneamento básico; 2 milhões beneficiando de apoio psico-social.

2016 – No início de 2016 a UNICEF dá prioridade à inovação na sua rede de mais de 190 países criando centros (incubadoras) de ideias para fomentar novas metodologias de trabalho a fim de melhorar as condições de vida. Citam-se como exemplos mais originais: invenção de gerador de energia eléctrica alimentado por urina; e o dispositivo designado por Solar Ear (carregador de pilhas para aparelhos auditivos através da energia solar).

Concretizando, o conceito de SNS engloba diversos níveis de cuidados (os chamados cuidados primários, os cuidados hospitalares e os cuidados continuados) exigindo, para o respectivo funcionamento, recursos humanos e materiais.

Cuidados de Saúde Primários (CSP)

Os CSP constituem a estrutura essencial do SNS em que o médico de família exerce papel de primeira linha na prestação de cuidados à população incluindo, claro, crianças e adolescentes; salienta-se a este propósito que o quadro dos centros de saúde (CES) não integra pediatras. Os restantes níveis de cuidados, de um modo geral, tradicionalmente praticados em hospitais, constituem uma segunda linha de intervenção à qual o doente acede após referenciação pelo médico de família, exceptuando nos casos de urgência e emergência, em que está previsto o acesso directo.

No âmbito dos centros de saúde (CES) ou estruturas vocacionadas para a prestação dos cuidados primários, têm sido constituídos agrupamentos (ACES) formando, juntamente com os hospitais em determinada área definida, as chamadas unidades locais de saúde (ULS) com gestão autónoma de modo a obter-se mais eficiente articulação e mais fácil acesso dos utilizadores. De referir que em 2006 teve início a reforma e reconfiguração dos CSP, ocorrendo a abertura das chamadas unidades de saúde familiar (USF) ou centros de saúde com modelos particulares de gestão.

Em 2013 a oferta de cuidados de saúde primários (CSP) pelo SNS em Portugal Continental integrava 388 centros de saúde agrupados em 74 ACES e 230 USF.

Cuidados Hospitalares e Extra-Hospitalares Pediátricos

Em 2016, num total de 225, a rede hospitalar do SNS do continente integrava 111 hospitais (organizados em 20 centros hospitalares), incluindo 82 hospitais gerais, 29 hospitais especializados, e 3 hospitais centrais especializados pediátricos. No que se refere a instituições privadas propiciando cuidados pediátricos em geral, o INE referia em 2015 o número de 86.

Em 2008 a Comissão Nacional da Saúde da Criança e do Adolescente (CNSCA) divulgou a chamada Carta Hospitalar de Pediatria que definiu os requisitos mínimos para os serviços que prestam cuidados a crianças e jovens; neste documento são definidos 2 tipos de Serviços de Pediatria: Geral e Especializada (SPG e SPE). No mesmo documento foram estabelecidos os seguintes princípios: 1) SPG para 60.000 indíviduos até 18 anos e 1 SPE para 300.000. 2) Nos SPG, quadro de 7 pediatras com < 55 anos (ou 14 pediatras se existir maternidade). 3) SPE com Urgência de Cirurgia Pediátrica. 4) Desenvolvimento de unidades de internamento de curta duração.

Cuidados Continuados Integrados

Em 2003 foi aprovada a Rede de Cuidados Continuados constituída por todas as entidades públicas, sociais e privadas (incluindo as Misericórdias) com a finalidade de promoção de bem-estar e conforto aos cidadãos (incluindo crianças) portadores de doenças crónicas ou de situações de limitação funcional em articulação com os cuidados de saúde primários e hospitalares.

Tratando-se duma valência lançada em 2006, cabe referir a existência de 131 unidades em 2011 segundo dados oficiais, não especificando eventuais valências pediátricas.

População e Recursos

Em 2017, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) apurou-se em Portugal uma população de 10.300.000 habitantes, correspondendo 1.890.194 (~18%) a idade inferior a 18 anos. De salientar que em 2008 a faixa de população jovem (< 15 anos) [~1,6 milhões] já era inferior à da faixa senior (> 65 anos) [~1,9 milhões], o que traduz envelhecimento demográfico. Os custos na área da saúde em 2010 corresponderam a 9,9% do PIB.

Nos últimos anos, o sector público tem investido especialmente em CSP, aumentando a respectiva parcela da despesa pública em relação ao total da despesa com a saúde. Em 2015 tal despesa correspondeu a 8,9% do PIB.

Relativamente ao ano de 2017 há a registar os seguintes números: a) médicos- 51.937 (correspondendo 69% a especialistas e 28% a extra-hospitalares); ratio global de 3,9 médicos/1.000 habitantes; b) o referido número de médicos inclui 2.085 pediatras (sendo 45% extra-hospitalares) permitindo ratio específico de 1 pediatra/1.500 habitantes com < 18 anos; c) 6.848 médicos de família, considerando-se que existe défice fora da zona centro do País; quanto à idade dos médicos importa salientar: com < 35 anos – 17%; e com > 65 anos – 11,4%; d) enfermeiros – 69.486.

No mesmo ano de 2017 havia no SNS: – 28.609 médicos (sendo 1/3 deste número correspondente a médicos em formação pós-graduada (internos); e – 43.559 enfermeiros.

