DISPLASIA BRONCOPULMONAR

Introdução

A displasia broncopulmonar (DBP), também conhecida por doença pulmonar crónica (DPC) da prematuridade, é uma síndroma que se desenvolve na maioria dos recém-nascidos (~60%) com prematuridade extrema (22-27 semanas) em que se verifica necessidade prolongada de suporte respiratório e oxigenoterapia suplementar; de referir que tal proporção aumenta: 100% entre 22 e 24 semanas.

Trata-se, pois, da doença pulmonar crónica mais frequente na primeira infância, multifactorial, resultando da interacção complexa entre o pulmão imaturo em desenvolvimento e a acção de múltiplos factores perinatais e pós-natais.

A epidemiologia e a fisiopatologia da displasia broncopulmonar (DBP) evoluíram muito desde a sua primeira descrição por Northway em 1967, numa época em que não eram ainda utilizados corticóides pré-natais nem surfactante exógeno, assim como assistência respiratória menos invasiva, aplicando pressão positiva contínua (CPAPcontinuous positive airway pressure).

Assim, em tal época (na era pré-surfactante), a DBP foi definida tendo como base os seguintes critérios:

  • Dependência de oxigénio em RN e lactentes com antecedentes de prematuridade e de doença da membrana hialina grave;
  • Ventilação prévia por longos períodos com concentrações elevadas de oxigénio;
  • Presença de alterações radiológicas/ pulmonares do tórax (padrão reticular grosseiro, opacidades alternando com áreas de arejamento irregular, etc.), e
  • Presença de alterações histopatológicas (de cujo padrão de “displasia” resultou o nome dado à doença).

Tal patologia é actualmente pouco frequente em crianças nascidas com peso >1.500 gramas e idade gestacional >32 semanas.

Na era pré-surfactante, as alterações histológicas mais frequentemente encontradas na via aérea eram hipertrofia da musculatura lisa, metaplasia epitelial e, no parênquima, zonas de enfisema alternando com zonas de fibrose. A este padrão fenotípico de doença é dado muitas vezes o nome de “velha ou clássica” DBP.

Na actualidade, a que corresponde a era moderna de cuidados neonatais, o padrão histológico mais frequentemente encontrado é o de doença homogénea marcada por reduzido número de alvéolos e capilares, mínimas áreas de hiperinsuflação e colapso focal, menos áreas de enfisema e fibrose, ao qual corresponde a chamada “nova” DBP, característica de RN com estádio de desenvolvimento pulmonar mais imaturo, com <1.000 gramas e <28 semanas de gestação.

Critérios de diagnóstico de DBP actuais

Antecedentes históricos

Bancalari em 1979 propôs a definição de DBP considerando como critérios: dificuldade respiratória com necessidade de oxigenoterapia aos 28 dias de vida, associada a alterações radiológicas compatíveis.

Verificou-se, entretanto, que um contingente significativo de RN, sobretudo com peso <1.000 granas e imaturidade extrema, estava dependente de oxigénio aos 28 dias de vida não se verificando antecedentes de patologia pulmonar significativa.

Em 1988 Shennan modificou os critérios propostos por Bancalari introduzindo o termo de DPC do pré-termo assim definida: dificuldade respiratória e dependência de oxigénio às 36 semanas de idade gestacional, associadas a alterações radiológicas compatíveis com a doença.

Concluindo-se que tanto a definição de Bancalari como a de Shennan não permitiam determinar a gravidade da doença pulmonar, chegou-se à definição actual, sintetizada a seguir.

Actualmente, de acordo com os peritos dos National Institutes of Health and Human Development (NICHD) e da Neonatal Research Network (NRN) dos EUA, foram estabelecidos os seguintes critérios sobre terminologia a aplicar nos casos de doença pulmonar crónica com início no período neonatal, considerando dois grupos de RN com as seguintes idades gestacionais: respectivamente, <32 semanas e ≥32 semanas:

I- RN com <32 semanas de idade gestacional: avaliação às 36 semanas de idade pós-menstrual (IPM) ou na data da alta (considerando a que ocorrer primeiro) nos casos de RN necessitando de FIO2 >21% durante, pelo menos, 28 dias:

  • DBP ligeira <> Respirando ar às 36 semanas de idade pós-menstrual ou na data da alta (considerando a que ocorrer primeiro);
  • DBP moderada <> Necessidade de FiO2 <30% às 36 semanas de IPM, ou na data da alta;
  • DBP grave <> Necessidade de FIO2 >30%, com ou sem ventilação IPPV ou CPAP às 36 semanas de IPM, ou na data da alta.

 II- RN com 32 semanas de idade gestacional: avaliação com idade >28 dias, e <56 dias de idade pós-natal ou na data da alta, idem, necessitando de Fi O2 >21% durante pelo menos 28 dias:

  • DBP ligeira <> Respirando ar pelos 56 dias de idade pós-natal ou na data da alta;
  • DBP moderada <> Necessidade de FiO2 <30% até aos 56 dias de idade pós-natal ou na data da alta;
  • DBP grave <> Necessidade de FiO2 >30% com ou sem ventilação IPPV ou CPAP aos 56 dias de idade pós-natal, ou na data da alta.

O grupo II inclui recém-nascidos pré-termo e de termo com antecedentes de patologia cardiopulmonar diversa como síndroma de aspiração meconial, pneumonia, e cardiopatias congénitas requerendo suporte ventilatório prolongado.

Depreende-se que, de acordo com a definição adoptada na actualidade, são considerados como critérios sine qua non a oxigenoterapia e a idade gestacional, sem considerar eventuais alterações radiológicas pulmonares

Aspectos epidemiológicos

De acordo com estudos epidemiológicos, nos EUA calcula-se uma incidência anual de 10.000 a 15.000 (novos casos) de DBP.

Como regra geral pode afirmar-se que a incidência de DBP é tanto mais elevada quanto menores a idade gestacional e o peso de nascimento, sendo que é pouco frequente em RN com idade gestacional >34 semanas.

Com a prática de indução da maturação pulmonar com corticóides pré-natais, as estratégias de ventilação mecânica, cada vez menos agressivas, e o desenvolvimento da terapêutica substitutiva com surfactante exógeno, a incidência da forma clássica de DBP tem diminuído consideravelmente, em paralelo com a modificação de critérios de definição ao longo do tempo, o que tem gerado, por vezes, alguma confusão na literatura científica.

Estudos epidemiológicos do grupo de Bancalari em RN imaturos (<1.000 gramas) evidenciaram, na era pré-surfactante, a proporção de cerca de 46%; e na era pós-surfactante, cerca de 39%.

Num estudo do grupo de Hack (década de 90 passada – englobando sete UCIN) foram obtidos os seguintes resultados quanto a dependência de oxigénio aos 28 dias de vida; grupo ponderal 1.001-1.500 gramas: 13%; no de 751-1.000 gramas: 42%; e no de 501-750 gramas: 9%.

Noutro estudo de Darlow & Horwood (1992), considerando a dependência de oxigénio pelas 36 semanas de idade pós-concepcional, obteve-se a frequência de 23% em RN com idade gestacional <32 semanas e peso oscilando entre 500-1.499 gramas.

Em Portugal, de acordo com os dados publicados pelo Grupo do Registo Nacional do Recém-nascido de Muito Baixo Peso (RNMBP)/ Estudo Multicêntrico 1996-2000 (5 anos), no contingente de RNMBP com <34 semanas de gestação e peso igual ou >500 gramas, sobreviventes às 36 semanas de idade pós-concepcional e dependentes de O2 nesta referida idade, a proporção média de DPC no quinquénio foi 20,8% (643/3094) especificando-se os limites: 12,5-26,3%.

Etiopatogénese

Na era pré-surfactante, a DBP (clássica ou “velha”) era considerada doença pulmonar crónica, fibroproliferativa, relacionada predominantemente com lesões provocadas por ventilação mecânica e oxigenoterapia prolongadas. Identificava-se o papel importante do colapso alveolar (atelectrauma) como consequência do défice de surfactante, juntamente com a hiperdistensão pulmonar pela ventilação artificial (volutrauma) como indutores de inflamação e lesão pulmonares. Acrescentavam-se as lesões por toxicidade do oxigénio suplementar produzindo radicais livres não susceptíveis de metabolização pela imaturidade antioxidante do pulmão. Como foi referido antes, a lesão pulmonar produzida evidenciava sobretudo hipertrofia do músculo liso e áreas de fibrose alternando com áreas enfisematosas.

Na era actual, em que o limite de viabilidade diminuiu consideravelmente (DBP nova), considera-se que a etiopatogénese da DBP é predominantemente multifactorial como foi referido antes, salientando-se que a lesão pulmonar é acompanhada de inflamação.

Entre os múltiplos factores perinatais e neonatais, considerados factores de risco, sobressaem infecção, hiperóxia, volutrauma, barotrauma e atelectrauma, os quais contribuem para o desenvolvimento da DBP através de mecanismo de lesão inflamatória pulmonar e apoptose celular. Segundo alguns investigadores, trata-se dum processo de regulação aberrante da inflamação pulmonar.

Tais factores, originando anomalias no processo de renovação da matriz extracelular e da remodelação estrutural, contribuem por sua vez para deposição desordenada da elastina, fibrose da parede sacular e alteração no desenvolvimento da formação dos alvéolos, o que corresponde a patologia fibroproliferativa.

Tendo em consideração que pelas 24 semanas de gestação é atingida a fase canalicular do desenvolvimento, a qual progride até ser atingida a fase sacular pelas 30 semanas, na nova DBP, quanto à característica das lesões, verifica-se, fundamentalmente: ruptura e interrupção do desenvolvimento das estruturas em geral, reparação tecidual anómala e alvéolos incompletamente desenvolvidos com septação insuficiente ou inexistentes, o que compromete a funcionalidade da barreira alveolocapilar.

Existem, pois, características estruturais que tornam o pulmão imaturo mais susceptível à lesão aguda provocada pela intervenção terapêutica, designadamente ventilatória.

Na DBP, considerada globalmente, importa uma referência aos seguintes factos biológicos:

  • Zonas de diferente distensibilidade ou compliance, do que resulta correspondente heterogeneidade de dimensões dos alvéolos, ou seja, a par de zonas do parênquima evidenciando colapso alveolar, existem outras hiperventiladas em grau variável;
  • Passagem de fluidos e proteínas para o espaço alveolar, o que inactiva o surfactante pulmonar, comprometendo ainda mais a compliance pulmonar;
  • O oxigénio produz radicais livres que não são metabolizados no RN de muito baixo peso imaturo, o que se explica pela imaturidade do sistema imune (ver adiante).

Notas importantes:

    • ambos os padrões patológicos de velha e nova DBP podem desenvolver-se em RN com prematuridade extrema requerendo entubação traqueal prolongada e ventilação mecânica;
    • segundo alguns autores, a nova e a velha DBP representam um continuum de gravidade da mesma doença e, possivelmente, não duas entidades distintas.

Factores de risco

Reiterando que a DBP resulta do efeito combinado duma multiplicidade de factores perinatais e pós-natais com impacte no pulmão imaturo em desenvolvimento, descrevem-se a seguir alguns dos referidos factores:

Prematuridade

A prematuridade constitui o mais importante factor de risco de DBP. Em valor numérico, são apontadas as seguintes proporções: <5% de crianças nascidas a partir das 30 semanas, em comparação com >50% com 24-25 semanas ou menos.

Importa salientar que a verificação de restrição do crescimento fetal aumenta o risco.

Quanto ao sexo, a realidade é a seguinte: para igual peso e idade gestacional, a proporção de RN pré-termo do sexo masculino é duas vezes superior à do sexo feminino.

Inflamação e infecção

A inflamação e o oxigénio, constituem factores major na etiopatogénese da DBP; ou seja, na maioria dos casos, os factores implicados na doença estão interligados.

Com efeito, a resposta inflamatória pode ser desencadeada por factores não infecciosos (a que já se aludiu atrás), e a factores infecciosos pré-natais, ou pós-natais, actuando estes últimos no pós-parto imediato.

Infecção pós-natal – A sépsis neonatal está associada a risco elevado de DBP no RN pré-termo. O risco de DBP é significativamente superior se coexistirem sépsis e canal arterial hemodinamicamente significativo.

Corioamnionite – A infecção pré-natal tem sido apontada como factor de risco de desenvolvimento de DBP. Esta hipótese baseia-se na verificação de níveis elevados de citocinas inflamatórias no sangue do cordão fetal, no líquido amniótico e ulterior desenvolvimento de DBP.

A resposta inflamatória traduz-se:

  1. Pelo afluxo ou recrutamento de neutrófilos, macrófagos, leucotrienos, factor de activação das plaquetas (PAF), IL-6, IL-8, factor de necrose tumoral (TNF), etc. às vias aéreas e tecido intersticial, sendo que tal recrutamento se verifica por acção do quimiotactismo positivo de citocinas;
  2. Lesão oxidativa;
  3. Aumento da permeabilidade da membrana alveolocapilar;
  4. Desequilíbrio entre o sistema protease e antiprotease. Em RN pré-termo com DBP demonstrou-se a e alevação sérica de quimiocinas Th2.

Recorda-se que as proteases são enzimas sintetizadas pelos neutrófilos; têm acção proteolítica e, em condições de normalidade, são inactivadas pelas antiproteases. Sendo as antiproteases degradadas ou bloqueadas pelos radicais livres de oxigénio, passam a predominar as proteases (com papel relevante a elastase) cuja concentração aumenta; desfaz-se assim o equilíbrio existente em condições normais entre protease e antiprotease. As consequências são a destruição da matriz proteica, colagénio, elastina, etc..

Em particular, a infecção por Ureaplasma urealyticum tem sido referida como causa de resposta inflamatória anormal com consequente alteração do desenvolvimento pulmonar e ulterior DBP. No entanto, são necessários mais estudos comprovando que a erradicação da colonização respiratória por Ureaplasma adquirida in utero reduz a incidência de DBP.

Ventilação mecânica

Sendo a expansibilidade torácica inversamente proporcional à idade gestacional, o risco de volutrauma é tanto maior quanto menor a idade gestacional, chamando-se a atenção para:

  • A possibilidade de pressões inspiratórias, consideradas moderadas ou não excessivas, poderem originar volumes correntes excessivos e hipocapnia;
  • A possibilidade de mais acentuado volutrauma quando alvéolos colapsados são hiperdistendidos por ventilação com pressão positiva intermitente; e menos acentuado volutrauma nos casos em que se mantém distensão contínua moderada dos alvéolos ao ser aplicada uma pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP).

Uma vez que na maioria dos RN pré-termo em que surge DBP há antecedentes de ventilação mecânica, e havendo associação frequente entre enfisema intersticial e DBP, é provável que surjam diversos tipos de lesão traumática ao nível do parênquima pulmonar em relação, quer com as alterações anatomofisiológicas das vias terminais e parenquimatosas, quer com as características do ventilador e as estratégias ventilatórias adoptadas.

Assim, poderá surgir volutrauma e barotrauma, respectivamente:

  • Volutrauma por volume corrente e pressão inspiratória elevados provocando hiperdistensão alveolar e;
  • Barotrauma (colapso alveolar) devido a insuficiente pressão positiva no final da expiração (PEEP) ou por défice de “recrutamento” alveolar.

Admite-se também o possível papel do tubo endotraqueal (TET) que, por um lado, pode lesar a mucosa e, por outro, levar a infecção relacionada com a dificuldade na drenagem de secreções.

Estudos experimentais em animais pré-termo concluíram que existe associação entre pressão inspiratória elevada, volume corrente elevado e défice de surfactante.

Demonstrou-se também que volume corrente excessivo pode lesar o pulmão e iniciar a cascata inflamatória.

Oxigénio

Admite-se que a toxicidade do O2 resulta do aumento de produção de radicais livres de oxigénio citotóxicos por défice de defesas antioxidantes ao nível das células endoteliais (dos capilares e alveolares).

Recordam-se, a propósito, os principais sistemas antioxidantes: dismutase do superóxido, peroxidase da glutationa, catalase, redutase, sintetase (enzimáticos), vitaminas C, A, e E, determinados oligoelementos como o selénio, cobre, ferro, zinco, etc. (não enzimáticos).

Acontece que a actividade dos sistemas enzimáticos antioxidantes é tanto mais deficitária quanto menor a idade gestacional, o que confere, em tal circunstância, maior vulnerabilidade das células à acção dos radicais livres de oxigénio (radical superóxido, peróxido de hidrogénio, hidroxilo, etc.), os quais, reagindo com constituintes celulares proteicos (ADN) e lipídicos (designadamente, a membrana lipídica) provocam destruição celular e lesões estruturais por alteração do mecanismo de reparação celular.

