Definição

Define-se seborreia (etimologicamente, excesso de sebo ou secreção sebácea) como aumento do teor em lípidos na superfície cutânea; trata-se dum estado fisiológico constitucional da pele (seborreica) que fica lisa, brilhante, untuosa, com dilatação dos poros foliculares, por vezes acompanhada de ligeiro eritema difuso. Localiza-se nas regiões em que as glândulas sebáceas são mais numerosas e desenvolvidas – as regiões seborreicas: couro cabeludo, fronte, pirâmide nasal, pregas axilares e inguinais.

A pele seborreica é com frequência sede de diversas dermatoses que por ela estão condicionadas ou que dela dependem, como sucede na dermite (ou Dermatite) seborreica.

A chamada dermite seborreica (doença das glândulas sebáceas) é uma dermatose caracterizada por manchas ou placas finas de eritema variável e escama amarelada untuosa, que ocorre nas áreas do corpo com maior concentração de glândulas sebáceas, designadas de áreas seborreicas (couro cabeludo, face, região retroauricular, região pré-esternal e áreas intertriginosas).

Na idade pediátrica estão descritas duas faixas etárias de incidência, respectivamente, a infância e a adolescência, com padrões clínicos diferentes.

Etiopatogénese

Apesar de se tratar duma doença frequente, a etiopatogénese não está completamente esclarecida. A hipótese mais aceite actualmente está relacionada com a reacção inflamatória à presença das leveduras do género Malassezia e dos seus metabólitos (nomeadamente o ácido oleico, a malassezina e o indol-3-carbaldeído), num fundo de susceptibilidade genética/imunitária individual.

As leveduras do género Malassezia são comensais do microbioma cutâneo. No entanto, em elevadas concentrações, podem alterar a função de barreira da pele e afectar o controlo da inflamação. O número destas leveduras geralmente diminui com a resposta clínica favorável à terapêutica e aumenta de novo nas exacerbações clínicas. Porém, não existe uma correlação directa entre o número de leveduras e a presença e a gravidade da dermite seborreica.

A doença afecta as regiões anatómicas onde existem glândulas sebáceas activas e está frequentemente associada à hiperprodução de sebo. No entanto, existem indivíduos com aumento da produção de sebo sem dermite seborreica, e indivíduos com dermite seborreica, e com produção normal de sebo.

A presença de factores de susceptibilidade do indivíduo relacionados com o metabolismo dos lípidos cutâneos, a resposta imunitária e a resposta inflamatória poderão justificar estes factos. Sabe-se também que algumas espécies de Malassezia produzem ácido oleico na superfície cutânea por actividade da sua lipase, sendo o ácido oleico irritante para a pele. Outras produzem malassezina e indol-3-carbaldeído, substâncias com actividade na imunorregulação. Assim, a quantidade de sebo produzida não é por si só um factor relevante, mas sim a composição dos lípidos da superfície cutânea determinada por factores genéticos do indivíduo e pela actividade domicrobioma, sobretudo das leveduras do género Malassezia.

Manifestações clínicas

A dermite seborreica da infância surge entre a 2ª e a 10ª semanas de vida e tem o seu pico aos 3 meses de idade. Habitualmente, a manifestação inicial surge no couro cabeludo (sobretudo no vértex e fontanela anterior) sob a forma de escamas amareladas e untuosas, desde finas a muito espessas e aderentes ao couro cabeludo e cabelo, e é designada de crosta láctea (Figura 1). Na maioria dos casos, encontra-se limitada ao couro cabeludo, mas pode atingir a região frontal (Figura 2), pavilhões auriculares, supracílios, nariz e nuca. Podem aparecer lesões eritematosas, de bordos mais ou menos definidos e escama fina, na face e noutras regiões seborreicas, como as regiões retroauricular, cervical (Figura 3), axilar, inguinal, umbilical e anogenital, de forma simétrica. Nas regiões axilares e inguinais, pode ocasionalmente haver eritema exuberante com exsudação e sobreinfecção por Candida. A doença é aparentemente assintomática, sem prurido, e o paciente não evidencia qualquer alteração do estado geral.

A dermite seborreica da infância é autolimitada, resolvendo-se espontaneamente em semanas ou meses (na maioria pelos 8-12 meses de idade). Ocasionalmente, algumas crianças, sobretudo de raça negra, poderão manter ligeira descamação do couro cabeludo durante a idade pré-escolar.