Os dados do INE de Portugal e da OMS compararam a relação de enfermeiros/100.000 habitantes em Portugal e na Dinamarca: respectivamente – 589/100.000 habitantes e – 1.670/100.000 habitantes (neste último país, muito superior, mesmo em relação a outros países da Europa), sendo relevado pelas organizações internacionais o papel crucial do sector da enfermagem na prestação de cuidados de saúde (dados de 2015).

A taxa de cobertura em saúde infantil a nível nacional ronda os 90%, sendo que 85% das respectivas consultas são efectuadas nos CSP.

Problemas organizativos e soluções

Diversos estudos recentes têm evidenciado alguns problemas ou pontos fracos do sistema, designadamente deficiente articulação entre os vários níveis de cuidados com repercussão na prestação de cuidados à criança e adolescente:

  • Listas de espera, quer nos centros de saúde, quer nos hospitais;
  • Assimetrias regionais quanto à distribuição de pediatras, concentrados sobretudo nos grandes centros de Lisboa, Porto e outras grandes cidades do litoral em contraste com a desertificação do interior;
  • Défice de pediatras para a organização dos serviços de urgência pediátrica de Lisboa e Porto;
  • Elevada prevalência de pediatras com idade superior a 50 anos;
  • Défice de profissionais de enfermagem condicionando o recurso à “importação” de elementos estrangeiros;
  • Escassa relevância dada à investigação clínica ligada aos cuidados de saúde nas diversas vertentes;
  • Excessiva procura dos serviços de urgência dos hospitais centrais por oferta insuficiente de consultas nos hospitais e centros de saúde.

De facto, o modelo integrado de assistência à criança e adolescente nos CSP pelos médicos de família (vigilância de saúde infantil), e nos hospitais por equipas pediátricas (tratamento de situações mais complexas e graves obrigando eventualmente ao recurso a tecnologias sofisticadas dominadas por sub-especialistas) implica uma articulação perfeita entre os diversos níveis de cuidados. Para atingir tal objectivo, em 2008 a CNSCA considerou fundamentais determinadas linhas de actuação:

  1. dinamização das chamadas unidades coordenadoras funcionais (UCF) criadas em 1991, congregando profissionais do serviço de pediatria do hospital de referência do ACES e do próprio ACES para análise e resolução de problemas diversos;
  2. criação da figura do pediatra consultor designado pelo serviço de pediatria do hospital de referência do ACES;
  3. aperfeiçoamento na formação em medicina da criança e adolescente, quer na universidade, quer na pós-graduação (internato de medicina geral e familiar).

Numa tentativa de minorar as dificuldades resultantes do excessivo afluxo de doentes pediátricos aos serviços de urgência nas grandes cidades, a tutela determinou, no ano 2000, uma nova metodologia de acesso aos serviços de urgência hospitalar, considerando que o acesso ao Serviço Nacional de Saúde se processava através do centro de saúde.

Para atingir tal objectivo foi criado um serviço de atendimento/consultadoria permanente por via telefónica 24 horas/dia (em 1998 em Lisboa e Coimbra, e mais tarde para todo o País) com o nome de Saúde 24-Pediatria, segundo um modelo aplicado nos Estados Unidos a cargo de profissionais com formação específica.

Em 2007 teve início um programa de reestruturação dos serviços de urgência hospitalares encerrando alguns com o objectivo de concentração de recursos humanos e materiais noutros hospitais de determinada região, tendo em vista a melhoria dos cuidados. Esta medida, que contempla a garantia do sistema de transporte, tem sido contestada em zonas do interior, desertificadas e de mais difícil acesso.

Organização perinatal

Com a década de 80, coincidindo com uma fase de sensibilização dos órgãos do poder para a necessidade de reformas na saúde materno-infantil e de melhoria dos indicadores de saúde perinatal, iniciara-se uma fase de diferenciação da Pediatria em Portugal. Desde então até à actualidade registaram-se progressos notórios no panorama assistencial, quer no âmbito dos cuidados primários (incluindo a assistência à grávida), quer no âmbito dos cuidados hospitalares (distritais e centrais). Avançou-se na reorganização da assistência à grávida e recém-nascido, na modernização e reequipamento das instituições, e numa mais efectiva cooperação entre obstetras, pediatras e outros profissionais da área biomédica.

Pode afirmar-se que este período representa a conclusão dos passos fundamentais do modelo clássico sequencial de assistência perinatal clássico iniciado com os progressos dos cuidados pré-natais e da assistência ao parto em condições de segurança (pessoal treinado e equipamento adequado) e que culminou com o arranque das unidades de cuidados intensivos neonatais e do sistema de transporte do recém-nascido, da regionalização, e dos centros de diagnóstico pré-natal.

Diversos grupos de trabalho e comissões nacionais tiveram um papel crucial, apontando estratégias indispensáveis para tornar efectivos conceitos anteriormente delineados, tendo sido e tomadas medidas consideradas corajosas e inovadoras.

Salientam- se as grandes linhas de actuação: a) encerramento das maternidades com número de partos inferior a 1500/ano, sendo que em 2012 o processo é retomado, prevendo-se o encerramento de mais blocos de partos; b) definição das estruturas nucleares de assistência materno-neonatal reclassificando os hospitais, em dois grandes grupos: hospitais de apoio perinatal (HAP) correspondendo, em geral, aos hospitais distritais, integrando unidades de cuidados intermédios, com competência para prestar cuidados a grávidas e recém-nascidos saudáveis e de médio risco; hospitais de apoio perinatal diferenciado (HAPD) correspondendo, em geral, aos hospitais centrais, com competência para prestar cuidados a recém-nascidos e grávidas de alto risco, integrando unidades de cuidados intermédios e intensivos englobando cirurgia do recém-nascido; c) a necessidade de formação de pediatras com competência em Neonatologia; d) acções de formação com chamada de atenção para a enorme importância do conceito de transporte in utero.