Outro efeito dos radicais livres de oxigénio é o recrutamento celular (sobretudo de leucócitos polimorfonucleares), o qual estimula a activação do ácido araquidónico, a inactivação da alfa-1-antitripsina (esta última antioxidante), e o processo inflamatório em cascata. Embora todas as células do organismo possam ser afectadas pelo efeito dos radicais livres de oxigénio face a concentrações elevadas de oxigénio, o pulmão é mais vulnerável tendo em conta, não propriamente a sensibilidade inerente ao tecido pulmonar, mas a maior superfície de exposição dos pneumócitos I e II, em contacto directo com o gás inspirado.

Canal arterial funcionante

Diversos estudos demonstraram que nos RN com doença respiratória por imaturidade pulmonar, submetidos a fluidoterapia com suprimento de volume excessivo, e não evidenciando fase diurética precoce nas primeiras 48-72 horas, a incidência de DBP é mais elevada.

Admite-se que, em tal circunstância, o suprimento excessivo de fluidos aumenta a incidência do quadro clínico decorrente de manutenção da permeabilidade do canal arterial (PDA ou persistência do ductus arteriosus) determinando:

  1. Aumento do débito sanguíneo pulmonar e do líquido intersticial (edema pulmonar) com aumento da resistência da via aérea ao fluxo de gases e estímulo da cascata inflamatória;
  2. Diminuição da compliance pulmonar, com tendência ao colapso alveolar.

Gera-se, assim, um círculo vicioso do qual resulta a necessidade de assistência ventilatória com pressão inspiratória mais elevada e a necessidade de FiO2 também mais elevada.

Contudo, com a aplicação de diferentes estratégias para prevenir ou tratar situações de canal arterial hemodinamicamente significativo, não se demonstrou haver consequente redução na incidência da DBP. Numa revisão da Cochrane (Bell & Acarregui, 2008) demonstrou-se que, embora a incidência de PDA diminua com a restrição de fluidos, a incidência de DBP não se altera. Também se provou que a utilização de diuréticos na DBP se associa a melhoria a curto-prazo na função pulmonar, e a diminuição das necessidades de oxigénio, embora sem qualquer efeito significativo na incidência da doença.

Nutrição

Os nutrientes têm papel importante no crescimento e desenvolvimento celulares, sendo de salientar que a desnutrição (carência de nutrientes) torna as células mais vulneráveis à lesão induzida pela acção dos radicais livres de oxigénio.

Sabendo-se que a transferência dos nutrientes da mãe para o feto se verifica sobretudo no terceiro trimestre, torna-se fácil compreender que a carência nutricional inerente à prematuridade predispõe a tal lesão, nomeadamente ao nível do pulmão (fundamentalmente, menor síntese de ADN). Havendo em tais RN igualmente carência em ácidos gordos polinsaturados, com acção antioxidante, compreende-se também o acréscimo de predisposição para tal tipo de lesões.

A carência em vitamina A influencia, também negativamente, o crescimento e desenvolvimento das células epiteliais, endoteliais e surfactante pulmonares. Em diversos estudos comprovou-se que o nível sérico de vitamina A está diminuído nos RN com DBP.

Predisposição genética

Com o desenvolvimento da biologia molecular, descreveu-se um estado de predisposição genética a anormal hiperreactividade brônquica, sendo que existe associação entre DBP e antecedentes familiares de asma.

Estudos com gémeos prematuros monozigóticos sugerem que em 53-79% dos casos existe uma predisposição genética para o desenvolvimento de DBP. Estudos prévios identificaram múltiplos genes com papel potencial na DBP, como por exemplo genes associados à síntese de proteínas do surfactante, à imunidade inata, a antioxidantes e a proteínas envolvidas na remodelação vascular e pulmonar.

Anomalias do desenvolvimento vascular pulmonar e pré-eclâmpsia

No contexto de DBP, é importante assinalar as anomalias da circulação pulmonar que se verificam:

  • Resistência vascular pulmonar (RVP) aumentada;
  • Vasorreactividade anormal.

Tais anomalias têm implicações na terapêutica (ver adiante). Em muitos casos, as mesmas podem ser suficientemente graves para conduzir a quadros de hipertensão pulmonar e cor pulmonale. Em estudos recentes verificou-se uma incidência de hipertensão pulmonar em cerca de 25% dos casos, atingindo 50% nas situações de DBP grave. O desenvolvimento de hipertensão pulmonar agrava significativamente o prognóstico, aumentando o risco de morte (48% de mortalidade 2 anos após o diagnóstico de hipertensão pulmonar).

Actualmente, a pré-eclâmpsia é considerada um factor de risco de DBP, verificando-se que naquela existe fenómeno de anti-angiogénese. Este fenómeno, com impacte no desenvolvimento vascular pulmonar e no desenvolvimento alveolar, é explicado pelo défice de determinados factores de crescimento. Com efeito, no sangue do cordão de RN de mães com pré-eclâmpsia desenvolvendo ulteriormente DBP, foram demonstrados valores baixos de VEGF (vascular endothelial growth factor) e de PlGF (placental growth factor), devido a neutralização por uma tirosinocinase (sFlt-1), a qual é produzida em excesso pelas vilosidades trofoblásticas em tal contexto (pré- eclâmpsia).

Manifestações clínicas e exames complementares

O desenvolvimento da terapia intensiva, incluindo a terapêutica substitutiva com surfactante pulmonar exógeno, tem permitido ao longo dos anos a sobrevivência de RN de peso cada vez mais baixo e mais imaturos.

Dum modo geral, a DBP surge em RN pré-termo submetidos a ventilação mecânica nos primeiros dias de vida; a dependência do ventilador para além de 1-2 semanas pode conduzir às hipóteses de diagnóstico de: DBP, de PDA, e de infecção.

São consideradas actualmente duas formas clínicas de DBP:

1. DBP clássica ou “velha”

Esta forma corresponde às situações mais graves, em geral anteriores à era da terapêutica com surfactante exógeno: necessidade de maiores concentrações de oxigénio, suporte ventilatório obrigando a pressões inspiratórias mais elevadas durante a primeira semana de vida, e elevada probabilidade de síndromas de ar ectópico e insuficiência respiratória crónica.

Estas características acompanham-se fundamentalmente de inflamação das vias aéreas com metaplasia do epitélio respiratório, hipoplasia alveolar, fibrose da parede sacular, obliteração bronquiolar, e muscularização excessiva das vias aéreas e ramos arteriais pulmonares. (Figura 1)

Ocorre um quadro de SDR mantida com taquipneia, retracções, episódios de cianose, e crises de agitação/ irritabilidade por hipoxémia; existe igualmente aumento muito marcado do trabalho respiratório.

Há sinais de insuficiência ventricular direita e cor pulmonale secundários a hipertensão pulmonar: edema pulmonar, cardiomegália, hepatomegália.

FIGURA 1. Corte histológico do pulmão: caso de óbito com DBP. Sinais de metaplasia do epitélio respiratório; grau discreto de fibrose. (UCIN-HDE)

São frequentes atelectasia recorrente, infecções pulmonares intercorrentes, e broncomalácia com consequente sibilância.

Um dos problemas associados é a dificuldade na alimentação por via oral, o que frequentemente tem repercussões negativas no crescimento.

2. DBP ”nova”

O paradigma desta forma é constituído pelas situações de imaturidade extrema (peso de nascimento <1.000 gramas) com SDR ligeira, e necessidade de suporte ventilatório tendo em conta o surgimento de episódios frequentes de apneia; nestes casos são utilizadas menores concentrações de oxigénio e mais baixas pressões inspiratórias, a dependência de oxigénio é ligeira, e o compromisso da função pulmonar menos acentuado.

Em geral, os problemas associados que determinam manutenção da disfunção respiratória relacionam-se sobretudo com infecções associadas aos cuidados prestados e a alterações hemodinâmicas em relação com a manutenção da permeabilidade do canal arterial.

Tendo em conta que esta forma surge predominantemente em RN com idades gestacionais entre 23 e 28 semanas, o quadro anatomopatológico traduzindo sinais de “agressão” em estádio de desenvolvimento muito mais precoce, é diverso do verificado na outra forma: na nova DBP verifica-se défice de desenvolvimento das vias aéreas devido a imaturidade – défice de alvéolos/ hipoplasia alveolar, sáculos dilatados, e anarquia no desenvolvimento dos capilares. Nesta forma, ao contrário do que acontece na primeira, as lesões de metaplasia e de hiperplasia epiteliais e fibrose são mínimas.

Verifica-se em geral um quadro de SDR ligeira, com possível agravamento por infecção intercorrente ou persistência do canal arterial; em comparação com a “forma clássica”, existe menor dependência do oxigénio, e sinais mais discretos de aumento do trabalho respiratório.

No que respeita ao padrão radiológico torácico descrito inicialmente por Northway, o Quadro 1 resume determinados sinais em diversos estádios, reflectindo a evolução das lesões.

QUADRO 1 – DBP: Classificação Radiológica de Northway.

Estádio I
Sobreponível ao quadro de DMH com “granitado” bilateral e broncograma aéreo (1º-3º dia de vida). 
Estádio II
Opacificação dos campos pulmonares (4º-10º dia de vida). 
Estádio III
Pequenas áreas quísticas alterando com zonas de densidade variável (10º-20º dia de vida).
Estádio IV
Densidades lineares grosseiras, sobretudo nos vértices, alternando com zonas de hipertransparência e de hipotransparência, com distribuição irregular (a partir do 30º dia).

O padrão radiológico (não específico da doença, persistente e afectando ambos os campos pulmonares; nem tão pouco critério sine qua non– ver atrás) pode também ser classificado em ligeiro, moderado e grave:

  1. DBP ligeira – opacidades reticulares de distribuição homogénea traduzindo compromisso intersticial com ou sem sinais de enfisema;
  2. DBP moderada – opacidades reticulares (ou linhas de opacificação) hilífugas associadas a sinais de enfisema;
  3. DBP grave – opacidades mais densas, difusas e heterogéneas traduzindo zonas de fibrose ou de atelectasia; concomitância de zonas de enfisema e de atelectasia; possível cardiomegália correspondente a situação de cor pulmonale. (Figura 2)

Em muitos centros, a TAC torácica utiliza-se muito frequentemente pelo facto de permitir, com grande sensibilidade, a identificação de lesões focais tais como enfisema lobar adquirido e atelectasias localizadas. Se for utilizada com angiografia associada a ecocardiografia e, em geral, a outros exames correntes no âmbito da cardiologia de intervenção, permitirá igualmente identificar situações de hipertensão pulmonar.

No que respeita aos achados do estudo da função pulmonar (que se podem deduzir das alterações descritas a propósito da etiopatogénese), salienta-se:

  • Capacidade residual funcional diminuída;
  • Compliance (ou distensibilidade) diminuída;
  • Resistência aumentada das vias aéreas;
  • Aumento do trabalho respiratório;
  • Hipercapnia secundária à hipoventilação alveolar que, por sua vez, resulta da alteração na relação ventilação-perfusão e do aumento do espaço morto.

FIGURA 2. A, B e C – Imagens radiográficas de DBP tipificando os estádios II, III e IV de Northway: opacificações, pequenas áreas quísticas dispersas, densidades lineares grosseiras e áreas de hipo e hipertransparência. (NIHDE)

Prevenção e tratamento

Aspectos gerais

As estratégias que têm como objectivo prevenir a DBP (prevenção primária) devem incidir sobre a eliminação ou redução de determinados factores etiopatogénicos (com especial ênfase para prematuridade, restrição de crescimento fetal, hipertensão arterial materna, ventilação mecânica, toxicidade do oxigénio, infecção, canal arterial patente e predisposição genética), os quais contribuem para a lesão pulmonar.

Tendo em conta que a imaturidade pulmonar constitui o principal factor predisponente da doença em causa, a prevenção da DBP deve ter o seu início no período pré-natal, passando pela vigilância adequada pré-concepcional e da grávida, a fim de se detectar e tratar possíveis factores de risco para parto pré-termo. Assim, grávidas de risco devem ser enviadas atempadamente a centros de referência e, em caso de ameaça de parto pré-termo, transferidas para hospitais de nível III.

Estando iminente o parto pré-termo, a administração de corticóides pré-natais contribui de modo relevante para a diminuição, quer da incidência e gravidade do problema respiratório do pré-termo (DMH), quer da probabilidade da subsequente evolução para DBP.

O Quadro 2 resume as principais estratégias de prevenção, quer as actualmente exequíveis, quer as que são ainda objecto de investigação.

A propósito da prevenção e tratamento das infecções pré- e pós-natais, cabe referir que cerca de 30 a 40% dos partos pré-termo são provocados por infecção materna. Ainda no âmbito da prevenção primária, importa igualmente considerar o potencial papel de certos fármacos de acordo com estudos realizados, na maioria não conclusivos; a este propósito citam-se a azitromicina e outros macrólidos (activos contra Ureaplasma).

QUADRO 2 – Estratégias para a prevenção da DBP.

Actualmente exequíveis

    • Prevenção do parto pré-termo
    • Administração de corticóides pré-natais
    • CPAP não invasivo no pós-parto imediato
    • Redução ao mínimo das diversas formas de trauma e da duração da ventilação
    • Administração de surfactante exógeno
    • Redução ao mínimo da toxicidade do oxigénio
    • Administração de corticóides pós-natais
    • Prevenção e tratamento agressivo das infecções pré- e pós-natais
    • Evicção da fluidoterapia excessiva
    • Encerramento do canal arterial
    • Intervenção nutricional

Em investigação

    • Administração exógena de enzimas antioxidantes (por ex. SOD)
    • Indução do sistema citocrómio P450
    • Terapia génica
    • Manipulação genética
    • Células estaminais angiogénicas
    • Inibidores das citocinas pró-inflamatórias (pentoxifilina, inibidores de NLRP3, etc.)

Ventilação mecânica

Quanto às estratégias de assistência respiratória preventiva, os estudos realizados têm advogado globalmente:

  • A vantagem de se utilizar precocemente, desde a sala de partos, CPAP nasal (nCPAP) em RNMBP, evitando a entubação traqueal e a ventilação mecânica; e
  • Quando indicado, a utilização de surfactante exógeno o mais precoce possível, idealmente nas 2 primeiras horas de vida.

Tornando-se indispensável a ventilação mecânica, recomenda-se:

  • Utilizar volumes correntes baixos a fim de minorar a lesão pulmonar mecânica, tendo como alvo Pa CO2 entre 55 e 65 mmHg, desde que o pH se mantenha em níveis normais (7,3-7,4). No entanto, a ventilação mecânica prolongada no RNMBP provoca distensão das vias aéreas e aumento da relação espaço morto/ volume corrente, o que obriga muitas vezes à utilização de volumes correntes mais elevados para uma ventilação eficaz;
  • Usar pressões no final da expiração (PEEP) entre 5 e 7 cmH2O a fim de minorar o risco de atelectasia e de edema pulmonar;
  • Evitar, tanto a hipoxémia como a exposição a excesso de oxigénio, recorrendo à SpO2 alvo, em função dos valores obtidos pela oximetria de pulso e da idade pós-menstrual. (ver adiante)

Oxigenoterapia

Os objectivos da utilização de oxigénio suplementar são:

  1. Assegurar uma adequada oxigenação tecidual;
  2. Evitar a hipóxia alveolar, a qual aumenta a resistência vascular pulmonar com potencial evolução para cor pulmonale;
  3. Evitar a hipoxémia, que conduz a aumento da resistência das vias aéreas.

De salientar, contudo, que elevações da FiO2, ainda que escassas, podem ter um impacte negativo na evolução clínica, designadamente quanto ao risco de retinopatia da prematuridade ou de exacerbação da inflamação e do edema pulmonares.

A utilização de oxigenoterapia na criança prematura com DBP constitui, pois, um desafio, tendo em conta a necessidade, por um lado, de evitar a hipoxémia e, por outro, de evitar a exposição a concentrações excessivas de oxigénio.

Com base em provas científicas, recomenda-se uma saturação-alvo em oxigénio entre 90 e 95% no RN pré-termo (ou 95-96% nos casos com hipertensão pulmonar).

Quando a criança atinge a idade de termo e adquire maturidade vascular retiniana (documentada por observação oftalmológica) recomenda-se suplementação com oxigénio de forma a manter valores de SpO2 iguais ou superiores a 95%.

Cafeína

O tratamento com citrato de cafeína tem sido associado a menor incidência de DBP às 36 semanas de idade corrigida, o que possivelmente decorre da menor exposição à ventilação com pressão positiva. Por outro lado, a sua utilização na prematuridade extrema tem sido associada a diminuição de paralisia cerebral e de défice cognitivo aos 18 meses de idade corrigida. No entanto, este benefício não foi comprovado em estudos de seguimento na idade pré-escolar.

Antioxidantes

É importante chamar a atenção para o papel de vitamina A e do selénio na diferenciação e manutenção da integridade das células epiteliais do sistema respiratório. Alguns estudos demonstraram que doses elevadas de vitamina A em RN de peso <1.000 gramas determinaram diminuição da mortalidade por DBP e das necessidades de oxigénio ao mês de idade, a par de uma tendência para redução do número de casos de DBP.

