Importância do problema

Existe uma gama muito variada de substâncias, produtos diversos, alimentos, corpos estranhos, ou até produtos biológicos (como por exemplo, secreções nasofaríngeas e conteúdo gástrico) que podem atingir intempestivamente a via respiratória (fenómeno de broncoaspiração) e originar obstrução mecânica e sinais e sintomas que podem culminar em asfixia e morte na ausência de procedimentos emergentes ou urgentes.

As manifestações clínicas e o resultado final são variados, dependendo fundamentalmente do material aspirado e da quantidade deste. De salientar que a aspiração de pequenos volumes ode ter consequências patológicas quando o processo é repetitivo.

Considerando-se que na prática clínica nos confrontamos com duas eventualidades (síndromas de aspiração aguda e síndromas de aspiração recorrente), neste capítulo é dada ênfase às situações relacionadas com a aspiração acidental de objectos de pequenas dimensões na perspectiva de chamada de atenção para a necessidade de prevenção.

Etiopatogénese

Qualquer objecto de pequenas dimensões (peças de jogos ou de brinquedos,botões, feijões ou grãos de leguminosas secas, rebuçados, pequenas peças acessórias do vestuário de metal ou plástico, etc.) que ultrapasse a barreira laríngea pode ser aspirado para as vias respiratórias inferiores originando obstrução de grau diverso. Se os objectos aspirados forem constituídos por matéria orgânica, o risco de vida imediato é menos significativo. No caso de se tratar de objectos irritantes para a mucosa brônquica, o edema da respectiva parede contribui para agravar a diminuição do calibre da via respiratória.

Importa também citar a acção de determinados produtos tóxicos inalados e ou aspirados, tais como petróleo, naftaleno, pó de talco, vapores de mercúrio, pesticidas, produtos clorados, goma-laca, berílio, etc., que poderão originar, para além de obstrução mecânica, a formação de granuloma e pneumonite intersticial por acção crónica irritativa e agressiva sobre as estruturas canaliculares da via respiratória.

Como factores predisponentes da broncoaspiração, os mesmos podem ser sistematizados como se segue: neuromusculares (paralisia cerebral, doenças neuromusculares, paralisia das cordas vocais, depressão do estado de consciência, etc.); – malformativas (atrésia das cóanas, micrognatia, macroglóssia, fenda palatina, refluxo gastresogágico / RGE, fístula traquesogágica, etc.); – outros (prematuridade, acalasia cricofaríngea, intubação traqueal, traquesotomia, etc.).

Manifestações clínicas

A noção precisa de aspiração de corpo estranho é rara sobretudo em crianças pequenas com ausência de testemunhas. Esta circunstância implica, por isso, elevado índice de suspeita.

Por outro lado, a história de início súbito de tosse disfónica e dificuldade respiratória (sibilância ou estridor, cianose e retracção torácica, apneia, etc.) é muito típica e sugestiva.

Dum modo geral, os sinais e sintomas dependem da localização e das características do corpo estranho na via respiratória.

Localizando-se na traqueia com obstrução total, surgirão asfixia e retracções torácicas marcadas. Se a obstrução for parcial e alta, como consequência surgirão estridor inspiratório e expiratório assim como retracção costal superior; se a obstrução for baixa e parcial, os sinais serão sibilância e estridor inspiratório.

Se a localização for o brônquio principal, os sinais mais típicos são a tosse, sibilância e, por vezes, hemoptise.

Se o corpo estranho se alojar em brônquio lobar ou segmentar serão notórios diminuição do murmúrio vesicular, sibilos e roncos, com sibilância localizados ao lado afectado. Pela inspecção, poderá notar-se diferença quanto ao grau de expansão dos dois hemitóraxes.

No caso de haver atraso no diagnóstico, poderão surgir episódios recorrentes de sibilância diagnosticados como “asma, pneumonia ou bronquiectasias”, não sendo de excluir em tal circunstância, pneumonia secundária.

Torna-se importante frisar que a possibilidade da presença de corpo estranho nas vias respiratórias deve ser sempre admitida no diagnóstico diferencial de todo e qualquer tipo de problema respiratório, designadamente na criança pequena, valorizando sempre, claro está, a anammese.