No âmbito deste plano foram redefinidos em pormenor, quer o equipamento técnico necessário, quer o número de pediatras, obstetras, anestesistas, outros especialistas e enfermeiros, considerados indispensáveis para o funcionamento dos HAP e HAPD.

Na Parte XXXI é abordada a questão do transporte de doentes pediátricos.

Saúde Infantil e Juvenil no Mundo

O estado de saúde duma população pode ser avaliado por certos índices ou indicadores, tais como: natalidade, idade média da mãe aquando do nascimento do 1º filho, índice sintético de fecundidade, nados vivos de mães adolescentes, morbilidade, mortalidade (com especial realce para as taxas de mortalidade infantil, perinatal e de menores de 5 anos), causas de morte em idade pediátrica, entre outros). (Ver Glossário Geral para compreensão da terminologia e Quadros adiante) como indicadores de desenvolvimento dum país têm sido considerados também, para além dos critérios referidos, a esperança média de vida da população, a capitação do produto nacional bruto (PNB) e o poderio militar.

Seguidamente faz-se referência sucinta a alguns dados de mortalidade e morbilidade no âmbito da idade pediátrica traduzindo o panorama dos países em desenvolvimento, dos países industrializados, e de Portugal (que, segundo estatísticas internacionais, faz parte dos 38 países industrializados e desenvolvidos do mundo).

Países em desenvolvimento

No início da década de 80 a mortalidade no período neonatal (primeiras 4 semanas) representava cerca de 45% da mortalidade no primeiro ano de vida em todas as regiões excepto em África onde a proporção inferior (26%) era explicada pelo elevado número de óbitos pós-neonatais resultantes da malária.

No mesmo período, considerando as seis regiões definidas pela OMS, no que respeita à mortalidade no grupo etário 0-5 anos, salienta-se que cerca de 40% dos óbitos ocorreram em África e 25% no sueste asiático.

Entretanto, na década de 90, eram divulgados alguns resultados considerados animadores quanto a indicadores de saúde testemunhando concretização de algumas metas (que pareciam inatingíveis na década de 70) em zonas do globo de recursos muito precários: a) diminuição significativa da incidência de seis doenças com elevadas taxas de mortalidade nalguns países mais pobres (mais de 8 milhões de mortes anuais) – sarampo, pneumonia, gastrenterite, tétano, tosse convulsa, subnutrição; b) melhorias quanto à gravidade de sequelas no que respeita a doenças como poliomielite, carência em iodo, oncocercose, tracoma, xeroftalmia, como consequência de acções específicas desenvolvidas (políticas de acessibilidade universal e equitativa aos serviços de saúde, acesso universal à educação, maior disponibilidade de alimentos, formação de profissionais de saúde, e apoio de carácter técnico ou organizativo por parte de países de maiores recursos).

Em 1994, através da Comissão de Vigilância Epidemiológica da Rússia, foi chamada a atenção dos gestores da saúde para o papel da estabilidade político-económica em diversas regiões e países como garantia de êxito das medidas a levar a cabo para a melhoria do panorama da saúde em geral, e da saúde infantil em especial: o exemplo vem precisamente da Rússia, país em que, com a degradação económica, se verificou declínio da esperança de vida na população, a par do aumento da incidência de doenças infecciosas (respectivamente 290% e 180% em 1993 e 1994).

Em 2001 a Organização Mundial de Saúde (OMS) criou o Child Health Epidemiology Reference Group (CHERG) para a obtenção de dados sobre mortalidade infantil em todo o mundo.

De acordo com os estudos realizados por aquele grupo de estudo apurou-se que nos anos de 2005 e 2006 morreram em todo o mundo cerca de 11 milhões de crianças com idade inferior a 5 anos, correspondendo a grande maioria de tais óbitos (73%) a seis causas principais: problemas respiratórios (19%), diarreia (18%), malária (8%), infecção sistémica do recém-nascido (10%), parto prematuro (10%), complicações do parto (8%). Salienta-se que a infecção sistémica e a pneumonia explicaram 26% de todos os óbitos no grupo etário pediátrico.

Considerando a relação entre grupos nosológicos e mortalidade nas crianças de idade inferior a 5 anos, foram apurados os seguintes valores percentuais: má nutrição- 53%, diarreia- 61%, pneumonia- 52%, sarampo- 45%.

Apesar do reconhecimento dos direitos das crianças e de todas as recomendações dos organismos internacionais, designadamente da ONU, o relatório “Situação Mundial da Infância referente a 2005” mostra claramente que, para cerca de 50% dos dois biliões de crianças e jovens que vivem no mundo, com especial relevância para os dos países pobres em desenvolvimento, o panorama da saúde é total e brutalmente diferente do ideal que se pretende atingir parafraseando Kofi Annan, Secretário Geral das Nações Unidas.