Diuréticos

Ainda que a terapêutica diurética melhore a curto prazo a mecânica pulmonar, é pouco evidente o seu benefício a longo prazo na evolução da DBP.

Duas classes de diuréticos podem ser utilizadas na criança com DBP:

  1. Tiazidas – actuando no tubo distal renal (ex: hidroclorotiazida, espironolactona);
  2. Diuréticos de ansa – actuando no ramo ascendente da asa de Henle (ex: furosemido).
    De referir, a propósito, que tais fármacos, estimulando a síntese de prostaglandinas, exercem efeito vasodilatador pulmonar e sistémico e estimulam a secreção de surfactante pulmonar.

Como complicações da utilização destes fármacos, citam-se:

  • Perda urinária de sódio, potássio e cloro, podendo levar a hiponatrémia, hipocalémia e, eventualmente, a alcalose hipoclorémica;
  • O furosemido aumenta a excreção de cálcio, muitas vezes levando à nefrocalcinose e nefrolitíase; igualmente, é potencialmente ototóxico, sobretudo se a administração endovenosa for rápida.

Apesar da falta de prova científica de reais benefícios a longo prazo, pode recorrer-se à terapêutica diurética em crianças dependentes da ventilação mecânica ou que necessitam de PEEP apesar de uma restrição hídrica modesta (140-150 mL/kg/dia). Em tal contexto, são utilizadas habitualmente as tiazidas (hidroclorotiazida na dose de 3-4 mg/kg/dia, em duas doses por via oral, associada ou não a espironolactona).

O furosemido utiliza-se habitualmente em dose única (1 mg/kg/dose por via endovenosa, ou 2 mg/kg por via oral) para tratar as exacerbações atribuíveis a edema pulmonar, podendo eventualmente prolongar-se o tratamento até 3 dias; muitas vezes é administrado na sequência de transfusões de hemoderivados.

Notas importantes:

    • o uso crónico de furosemido deve evitar-se, pelo risco de nefrocalcinose e ototoxicidade;
    • os electrólitos séricos devem ser monitorizados 1 a 2 dias após o início da terapêutica com diuréticos e, a partir daí, semanalmente; em função dos resultados analíticos, poderá haver necessidade de suplemento de cloreto de potássio (2-4 mEq/kg/dia);
    • a terapêutica com diuréticos prolonga-se habitualmente até a criança não necessitar de PEEP contínua;
    • a suspensão deve fazer-se de forma gradual, com redução da dose em 3-4 dias, ou não ajustando a dose ao eventual ganho ponderal.
Corticóides

Para além da acção anti-inflamatória suprimindo a produção de mediadores inflamatórios, os corticóides estimulam a síntese de surfactante pulmonar e de enzimas antioxidantes, melhorando a função pulmonar nas crianças com DBP em evolução ou já estabelecida.

Apesar da melhoria da mecânica pulmonar e da redução do suporte ventilatório, a preocupação com as sequelas neurológicas a longo prazo levou a que a Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Pediátrica Canadiana tivessem recomendado o uso restrito de corticoterapia sistémica no RN pré-termo.

Assim, o uso de corticóides sistémicos no tratamento de DBP, não recomendado por rotina, deve ser reservado às situações de crianças com DBP grave, dependentes de suporte ventilatório e de oxigénio máximos (necessidades de MAP >8 cm H2O e de FiO2 >40%) ponderando, neste contexto, o balanço entre riscos e benefícios. Nesta perspectiva, a decisão de tratamento com corticóides sistémicos deverá ser tomada caso a caso, e após esclarecimento e concordância dos pais.

São, pois, necessários mais estudos que permitam determinar qual o corticóide mais adequado (bem como a respectiva dose, via e data de administração), que permita reduzir o risco de DBP sem aumentar o risco de sequelas a nível do neurodesenvolvimento em RN pré-termo ventilados.

A propósito de corticóides, algumas notas importantes:

    • resultados de estudos de coorte demonstraram que a hidrocortisona poderá comportar menor risco de sequelas neurológicas relativamente à dexametasona, sem provas reais de benefício de um em relação ao outro;
    • existem escassas provas científicas de eficácia e segurança com a utilização de corticóides inalados (betametasona, budesonido).

Broncodilatadores

A administração de broncodilatadores inalados reduz a resistência das vias aéreas e aumenta a compliance pulmonar.

Tendo em conta os efeitos colaterais cardiovasculares, tais como hipertensão, taquicárdia e arritmia, as suas indicações deverão ser individualizadas, o seu uso não é recomendado por rotina em crianças com DBP.

Podem ser utilizados: beta-2 adrenérgico (como por ex. salbutamol), anticolinérgico derivado da atropina (por ex. o brometo de ipratrópio), metilxantina (por ex. aminofilina, cafeína, etc.).

Salientam-se:

  • Salbutamol (nebulização): 0,1-0,5 mg/kg/dose em 3 mL de soro fisiológico 4 a 6 vezes por dia; podem ser utilizadas outras vias: oral, IV contínua, aerossol;
  • Brometo de ipratrópio (nebulização): 125-250 mcg por dose em 3 mL de soro fisiológico 3 a 4 vezes por dia.

Actualmente, as novas estratégias ventilatórias menos agressivas e o uso de surfactante precoce reduzem o risco de lesão das vias aéreas, resultando em menor número de episódios de hiperreactividade brônquica nas crianças com DBP, durante o internamento.

Notas importantes:

    • nalgumas crianças com DBP grave dependentes do ventilador, podem ocorrer episódios agudos de broncospasmo com resposta clínica aos broncodilatadores, evidenciada pela melhoria das trocas gasosas; em tal circunstância, está indicado o tratamento por períodos curtos, com monitorização dos efeitos desejados e adversos;
    • a aplicação de aerossóis com broncodilatadores poderá não ser eficaz nas primeiras semanas de vida pela ausência de efeito relaxante da musculatura lisa da via respiratória;
    • o uso de broncodilatadores pode agravar a estabilidade das vias aéreas na criança com broncomalácia.

Óxido nítrico

Não está provado efeito benéfico do óxido nítrico na DBP. A sua utilização está apenas recomendada nos casos de insuficiência respiratória com hipoxémia associada a hipertensão pulmonar (HPP/HTP) no RN de termo e pré-termo limiar. Recorda-se que a HPP tem sido descrita em cerca de 40% das formas mais graves de DBP.

Nutrição

Torna-se fundamental propiciar nutrição adequada (suprimento energético entre 120-180 kcal/kg/dia) com vista a garantir o processo de reparação pulmonar, assim como ganho de peso entre 20-30 gramas/dia por volta da idade pós-concepcional de 40 semanas. Haverá que ter em conta a necessidade de balanço hidroelectrolítico rigoroso, sendo muitas vezes necessário restringir o suprimento em fluidos para cerca de 140-150 ml/kg/dia.

Para incrementar o suprimento energético, podem ser administrados suplementos sob a forma de polímeros da glucose e de triglicéridos de cadeia média. Em casos seleccionados, poderá ser necessário proceder a gastrostomia.

Outras terapias

A terapia celular constitui um novo paradigma da medicina.

No pulmão em desenvolvimento, vários tipos de células, tais como as células estaminais mesenquimatosas, as células progenitoras do endotélio (designadamente as células estaminais angiogénicas) e as células epiteliais amnióticas, encerram em si a potencialidade de produzir factores de proteção e reparação de lesão pulmonar. Estas células seriam ideais, não só para o tratamento de uma doença multifactorial como a DBP, como de outras complicações da prematuridade extrema.

Experimentações em animais revelaram resultados promissores, e ensaios de Fase I com células estaminais mesenquimatosas estão já em curso. No entanto, o conhecimento do mecanismo de acção deste tipo de terapêutica, ainda limitado, e a heterogeneidade das populações celulares, dificultam a previsão quanto à sua eficácia.

Outra área de investigação no âmbito da prevenção da inflamação pulmonar envolve o estudo de compostos não esteróides, citando-se a inibição de citocinas pró-inflamatórias utilizando, entre outras, fármacos/ moléculas tais como pentoxifilina e o inibidor NLRP3, este último, fazendo parte do sistema imune.

Plano da alta hospitalar

A alta para o domicílio duma criança com DBP, que deve ser planeada por uma equipa multidisciplinar, é dirigida pelo neonatologista, associando pneumologista pediátrico, enfermeiro, nutricionista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, audiologista e assistente social.

Os pais devem ser envolvidos precocemente neste processo, de forma a se familiarizarem, não só com os cuidados básicos, mas também com os aspectos tecnológicos, por vezes necessários em domicílio (oxigenoterapia, monitorização, etc). Antes da alta, e entre outras competências, os mesmos devem ser treinados em técnica de reanimação cardiorrespiratória.

Do ponto de vista clínico, considera-se genericamente que a criança está apta para a alta hospitalar nas seguintes circunstâncias:

    • estabilidade térmica, autonomia alimentar e aumento ponderal consistente;
    • ausência de alterações terapêuticas na última semana de internamento;
    • SpO2 estável durante o sono, na última semana;
    • FiO2 necessária <30%;
    • ausência de sinais de hipertensão pulmonar, e PaO2 >55 mmHg;
    • ausência de apneias na última semana.


Por outro lado, os pais ou os prestadores de cuidados devem sentir-se confiantes nos cuidados ao bebé, e ter procedido à preparação do ambiente em casa para o receber.

O seguimento em ambulatório da criança com DBP é pluridisciplinar e deve ter em atenção os seguintes aspectos:

  • Vigilância da função respiratória, especialmente nas crianças submetidas a oxigenoterapia ou ventilação domiciliárias;
  • Prevenção das infecções respiratórias, a qual passa pelas medidas gerais preventivas, a mais importante das quais é a lavagem correcta e frequente das mãos dos pais e outros cuidadores; há que evitar contacto com poluentes ambientais, especialmente tabaco, desaconselhando-se a frequência da escola durante os primeiros 2 anos de vida;
  • Imunizações – para além do cumprimento do programa nacional de vacinação:
    • a prevenção com vacina antigripe está indicada se a criança tiver idade superior a 6 meses (idade pós-natal), anualmente, no Outono: entre os 6-35 meses à 0,25 mL/ mês, duas doses; após 36 meses à 0,5 mL em dose única; a família e contactos deverão ser também vacinados;
    • a prevenção da infecção por vírus sincicial respiratório (VSR) está indicada, nas crianças com DBP com idade pós-natal inferior a 24 meses, nos casos de as mesmas terem necessitado de tratamento relacionado com a doença, pelo menos durante uma semana, nos seis meses antecedentes; utiliza-se o anticorpo monoclonal-palivizumab (Synagis®) 15 mg/kg/mês a partir do início da “época do VSR”, e durante a referida época (de Outubro a Março, no nosso clima), no máximo de 5 doses em cada época. Nalguns centros são utilizadas variantes deste plano;
  • Crescimento, com especial atenção aos aspectos nutritivos e suplementos vitamínicos e marciais;
  • Neurodesenvolvimento, com avaliações quantificadas e referenciação atempada às equipas de intervenção precoce.

Prognóstico

O prognóstico depende dos vários tipos de complicações surgidas e, designadamente, do grau de disfunção cardiorrespiratória. A mortalidade (entre 30 e 40%) ocorre predominantemente no primeiro ano de vida, em geral como consequência de insuficiência cardiorrespiratória, sépsis, infecção respiratória ou morte súbita.

Quanto à função pulmonar, a curto prazo, a evolução pode considerar-se favorável, inclusivamente nos casos de crianças que têm alta com necessidade de oxigenoterapia continuada. A redução progressiva do suplemento de O2 até à respiração em ar ambiente (FiO2) é geralmente possível antes do 1º ano; a progressão ponderal – um dos problemas face às dificuldades alimentares – é proporcional à melhoria da função pulmonar.

A melhoria da função pulmonar verificada ao longo do tempo pode explicar-se pelo processo de crescimento e desenvolvimento da via respiratória, que continua na 2ª e 3ª infância. No entanto, as re-hospitalizações são frequentes no 1º ano de vida (salientando-se que cerca de 25-30% são devidas a infecções respiratórias acompanhadas de sibilância recorrente).

Estudos a longo prazo demonstraram que em crianças com idade superior a 10 anos, adolescentes e adultos se verifica elevada prevalência de hiperreactividade brônquica.

Relativamente à repercussão sobre a função pulmonar na idade adulta em indivíduos com antecedentes de DBP e muito baixo peso de nascimento, identificou-se um quadro com sinais de obstrução ao fluxo de ar, ineficiência das trocas gasosas e heterogeneidade ventilatória.

No que respeita ao prognóstico do foro neurológico, os doentes com DBP evidenciam maior incidência de sequelas em comparação com as crianças sem a doença. Tais sequelas traduzem-se fundamentalmente por paralisia cerebral, défice cognitivo, dificuldades de aprendizagem, défice de atenção e problemas de comportamento.

Existe, por outro lado, risco aumentado de retinopatia da prematuridade e de alterações da audição.

No que respeita a complicações do foro cardiovascular, de grande relevância no prognóstico, citam-se: cor pulmonale, hipertensão pulmonar, hipertensão sistémica, hipertrofia ventricular esquerda e desenvolvimento de vasos colaterais aorto-pulmonares que podem originar insuficiência cardíaca.

BIBLIOGRAFIA

Adams JM, Stark AR. Pathogenesis and clinical features of bronchopulmonary dysplasia. UpToDate 2015; www.uptodate.com/contents/pathogenesis-and-clinical-features-of-bronchopulmonary-dysplasia (acesso em Dezembro, 2019)

Adams JM, Stark AR. Management of bronchopulmonary dysplasia. Waltham MA/USA: UpToDate /Wolters Kluwer, 2015; www.uptodate.com/contents/management-of-bronchopulmonary-dysplasia (acesso em Dezembro, 2019)

Alvira CM, Morty RE. Can we understand the pathobiology of bronchopulmonary dysplasia? J Pediatr 2017;190:27–37

Arai H, Ito T, Ito M, et al. Impact of chest radiography‐based definition of bronchopulmonary dysplasia. Pediatr Intern 2019;61:258-263

Augustine S, Avey MT, Harrison B, et al. Mesenchymal stromal cell therapy in bronchopulmonary dysplasia: systematic review and meta-analysis of preclinical studies. Stem Cells Transl Med 2017;6:2079–2093

Ballard HO, Shook LA, Bernard P, et al. Use of azithromycin for the prevention of bronchopulmonary dysplasia in preterm infants. Pediatr Pulmonol 2011;46:111-118

Bancalari E, Claure N, Sosenko IRS. Bronchopulmonary dysplasia: changes in pathogenesis, epidemiology and definition. Semin Neonatol 2003;8:63-71

Berkelhamer SK, Mestan KK, Steinhorn RH. Pulmonary hypertension in bronchopulmonary dysplasia. Semin Perinatol 2013;37:124-131

Bhandari A, Panitch H. An update on the post-NICU discharge management of bronchopulmonary dysplasia. Semin Perinatol 2018;42:471-477

Bose C, Van Marter LJ, Laughon M, et al. Fetal growth restriction and chronic lung disease among infants born before the 28th week of gestation. Pediatrics 2009;124:450-458

Brady JM, Zhang H, Kirpalani H, et al. Severe bronchopulmonary dysplasia-parental views of their child’s quality of life. J Pediatr 2019;207:117-121

Brumbaugh JE, Bell EF, Grey SF, et al. Behavior profiles at 2 years for children born extremely preterm with bronchopulmonary dysplasia. J Pediatr 2020;219:152-158

Cole FS, et al. NIH Consensus Development Conference statement: inhaled nitric-oxide therapy for premature infants. Pediatrics 2011;127:363-369

Cuna A, Lewis T, Dai H, et al. Timing of postnatal corticosteroid treatment for bronchopulmonary dysplasia and its effect on outcomes. Pediatr Pulmonol 2019;54:165-170

Dani C, Pratesi S, Migliori C, Bertini G. High flow nasal cannula therapy as respiratory support in the preterm infant. Pediatr Pulmonol 2009;44:629-634

Direção Geral da Saúde. Prescrição de palivizumab para prevenção da infeção pelo vírus sincicial respiratório em crianças de risco. Norma nº 012/2013 de 30/07/2013 actualizada a 08/10/2014

Dumpa V, Bhandari V. Surfactant, steroids and non-invasive ventilation in the prevention of BPD. Semin Perinatol 2018;42:444-452

Gien J, Kinsella JP. Pathogenesis and treatment of bronchopulmonary dysplasia. Curr Opin 2011;23:305-313

Hines D, Modi N, Lee SK, Isayama T, et al. International Network for Evaluating Outcomes (iNeo) of Neonates. Scoping review shows wide variation in the definitions of bronchopulmonary dysplasia in preterm infants and calls for a consensus. Acta Paediatr 2017;106:366–374