Na adolescência, pode haver recorrência ou aparecimento de novo de dermite seborreica. Nesta faixa etária, o padrão clínico é semelhante ao do adulto: manchas ou placas finas, de eritema mais ou menos intenso e escama untuosa amarelada, sobretudo no couro cabeludo, supracílios, sulcos nasogenianos e região pré-esternal. No couro cabeludo, o prurido é frequente e as lesões menos definidas. Com menor frequência, pode ser causa de intertrigo axilar e inguinal. Ocasionalmente pode ser causa de otite externa não purulenta. O curso da doença é crónico recorrente, e de intensidade flutuante, muitas vezes exacerbado por questões de tensão psicoemocional. A exposição ao sol e ao calor poderão exacerbar a doença.

FIGURA 1. Crosta láctea

FIGURA 2. Crosta láctea e dermite seborreica da região frontal

FIGURA 3. Dermite seborreica da prega cervical

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico da dermite seborreica é clínico. Na infância, realiza-se o diagnóstico diferencial com:

  • Dermite atópica – A dermite seborreica tem geralmente início mais precocemente (<3 meses). O padrão de distribuição é diferente e a escama untuosa. A ausência de prurido, irritabilidade e perturbação do sono é também uma característica diferenciadora. A dermite atópica pode seguir-se à dermite seborreica.
  • Dermite de contacto irritativa da área da fralda – A dermite irritativa da área da fralda sem outra complicação geralmente limita-se à area da fralda e tende a poupar as pregas.
  • Psoríase – Se o padrão anatómico for semelhante, as lesões podem ser semelhantes, dado que as lesões de psoríase nas pregas não têm a característica escama amiantácea. Caso existam placas de psoríase típicas noutros locais, o diagnóstico diferencial será facilitado. Caso contrário, a evolução da dermatose revelará o diagnóstico.
  • Síndroma de Leiner – Síndroma rara que combina dermatose semelhante a dermite seborreica grave generalizada, podendo associar-se a diarreia e paragem de crescimento e progredir para eritrodermia esfoliativa. Está associada a várias imunodeficiências.
  • Histiocitose das células de Langerhans – A clínica pode ser muito semelhante, com distribuição nas áreas seborreicas e descamação espessa no couro cabeludo e regiões retroauriculares. No entanto, note-se a existência de pápulas eritemato-acastanhadas, frequentemente erosionadas ou com crosta, lesões purpúricas e envolvimento sistémico (diarreia, anemia, hepatoesplenomegália, linfadenopatia, envolvimento ósseo).

No caso das crianças em idade pré-escolar que tenham descamação do couro cabeludo, pode ser necessário o diagnóstico diferencial com tinha do couro cabeludo por Trichophyton tonsurans. Um curso crónico arrastado, sem alopécia, será mais a favor de dermite seborreica.

No adolescente, a psoríase poderá também fazer parte do diagnóstico diferencial se a dermite seborreica for de atingimento exclusivo do couro cabeludo, com lesões mais definidas e de escama mais grossa.

Tratamento

Na infância, o tratamento baseia-se em produtos de lavagem e tópicos com acção emoliente. Em casos mais extensos ou persistentes, poderá indicar-se cetoconazol a 2% em creme e ciclos curtos de corticóides tópicos de baixa potência (hidrocortisona a 1%), se componente inflamatório significativo. No couro cabeludo, preconiza-se a higiene frequente com champôs suaves; se a escama for muito espessa e aderente, poderão usar-se óleos emolientes, com aplicação em camada fina seguida de massagem suave com uma escova macia e posterior lavagem. Poderão ainda usar-se champôs, emulsões ou cremes disponíveis no mercado que associam substâncias com propriedades emolientes e queratolíticas suaves. Devem ser evitados queratolíticos fortes ou procedimentos mecânicos agressivos, que podem exacerbar a doença.

Na dermite seborreica do couro cabeludo do adolescente, recomenda-se o uso de champôs com propriedades anti-fúngicas (cetoconazol, climbazol, miconazol, piroctona olamina, piritionato de zinco) e/ou queratolíticas (ácido salicílico, lactato de amónio), 2 a 3 vezes por semana, alternados com o champô de frequência habitual. Em períodos de excerbação, poderão ser usados corticóides de média potência (por exemplo, 17-butirato de hidrocortisona em solução, 1 mg/ml, aplicado à noite). Na dermite seborreica de outros locais do corpo, pode recomendar-se a aplicação diária de cremes que associam substâncias emolientes e antifúngicas (piroctona olamina, piritionato de zinco). Nas exacerbações, poderão ser aplicados corticosteróides tópicos de média potência ou, inibidores tópicos da calcineurina (estes últimos na face).

Prognóstico

A dermite seborreica é uma doença benigna com bom prognóstico. Na infância tem resolução espontânea. Na adolescência, do mesmo modo que no adulto, é uma doença crónica de curso flutuante, geralmente controlável com o tratamento.

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