Eis alguns dados expressivos dos países em desenvolvimento divulgados no referido relatório:

  • Os gastos militares nos países em desenvolvimento consomem cerca de 140 biliões de dólares por ano, recursos suficientes para acabar, em dez anos, com a pobreza absoluta em todo o planeta e satisfazer as suas necessidades básicas de alimentação, água, saúde e educação;
  • Cerca de 121 milhões de crianças, na imensa maioria vivendo nos países africanos ao sul do Saará, não frequentam a escola sendo-lhes negado o seu direito à educação em contradição com o compromisso dos governantes ao assinarem a Convenção sobre os Direitos da Criança;
  • Diariamente, cerca de 30 mil crianças morrem devido a doenças evitáveis, o que se traduz em 11 milhões de mortes infantis por ano;
  • Mais de meio milhão de mães morre anualmente por complicações surgidas durante a gravidez e parto;
  • Mais de 2 milhões de crianças de idade inferior a 15 anos estão infectadas com o vírus da imunodeficiência humana (VIH) fazendo prever número superior a 18 milhões de crianças órfãs como consequência da síndroma de imunodeficiência adquirida (SIDA) persistindo para além de 2015;
  • A malária continuará a ser uma das principais causas de morte infantil, pois a disponibilidade e a utilização de mosquiteiros e medicamentos são limitadas por razões comportamentais e financeiras;
  • A prática da mutilação genital feminina ainda é levada a cabo em cerca de 2/3 das crianças em países africanos desenvolvendo-se actualmente uma campanha liderada pela UNICEF e o patrocínio e exemplo do governo de Burquina Fasso onde uma importante campanha de educação pública suportada por legislação conseguiu reduzir a respectiva incidência em 32%;
  • Nas áreas rurais, mais de 1 bilião de pessoas (um quinto da humanidade), ainda carece de alimentação adequada, saneamento básico mínimo, água potável, níveis elementares da educação e de serviços básicos de saúde;
  • Mais de 250 mil crianças continuam a morrer em cada semana por diarreia e desnutrição evitáveis, não beneficiando duma medida de baixo custo, o soluto de reidratação oral da OMS;
  • O sarampo, a tosse convulsa e o tétano, doenças susceptíveis de prevenção com vacinas de baixo custo, ainda matam diariamente 8 mil crianças.

No cômputo geral da mortalidade no grupo etário pediátrico nas seis regiões da OMS, a síndroma de imunodeficiência adquirida (SIDA), a infecção por VIH (vírus da imunodeficiência humana) e a tuberculose constituem hoje os principais problemas globais da saúde.

Como pontos positivos do panorama da saúde mundial de acordo com o relatório UNICEF 2008 cabe particularizar: o exemplo da China onde se está a operar a Segunda Revolução – a da Saúde, com diminuição da TMM5 de 47% desde 1990; e o doutros países (Butão, Bolívia, Nepal, Laos) com diminuição de 50%.

Recuando ao Quadro 1 e aos Oito Objectivos do Milénio definidos na Declaração das Nações Unidas no ano 2000 (1- acabar com a fome e a miséria; 2- educação básica de qualidade para todos; 3- igualdade entre sexos e valorização da mulher; 4- redução da mortalidade infantil; 5- melhoria da saúde das gestantes; 6- combate à SIDA , malária e a outras doenças; 7- melhoria da qualidade de vida e respeito pelo meio ambiente; 8- colaboração universal dos cidadãos em prol do desenvolvimento), torna-se importante salientar os progressos descritos nos documentos mais recentes – “Situação Mundial da Infância” (anos de 2016 e 2017).

No relatório de 2016 é referido como mais relevante que: – as taxas de mortalidade infantil, foram reduzidas em mais de metade desde 1990; – crianças de ambos os sexos, em igual número, em 129 países, frequentam a escola; – número de pessoas que vivem na pobreza extrema no mundo inteiro é quase metade daquele registado na década de 1990.

O relatório publicado em 2017 aponta para o extraordinário impacte das novas tecnologias digitais (designadamente internet) na saúde, bem-estar e cultura das populações em todo o mundo, incluindo milhões de crianças. Trata-se das designadas pelo acrónimo TIC (tecnologias da informação e comunicação). De facto, segundo a UNICEF as TIC, embora comportem riscos quando utilizadas de modo perverso, anárquico, e sem orientação, consubstanciam contudo um acesso universal a várias fontes, oferecendo vantagens incontestáveis em prol duma maior equidade na educação, da qualidade do ensino e da aprendizagem, e do desenvolvimento profissional de professores.

Países industrializados

Nos países industrializados de economia evoluída, com uma problemática da saúde completamente diversa, foi também possível nas duas décadas anteriores obter progressos assinaláveis face ao desenvolvimento da biologia molecular, da tecnologia biomédica, das neurociências, da cirurgia de transplantação, do intensivismo médico-cirúrgico e do projecto do genoma humano.

Tais progressos podem ser testemunhados pela análise de alguns indicadores referidos adiante, a propósito da comparação do panorama português com o doutros países.

No entanto, nestes países, a par do desenvolvimento em áreas de ponta da medicina, tem emergido dramaticamente outro tipo de problemas, muitos deles em focos degradados das grandes cidades como sejam: a disfunção familiar, a gravidez na adolescência, a delinquência juvenil, o problema das “crianças de rua”, a toxicodependência, a infecção pelo VIH, a violência e o estresse. Tais problemas, criando novas morbilidades, obrigam a programas integrados de intervenção social.