Hunt K, Dassios T, Ali K, et al. Volume targeting levels and work of breathing in infants with evolving or established bronchopulmonary dysplasia. Arch Dis Child Fetal & Neonatal Ed 2019;104:F46-F49

Kair LR, Leonard DT, Anderson JDM. Bronchopulmonary Dysplasia. Pediatr Rev 2012;33:255-263

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

Lagatta J, Murthy K, Zaniletti I, et al. Home oxygen use and 1-year readmission among infants born preterm with bronchopulmonary dysplasia discharged from children’s hospital neonatal intensive care units. J Pediatr 2020;220:40-47

Lal CV, Vineet Bhandari V, Ambalavanan N. Genomics, microbiomics, proteomics, and metabolomics in bronchopulmonary dysplasia. Semin Perinatol 2018;42:425-431

Lesage F, Thébaud B. Nanotherapies for micropreemies: Stem cells and the secretome in bronchopulmonary dysplasia. Semin Perinatol 2018;42:453-458

Lowe J, Watkins WJ, Edwards MO, et al. Association between pulmonary Ureaplasma colonization and bronchopulmonary dysplasia in preterm infants: updated systematic review and meta-analysis. Pediatr Infect Dis J 2014;33:697-702

Meyer S, Gortner L, NeoVitaA Trial Investigators. Early postnatal additional high-dose oral vitamin A supplementation versus placebo for 28 days for preventing bronchopulmonary dysplasia or death in extremely low birth weight infants. Neonatology 2014;105:182-188

Meyer S, Gortner L, NeoVitaA Trial Investigators. Developing a better and practical definition of bronchopulmonary dysplasia. Acta Paediatrica 2017;106:842

Mobius MA, Thebaud B. Cell therapy for bronchopulmonary dysplasia: promises and perils. Paediatr Respir Rev 2016;20:33–41

Morty RE. Recent advances in the pathogenesis of BPD Semin Perinatol 2018;42:404-412

Northway WHJr. Broncopulmonary dysplasia: then and now. Arch Dis Child 1990;65:1076-1081

Paris C. Papagianis PC, Pillow JJ, Timothy J. Moss TJ. Bronchopulmonary dysplasia: Pathophysiology and potential anti-inflammatory therapies Paediatr Respiratory Rev 2019;30:34-41

Poets C, Franz AR. Automated FiO2 control: nice to have, or na essential addition to neonatal intensive care? Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2017;102:F5-F6

Polin RA, Carlo WA. Surfactant replacement therapy for preterm and term neonates with respiratory distress. Pediatrics 2014;133:156-163

Polin RA, Yoder MC. Workbook in practical neonatology. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2015

Reiterer F, Scheuchenegger A, Resch B, et al. BPD in very preterm infants: outcome up to pre-school age in a single center of Austria. Pediatr Intern 2109;61:381-387

Schmidt B, et al. Survival without disability to age 5 years after neonatal caffeine therapy for apnea of prematurity. JAMA 2012;307:275-282

Secção de Neonatologia da SPP. Consensos Nacionais em Neonatologia. Guimarães H, Tomé T, Albuquerque M, Martins V(eds). Lisboa: Angelini, 2004

Secção de Neonatologia da SPP. Grupo do Registo Nacional do RNMBP. Nascer Prematuro em Portugal. Estudo Multicêntrico Nacional 1996 – 2000. Lisboa: Fundação Bial, 2002

Soll RF, Barkhuff W. Noninvasive ventilation in the age of surfactant administration. Clin Perinatol 2019;46:493-516

Strueby L, Thébaud B. Novel therapeutics for bronchopulmonary dysplasia. Curr Opin Pediatr 2018;30:378-383

Taglauer E, Abman SH, Keller RL. Recent advances in antenatal factors predisposing to bronchopulmonary dysplasia. Semin Perinatol 2018;42:413-424

Thebaud B, Kourembanas S. Can we cure bronchopulmonary dysplasia? J Pediatr 2017;191:12–14

Thebaud B. Stem cell-based therapies in Neonatology: a new hope. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2018;103:F583–F588. doi:10.1136/archdischild-2017-314451

Tipple TE, Ambalavanan N. Oxygen toxicity in the neonate: thinking beyond the balance. Clin Perinatol 2019;46:435-448

Trittmann JK, Bartenschlag A, Zmuda EJ, et al. Using clinical and genetic data to predict pulmonary hypertension in bronchopulmonary dysplasia. Acta Paediatrica 2018;107:2158-2164

Vayalthrikkovil S, Vorhies E, Stritzke A, et al. Prospective study of pulmonary hypertension in preterm infants with bronchopulmonary dysplasia. Pediatr Pulmonol 2019;54:171-178

Wang Q, Zhou B, Cui Q, Chen C. Omega-3 long-chain polyunsaturated fatty acids for bronchopulmonary dysplasia: A meta- analysis. Pediatrics Jul 2019, 144 (1) e20190181; DOI: 10.1542/peds.2019-0181

Yang J, Kingsford RA, Horwood J, et al. Lung function of adults born at very low birth weight. Pediatrics 2020;145(2):e20192359

Zhou D, Shi F, Xiong Y, et al. Increased serum Th2 chemokine levels are associated with bronchopulmonary dysplasia in premature infants. Eur J Pediatr 2019;178:81-87

VENTILAÇÃO MECÂNICA NO RECÉM-NASCIDO – NOÇÕES BÁSICAS

Introdução

Revisitando algumas noções tratadas anteriormente em “Problemas Respiratórios no RN – Generalidades ”, o presente capítulo aborda predominantemente conceitos fundamentais sobre ventilação mecânica invasiva, os quais poderão ser de utilidade, não para neonatologistas ou intensivistas, mas para estudantes em áreas da saúde infantil, médicos de família, pediatras gerais e outros profissionais de saúde.

Numa inspiração normal, o sistema respiratório gera pressão negativa intratorácica, o que favorece a entrada de ar na via respiratória.

Numa inspiração controlada ou assistida por ventilador – com “insuflação” da mistura gasosa – é gerada uma pressão inspiratória. A pressão máxima atingida é denominada pressão inspiratória positiva (PIP) ou pressão de “pico”. A mistura gasosa (ou o ar) introduzida nos pulmões é mantida na via aérea durante a pausa inspiratória, o que permite a difusão da mistura gasosa ao nível dos alvéolos pulmonares. A pressão da via aérea durante esta pausa é designada “pressão de planalto ou “plateau”; o valor da mesma depende da PIP e da compliance do pulmão.

Durante uma expiração normal, o pulmão é “esvaziado” de forma passiva, o que depende da retracção elástica do mesmo. No final da expiração, o volume persistente na via aérea traduz-se numa pressão expiratória final positiva (PEEP ou positive end expiratory pressure), que evita o colapso ou atelectasia alveolar. (ver figura 3 do capítulo inicialmente mencionado)

Definições

Por ventilação mecânica no sentido lato entende-se uma técnica de respiração artificial na qual se obtém um movimento de gás (classicamente oxigénio e ar atmosférico, em proporções reguladas; e, mais raramente, em situações especiais, óxido nítrico/NO, hélio, etc.,) bidireccional (entre ambiente atmosférico e via respiratória/ pulmões), utilizando equipamento externo em conexão com a via respiratória do paciente, desde o clássico balão ou o balão autoinsuflável ao mais sofisticado aparelho chamado ventilador equipado com mecanismos de automatismo e com software.

Tradicionalmente, são consideradas duas modalidades de ventilação: ventilação invasiva e ventilação não invasiva.

Em ambas as modalidades, a ventilação artificial consegue-se com a aplicação de pressão positiva na via aérea; a diferença está na forma de administração de tal pressão:

  • Na ventilação invasiva utiliza-se um tubo oro ou nasotraqueal ou uma cânula de traqueostomia;
  • Na ventilação não invasiva, utiliza-se uma máscara ou cânulas nasais (prongas) em conexão com o dispositivo de ventilação ou ventilador.

Nos RN com respiração espontânea pode administrar-se suplemento de O2 empregando um sistema de fluxo contínuo (que pode ser variável) da mistura de ar e oxigénio, gerando pressão positiva contínua, o que permite manter certo grau de distensão alveolar no fim de cada expiração. Isto é, com tal técnica, consegue-se que o alvéolo fique mais distendido do que em situação fisiológica através da criação de pressão de distensão contínua. É a chamada pressão positiva contínua (pressão de distensão contínua) ou CPAP (continuous positive airway pressure); a mesma é medida em cm de H2O.

A técnica de pressão positiva contínua (CPAP) promove uma melhoria da PaO2 explicada pelo que se designa recrutamento alveolar e optimização do volume pulmonar, permitindo mais eficaz ventilação-perfusão. Esta técnica pode ser aplicada ao paciente através de máscara, prongas ou sonda nasal dupla (mais frequentemente), ou ainda tubo endotraqueal (TET nasofaríngeo ou TET traqueal).

As indicações principais da CPAP são diversas: SDR da prematuridade (doença da membrana hialina ligeira a moderada), apneia da prematuridade, fase pós-extubação na sequência de ventilação mecânica. Igualmente, disfunção respiratória e, no pós-parto imediato, como manobra de recrutamento alveolar precoce contribuindo para o estabelecimento da capacidade residual funcional pulmonar do RN.

A CPAP com TET constitui, em geral, uma forma de avaliar a capacidade de tolerância do RN à CPAP nasal (nCPAP), desde que haja indicação de extubação. Contudo, deve ter-se em conta que tal avaliação deve ser efectuada durante escassos minutos apenas, dada a eventualidade de o TET poder aumentar a resistência da via aérea, conduzindo eventualmente a episódios de apneia ou atelectasia. (ver adiante)

As pressões de distensão contínua/ CPAP podem variar entre 3 e 8 cm H2O, consoante a situação clínica e a gravidade da mesma. Contudo, são mais utilizados valores ~4 cm H2O. Empregando tal técnica haverá que dar especial atenção à eventual melhoria da compliance ou distensibilidade da via aérea coincidindo com a melhoria da situação clínica; tal poderá originar hiperinsuflação-enfisema e pneumotórax (manifestada por excessiva retenção de CO2 e aumento da PaCO2 num RN em melhoria); por isso, com a melhoria da oxigenação deve reduzir-se progressivamente a pressão de distensão contínua.

Para além da modalidade clássica de fluxo contínuo utilizada nos ventiladores convencionais (bubble CPAP), e de fluxo variável, actualmente existem aparelhos que permitem utilizar o chamado modo bilevel de CPAP; ou seja, permitem obter em alternância, por períodos a programar automaticamente, dois valores, ou “dois níveis” de pressão de distensão contínua. Dependendo da evolução clínica, quer os tempos, quer as pressões, poderão ser modificados com o manuseamento do aparelho.

Os estudos realizados com esta última variante na aplicação de CPAP demonstraram evolução mais favorável do problema respiratório, com recrutamento alveolar mais eficiente, necessidade de menor duração na aplicação da técnica, sem aumento de efeitos adversos.

Indicações gerais da ventilação mecânica invasiva

A decisão de iniciar ventilação mecânica baseia-se na gravidade do problema respiratório de acordo com os critérios antes definidos. Na prática clínica, em geral, as situações que requerem tal procedimento correspondem a duas situações de SDR:

  • RN inicialmente com respiração espontânea submetidos previamente a assistência respiratória na modalidade de pressão positiva contínua (CPAP) com progressivo agravamento; ou
  • RN em que surge, progressiva ou subitamente, um quadro de insuficiência respiratória aguda, incluindo situações de apneia; e também do foro cirúrgico com indicação operatória.

Os grandes objectivos da técnica em análise – idealmente de duração tão curta quanto possível – são providenciar um volume pulmonar adequado com vista à normalização da ventilação-perfusão e da saturação da Hb em oxigénio (SpO2), evitando a hiperinsuflação e a atelectasia.

Como se torna fácil compreender, importa garantir um conjunto de condições técnicas, logísticas e de recursos humanos (equipas de pediatras-neonatologistas e de enfermeiros especializados, entre outros profissionais) que somente podem ser concretizadas numa unidade de cuidados intensivos neonatais, ou pediátricos e neonatais (unidade polivalente).

Uma vez que poderão surgir efeitos secundários ou complicações importantes, a decisão de se proceder à entubação para iniciar a ventilação mecânica deve ser ponderada, equacionando riscos e benefícios.

Com efeito, apesar de a ventilação invasiva por vezes representar a única terapêutica da insuficiência respiratória aguda com efeito salvador imediato e a curto prazo, importa ter em consideração a possibiliade de complicações e sequelas, nomeadamente do foro respiratório e neurológico.

Tipos de ventiladores e modos ventilatórios

Para se compreender o funcionamento dos modernos e sofisticados ventiladores utilizados na actualidade, será útil explanar alguns princípios gerais relacionados com a evolução da tecnologia da ventilação artificial e revisitar certas noções básicas de fisiologia respiratória, muitas das quais explanadas no capítulo introdutório sobre “Problemas Respiratórios do RN”.

Os ventiladores clássicos podem ser classificados em dois grandes grupos: ventiladores de volume e ventiladores de pressão (positiva ou negativa). Considerando o modo de administração do fluxo gasoso (aquecido e humidificado), cuja concentração em oxigénio pode variar entre 21 e 100% através de misturadores que fazem parte do próprio equipamento, existem duas modalidades: ventiladores de fluxo contínuo e ventiladores de fluxo intermitente.

Nos ventiladores de volume, um determinado e constante volume de gás previamente calculado é administrado ao doente durante cada ciclo inspiratório/ de insuflação.

Inicialmente, na década de 1980, eram pouco utilizados no RN, pois não tinham sistemas eficazes na monitorização do volume corrente gerado pelo ventilador.

Actualmente, com o desenvolvimento de vários sistemas de monitorização contínua baseados em sensores de fluxo, a aplicação de ventiladores de volume já pode ser efectivada com segurança em RN; para além da monitorização precisa do volume corrente, é também possível monitorizar outros parâmetros.

Geralmente, os ventiladores iniciam a fase inspiratória dos respectivos ciclos ventilatórios em intervalos de tempo determinados. Nos ventiladores volumétricos a inspiração termina quando o volume de gás pré-determinado tiver sido administrado ao doente. Como exemplos de ventiladores com estas características citam-se os históricos Bourns LS 104 e 105®.

Nos ventiladores de pressão positiva, considerados classicamente os ventiladores de eleição para RN, o volume de gás administrado ao RN durante a fase inspiratória somente cessa quando a pressão de insuflação pulmonar (pressão inspiratória ou “pico” de pressão) atinge o nível previamente determinado.

Ou seja, neste tipo de ventiladores a quantidade de gás que entra no pulmão do RN a cada inspiração dependerá principalmente da referida pressão inspiratória e da compliance (recordar a relação variação de V/ variação de P).

Para determinada compliance pulmonar, quanto maior a pressão inspiratória, maior o volume de gás administrado durante a fase inspiratória. O inverso também é verdadeiro: para determinada pressão inspiratória, o volume de gás administrado durante a fase inspiratória será tanto maior quanto maior a compliance pulmonar.

Os ventiladores de pressão negativa (em que o RN era colocado dentro de estrutura ou suporte, com sistema de vácuo estanque aplicado em torno do tórax, expandindo-o) são hoje considerados obsoletos, interessando apenas mencioná-los para enquadramento mais compreensivo.

Nos ventiladores de fluxo intermitente o gás somente é administrado durante a fase inspiratória do ciclo respiratório. Este tipo de ventiladores caiu em desuso pela seguinte razão: se um RN respirasse de modo não síncrono com o ventilador (por ex. início da inspiração espontânea durante a fase expiratória do ventilador) o mesmo passaria a respirar num sistema fechado, ou respiraria gás contido no chamado espaço morto (TET e tubagem do ventilador).

Nos ventiladores de fluxo contínuo o gás é administrado ao RN, quer na fase inspiratória, quer na fase expiratória do ciclo respiratório. Deste modo, pode compreender-se que com tais ventiladores é possível a ventilação artificial com frequências respiratórias baixas, sendo que o RN mantém concomitantemente a respiração espontânea intercalada por ciclos artificiais do ventilador, ao mesmo tempo que se verifica o fluxo contínuo de gás através do circuito do ventilador; é, assim, possível a chamada ventilação intermitente obrigatória (IMV – intermittent mandatory ventilation).

Apesar de os ventiladores de fluxo contínuo terem permitido a introdução da IMV e, por isso, terem contribuído para um avanço na assistência ventilatória do RN, não resolveram o problema da respiração assíncrona RN-ventilador: há, com efeito, a possibilidade de, por ex., o ventilador iniciar a fase inspiratória no momento em que o doente expira.

Do assincronismo poderão, com efeito, resultar efeitos secundários importantes tais como diminuição da eficiência das trocas gasosas, retenção de mistura gasosa intra-alveolar, variabilidade da pressão arterial e da velocidade do fluxo sanguíneo cerebral podendo conduzir a hemorragia intraperiventricular, etc..

