Definição

Esta entidade clínica, descrita pela primeira vez por Laennec em 1819, define-se como processo crónico consistindo em dilatação anormal, permanente e irreversível do calibre brônquico, provavelmente como resultado de diversos eventos patológicos.

Na criança a incidência das bronquiectasias diminuiu nos últimos anos em resultado do desenvolvimento dos programas de vacinação, do tratamento precoce e adequado das infecções respiratórias, e da melhoria do estado de nutrição. A incidência real desta doença é difícil de avaliar devido à baixa suspeita clínica que condiciona o subdiagnóstico; no entanto, pode considerar-se que é relativamente rara nos países desenvolvidos.

QUADRO 1 – Bronquiectasias: Factores etiológicos

Abreviaturas: VIH: vírus da imunodeficiência humana;
VSR: vírus sincicial respiratório.

Infecções
Vírus (adenovírus, sarampo, VIH, VSR), tuberculose, tosse convulsa, Aspergillus, Pseudomonas, Mycoplasma.
Doenças congénitas
Deficiência da cartilagem (síndroma de Williams-Campbell), traqueobroncomegalia (síndroma de Mounier-Kuhn), síndroma de Marfan, síndroma de Ehler-Danlos, discinésia ciliar primária, síndroma de Kartagener, fibrose quística, deficiência de alfa1-antitripsina.
Imunodeficiências
Primária (hipogamaglobulinémia), secundária (causada por neoplasia, quimioterapia ou imunossupressão).
Obstrução
Aspiração de corpo estranho, tumor, estenose, compressão por anomalia congénita, asma, síndroma do lobo médio.
Aspiração
Refluxo gastresofágicoo, anomalias congénitas.
Inalação de gases tóxicos
Heroína, amónia, dióxido sulfúrico.

Etiopatogénese

Nos países desenvolvidos a causa mais frequente de bronquiectasias é a fibrose quística, explicável por obstrução brônquica e infecção crónica associada a esta doença. No entanto, os factores etiológicos de bronquiectasias são múltiplos, como se pode observar no Quadro 1.

Devido à melhoria dos cuidados de saúde algumas doenças como a tuberculose, sarampo e tosse convulsa, que eram as principais causas de bronquiectasias, diminuiram significativamente em incidência; no entanto, a infecção pulmonar ainda constitui o factor predisponente mais relevante do desenvolvimento de bronquiectasias. O adenovírus é particularmente agressivo para o pulmão. O vírus sincicial respiratório (VSR) pode causar bronquiectasias se a infecção ocorrer em crianças nascidas pré-termo.

A síndroma de Kartagener é uma tríade composta por situs inversus, sinusite e bronquiectasias. A discinésia ciliar primária é uma doença autossómica recessiva caracterizada por uma diminuição de função dos cílios brônquicos que contribui para a retenção das secreções e infecções recorrentes.

O refluxo gastresofágico e as aspirações crónicas secundárias às dificuldades de deglutição podem complicar-se com lesões brônquicas.

A presença prolongada de corpo estranho nas vias aéreas provoca obstrução crónica e inflamação, factores importantes do desenvolvimento de bronquiectasias.

A síndroma do lobo médio, que se caracteriza por atelectasia persistente deste lobo, é uma causa frequente de bronquiectasias localizadas, pela ausência de ventilação colateral; com efeito o brônquio lobar médio é mais longo e de calibre mais estreito, sendo a drenagem mais difícil. Uma das principais causas desta síndroma é a asma.

De salientar que em muitos casos a etiologia continua desconhecida.

As bronquiectasias, primariamente uma doença dos brônquios e bronquíolos, envolvem um círculo vicioso de obstruçãoinfecção → inflamação transmural → obstrução, com libertação de mediadores. Existe uma agressão inicial das vias aéreas que compromete os mecanismos de defesa, causando colonização bacteriana da árvore brônquica. Na tentativa de eliminar estes microrganismos surge uma reacção inflamatória que é ineficaz e, por este motivo, se torna crónica. Esta reacção provoca destruição da parede brônquica e consequente alteração e compromisso dos mecanismos de defesa com aumento da susceptibilidade à invasão bacteriana. Neste processo parece estarem envolvidos neutrófilos e linfócitos-T, tendo sido encontradas na expectoração concentrações aumentadas de elastase, interleucina-8 e factor de necrose tumoral alfa (TNF-alfa).

Microscopicamente o lume brônquico encontra-se obstruído por muco, há hipertrofia e hiperplasia das células caliciformes e glândulas da submucosa, com infiltração da mucosa e submucosa por células inflamatórias; verifica-se também hipervascularização brônquica e destruição do tecido elástico, tecido cartilagíneo e músculo liso, que são substituídos por tecido fibroso.

Classificação

Macroscopicamente verifica-se que os brônquios são irregulares e tortuosos, e os bronquíolos distais estão obstruídos por secreções, transformando-se progressivamente em cordões fibrosos.

De acordo com o aspecto macroscópico, as bronquiectasias podem dividir-se em:

  • Cilíndricas: nesta forma as vias aéreas dilatadas surgem, por vezes, como efeito residual de uma pneumonia;
  • Varicosas: nesta forma existem áreas constritivas focais ao longo das vias aéreas dilatadas que resultam de defeitos da parede brônquica;
  • Quísticas ou saculares: caracterizadas por dilatação progressiva das vias aéreas que terminam em formações quísticas ou aglomerados em cacho de uva. Este achado encontra-se nas formas graves de bronquiectasias.