Duas situações merecem uma referência especial: a obesidade e as situações de pobreza nos países ricos:

  • A obesidade corresponde a uma situação da mais elevada prevalência nos países da abundância, aparecendo, no entanto, já nos países em desenvolvimento como a Índia; trata-se, efectivamente da grande epidemia do séc XXI (a abordar na Parte sobre Nutrição), conduzindo a uma redução da esperança de vida pela co-morbilidade associada; em termos de patologia assiste-se a uma ambivalência insólita, pois noutras partes do globo muitas crianças, adolescentes e adultos morrem de fome;
  • Quanto às situações de pobreza nos países ricos, este problema foi recentemente objecto de um documento da UNICEF levado a cabo pelo Innocenti Research Centre no âmbito dos países da OCDE, nos quais se inclui Portugal; nele se refere que, entre os referidos países com maior taxa de pobreza se incluem os Estados Unidos da América do Norte e o México (20%); quanto aos de menor taxa, simultaneamente menos populosos, são mencionados a Dinamarca e a Finlândia, com menos de 3%, juntamente com a Suécia e a Noruega, com cerca de 5%. Portugal juntamente com o Reino Unido, Itália, Irlanda e Nova Zelândia surgem actualmente com taxas consideradas altas: 15–17%.

Portugal

Mortalidade e outros indicadores

No documento da DGS “A Saúde dos Portugueses-2015” foram considerados como determinantes, factores de risco e factores protectores da saúde: hábitos alimentares, exercício físico, tabagismo, álcool, dislipidémia, imunodeficiência, hipertensão arterial e vacinação. Com base no mesmo documento são analisados nesta alínea, relativa ao panorama nacional, como principais indicadores de saúde: natalidade, fecundidade, nados vivos de mães adolescentes (11-19 anos), idade média da mãe aquando do nascimento do 1º filho, taxas de mortalidade/TM (designadamente TMI/Infantil, TMPN/Perinatal, TMM5/em menores de 5 anos), causas de morte (ver Glossário Geral).

Outro indicador- a morbilidade – é analisada na alínea seguinte.

Para avaliar o bem-estar da criança considera-se actualmente que a taxa de mortalidade de menores de 5 anos (TMM5) constitui o critério mais adequado, pois ele traduz, com maior confiabilidade, as condições de desenvolvimento social e económico, o grau de educação para a saúde da família e cidadãos em geral, a disponibilidade de serviços de saúde materno-infantil incluindo os de assistência pré-natal, a disponibilidade de saneamento básico e a segurança do meio ambiente em que a criança vive.

Por outro lado, a TMM5 é menos influenciada pela falácia dos valores traduzidos pela noção aritmética de “média” do que o PNB per capita. Com efeito, para dar um exemplo, a escala natural não permite que a probabilidade de uma criança rica sobreviver seja mil vezes maior do que a duma criança pobre, ainda que a escala feita pelo homem lhe permita ter um rendimento mil vezes maior; ou seja, é muito pouco provável que uma TMM5 nacional seja afectada por uma minoria rica.

A velocidade com que se avança na redução da TMM5 pode ser determinada pela respectiva taxa média de redução anual (TMRA), devendo ser realçado que uma diminuição de, por exemplo, dez pontos de uma TMM5 elevada tem significado diferente de uma mesma diminuição de dez pontos a partir de uma TMM5 mais baixa (uma diminuição na TMM5 de 10 pontos entre 100 e 90, representa uma redução de 10%, enquanto a mesma redução de 10 pontos, entre 20 e 10, representa uma redução de 50%).

Cabe referir, a propósito, que a não verificação de uma relação fixa entre a TMRA e a taxa de crescimento anual do PNB leva a concluir que há necessidade de reajustamentos nas políticas de saúde e nas prioridades, tendo em vista o progresso económico e o progresso social.

Escasseando em Portugal as estatísticas nacionais de morbilidade sistematizada, a taxa de mortalidade infantil (TMI) é ainda o indicador mais utilizado para reflectir a saúde infantil. A mortalidade infantil é analisada, geralmente, em função de duas componentes: a mortalidade neonatal, que se refere aos óbitos de crianças com menos de 28 dias de vida, e a mortalidade pós-neonatal, relativa aos óbitos com idade compreendida entre 28 dias e um ano (ver Glossário Geral).

A mortalidade neonatal encontra-se associada a anomalias congénitas e a complicações da gravidez e do parto. A mortalidade pós- neonatal está associada às condições de vida, a deficiências sanitárias e a acidentes diversos.

O chamado ponto de civilização (conceito relacionado com progresso), ou seja, o ano a partir do qual a mortalidade pós-neonatal passou a ter uma taxa inferior à da mortalidade neonatal, foi atingido em Portugal em 1974, muitos anos depois de outros países como o Reino Unido, a Alemanha e a França. Até então, efectivamente, tinha-se registado algum progresso no respeitante à mortalidade pós-neonatal, continuando estáveis as taxas de mortalidade neonatal e fetal tardia (NV + FM).