Nalguns ventiladores de pressão, a inspiração termina quando a pressão inspiratória pré-determinada é atingida. Estes ventiladores são ciclados por pressão (por ex. o velho Baby Bird®). Com este tipo de ventiladores não é possível obter uma “onda quadrada ou em plateau”), dificultando que, com determinado “pico” de pressão, se promova uma ventilação alveolar eficaz, nomeadamente nos casos de compliance pulmonar diminuída (por ex. por défice de surfactante).

Outro modo de interromper a fase inspiratória de um ventilador é por tempo; ou seja, o ventilador mantém a pressão inspiratória por período de tempo pré-determinado (criando desta forma o plateau inspiratório), no fim do qual se inicia a expiração.

Os ventiladores com estas características são designados por ventiladores de pressão positiva não sincronizada (“ciclados por tempo e de pressão limitada): permitem regular o número de ciclos ventilatórios por minuto, os tempos inspiratório e expiratório, assim como limitar a pressão inspiratória (“pico” de pressão), em relação com o débito do gás e o volume de cada ciclo ventilatório.

Recorda-se que débitos do gás mais elevados (4 a 10 L/minuto) conduzem a pressões inspiratórias mais elevadas (“picos” mais elevados) e a ondas inspiratórias “quadradas” ou em plateau, em que o aumento de pressão é mais rápido; débitos mais baixos (0,5-4 L/minuto produzem ondas inspiratórias “em rampa” ou sinusoidais em que o aumento de pressão é mais lento – semelhante à respiração normal. Como exemplos de ventiladores com estas características são citadas as seguintes marcas: Bear Cub/Bourns® e Sechrist®.

Entretanto, as tecnologias permitiram desenvolver ventiladores de fluxo contínuo permitindo que, ao mesmo tempo, o doente respire espontaneamente e desencadeie, com o esforço inspiratório, uma pressão de insuflação pulmonar (pressão inspiratória) que será sempre síncrona com o referido esforço inspiratório.

Este tipo de ventilação à demanda” ou “disparada” pelo doente (termo corrente em inglês – patient triggered ventilation ou intermittent demand ventilation) é hoje exequível com os chamados ventiladores na modalidade de ventilação sincronizada. Como exemplos deste tipo de ventiladores são citadas as seguintes marcas: Bear Cub 750 VS®, VIP Bird®, Babylog 8000 Plus® e SLE HV 2000®.

Actualmente, aplicando as novas tecnologias, as quais permitem obter melhores resultados, é possível utilizar um método de ventilação sincronizada com melhor interacção entre o doente e o ventilador utilizando a actividade eléctrica do diafragma medida por sensor (sonda) colocado no esófago. É o método NAVA (neurally adjusted ventilatory assist).

Princípios gerais da ventilação mecânica convencional invasiva

Para melhor compreensão dos referidos princípios, importa salientar que, na prática clínica e quanto à etiopatogénese, três grandes grupos de problemas respiratórios neonatais podem ser considerados:

  • SDR em que predomina a diminuição da compliance pulmonar (por ex. SDR da prematuridade por défice de surfactante, pneumonia, edema pulmonar, atelectasia, hipoplasia pulmonar, etc.);
  • SDR em que predomina a resistência aumentada da via respiratória (por ex. síndroma de inalação amniótico-meconial, doença pulmonar crónica, edema intersticial, etc.);
  • SDR em que predomina a disfunção da musculatura respiratória, do mecanismo de regulação respiratória, ou doença obstrutiva relacionável com anomalias congénitas das vias respiratórias superiores (por ex. miastenia grave, doença neurológica grave, atrésia dos coanos, síndroma de Pierre Robin, efeito de fármacos depressores do SNC, apneia, encefalopatia hipóxico-isquémica, etc.).

1. Parâmetros utilizados na ventilação com pressão positiva (não sincronizada ou convencional)

Pressupondo que a doença respiratória evolui (trata-se de um processo dinâmico), e está indicada a ventilação mecânica, assim como o manejo duma “máquina” chamada ventilador, torna-se fundamental um conhecimento básico da funcionalidade deste e dos parâmetros utilizados para reverter a situação.

Salienta-se, a propósito, que os parâmetros de regulação a utilizar na ventilação artifcal, em qualquer modalidade desta, requerem experiência do operador, o conhecimento da patologia de base e sua gravidade, assim como a idade gestacional do paciente.

  • Frequência (ciclos/minuto)
    Pode variar entre 40 e 60 ciclos/minuto; a frequência deve ser ajustada para Vc (volume corrente) e ventilação – minuto adequados. Deve ser dada atenção especial ao utilizar FR >75 ciclos/minuto uma vez que o tempo para a expiração poderá tornar-se demasiado curto, o que poderá originar situações de retenção de ar e desvio deste para zonas exteriores à via aérea (ar ectópico). Para prevenir tal, deve diminuir-se o Ti (tempo inspiratório) e a relação i:e (relação inspiração:expiração) para aumentar o Te (tempo expiratório). (ver adiante alínea Monitorização de parâmetros…)
  • Tempo inspiratório (Ti)
    Em geral o Ti utilizado na prática varia entre 0,37 a 0,40 segundos, a não ser que surjam determinadas condicionantes que obriguem à sua alteração.
  • Pressão inspiratória (ou pico inspiratório máximo-PIP em cm/H2O)
    A expansibilidade da caixa torácica e grande parte do volume corrente produzido dependem da PIP. A escolha inicial do PIP depende da idade gestacional, do tipo de patologia e gravidade da mesma, da expansibilidade da caixa torácica, e da experiência e sensibilidade do operador. A PIP pode variar entre valores tão baixos como 16-18 cm H2O e valores tão altos como 28-32-34-38 cm H2O, dependendo dos factores atrás apontados.
  • PEEP ou Pressão positiva no fim da expiração (cm/H2O)*
    A PEEP (positive end expiratory pressure) é a pressão de distensão ou abertura permanente das vias aéreas no fim da expiração impedindo o colapso alveolar. Este fenómeno permite o que se designa por “recrutamento alveolar” rendibilizando o funcionamento de mais alvéolos (alvéolos mais ventilados e mais distendidos), permitindo ventilação-perfusão mais eficaz. Os valores de PEEP utilizados consoante as situações clínicas devem oscilar entre 3 e 6 cm H2O.

*Pressupondo, como foi referido em capítulo anterior, que os ventiladores modernos dispõem a funcionalidade de fluxo contínuo, o que não acontecia nos de 1ª geração. A modalidade CPAP exclusiva foi abordada anteriormente.

 

  • FiO2 ou fracção de oxigénio no ar ou mistura gasosa inspirada (avaliada em %: de 21 a 100, ou em décimas: de 0,21 a 1,0). Ar<> 21%.
    Em regra, inicia-se a ventilação utilizando FiO2 de 40% aplicando a regra de bom senso de começar com parâmetros “baixos”; no entanto há que ter em conta a gravidade clínica e o tipo de patologia, sendo objectivo manter a saturação da Hb em O2 (SpO2) entre 89 e 93%.
  • Pressão média da via aérea ou Paw ou MAP (cm/H2O)
    Os principais parâmetros que influenciam a Paw são: Ti, relação I : E, PIP, PEEP e formato da onda inspiratória. Como é evidente, o seu valor depende da gravidade da situação clínica.
  • Relação tempo inspiratório/ tempo expiratório (I : E ou Ti : Te)
    A relação I : E depende da FR e do Ti . A relação I : E fisiológica é 1 : 2. Como regra pode referir-se que todas as relações I : E são boas ou aceitáveis, com excepção da relação I : E de 1 : 1, ou das chamadas relações I : E invertidas (exemplo I : E de 1:0.8).
    Com efeito, relações invertidas ou relações de 1 : 1 aumentam a possibilidade de ruptura alveolar e de situações de “ar ectópico”: para certo Ti pré-determinado o aumento da frequência para além de determinados valores limita o tempo expiratório levando a acumulação progressiva de gás (ar+O2).

2. Escolha dos parâmetros iniciais na ventilação com pressão positiva (não sincronizada ou convencional)

São analisados a seguir os diversos parâmetros com base nas particularidades referidas.

  • Débito (fluxo) da mistura gasosa
    Em regra utiliza-se débito de 6 a 8 L/minuto.
  • PEEP (cm/H2O)
    A PEEP deve ser ajustada entre 3-6 cm de H2O.
    Nas situações obstrutivas a utilização da PEEP deve ser criteriosa pela possibilidade de diminuição do retorno venoso, o que implica vigilância rigorosa do estado hemodinâmico. O valor deverá ser quanto baste para diminuir as retracções costais, sendo que tal critério obriga a muita prática e experiência.
  • Frequência (ciclos/minuto)
    A frequência utilizada no início da ventilação poderá oscilar entre 20 e 60 ciclos por minuto.
  • Ti (Tempo inspiratório)
    Utiliza-se em geral Ti entre 0,36 e 0,4 segundos.
    Salienta-se que: o ajustamento do Ti deverá obedecer à constante de tempo do sistema respiratório a qual se encontra elevada nas situações obstrutivas; e que quanto mais graves os sinais de compromisso parenquimatoso, mais curto deverá ser o Ti.

A constante de tempo (Kt) é a medida do tempo necessário para a pressão nas vias aéreas alveolares e proximais se equilibrarem. Os valores normais oscilam entre 0,08 e 1,1 segundos (s); média ~0,24 segundos (s). Ao cabo de 3 constantes de tempo, cerca de 95% do Vc entrou (durante a inspiração) ou saiu (durante a expiração) dos alvéolos.

  • PIP (cm/H20)
    A PIP/pressão inspiratória ideal deve ser a mínima necessária para manter adequada ventilação alveolar; a referida pressão deverá ser sempre verificada previamente através da oclusão manual da peça de conexão tubo do ventilador-TET, antes da conexão com este último, já aplicado no doente.

Na prática, a PIP deve ser a suficiente para promover elevação do tórax em cerca de 0,5 cm (o que exige muita prática e experiência), ou para obter volume corrente entre 4 e 6 mL/kg.
Para promover a elevação da PaO2, os parâmetros a aumentar são a FiO2, a PIP e a PEEP. Para promover diminuição da PaCO2, os parâmetros a aumentar são a FR e a PIP; para aumentar a Pa CO2, haverá que diminuir a FR e a PIP.

3. Parâmetros utilizados na ventilação sincronizada (Patient – triggered ventilation)

Na ventilação sincronizada são utilizados os parâmetros mencionados a propósito da ventilação com pressão positiva não sincronizada. Neste tipo de ventiladores existe um mecanismo automático de “disparo/ com gatilho” (trigger) ou de início de ventilação automática se surgir apneia; se tal surgir, o ventilador passará, então, a controlar a totalidade dos ciclos respiratórios. Assim, há que contar com mais os seguintes parâmetros a programar:

  • Trigger
    O nível de “trigger” (“disparo, gatilho”) deve ser pré-determinado, caso a caso, segundo uma escala de sensibilidade e dependendo da patologia e da imaturidade do RN; inicialmente escolhe-se o nível mais baixo, que corresponde a maior sensibilidade para o “disparo” e início da ventilação controlada. O nível poderá ser ou não aumentado em função da resposta do RN.
  • Volume garantido (VG)
    Nesta modalidade, através de um sensor de fluxo expiratório, o ventilador utiliza a mínima pressão necessária para atingir o volume estabelecido.
    Na prática pré-determina-se ou marca-se no ventilador o volume corrente que se deseja, geralmente 4-6 mL/Kg. O sistema automático de volume garantido – ou do volume que se deseja, pré-determinado que começa a operar ao carregar-se na respectiva tecla – permite que o mesmo se mantenha independentemente da evolução da compliance à medida que a situação melhora, ou esta aumente; ou seja, considerando a variação V/variação P que define a compliance, em caso de melhoria desta (em função da evolução favorável da patologia pulmonar), é o próprio ventilador que ajusta progressivamente a pressão necessária (neste caso, diminuindo a pressão inspiratória/PIP necessária durante os ciclos respiratórios). Com esta estratégia previne-se, em certa medida, o trauma resultante de volume gasoso excessivo/ hiperinsuflação ou volutrauma.
Nota importante sobre o conceito de VOLUME GARANTIDO: Trata-se, pois, de um modo de ventilação híbrido, que associa um volume que se deseja (volume-alvo) às vantagens de um ventilador de pressão.
Pormenorizando um pouco mais:
    • o sensor de fluxo à entrada do TET mede o volume corrente expirado;
    • o ventilador permite comparar o volume corrente expirado com o volume que se deseja (ou volume-alvo marcado);
    • automaticamente o pico de pressão inspiratória/PIP nos ciclos seguintes é regulado até se atingir o limite máximo de PIP pré-definido;
    • também automaticamente a PIP aumenta ou diminui de modo a manter um volume corrente próximo do volume-alvo marcado.

Resumidamente apontam-se as seguintes vantagens da ventilação com volume garantido: menor risco de volutrauma e de atelectrauma, assim como de oscilações bruscas da PaCO2 e do fluxo sanguíneo cerebral.
O volume corrente inicial variará em função da idade gestacional, do peso e da patologia de base. Podem ser estabelecidos os valores médios de 4-6 mL/kg/ciclo.

 

4. Avaliação da ventiloterapia

Os objectivos essenciais da ventiloterapia são obter:

  • pH >7,2 nas primeiras 6 horas de vida e >7,25 após as 6 horas de vida;
  • Pa CO2 entre 40 e 60 mmHg;
  • Pa O2 entre 50 e 70 mmHg ou SpO2 entre 89 e 93%.

Após entubação traqueal e início da ventilação, torna-se crucial verificar a posição do TET através da radiografia do tórax póstero-anterior feita in situ (em posição correcta, a extremidade deve projectar-se entre a 1ª e 3ª vértebras torácicas); a radiografia inicial e as seguintes, a efectuar de acordo com a evolução, servirão para determinar o grau de compromisso parenquimatoso e eventuais complicações como, por ex. sinais de ar ectópico ou outras complicações.

Outra avaliação seriada essencial diz respeito à monitorização em UCIN (invasiva e não invasiva) já abordada.

Sob o ponto de vista hemodinâmico há que monitorizar, entre outros parâmetros, os pulsos e ondas de pulso, a perfusão periférica, a frequência cardíaca, a pressão arterial e o débito urinário.

5. Cuidados com o tubo endotraqueal

Para além da radiografia do tórax anteriormente mencionada a fim de verificar a localização correcta, há que:

  • Fixar o TET de modo seguro e correcto evitando aglomerado de adesivos;
  • Manter o pescoço do RN ligeiramente estendido;
  • Não aspirar o TET muito frequentemente pela possibilidade de o manuseamento excessivo provocar flutuações da pressão arterial e do débito sanguíneo cerebral.

6. “Desmame” da ventilação mecânica convencional

À medida que se verificam sinais de melhoria da doença e da função pulmonares (ver atrás avaliação/ monitorização contínua), o suporte mecânico ventilatório deve ser progressivamente aliviado com vista à sua retirada, idealmente no mais curto intervalo de tempo.

Os parâmetros básicos para iniciar o desmame ventilatório são fundamentalmente três:

  • Baixas necessidades de oxigénio (FiO2 ≤30%);
  • Melhoria da compliance (isto é, possibilidade de baixar a pressão inspiratória/PIP nas vias aéreas mantendo o mesmo volume corrente e oxigenação – ver atrás: volume garantido); e
  • Boa oxigenação contínua (SpO2 ≥90-92%).

Outros parâmetros a considerar são:

  • Hemodinâmicos (normalidade da pressão arterial, frequência cardíaca e sinais perfusão periférica adequada, etc.);
  • Metabólicos (glicémia e ionograma sérico normais);
  • Hematológicos (hematócrito igual ou superior a 35-40%, como garantia da capacidade de transporte de oxigénio pela Hb após termo da suplementação daquele);
  • Neurológicos (normalidade do automatismo respiratório com garantia de respiração espontânea, rítmica e regular).