Se se verificar aspiração do conteúdo gástrico por vómito ou regurgitação, o processo é potencialmente grave, podendo ser fatal em cerca de 4% dos casos. No momento da aspiração gera-se um quadro de sufocação com tosse e dificuldade respiratória como consequência de broncospasmo e inflamação. A evolução depende do volume aspirado, podendo surgir quadro de síndroma de dificuldade respiratória aguda (SDRA) nas 48 horas seguintes, com forte probabilidade de sobreinfecção.

Exames complementares

A suspeita de aspiração de corpo estranho implica proceder a exame radiográfico do tórax (devendo idealmente ser feito em inspiração e em expiração, contemplando igualmente as incidências em decúbito bilateral); poderá não revelar qualquer sinal anómalo ou, pelo contrário, sinais directos e indirectos. De referir os seguintes sinais: atelectasia (Figura 1); enfisema notório na fase de expiração por acumulação progressiva de ar nos casos de obstrução parcial e mecanismo valvular (Figura 2); imagem do próprio corpo estranho caso seja radiopaco sinais retracção com desvio do mediastino; infiltrados de visualização precoce (~2 horas), sobretudo nos lóbulos inferiores, no caso de aspiração de material alimentar.

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FIGURA 1. Padrão radiográfico de atelectasia pulmonar (segmento do lobo superior à direita) por aspiração de corpo estranho não radiopaco. (NIHDE)

FIGURA 2. Radiografia do tórax evidenciando sinais de hiperinsuflação do pulmão direito por mecanismo valvular e hipoventilação do hemitórax esquerdo com desvio do mediastino para este lado

Nas situações em que o material alimentar (ou medicamentosos) aspirado é de composição lipídica, poderá verificar-se quadro de pneumonia lipídica, hoje raro, em geral associado a afecções em crianças com insuficiência mental ou problemas do foro neuromuscular.

Como complemento poderá haver necessidade de recurso à vídeo-radioscopia.

broncoscopia constitui uma técnica obrigatória, quer para a confirmação diagnóstica, quer na perspectiva de intervenção terapêutica para a remoção do corpo estranho.

Prevenção

Este tipo de acidentes, que surge com mais frequência entre os 6 meses e os 3 anos, pode ser prevenido através duma vigilância adequada por quem é responsável pelos cuidados a prestar à criança, e da escolha apropriada de brinquedos, alimentos ou peças de vestuário para a mesma. Tratando-se de crianças mais velhas, a prevenção passa pelo processo educativo incidindo sobre as próprias (cuidado com os objectos dados às crianças pequenas para brincar: objectos pequenos, não!).

Esta acção educativa deve começar na escola pré-primária.

Tratamento

  1. Perante situações de síndroma de aspiração aguda, na maior parte das vezes a aspiração de material estranho não constitui uma situação de emergência com asfixia e risco de vida. O grau de urgência/emergência depende da localização do corpo/material estranho e do grau de dificuldade respiratória.
    Se a criança for admitida no serviço de urgência em apneia e tiver idade superior a 1 ano, deverá proceder-se à manobra de Heimlich de imediato; se tiver menos de 1 ano deverá proceder-se à manobra de percussão forte do dorso.
    No entanto, o procedimento de eleição em situações de emergência/asfixia e história convincente de aspiração é a broncoscopia com broncoscópio rígido para remoção do corpo estranho.
    Nos casos em que a história não é convincente poderá utilizar-se inicialmente o broncoscópio flexível para confirmar o diagnóstico; em segunda linha, uma vez confirmado o diagnóstico, procede-se a broncoscopia rígida para remoção do corpo estranho.
  2. Nos casos de síndroma de aspiração recorrente há que atender às particularidades da patologia de base, sua evolução e respectivas medidas terapêuticas incluindo remoção do material estranho. Cada caso deverá ser avaliado, importando referir que, tratando-se de processo repetitivo, a aspiração de pequenos volumes poderá ter consequências patológicas.
    Em função do contexto clínico (sinais sugestivos de sobreinfecção) poderá estar indicada a antibioticoterapia.

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