197538,919995,5
198024,320005,4
198121,820014,9
198219,820025
198319,320034,1
198416,720043,7
198517,120053,5
198615,920063,3
198714,220073,4
19881320083,2
198912,120093,6
199010,920102,4
199110,820113,1
19929,220123,3
19938,620132,9
19947,920142,8
19957,420152,9
19966,820163,2
19976,420172,6
19985,9  

DGS/DGIA

Fonte: Direcção Geral de Saúde

FIGURA 1 – Mortalidade Infantil em Portugal

197531,919949,2
198023,919959
198122,819968,4
198222,119977,2
198321,119986,7
198419,219996,3
198519,820006,1
198618,220015,5
198716,620025,9
198815,120035,1
198914,520133,4
199012,420144,1
199112,120153,8
199210,820163,9
199310,1  

DGS/DGIA

Fonte: Direcção Geral de Saúde

FIGURA 2 – Mortalidade Perinatal (28 e mais semanas) em Portugal

As Figuras 1 e 2 resumem respectivamente a evolução das taxas de mortalidade infantil (TMI) e perinatal (TMPN) até 2017:

  • Mortalidade infantil (com taxa de 77,5/1000 em 1960, baixando progressivamente para 7,9/1000 em 1994 e para 2,6/1000 em 2017;
    No que se refere às TMI no nosso país, importa salientar as seguintes notas:
    • grandes variações regionais: em 2010 as mesmas oscilaram entre 0,5 e 5,5/1000 e, no mesmo ano, a mortalidade infantil foi comparticipada em 68% por óbitos neonatais, e em 32% por óbitos pós-neonatais;
    • segundo a OMS, Portugal encontra-se entre os 10 países com melhores indicadores no Mundo, designadamente Singapura, Eslovénia, Chipre, Noruega, Finlândia, Luxemburgo e Japão.
  • Mortalidade perinatal – considerando o limite de 28 e mais semanas – reduzindo-se de 31,9/1000 em 1975 para 12,4/1000 em 1990, e para 3,9 em 2016.

Figura 3 – Mortalidade Infantil na Europa

Figura 4 – Mortalidade Perinatal na Europa

QUADRO 2 – Taxa de mortalidade de menores de 5 anos referido a determinado ano (TMM5) (nº de óbitos entre a data de nascimento e precisamente os 5 anos de idade por 1000 nados-vivos na referida data)

*Os valores mais elevados de TMM5  (>100) correspondem na totalidade a países africanos; de salientar que há países africanos com valores mais baixos (por ex. Argélia e o Egipto) registando respectivamente 20 e 23.

TMM5 (em 2016)
Luxemburgo 3
Islândia 2
Japão 2
Suécia 3
Noruega 3
Finlândia 3
Portugal 3
Dinamarca 4
Áustria 4
Suíça 4
Reino Unido (UK) 5
Canadá 5
Cuba 6
Estados Unidos (USA) 7
Chile 9
Argentina 14
Brasil 14
China 14

Em vários países de EU, a evolução das TMI e TMPN no período compreendido entre 1975 e 2003 pode ser observada nas Figuras 3 e 4.

Como se pode verificar na Figura 3, Portugal registava em 1985 a mais elevada mortalidade infantil (17,8/1000) relativamente aos países restantes. Nesse ano, a média europeia situava-se nos 9,5 óbitos até ao 1 ano de idade por mil nados vivos. Contudo, em 2004 Portugal já registava 5ª melhor posição quanto a taxas de mortalidade infantil e de mortalidade perinatal.

Em 2014, a TMI na Ilha de Chipre cifrou-se em 1,8 e na média dos países da UE 28  em 3,8.

De assinalar que o nosso país, (1985-2001), entre todos os estados membros da EU, registou a maior variação na descida da mortalidade infantil, neonatal e perinatal (redução de 71,9%) em confronto com as médias respectivas da EU (menos 51,6%).

No referente à TMM5 (taxa de 3), em 2016, Portugal ocupava o 2º lugar exaequo com Japão, Suécia, Noruega e Finlândia, entre 194 (Quadro 2). E em 2010 fazia parte dos países do mundo com taxas de declínio mais acentuadas quanto à referida TMM5.

Importa também analisar o decréscimo da natalidade em geral, designadamente a partir das últimas décadas do século XX: 1960 com 213.895 nados vivos (nv), 1980, com 158.352 e 1990 com 108.845. Já no século XXI, nos respectivos anos, a sequência é elucidativa: 2003 – 2006 – 2009 – 2010 -2011-2014-2015-2017 → 112.589-105.449 – 99.576 – 101.507 – 96.856 – 82.367- 85.500 – 86.154 nv. 

Reportando-nos às taxas de natalidade (ver Glossário Geral – número de nascimentos por 1.000 habitantes) foram obtidos os seguintes valores: em 2009 com 99.576 nados vivos (taxa de 9,4 nados-vivos/1.000 habitantes), obteve-se o valor mais baixo desde que há registos nacionais. Em 2010 subiu ligeiramente para 9,5/1.000 (correspondente a 101.507 nv, mais 1931 nv do que no ano anterior); e em 2017: 8,4/1.000.

Na EU outros dois países partilhavam em 2010 com Portugal as taxas de natalidade mais baixas, são a Alemanha (com 7,9) e a Áustria (com 9,1).

No que respeita ao índice sintético de fecundidade (ISF) ou número médio de filhos por mulher, no último decénio (2001-2011) manteve-se o que se vinha verificando desde 1982: a renovação de gerações deixou de estar garantida, pois para que cada mãe procrie uma criança – futura mãe – é necessário que as mulheres tenham em média 2,1 filhos. Ora, o valor de tal índice (1,3 em 2010), oscilou entre 1,21 e 1,36 entre 2013 e 2016, respectivamente. Salienta-se o contraste com o panorama no ano de 1971: 2,9.