Estratégia:

  1. O parâmetro PIP (aquele que potencialmente é mais agressivo para o doente) deve ser o primeiro a ser progressivamente “aliviado”: deve diminuir-se progressiva e lentamente (em regra 2-3 cm H2O de cada vez) até se atingir valor de PIP <20 H2O. A PEEP deve ser seguidamente diminuída até <4 cm H2O;
  2. Ao atingir-se a PIP e a PEEP referidas, mantendo o mesmo volume corrente, com garantia de expansibilidade torácica adequada, e mantendo a mesma FiO2 ≤30%, é a frequência respiratória (FR) o parâmetro seguinte a ser aliviado de modo a atingir-se o valor de ciclos <20/minuto; ao mesmo tempo que se avalia a tolerância do RN, mantém-se o mesmo volume corrente, a mesma PIP (já anteriormente aliviada) e a mesma FiO2 (FiO2 ≤30%). Caso não se verifique tolerância do RN, deve manter-se a FR no menor nível possível, tentando diminuição mais tarde;
  3. Ao atingir-se FR de 10-15 ciclos/minuto, com PIP <20 cm H2O baixo (dependendo da idade gestacional e da maturidade do RN), com FiO2 ≤30%) é possível proceder à extubação do RN;
  4. Para garantir o sucesso da extubação está indicada a administração de:
    • corticóide nos casos de RN submetidos a ventilação mecânica por período superior a 7 dias (por ex. dexametasona, na dose de 0,1 mg/kg cerca de 4 horas antes da extubação, com repetição de mais duas doses de 0,1 mg/kg com oito horas de intervalo); trata-se, pois, de tratamento de curta duração tendo em conta os efeitos sobre o neurodesenvolvimento e crescimento;
    • metilxantina (por ex. citrato de cafeína por ser estimulante do centro respiratório, com início 24 horas antes da extubação: dose de impregnação (oral ou IV) 20-40 mg/kg, seguindo-se dose de manutenção diária a iniciar 24 horas depois da dose de impregnação: 4-6 mg/kg (oral ou IV);
  5. Antes da extubação o RN deverá ficar submetido a pausa alimentar; na hipótese de o doente não estar em jejum, deverá proceder-se à aspiração do conteúdo gástrico antes da extubação. É igualmente recomendável a aspiração das vias respiratórias superiores e, eventualmente, do TET.
  6. Após extubação o RN passará para o regime de CPAP nasal (nCPAP) ou oxigenoterapia nas modalidades atrás descritas (que poderá ser utilizando fluxo contínuo), sendo o suplemento de O2 regulado em função da SpO2, mantendo-se o objectivo inicial de valores entre 89 e 93%. Salienta-se a necessidade de pausa alimentar nas duas horas subsequentes à extubação.
  7. Em circunstâncias especiais poderá estar indicada fisioterapia respiratória, reservada para os RN com excesso de secreções nas vias aéreas ou com atelectasia recorrente verificada antes da extubação.
  •  

Nota: Tendo em consideração os objectivos fundamentais do livro (sendo um tratado elementar), opta-se por não abordar, quer aspectos práticos do manejo de ventiladores de alta frequência, quer os relacionados com os de última geração.

Monitorização de parâmetros no RN submetido a ventilação mecânica

No RN submetido a ventilação mecânica é possível, com os modernos ventiladores proceder à monitorização de parâmetros, alguns dos quais referidos ao abordar as particularidades da fisiologia da respiração no RN.

Para além da FiO2 que pode ser determinada, quer com oxímetros convencionais quando o RN está submetido a oxigenoterapia em campânula ou em incubadora, quer em oxímetros instalados em ventiladores, cabe referir outros parâmetros:

  • A pressão média da via aérea (Paw ou MAP- siglas de pressure airway ou mean airway pressure) é a média das pressões nas vias aéreas proximais durante todo o ciclo respiratório. Os parâmetros de ventilação tal como a frequência (F ou nº de ciclos/minuto), o tempo inspiratório em segundos (Ti), a relação tempo inspiratório (Ti)/tempo expiratório (Te), o pico inspiratório máximo ou pressão inspiratória em cm H2O (PIP) e a pressão positiva no final da expiração em cm H2O (PEEP ou positive end expiratory pressure que corresponde à pressão residual no fim da expiração ao promover-se pressão de distensão contínua) podem considerar-se os determinantes da MAP.
    Na prática, a pressão média pode ser representada pela área da figura geométrica formada pela onda inspiratória de pressão; daí resulta que ondas inspiratórias “quadradas” ou em plateau geram uma pressão média maior que as ondas sinusoidais (em rampa), triangulares.

Nota: Como foi referido no capíulo sobre “Problemas Respiratórios – Generalidades”, a sigla CPAP conceptualmente significa o mesmo que PEEP: emprega-se o termo CPAP quando o RN, estando em respiração espontânea, está ligado a aparelho de fluxo contínuo que gera a referida pressão; e PEEP, quando o RN está submetido simultaneamente a ventilação com pressão positiva intermitente.

Através da fórmula seguinte pode determinar-se a Paw:

Paw ou MAP =(F) (Ti)(PIP) + [60 –(F) (Ti) x PEEP]
___________________________________
60

 

  • Em certos casos pode determinar-se a pressão transpulmonar: a medida da diferença entre a pressão nas vias aéreas e a pressão no esófago determinada através de um cateter esofágico.
  • O volume corrente (Vc) é definido como o volume de ar/mistura gasosa inspirado em cada ciclo respiratório ajustado ao peso corporal em ml/Kg. Há actualmente aparelhos para monitorização contínua do volume corrente . O Vc normal varia de 5 a 7 mL/Kg para a maioria dos RN.
    Em ventilação mecânica (artificial), segundo vários autores deve ser utilizado um volume corrente mais baixo: 4 a 6 mL/Kg.
  • O parâmetro ventilação/minuto (V) obtém-se multiplicando a frequência respiratória (F) pelo volume corrente (Vc); é expresso em mL/Kg/ minuto ou L/Kg/ minuto; isto é: Vc x F = V (mL /Kg/ minuto ou L/Kg/ minuto).
    Exemplo: sendo F = 40 ciclos/ minuto , Vc = 6,5 mL/Kg, o volume minuto será 260 ml/Kg/ minuto ou 0,26 L/Kg/ minuto.
    Os valores considerados normais no RN do V estão compreendidos entre 240-360 mL/Kg/ minuto ou 0,24-0,36 L/Kg/minuto. Monitorizando o Vc e a V simultaneamente com a Paw (MAP), podem ser efectuados ajustamentos adequados da PIP, PEEP e do tempo inspiratório (Ti).
  • Valores de distensibilidade ou elasticidade alveolar ou compliance <1 mL/cm H2O/kg são compatíveis com doença pulmonar intersticial ou alveolar tal como a doença da membrana hialina. A compliance alveolar de 1-2 mL/cm H2O/kg significa recuperação, tal como sucede depois de administração de surfactante (ver adiante).
    No RN os valores médios da compliance são 3,70 mL/cm H2O, variando entre 2,0 e 14 mL/cm H2O.
    A chamada compliance dinâmica é calculada dividindo o volume corrente (Vc) pelo gradiente de pressão (grad P entre o início e o fim da inspiração).
    Os valores médios da compliance dinâmica são 1,72 mL/cm H2O/kg, variando entre 0,9 e 3,7 cm H2O/kg.
  • Valores de resistência pulmonar ao fluxo de gases >100 cm H2O/L/ segundo são sugestivos de doença das vias aéreas com restrição ao fluxo de ar tal como sucede com a displasia broncopulmonar (ver adiante).
  • As curvas de pressão – volume (P-V) e de fluxo – volume (F-V) permitem objectivamente analisar a dinâmica respiratória, ciclo a ciclo ventilatório. As curvas F-V providenciam informação no que diz respeito à resistência das vias aéreas, especialmente à restrição do fluxo expiratório; as curvas P-V reflectem, sobretudo, as variações da compliance dinâmica do pulmão.
  • A constante de tempo (Kt) foi definida anteriormente.

Para evitar retenção de ar intra-alveolar durante a ventilação mecânica, a medida do tempo expiratório deve ser >3 vezes a Kt (0,36-0,45 segundos).

Índices de avaliação do problema respiratório

No âmbito da assistência respiratória podem ser utilizados certos índices de gravidade que permitem avaliar o quadro clínico e igualmente o prognóstico:

  1. Relação PaO2/FiO2;
  2. Índice de oxigenação (IO) incorporando a FiO2, a pressão média nas vias aéreas (Paw ou MAP ou PMA), e a PaO2; utiliza-se a seguinte fórmula para o respectivo cálculo:
    IO = [FiO2 (21-100%) x Paw ou MAP ou PMA]: PaO2 (mmHg)
    ou simplesmente: IO = (PMA x FiO2/PaO2);
    [PMA: pressão média na via aérea; PaO2: pressão parcial arterial de O2 pós-ductal];
    Os valores de IO compreendidos entre 30-35 são indicativos de problema respiratório grave. Se o IO aumentar progressivamente durante um período de 6 horas para cerca de 35-40, existe insuficiência respiratória muito grave comportando risco de mortalidade elevada, a qual pode exceder 80%.
  3. Diferença alvéolo-arterial de oxigénio (A-a DO2), ou diferença entre a pressão parcial de oxigénio no gás alveolar (PAO2) e a pressão parcial de oxigénio no sangue arterial (PaO2). Isto é: A-a DO2= PAO2 – PaO2.
    Tal valor traduz igualmente a relação ventilação-perfusão, a qual se pode calcular pela seguinte fórmula:
    [(FiO2 entre 0.21-1)(Pr atm -47) – PaCO2 (em mmHg) /R ] – PaO2(em mmHg).
NB-Pr atm = pressão atmosférica de 760 mmHg; 47= valor da pressão do vapor de água; admite-se que o valor da pressão alveolar de CO2(PACO2) é sobreponível ao valor da pressão arterial de CO2(PaCO2); R= quociente respiratório de 0,8 sendo que alguns autores não consideram este parâmetro na fórmula.
Valores >250 mmHg indicam insuficiência respiratória e necessidade de assistência respiratória que poderá ser iniciada com CPAP nasal.
Regra prática: – “a regra dos 50” poderá estabelecer uma relação com o resultado da aplicação da fórmula; assim se: PaO2 ~50 mmHg, PaCO2 ~50 mmHg, FIO2 >50%, pressão atmosférica ~760 mmHg e humidade relativa ~50%, muito provavelmente a A-aDO2 será >250 mmHg.

Fármacos de apoio à ventiloterapia convencional

Os fármacos utilizados como apoio à ventilação mecânica convencional (e, por consequência, a manusear por equipa de intensivismo com experiência) relativamente aos quais se faz uma abordagem sucinta, podem ser sistematizados como se segue:

  1. Com acção directa na mecânica ventilatória (analgésicos, sedativos, relaxantes musculares e estimulantes respiratórios);
  2. De suporte circulatório;
  3. Corticosteróides;
  4. Diuréticos.  

Os analgésicos mais utilizados são os opióides, de que são exemplo a morfina, o fentanil e o alfentanil.

Quanto à morfina, utiliza-se a dose inicial de 100 mcg/kg, seguindo-se manutenção: 10-30 mcg/kg a repetir com 1 hora de intervalo.

No que respeita ao fentanil, utiliza-se a dose inicial de 100 mcg/kg em 10 minutos, seguindo-se a manutenção na dose de 1 mcg/kg/hora.

Entre os sedativos são utilizados com mais frequência as benzodiazepinas (por ex. midazolam e diazepam).

O midazolam utiliza-se na dose inicial de 0,2 mg/kg IV, seguindo-se a manutenção em perfusão lenta: 2-6 mcg/kg/minuto. No que respeita ao diazepam: 1ª dose: 0,1-0,2 mg/kg e doses ulteriores iguais, se necessário, cada 12- 24 horas.

Os relaxantes musculares (mais utilizados na era dos ventiladores não sincronizados quando se verificava desajustamento e “luta” do RN “contra o ventilador”) reduzem as necessidades em analgésicos; são utilizados quando a combinação sedativo-analgésico é ineficaz; em geral obrigam a reajustamento dos parâmetros ventilatórios, nomeadamente aumento da FR.

Citam-se como exemplos a d-tubocurarina, o pancurónio, o vecurónio e o atracúrio. Por ser mais frequentemente usado, faz-se menção apenas da posologia do pancurónio: dose inicial: 30-40 mcg/kg; manutenção: 20 mcg/kg cada 1 ou cada 2 horas se necessário.

Os fármacos de suporte circulatório, globalmente, permitem rendibilizar as trocas gasosas nos tecidos (circulação sistémica) e nos pulmões (circulação pulmonar).

Os fármacos que actuam na circulação sistémica melhoram o débito sanguíneo tecidual por diminuição da pré-carga e da pós-carga e aumento da contractilidade do miocárdio. Como exemplos de fármacos com tal acção e mais frequentemente usados em unidades de cuidados intensivos e especiais – e sempre utilizados em perfusão contínua e de efeito dependente de dose e do local de acção – citam-se a dopamina, a dobutamina e o isoproterenol. (Quadro 1)

QUADRO 1 – Fármacos com acção na circulação sistémica

FC: = frequência cardíaca
FármacoLocal de acção/ receptores Dose (mcg/kg/min)Efeito
Dopamina

de dopamina (dopaminérgico)
beta 1
alfa 1 + beta 1

0,5 – 4
4 – 10
11 – 20

vasodilatação renal
inotropismo
vasoconstrição periférica

Dobutamina

beta 1
beta 1 + beta 2

<10
>10

inotropismo
vasodilatação periférica

Isoproterenolbeta 1 + beta 20,05 – 2

inotropismo
vasodilatação periférica
>FC

Por vezes utiliza-se combinação de dopamina em baixa dose (<5 mcg/kg/min) com dobutamina (na dose de 5-10 mcg/kg/min); o objectivo é diminuir a probabilidade de vasoconstrição periférica verificada com altas doses de dopamina, tirando partido do efeito dopaminérgico desta sobre a perfusão renal, e do inotropismo com a dobutamina.

Os fármacos que actuam na circulação pulmonar têm particular utilidade em situações de vasoconstrição pulmonar conduzindo a hipertensão pulmonar. Citam-se como exemplos “históricos” a tolazolina, a nitroglicerina, e o nitroprussiato de sódio. Mais recentemente passou também a ser utilizado o sildenafil (Viagra®).

Os fármacos designados habitualmente por estimulantes respiratórios estão especialmente indicados na prevenção e tratamento da apneia da prematuridade (especialmente em RN de peso de nascimento <1.000 gramas e na fase pós-extubação de RN de muito baixo peso e na doença pulmonar crónica).

Como acções principais destacam-se: estimulação do centro respiratório, aumento da sensibilidade dos quimiorreceptores ao CO2, e aumento da intensidade das contracções diafragmáticas. Na prática clínica, os mais usados são as metilxantinas (teofilina e citrato de cafeína) e o doxapram.

Resumem-se as respectivas doses (sendo aconselhável o doseamento sérico):

    • Teofilina IV dose inicial: 5-6 mg/kg; manutenção: 1,5-2 mg/kg 8-8 horas (risco de taquicárdia, tremores, distensão abdominal);
    • Cafeína (citrato) IV dose inicial: 20 mg/kg IV; manutenção: 5-10 mg/kg cada 24 horas;
    • Doxapram IV contínuo dose: 1-3 mg/kg/hora, a regular em função da resposta clínica; como efeitos secundários há possibilidade de hipertensão arterial, tremores/ convulsões, sialorreia, etc..

No que respeita aos corticóides, cabe citar fundamentalmente a dexametasona e a hidrocortisona. Na fase pré e pós-extubação já foi referida a dexametasona a utilizar em período terapêutico curto dados os potenciais efeitos adversos sobre o neurodesenvolvimento e crescimento.

Tendo em conta tal limitação, e na perspectiva de tratamento que não seja de curta duração (por ex. casos dependentes do ventilador e doença pulmonar crónica, antecedentes de amnionite, etc.), recomenda-se actualmente a hidrocortisona, sem os efeitos adversos atribuídos à dexametasona e com igual ou superior eficácia quanto ao desmame do ventilador e à diminuição da necessidade de oxigénio suplementar. São estabelecidas as seguintes doses de hidrocortisona: 5 mg/kg/dia durante 3 semanas.

Nalguns centros utiliza-se em alternativa a betametasona inalada num período variando entre 1 e 4 semanas.

Os diuréticos, diminuindo o edema intersticial pulmonar, estão principalmente indicados em situação de canal arterial permeável e na doença pulmonar crónica.

Na prática usam-se:

  • Furosemido, na dose de 1-2 mg/kg IV; a dose pode ser repetida em função da resposta clínica tendo em atenção efeitos adversos não desprezíveis com a utilização prolongada: nefrocalcinose, alcalose hipoclorémica, hipocaliémia, hipocalcémia, etc.;
  • Clorotiazida: 20 mg/kg/dose, via oral; e espironolactona: 1 mg/kg/dose.

Complicações da ventilação mecânica

O Quadro 2 resume as complicações mais frequentes.

QUADRO 2 – Complicações da Ventilação Mecânica.

Das vias aéreas
Extubação, oclusão, edema, estenose
Pulmonares
Atelectasia, pneumotórax, pneumomediastino, enfisema, doença pulmonar crónica
Mecânicas
Desconexão, curvatura do TET, falha eléctrica no ventilador, fuga de gás
Infecciosas
Traqueíte, pneumonia, septicémia (sendo fontes de infecção possíveis: mãos, cateteres, humidificadores, pele, etc.)