Actualmente foi proposta uma nova classificação, com implicações práticas no prognóstico, considerando situações reversíveis e irreversíveise discriminando três grupos:

  • Pré-bronquiectasiasGrupo em que há infecção endobrônquica bacteriana crónica ou recorrente que pode estar associada a alterações inespecíficas identificadas através TCAD (tomografia computadorizada de alta definição) – espessamento da parede dos brônquios.
  • Bronquiectasias diagnosticadas por TAC. Com os achados através de TAC, clinicamente poderá assistir-se a persistência e progressão até bronquiectasias estabelecidas ou, pelo contrário, ao retorno à fase de pré-bronquiectasia ou à de normalidade.
  • Bronquiectasias estabelecidas. Esta situação corresponde a um quadro clínico em que, passados 2 anos após detecção dos achados tomográficos, estes se mantêm, o que corresponde a irreversibilidade.

Manifestações clínicas

Nas crianças existe habitualmente tosse que pode ser produtiva (as crianças deglutem as secreções); por vezes a expectoração é purulenta com cheiro fétido. As hemoptises são mais raras do que nos adultos. A recidiva de pneumopatia no mesmo território ou infecções brônquicas de repetição, devem fazer suspeitar de bronquiectasias.

Existem outros sinais menos específicos como atraso do desenvolvimento estaturo-ponderal ou febre inexplicada. Na anamnese é importante salientar os antecedentes familiares de doença respiratória, a consanguinidade, assim como os antecedentes pessoais desde o período neonatal.

O exame objectivo permite evidenciar sinais de gravidade como a alteração do estado geral, atraso estaturo-ponderal, deformação torácica, dispneia, cianose e hipocratismo digital. A auscultação permite detectar fervores nas áreas afectadas, por vezes sibilos e roncos.

As provas de função respiratória revelam sinais de obstrução, podendo ocorrer também defeito restritivo nos doentes em que existe destruição avançada do parênquima.

Diagnóstico

A radiografia de tórax poderá não revelar quaisquer sinais anómalos nos estádios mais precoces. As bronquiectasias são identificadas como imagens de dilatação brônquica com espessamento da respectiva parede, hiperinsu-flação compensatória, impactação mucóide e formação quística. Classicamente existem dois sinais característicos: sinal de “anel de sinete” (corte de topo do brônquio que é espessado e maior que o topo da artéria adjacente, o que não acontece em situações sem patologia em que a artéria e o brônquio têm tamanhos similares); e “sinal do carril” (linhas espessadas paralelas que representam corte longitudinal do brônquio). Nos casos mais graves pode ocorrer a imagem de pulmão em favo de mel. No entanto, devem ter-se em atenção outros sinais como uma condensação pulmonar que permanece após antibioticoterapia. (Figura 1)

FIGURA 1. Radiografia do tórax evidenciando sinais de bronquiectasias em doente com défice de alfa-1 antitripsina

FIGURA 2 e 3. TAC Torácica: Sinais de bronquiectasias no contexto de défice de alfa-1 antitripsina (A-1T) pulmonar. (NIHDE)

A broncografia de anteriores décadas foi substituída pela TCAD, que constitui o método “padrão de ouro” para o diagnóstico de bronquiectasias pela elevada sensibilidade e elevada especificidade.

A TAC permite também avaliar as complicações pulmonares associadas às bronquiectasias (como a bronquiolite obliterante), a extensão e evolução das lesões, e orientar o tratamento cirúrgico. (Figuras 2 e 3)

Através da fibrobroncoscopia é possível verificar ou excluir a presença de corpo estranho, efectuar a biópsia e colheita de lavado brônquico para diagnóstico etiológico. Este procedimento tem utilidade também na prevenção do aparecimento de bronquictasias a partir da verificação de síndroma do lobo médio ou de atelectasia persistente através de lavados brônquicos realizados precocemente.

Outros exames complementares de diagnóstico devem ser orientados para as etiologias mais prováveis. É importante salientar a prova do suor, a intradermorreação de Mantoux e o estudo da imunidade e alergia.

Tratamento

Globalmente, a actuação tem como objectivos o tratamento da doença primária, a drenagem das secreções, o controlo das infecções agudas e a diminuição da colonização bacteriana e da inflamação.

As exacerbações agudas são reconhecidas pelo aumento da expectoração, que se torna mais espessa e purulenta. A antibioticoterapia deve ser dirigida empiricamente aos agentes mais frequentes que são: Haemophilus influenza, Streptococcuspneumoniae e Staphylococcus aureus.Pseudomonas aeruginosa e Proteus vulgaris são menos frequentes. No tratamento das agudizações moderadas prefere-se a terapêutica oral com beta-lactâmicos e macrólidos. O antibiótico deve ser posteriormente ajustado de acordo com o exame bacteriológico da expectoração. A duração do tratamento é geralmente 2 a 4 semanas. Para exacerbações mais graves é, por vezes, necessário recorrer à terapêutica endovenosa.

Nalguns centros procede-se à profilaxia contínua com macrólidos ou outros antibióticos, por via oral ou em nebulização.

Existem outros medicamentos que podem ser utilizados, tais como os broncodilatadores inalados que diminuem a broncoconstrição, e os corticosteróides que reduzem a inflamação das vias aéreas.

Outra vertente importante do tratamento é a cinesiterapia respiratória que melhora a drenagem pulmonar.

As indicações para cirurgia são limitadas a doentes com: bronquiectasias localizadas, que sofrem exacerbações frequentes, com complicações graves como hemoptises maciças, ou processos piogénicos como o abcesso pulmonar.

Prognóstico

Apesar de dependente da precocidade do diagnóstico e do tratamento, de factores predisponentes e das complicações, o prognóstico é geralmente favorável devido às terapêuticas disponíveis actualmente, tais como antibióticos de largo espectro mais eficazes, e à melhoria dos resultados cirúrgicos.

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