Relativamente à proporção de partos sem assistência, também a evolução é muito significativa: 61% no ano de 1950; 0,4% no ano de 2000; e 0,1% em 2016.

No que concerne ao número de nados vivos de mães adolescentes (11-19 anos) – indicador de saúde por vezes subvalorizado – os dados estatísticos do INE fornecem os seguintes números ao longo dos anos:

  • 1970 → 11.049;
  • 1990 → 7.492;
  • 2012 → 3301.

Esta evolução, considerada favorável, pode ser interpretada no âmbito dos progressos realizados em cuidados primários, planeamento familiar e medicina do adolescente.

No documento da DGS (A Saúde dos Portugueses-2015) é considerado ainda outro indicador de saúde ligado à Saúde Infantil e Juvenil; trata-se da esperança de vida à nascença. Os progressos também realizados podem ser traduzidos pelos seguintes números, em triénios: 2006-2008 → 78,7 anos; 2012-2014 → 80,2 anos.

Quanto à percentagem de recém-nascidos (RN) antes das 37 semanas (RN pré-termo) e de RN com peso < 2.500 gramas (RN de baixo peso), em 2014 os respectivos valores foram 8,4 e 8,5.

O Quadro 3, dizendo respeito aos óbitos por grupos etários e às respectivas causas (ano de 2014), sugere as seguintes considerações: a) as quatro causas mais frequentes de mortalidade dos 0-19 anos foram, por ordem decrescente, tumores sólidos, problemas perinatais, anomalias congénitas e acidentes de vária ordem; b) no primeiro ano de vida prevaleceram as anomalias congénitas e os problemas do período perinatal; c) os acidentes de transporte e as causas externas foram mais frequentes entre os 15 e 19 anos; d) a relação entre o número de óbitos no 1º ano de vida e o número total de óbitos dos 0-19 anos foi 282/782 ou 36,06%; e) a relação entre o número de óbitos dos 0-19 anos e o número de óbitos em todas as idades foi 782/104.843 ou 0,74% (dados do Instituto Nacional de Estatística/INE).

QUADRO 3 – Mortalidade por causas e idades (Ano de 2014) Portugal

Abreviaturas: SNC: sistema nervoso central; incl.: incluindo; excl.: excluindo; CV: cardiovascular; DPC: doença pulmonar crónica; Cr.: cromossomopatias; SMSL: síndroma de morte súbita do lactente Fonte: INE/Direcção Geral da Saúde, 2014

Idades (anos)

Causas

<1 1-4 5-9 10-14 15-19 TOTAL
Infecções e parasitoses 4 1 5
Infecção meningocócica 1 1
Infecção não meningocócica 1 1 2
Tumores sólidos 4 29 37 26 55 151
Tumores linfoproliferativos e leucemias 2 4 4 4 9 23
Doenças do SNC e órgãos dos sentidos 6 7 7 12 16 48
Doenças endócrino-metabólicas 3 4 2 2 7 13
Doença do sistema circulatório 6 2 1 3 4 16
Doença isquémica do miocárdio 1 1 2
Outras doenças cardíacas 2 1 1 4
Doença cerebrovascular 1 1 2 4
Doença respiratória (incl. asma e DPC) 6 4 1 1 3 15
Pneumonia 3 2 1 1 7
Doença gastrenterológica e hepática 2 2 4
Doença nefrourológica 2 2
Acidentes (incl. de transporte) 4 4 10 13 49 80
Intoxicações acidentais 6 4 11 14 68 103
Suicídios e lesões autoprovocadas 1 1 14 16
Homicídios 1 3 4
Morte súbita (incl. SMSL) 3 1 1 2 7
Doenças perinatais 143 143
Complicações da gravidez e parto 1 1
Anomalias congénitas (incl. Cr. e excl. SN e CV) 58 14 2 2 4 80
Anomalias congénitas cardiovasculares 22 7 1 2 32
Anomalias congénitas do SN 9 2 1 1 1 14
Todas as causas 282 91 82 87 240 782

No que respeita à cobertura vacinal/taxa de vacinação das crianças avaliadas aos 2 anos, citando o documento “A Saúde dos Portugueses-2015”, da DGS, importa salientar os dados divulgados mais recentes, de 2014: BCG-99%; VHB-98,7%; DTPa-96,5%; Hib-96,7%; Men C-98,1%; VASPR-98,2%; VIP-97,9%. Trata-se, pois, de cobertura elevada do Programa Nacional de Vacinação, traduzindo exemplar desempenho desta valência do SNS. A vacina anti-HPV é administrada actualmente entre os 10 e 13 anos de idade. As coortes nascidas entre 1992 e 2000 apresentam provavelmente os mais elevados níveis de vacinação a nível mundial.

O Quadro 4 estabelece comparação de diversos indicadores básicos registados em diversos países incluindo Portugal.