Princípios gerais da ventilação de alta frequência

Apesar dos progressos realizados com a ventilação sincronizada, permitindo, cada vez mais, melhores resultados, ainda persistem problemas pendentes de vária ordem, requerendo novas investigações, citando-se, entre outros, os seguintes:

  • Monitorização do grau de distensão do ácino conduzindo ao aumento da permeabilidade alveolar e capilar;
  • A avaliação da magnitude da hipertensão pulmonar persistente associada a grande número de quadros clínicos de SDR; e
  • O estudo selectivo das prevalências de doença pulmonar crónica como sequela das estratégias utilizadas com os ventiladores existentes originando barotrauma (como efeito da pressão de gás utilizado), volutrauma (como efeito da pressão utilizada), e o atelectrauma (secundário à desigualdade do grau de distensão alveolar/de “recrutamento” alveolar em diferentes zonas do parênquima pulmonar, isto é, à distribuição heterogénea de ar alveolar, havendo zonas do parênquima com alvéolos mais, ou menos, distendidos.

Surgiu então nova geração dos chamados ventiladores de alta frequência (high frequency ventilators/HFV ou, em português, VAF), completamente diferentes dos ventiladores atrás descritos.

Como características essenciais destes aparelhos – que promovem uma mais eficaz e mais homogénea distribuição de gás (portanto, recrutamento alveolar mais fisiológica), com menor distensão alveolar – são referidas:

  1. Utilização de frequências muito elevadas, suprafisiológicas, variáveis entre 5 e 15 Hertz (designação habitual da frequência em VAF), ou seja entre 300 e 900 ciclos por minuto (1 Hertz corresponde a 60 ciclos por minuto);
  2. Utilização de volumes correntes (Vc) muito baixos, iguais ou inferiores ao espaço morto das vias aéreas (± 1 a 2 mL /kg).

Actualmente são utilizados em muitas unidades como ventilação de recurso/ resgate, ou como ventilação inicial e exclusiva, tendo em conta que tais características contribuem para reduzir o risco de “traumas” no tracto respiratório, atrás referidos.

Os ventiladores de alta frequência compreendem várias modalidades:

  1. Ventilação de alta frequência oscilatória (HFOV ou high frequency oscillatory ventilation), por sua vez, compreendendo os osciladores puros assim como aqueles que funcionam com interrupção de fluxo.
    Como exemplos são citadas as seguintes marcas:
    Hummingbird V®, o Dufour OHF1® e o Sensor Medics 3100A® (osciladores puros); e Babylog 8000 Plus® e Infant Star 950® (interruptores de fluxo).
  2. Ventilação de alta frequência com fluxo de alta velocidade ou “jacto” (HFJV ou high frequency jet ventilation).
    Como exemplo é citada a marca Bunnel Life Pulse®.

As principais indicações da ventilação da alta frequência são: resgate de RN com SDR grave e, fundamentalmente, extremamente imaturos para prevenir o dano decorrente da ventilação convencional e as situações de difícil remoção ou “lavagem” de CO2 como hipoplasia pulmonar ou síndromas de ar ectópico.

Actualmente, como é possível controlar e manter constante o volume corrente de alta frequência com a utilização do volume garantido, o ventilador de alta frequência oscilatória muda de forma automática a pressão de oscilação e mantém constante o volume corrente ajustado.

Princípios gerais da ECMO (oxigenação por membrana extracorporal)

Nesta última alínea do capítulo, importa citar apenas a designação do que se considera o escalão mais avançado e mais sofisticado da assistência respiratória invasiva, implicando equipas altamente especializadas em raros centros de referência distribuídos racionalmente em função das necessidades.

Esta modalidade está indicada em situações comportando risco de mortalidade de 60-70%, e com índice de oxigenação >40 de forma mantida com tratamento convencional.

Noções complementares em síntese:

    • Na ventilação artificial/ ventilação mecânica, a oxigenação é determinada pela fracção de oxigénio inspirado (Fi O2) e pela pressão média nas vias aéreas (MAP).
    • A pressão média das vias aéreas (MAP) é calculada de acordo com a seguinte equação:
      [MAP = K (PIP-PEEP) (Ti / Ti+Te) + PEEP] a qual indica que a MAP aumenta com o aumento da pressão de pico inspiratória (PIP), da pressão positiva no final da expiração (PEEP), da relação do tempo inspiratório com a soma do tempo inspiratório e expiratório (Ti / Ti+Te) e do fluxo (que aumenta a constante de tempo K, ou seja, a medida de tempo necessário para as pressões pulmonares proximais e distais se equilibrarem).
    • O mecanismo pelo qual o aumento da MAP melhora a oxigenação resulta do aumento dos volumes pulmonares e da melhoria da relação V/Q. No entanto, uma MAP excessiva pode comprometer a oxigenação pela hiperdistensão alveolar e shunt direita-esquerda pulmonar.
    • A interacção entre o ventilador e a criança depende essencialmente das características mecânicas do aparelho respiratório, destacando-se:
      • Gradiente de pressão – é a diferença de pressão existente entre as vias aéreas superiores e os alvéolos, necessária para que ocorra o fluxo de gases durante a inspiração e a expiração. Calcula-se através da seguinte equação: – Pressão = volume de compliance ou distensibilidade + resistência x fluxo;
      • Compliance ou distensibilidade – é a elasticidade das estruturas do aparelho respiratório (alvéolos, parênquima pulmonar, parede torácica) e calcula-se pela alteração no volume por cada alteração de unidade de pressão: Compliance ou distensibilidade = ∆ volume / ∆ pressão;
      • Resistência – é a capacidade que o sistema condutor de ar (vias aéreas, tubo endotraqueal, tecido pulmonar) possui para se opor ao fluxo gasoso. Calcula-se pela alteração na pressão por cada unidade de alteração do fluxo: Resistência = ∆ pressão / ∆

BIBLIOGRAFIA

Ancora G, Lago P, Garetti E, et al. Evidence-based clinical guidelines on analgesia and sedation in newborn infants undergoing assisted ventilation and endotracheal intubation. Acta Paediatrica 2019; 108: 208-217

Bancalari E, Claure N. Control of oxygenation during mechanical ventilation in the premature. Clin Perinatol 2012; 39: 563-572

Batey N, Bustani P. Neonatal high-frequency oscillatory ventilation Paediatr Child Health 2020; 30: 149-153

Bhayat S, Shetty S. Less-invasive surfactant administration (LISA). Paediatr Child Health 2020; 30: 144-148

Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008

Ekhaguere O, Patel S, Kirpalani H. Nasal intermittent mandatory ventilation versus nasal continuous positive airway pressure before and after invasive ventilatory support. Clin Perinatol 2019; 46:517 -536

Garcia JJ, Cruz O, Mintegi S, Moreno JM (eds). M Cruz Manual de Pediatria. Madrid: Ergon, 2020

Gien J, Kinsella JP. Pathogenesis and treatment of bronchopulmonary dysplasia. Curr Opin Pediatr 2011; 23: 305: 305 – 313

Guimarães JC, Tuna ML, Loio P, et al. Manual Prático de Ventilação Neonatal. Lisboa: Hospital de S. Francisco Xavier/Uriage, 2016

Hodgson KA, Manley BJ, Davis PG. Is nasal high flow inferior to continuous positive airway pressure for neonates? Clin Perinatol 2019; 537-552

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

Klingenberg C, Wheeler KI, Davis PG, et al. A Practical guide to neonatal volume guarantee ventilation. J Perinatol 2011; 31: 575-585

Lee Jr M, Nagler J. High flow nasal cannula therapy beyond the perinatal period. Curr Opin Pediatr 2017; 29: 291 – 296

Lee M-J, Choi EK, Park KH, et al. Effectiveness of nCPAP for moderate preterm infants compared to BiPAP: a randomized, controlled non-inferiority trial. Pediatr Int 2020; 62: 59–64. doi: 10.1111/ped.14061

Lista G, Castoldi F, Fontana P, et al. Nasal continuous positive airway pressure (CPAP) versus bi-level nasal CPAP in preterm babies with respiratory distress syndrome: a randomised control trial. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2010; 95: F85-89

McCollum ED, Mvalo T, Eckerle M, et al. Bubble continuous positive airway pressure for children with high-risk conditions and severe pneumonia in Malawi: an open label randomised controlled trial. Lancet Respir Med 2019; 7: 964–974

McVea S, McGowan M, Rao B. How to use saturation monitoring in newborns. Arch Dis Child Edu & Pract 2019; 104:35-42

Manley BJ. Nasal high flow therapy for preterm infants. Review of neonatal trial data. Clin Perinatol 2016; 43: 673 – 691

Manley BJ, Arnold GRB,Wright IMR, et al. Nasal high-flow therapy for newborn infants in special care nurseries. NEJM 2019; 380: 2031-2040

Manley BJ, Roberts CT, Frøisland DH, et al. Use of nasal high-flow therapy as primary respiratory support for preterm infants. J Pediatr 2018; 195: 65-70

Martin RJ, Fanaroff AA, Walsh MC(eds). Neonatal-Perinatal Medicine. St Louis: Elsevier Mosby, 2011

Montan S, Arul-Kumaran S. Neonatal respiratory distress syndrome. Lancet 2006; 367:1878-1879

Morley CJ. Volume-limited and volume targeted ventilation. Clin Perinatol 2012; 39:513-523

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Nona J, Nogueira M, Nascimento O, Costa T, Valido AM. Ventilação de alta frequência oscilatória exclusiva com optimização do volume pulmonar no recém-nascido de extremo baixo peso. Acta Pediatr Port 2001; 32:225-231

Nona J, Santos C, Bento AM, et al. High frequency oscillatory ventilation in meconium aspiration syndrome. Einstein 2009; 7:201-205

Oda A, Parikka V, Lehtonen L, et al. Nasal high-flow therapy decreased electrical activity of the diaphragm in preterm infants during the weaning phase. Acta Paediatrics 2019; 108: 253-257

Poets CF. Noninvasive monitoring and assessment of oxygenation in infants. Clin Perinatol 2019; 46: 417- 434

Polin R, Yoder MC. Work Book in Practical Neonatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Polin RA, Abman SH, Rowitch DH, Benitz WE, Fox WW (eds). Fetal and Neonatal Physiology. Philadelphia: Elsevier, 2017

Reyes ZC, Claure N, Tauscher MK, et al. Randomized, controlled trial comparing synchronized intermittent mandatory ventilation and synchronized intermittent mandatory ventilation plus pressure support in preterm infants. Pediatrics 2006; 118: 1409 – 1417

Sandri F, Ancora G, Lanzoni A, et al. Prophylactic nasal continuous positive airways pressure in newborns of 28-31 weeks gestation: multicentre randomised controlled clinical trial. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2004; 89: F 394-398

Stein H, Firestone K, Rimensberger PC. Synchronized mechanical ventilation using electrical activity of the diaphragm in neonates. Clin Perinatol 2012; 39: 525-542

Sweet DG, Carnielli V, Greisen G, et al. European consensus guidelines on the managment of neonatal respiratory distress syndrome in preterm infants – 2013 Update. Neonatology 2013;103:353-368

Tarnow-Mordi W, Kirby A. Current recommendations and practice of oxygen therapy in preterm infants. Clin Perinatol 2019; 46: 621-631

Travers CP, Carlo WA. New methods for noninvasive oxygen administration. Clin Perinatol 2019; 46: 449-458

HIPERTENSÃO PULMONAR PERSISTENTE

Definição, aspectos epidemiológicos e importância do problema

A chamada síndroma de hipertensão pulmonar persistente (HPP/HTP) (*) do RN é uma situação clínica de dificuldade respiratória caracterizada por aumento da resistência vascular pulmonar e diminuição da perfusão pulmonar levando a hipóxia grave e PaCO2 normal ou elevado.

Importa salientar que a diminuição do débito sanguíneo pulmonar se associa a  curto-circuito direita – esquerda pelo foramen ovale e/ou ductus arteriosus (canal arterial) por aumento relativo da pressão na artéria pulmonar em relação à sistémica.

O facto de este quadro fisiopatológico ter afinidade com a circulação fetal, ao mesmo era dado anteriormente o nome de “persistência da circulação fetal” (impropriamente, pois excluia a circulação placentária).

(*) São utilizadas indiferentemente, com igual significado, neste livro, as siglas HTP ou HPP (hipertensão pulmonar ou hipertensão pulmonar persistente).

A síndroma de aspiração meconial  é a causa mais frequente de HPP, a qual ocorre em cerca de 40-75% dos casos da forma mais grave daquela.

Outras situações associadas a HPP (factores predisponentes) incluem doenças pulmonares parenquimatosas, pneumonia, sépsis, deficiência de surfactante, hipoglicémia, policitémia, terapias maternas in utero com AINE levando a constrição do ductus arteriosus, idem no terceiro trimestre com inibidores selectivos de recaptação da serotonina, hipolasia pulmonar por hérnia diafragmática, perda de líquido amniótico, oligo-hidrâmnio ou derrame pleural.

Os casos de HPP não associados a doença pulmonar parenquimatosa são designados idiopáticos. 

A incidência de HPP no RN é calculada em cerca de 2 a 6 /1.000 nados-vivos, correspondendo a cerca de 0,5 a 1% dos internamentos em UCIN. Apesar dos progressos da perinatologia nas últimas décadas, constitui ainda um problema clínico muito importante em RN de termo e pré-termo, pela mortalidade (~ 20%) e morbilidade, designadamente em termos de sequelas neurológicas importantes (10 a 20 %).

ETIOPATOGÉNESE

Mecanismos de regulação do tono vascular pulmonar

Embora a etiopatogénese da HPP não esteja completamente esclarecida, torna-se fundamental rever alguns mecanismos que regulam o tono vascular pulmonar fetal e pós-natal, alguns dos quais são baseados em estudos experimentais.

Durante a vida fetal a resistência vascular pulmonar (RVP) está aumentada, o que tem como consequência o leito pulmonar receber apenas cerca de 8 a 10% do débito cardíaco. A  maioria do sangue oxigenado na placenta que atinge o ventrículo direito é veiculada   para a aorta, directamente através do canal arterial, e indirectamente através do foramen ovale.

O tono vascular pulmonar durante a gestação parece ser determinado por um balanço entre diversos factores: baixa pressão de oxigénio no sangue, incremento da produção de vasoconstritores como endotelina-1 (ET-1), serotonina (5HT), leucotrienos, tromboxano, factor activador das plaquetas (PAF), hiperreactividade da musculatura lisa da parede vascular arterial (tono miogénico aumentado) e baixa produção de substâncias vasodilatadoras (prostaciclina-PG I2, de menor relevância, e óxido nítrico-NO, de maior relevância).

Recorda-se que o NO (chamado precisamente endothelium derived relaxing factor ou factor de relaxação endotelial) é produzido no endotélio vascular através da conversão de L-arginina em L-citrulina pela enzima sintetase do NO. Uma vez produzido, o NO difunde-se facilmente pelas células de músculo liso causando vasodilatação por estimular a guanilato-ciclase solúvel, aumentando a produção de cGMP (guanosinamonofosfato cíclica).

Os mecanismos responsáveis pela manutenção da RVP aumentada (predomínio dos factores que determinam oligoémia pulmonar) durante a vida fetal não estão completamente esclarecidos; admite-se que, para além da maior produção de factores vasoconstritores, e de menor produção de factores vasodilatadores, tenham papel importante factores mecânicos como a compressão vascular pelo líquido pulmonar fetal.

Não obstante o aumento do território vascular pulmonar ao longo da gestação, relacionável com o crescimento pulmonar fetal, a RVP aumenta com a idade gestacional, estando no seu máximo antes do nascimento, com pressões  na circulação pulmonar  in utero equiparáveis às da circulação sistémica.

Alguns minutos após o nascimento, em condições de normalidade e na ausência de alterações estruturais dos vasos arteriais pulmonares, a pressão da artéria pulmonar diminui rápida e drasticamente, o que se explica pelo aumento da produção de vasodilatadores tais como NO e PG I2 – passando a predominar sobre os vasoconstritores – como resposta a estímulos diversos: distensão rítmica dos pulmões em relação com os movimentos respiratórios, aumento da pressão sanguínea de O2, e estresse do estiramento. Procede-se então à transição para a circulação pulmonar normal com rápido aumento do fluxo sanguíneo pulmonar (aumento de 8 a 10 vezes), queda da RVP, e remoção de fluido pulmonar.

Poderá assim compreender-se que qualquer perturbação na sequência de eventos que conduzem normalmente à diminuição da RVP na transição para a vida extrauterina, poderá criar condições de manutenção de RVP aumentada após o nascimento, e um padrão circulatório arterial pulmonar semelhante ao verificado no feto.