QUADRO 4 – Indicadores básicos (ano de 2011)

PaísTMM5TMIPopulação
(milhares)
Nascimentos
(Milhares/ano) 
PNB /USD
(per capita)
Esperança de vida (anos)

USD: dólares dos Estados Unidos

Fonte: UNICEF, 2015

Portugal3310.6909721.25079
Noruega334.9256188.89081
Austrália5422.60630746.20082
Áustria448.4137448.30081
Brasil1614196.6552.99610.72073
Canadá6534.35038845.56081
Egipto211882.5371.8862.60073
USA86313.0854.32248.45079
França4363.12679242.42082
Grécia4411.39011725.03080
Costa Rica1094.727737.60079
Eslovénia322.0352023.61079
Espanha4446.45549930.99081
Morbilidade

Em Portugal, a análise de dados sistematizados nacionais sobre morbilidade depara com algumas limitações, estando disponíveis apenas dados parcelares sobre problemas específicos publicados por grupos de investigadores institucionais em revistas científicas, ou obtidos através da consulta das publicações do Instituto Nacional de Estatística (INE), do Observatório Nacional da Saúde (ONSA), do Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis (CVEDT) e do Centro de Estudos e Registo de Anomalias Congénitas ligados ao Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, ou dos Médicos-Sentinela.

No âmbito da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) funciona desde 2001 um departamento intitulado Unidade de Vigilância Pediátrica (UVP) – fazendo parte da International Network of Pediatric Surveillance Units, actualmente em parceria com o ONSA. Os seus objectivos são promover, facilitar e desenvolver o estudo de doenças raras ou pouco frequentes, importantes para a Pediatria e Saúde Infantil. Os dados são obtidos através dum sistema de notificação mensal mediante envio de cartões para preenchimento de retorno sistemático pelos sócios da SPP e médicos exercendo funções em instituições prestando cuidados à criança e adolescente.

Até Março de 2017, foram ou estão a ser investigadas as seguintes doenças: Diabetes mellitus antes dos 5 anos, Síndroma hemolítica urémica, Doença de Kawasaki, Infecção por Streptococcus B até aos três meses de vida, Encefalomielite/Mielite, Infecção congénita por citomegalovírus (CMV), Herpeszoster e Varicela com hospitalização, Lesões traumáticas provocadas por andarilhos, Paralisia cerebral aos 5 anos de idade, Surdez hereditária, Infecção congénita por Toxoplasma gondii e Acidente vascular cerebral.

Portugal, embora tenha registado progressos assinaláveis, está ainda entre os países da Europa com elevada prevalência de infecção por VIH/SIDA.

O Quadro 5, referindo-se à situação de infecção por VIH/SIDA no nosso país, sintetiza o número de casos por grupo etário e ano de diagnóstico entre 1983 e 2011); é notório o decréscimo ao longo dos anos, sobretudo no biénio 2010-2011.

QUADRO 5 – Infecção por VIH/SIDA em Portugal – nº de casos

Grupo etário 1983/1997 1998/2000 2001/2003 2004/2006 2007/2009 2010/2011 Total
0-11 meses 36 4 6 3 3 0 52
1-4 anos 22 3 2 4 1 0 32
5-9 anos 16 3 2 2 2 1 26
10-12 anos 5 1 0 0 0 0 6
13-14 anos 13 0 2 0 1 0 16
15-19 anos 92 39 25 7 7 3 173
Total 184 50 37 16 14 4 357


Com base nas estatísticas do INE e da Comissão Nacional de Saúde da Criança e do Adolescente, são referidas seguidamente diversas formas de morbilidade em idade pediátrica, representativas da situação actual no nosso país; algumas destas situações serão retomadas noutros capítulos.

  • Acidentes rodoviários: rácio de 1 óbito/3 doentes crónicos com sequelas (dados de 2008);
  • Lesões traumáticas por actos de violência (2002-2004): 479 crianças (0-14 anos) hospitalizadas em instituições do Serviço Nacional de Saúde;
  • Situações de risco social (incluindo casos de maus tratos): cerca de 3.000 crianças hospitalizadas no ano de 2003, aumentando cerca de 20% em 2004. Dados recentes (ano de 2017) apontam para uma média de 7 casos por dia;
  • Antes da integração dos novos países que passaram a integrar a Europa dos 27, Portugal era o país da EU com maior incidência de sífilis congénita;
  • A saúde periodontal (das gengivas e dos tecidos de suporte dentários) avaliada aos 12 anos apresenta uma evolução positiva desde 2006;
  • Entre 2000 e 2013 a prevalência e gravidade da cárie dentária aos 6 e 12 anos diminuíram (situações livres de cárie aumentando de 33% para 54%), atingindo-se ameta definida pela OMS.

Em suma, pode afirmar-se que para a melhoria dos indicadores de saúde infantil e juvenil em Portugal (salientando-se que a mortalidade infantil baixou cerca de 75% entre 1980 e 1998, sendo actualmente, como a perinatal, a 2ª melhor da União Europeia) contribuíram, essencialmente, os progressos no nível educacional da população, o desenvolvimento da rede de cuidados primários, a melhoria da assistência ao parto e dos cuidados perinatais, o programa nacional de vacinação (com taxas de cobertura que são superiores a 98% conduzindo a diminuição drástica das doenças infecciosas nos primeiros dois anos de vida), a organizção da assistência perinatal, e o desenvolvimento do intensivismo neonatal e pediátrico incluindo o respectivo transporte.

No cômputo geral das causas de mortalidade em idade pediátrica sobressaem actualmente, os problemas perinatais (nas primeiras idades), os tumores, e os acidentes e as situações relacionadas com actos violentos (na segunda infância e adolescência).

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