Exemplos de perturbações da circulação pulmonar na transição fetal-neonatal

Citam-se os seguintes:

1 – Desregulação de efeitos vasodilatadores  ou vasoconstrictores por défice de produção de vasodilatadores (por exemplo por situação genética responsável pela menor produção de NO) ou por maior produção de vasoconstritores como a ET-1 ou substâncias vasoactivas produzidas por germes microbianos como Streptococcus agalactiae;

2  – Remodelação vascular pulmonar com manutenção da hiperreactividade da musculatura lisa  arterial pulmonar:

    • por excesso de músculo liso, sobretudo nas artérias de médio calibre (quer em espessura, quer em extensão) como resultado de hipoxémia crónica intra-uterina); e/ou
    • por excesso de músculo liso com idêntica localização como resultado do aumento de débito pulmonar fetal secundário ao encerramento do canal arterial no feto por efeito de anti-inflamatórios não esteróides administrados à grávida;

3 – Diminuição do leito vascular pulmonar no contexto de anomalia congénita (por ex. hipoplasia vascular pulmonar interferindo com a vasculogénese e angiogénese, em situações como a hérnia diafragmática, etc.).

Noções básicas sobre desenvolvimento da vasculatura pulmonar

Dado que a vasculatura pulmonar se desenvolve paralelamente à via aérea, a hipoplasia do leito vascular pulmonar acompanha a hipoplasia pulmonar.

A propósito da muscularização, normal ou excessiva dos ramos arteriais pulmonares, importa recordar sucintamente as seguintes noções:

  1. no que respeita ao desenvolvimento muscular da parede arterial em extensão, ou seja, ao longo do vaso (em paralelo à via respiratória), em condição de normalidade , a muscularização atinge, no RN, apenas a região pré-acinar (até ao bronquíolo terminal-BT); em situação de HPP o desenvolvimento muscular atinge zonas mais distais (em paralelo ao bronquíolo respiratório-BR e ducto alveolar-DA estendendo-se até ao alvéolo) (Figura 1);
  2. no que respeita ao desenvolvimento muscular da parede arterial em espessura – e comparando vasos com idêntico diâmetro externo – a muscularização excessiva traduz-se em menor calibre e, portanto, em maior espessura da parede (Figura 2);

FIGURA 1. Desenvolvimento muscular da parede arterial em extensão.

FIGURA 2. Desenvolvimento muscular da parede arterial em espessura.

Considerando a lei de Poiseuille – a resistência à passagem de fluido (neste caso, sangue) num canal (neste caso, vaso arterial pulmonar) é directamente proporcional à viscosidade do sangue e ao comprimento dos vasos, e inversamente proporcional ao número de vasos e à 4ª potência do raio dos mesmos. A fórmula seguinte é elucidativaà R= 8nL /pi r4 ;  a mesma permite compreender melhor uma classificação etiopatogénica (Quadro 1).

QUADRO 1 – Hipertensão pulmonar persistente no RN. Classificação etiopatogénica.

1. Vasoconstrição pulmonar
Asfixia perinatal, síndroma de aspiração meconial, pneumonia, alterações metabólicas, obstrução das vias respiratórias superiores, hipoventilação, alterações do SNC, etc..
2. Policitémia/Hiperviscosidade
3. Hipertrofia da musculatura lisa arterial pulmonar
Hipoxémia crónica intrauterina, insuficiência placentar, encerramento do canal arterial in utero (salicilatos, indometacina, ibuprofeno), cardiopatia congénita, hipertensão sistémica fetal.
4. Leito vascular pulmonar diminuído
Hipoplasia pulmonar, hérnia diafragmática de Bochdalek, microtrombos pulmonares, quistos pulmonares, estenose da artéria pulmonar, displasia alveolocapilar, etc..

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E EXAMES COMPLEMENTARES

Como regra prática importante, importa referir que, independentemente da história pré-natal, a HPP deve ser suspeitada nos casos de RN de termo com cianose

Tendo em conta a diversidade da patologia de base, as manifestações clínicas podem contudo ser  muito variadas, traduzindo um quadro de hipoxémia grave e refractária com FiO2 de 100%. Os respectivos sinais podem ser muito precoces, por vezes já no pós-parto imediato, e em geral nas primeiras 12 horas de vida.

Nos casos relacionados com policitémia, hipoglicémia, ou asfixia perinatal verifica-se cianose grave associada a taquipneia; contudo, inicialmente os sinais de dificuldade respiratória podem ser muito discretos.

Nos casos relacionados com síndroma de aspiração meconial, pneumonia por Streptococcus do grupo B, hérnia de Bochdalek, ou hipoplasia pulmonar, a SDR é mais exuberante , podendo verificar-se quadro de choque e disfunção multiorgânica.

A sequência de eventos: isquémia do miocárdioà disfunção dos músculos papilares à regurgitação tricúspide e mitral à disfunção biventricular à choque cardiogénico à hipóxia-isquémia tecidual conduz a agravamento da hipoperfusão pulmonar.

Perante quadro clínico sugestivo de HPP, importa discriminar um conjunto de exames complementares com vista a obter o diagnóstico definitivo. Os referidos exames, indicados em situação de hipoxémia grave e refractária, têm como objectivo essencial avaliar a função do miocárdio, demonstrar sinais de curto-circuito direita – esquerda pelo ductus arteriosus e/ou foramen ovale, e excluir doença cardíaca estrutural.

Critérios de diagnóstico de HPP

I. Ecocardiografia em tempo real com Doppler

Este exame, proritário, é fundamental para o diagnóstico definitivo de HPP, permitindo  evidenciar sinais de :

  • pressão elevada na artéria pulmonar (superior a 75% da pressão arterial sistémica);
  • septo auricular procidente/abaulado para a aurícula esquerda;
  • sinais de insuficiência tricúspide;
  • dilatação do ventrículo direito com desvio do septo;
  • aumento da relação entre fase de pré-ejecção ventricular direita/e fase de ejecção ventricular direita;
  • a magnitude da HPP e do curto-circuito direito-esquerdo pelo ductus arteriosus e/ou foramen ovale (*); e, também,
  • avaliar a contractilidade cardíaca;
  • excluir doenças cardíacas estruturais, sobretudo as que dependem do curto-circuito direito-esquerdo como por ex. interrupção do arco aórtico, estenose aórtica, síndroma de disfunção do ventrículo esquerdo.

 

(*) O shunt intracardíaco através do foramen ovale patente não determina gradientes quanto a PaO2 e SpO2.

Independentemente de ser ou não possível  utilizar o eco Doppler, está sempre indicada em concomitância a gasometria sanguínea e a avaliação contínua da SpO2

II. pH e gases no sangue (incluindo Pa O2 pré e pós-ductal), e avaliação contínua da SpO2 pré e pós-ductal.

Os critérios classicamente utilizados para o diagnóstico de HPP são variáveis, considerando-se as seguintes circunstâncias (com elevada probabilidade de HPP):

→ se RN ventilado na modalidade IMV com FiO2 de 100%):

    • cianose central ou
    • PaO2 pós-ductal < 100 mmHg  ou
    • SpO2 pós-ductal < 90%.

→ se RN com labilidade dos níveis de oxigenação arterial [considerando-se na prática, 2 ou mais episódios de diminuição SpO2 ( < 85%) no período de 12 horas obrigando a intensificação do suporte ventilatório].

→ se RN com  diferença de oxigenação arterial entre territórios pré e pós-ductais, considerando como diferença significativa  o gradiente de PaO2 e SpO2 respectivamente pré- ductal (mão direita) e pós –ductal (qualquer dos pés):

    • Gradiente de PaO2 > 20 mmHg ou
    • Gradiente de SpO2 > 5% (para valores de saturação entre 70 e 95%).

De notar que a Pa CO2 é relativamente normal, associando-se acidose marcada traduzindo frca perfusão tecidual.

Para avaliação da gravidade utiliza-se o IO (índice de oxigenação) avaliado de modo seriado:

IO = Pressão média na via aérea x FiO2/Pa O2(mmHg)

 Se IO > 40 em 3 de 5 gasometrias determinadas com intervalos de 30 minutos, o risco de mortalidade é cerca de 80%.

Outros exames
  • Radiografia do tórax
    O padrão depende da doença de base; havendo quadro de HPP grave, verifica-se pobreza da trama pulmonar na periferia, com “amputação” dos vasos, contrastando com dilatação do tronco pulmonar e nos ramos pulmonares principais.
    Nos casos de HPP idiopática, o padrão é de campos pulmonares “claros”, hiperarejados, subvascularizados e com silhueta cardíaca aumentada.
  • Exames laboratoriais
    Para avaliação global e esclarecimento etiológico, em função de cada caso, poderá haver necessidade de determinados exames laboratoriais como hemograma completo, glicémia, calcémia, magnesiémia, etc..
    A determinação do péptido BNP no plasma (consultar Glossário Geral)  merece ser destacada, podendo este marcador, segundo alguns autores,  ser considerado como forma de rastreio para proceder a eco-doppler. Com efeito, valores superiores a 2500 pg/mL estão associados a estresse ventricular direito  e a sinais ecográficos de sobrecarga ventricular, compatíveis com HPP, embora não exclusivos desta última.

TRATAMENTO

Os objectivos gerais dos procedimentos terapêuticos da HPP, a realizar em UCIN, são: tratar a doença de base, melhorar o estado hemodinâmico, corrigir os factores de vasoconstrição arterial pulmonar e melhorar a oxigenação.

Importa referir que todos os cuidados gerais deverão obedecer ao princípio do manuseamento mínimo, tendo em conta a labilidade extrema da situação.

Eis as grandes linhas do tratamento:

  • Oxigenoterapia
  • Ventilação mecânica convencional; estratégia:  sem hiperventilação nem alcalinização; normocarbia ou hipercarbia permissiva, evitando a hipoxemia;
  • Ventilação com alta frequência (VAF) –em certas unidades é utilizada perante falência da ventilação convencional em situações de IO > 20, e acidose respiratória persistente (PaCO2> 60 mmHg e pH < 7,20). Nalguns centros utilizam-se em simultâneo VAF+NOi, obtendo melhores resultados. Não parece estar provado que esta modalidade aplicada de início seja superior à ventilação convencional como estratégia de 1ª linha;
  • Sedantes (midazolam na dose de 1-5 mcg/kg/hora IV).
  • Curarizantes em crianças ventiladas (por ex. pancurónio ou vecurónio) controversos, devendo ser reservados para os casos em que não pode ser usada apenas a sedação.
  • Inotrópicos: elevação da pressão arterial sistémica para manter volume de sangue circulante adequado, enchimento das câmaras cardíacas (sob controlo ecográfico), débito cardíaco adequado e diminuição do curto-circuito direita-esquerda. Este desiderato pode atingir-se com:
    • expansores de volume (por ex. soro fisiológico-10 a 20 mL/kg em 30 minutos).
    • aminas vasopressoras (por ex. dopamina ou dobutamina).
  • Vasodilatadores pulmonares:
    • NOi em ventilação (óxido nítrico inalado com dose inicial de 20 ppm durante 1 hora – vasodilatação selectiva), reduzindo a necessidade de ECMO, excepto nos casos de hérnia diafragmática congénita, e obrigando a monitorização de NO2 produzido.
      Indicações específicas para NOi:
      • HPP/HPT confirmada por eco-Doppler e, pelo menos um de dois critérios
        → IO> 25 em gasometria pós-ductal
        → PaO2 < 100 mmHg com FiO2 de 100%
        ou IO> 40 com ou sem evidência ecográfica de HPP/HTP
    • Sildenafil (inibidor da fosfodiesterase tipo 5- Viagra®) quando NOi não está disponível e em situações seleccionadas; reduzindo a degradação do GMPc, poderá melhorar a oxigenação e reduzir a mortalidade, melhorando o débito cardíaco e a função respiratória;
      De acordo com  estudos recentes, o seu emprego numa fase em que se verifique processo maturativo da retina, erxiste risco de agravamento da retinopatia da prematuridade.
  • Prostaglandina E1 (Prostin®: 0,05-0,1 mcg/kg/minuto IV contínuo) nos casos de ausência de resposta ao NOi;
  • ECMO (Oxigenação por circulação extracorporal com membrana), menos utilizada desde a era do NOi; contudo está indicada na ausência de resposta a esta última técnica, sendo que, como se disse, o NOi reduz a necessidade de ECMO.
  • Outros procedimentos a ponderar, caso a caso:
    • Cateterismo central (artéria umbilical e veia umbilical, designadamente) para mais fácil monitorização de pH e gases, colheitas de sangue para exames laboratoriais, fluidoterapia para expansão de volume vascular, etc., na perspectiva de gerir manuseamento mínimo.
    • Analgésicos derivados dos opióides (fentanil na dose de 1-2 mcg/kg/hora IV contínuo em RN submetidos a ventilação mecânica; ou morfina na dose de 10 mcg/kg/hora IV após dose inicial de impregnação, 1 hora antes, de 100 mcg/kg IV).
    • Correcção de alterações metabólicas.
    • Tratamento de infecções (antibioticoterapia e outras medidas).
    • Tratamento substitutivo com surfactante exógeno.
    • Correcção do hematócrito (objectivo: obter valor ~40%) evitando hiperviscosidade ou anemia.

SEGUIMENTO E PROGNÓSTICO

Após a alta hospitalar as crianças devem ser encaminhadas para centro de desenvolvimento (no pressuposto de apoio multidisciplinar) com o objectivo de se proceder a avaliação periódica, designadamente de tipo neurossensorial, pelo menos até aos seis anos. A avaliação auditiva deverá ser realizada o mais precocemente possível.

A sobrevivência varia com a doença subjacente. Dum modo geral, o prognóstico a longo prazo relaciona-se com a verificação (ou não) de encefalopatia hipóxico-isquémica associada, e com o resultado da terapêutica vasodilatadora pulmonar (bom ou mau). Por outro lado, de acordo com estatísticas recentes, a HPP surge em cerca de 40% dos casos mais graves de displasia broncopulmonar. A proporção de sequelas do neurodesenvolvimento é estimada entre 10 a 20% nos sobreviventes de HPP.

Apesar dos progressos da terapia intensiva, a mortalidade dos RN com HPP continua elevada, nomeadamente nos casos acompanhados de anomalias estruturais dos vasos pulmonares. Excluindo esta situação, a recuperação funcional pulmonar é boa, sem doença residual.

BIBLIOGRAFIA

Baptista MJ, Correia-Pinto J, Rocha G, Guimarães H, Areias JC. Brain-type natriuretic peptide in the diagnosis and management of persistent pulmonary hypertension of the newborn. Pediatrics 2005; 115: 111

Berti A, Janes A, Furlan R, Macagno F High Prevalence of minor neurologic deficits in a long-term neurodevelopment follow-up of children with severe persistent pulmonary hypertension of the newborn: a cohort study. Italian  J  Pediatr 2010; 36: 45 – 48

Cabral JEB, Belik J Persistent Pulmonary Hypertension of the newborn: recent advances in pathophysiology and treatment. J Pediatr (Rio J)  2013; 89: 226-242

Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008

Fanaroff AA, Martin RJ. Neonatal-Perinatal Medicine- Diseases of the Fetus and Infant. St. Louis: Mosby, 2002

Garcia JJ, Cruz O, Mintegi S, Moreno JM (eds). M Cruz Manual de Pediatria. Madrid: Ergon, 2020

Gentle SJ,  Abman SH,  Ambalavanan N. Oxygen therapy and pulmonary hypertension in preterm infants. Clin Perinatol 2019; 46:611-620

Greenough A, Milner AD (eds). Neonatal Respiratory Disorders. London: Arnold, 2006

Guimarães JC, Tuna ML, Loio P, et al. Manual Prático de Ventilação Neonatal. Lisboa: Hospital de S. Francisco Xavier/Uriage, 2016

Hoyle ES, Slee SL,  Subhedar NV.  Variation in the definition of pulmonary hypertension and clinical indications for the use of nitric oxide in neonatal clinical trials. Acta Paediatrica 2020; 109: 930-934

Kinsella JP, Abman SH. Clinical approach to inhaled nitric oxide in the newborn with hypoxemia. J Pediatr 2000; 136: 717-726

Kinsella JP, Abman S. Inhaled nitric oxide therapy in children. Pediatr Resp Rev 2005; 6: 190 -198

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

Lawrence KM, Monos S, Adams S, et al Inhaled nitric oxide is associated with improved oxygenation in a subpopulation of infants with congenital diaphragmatic hernia and pulmonary hypertension.  J Pediatr 2020; 219: 167-172

MacDonald MG, Seshia MMK (eds). Avery’s Neonatology: Pathophysiology and Management of the Newborn. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 2015

Martin RJ, Fanaroff AA, Walsh MC (eds). Neonatal-Perinatal Medicine. St Louis: Elsevier Mosby, 2011

McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill Livingstone, 2008

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Pearson DL, Dawling S, Walsh WF, et al. Neonatal pulmonary hypertension: urea cycle intermediates, nitric oxide production, and carbamoyl-phosphate synthetase function. NEJM 2001; 344:1832-1838

Polin RA, Yoder MC. Work Book in Practical Neonatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Polin RA, Abman SH, Rowitch DH, Benitz WE, Fox WW (eds). Fetal and Neonatal Physiology. Philadelphia: Elsevier, 2017

Reynolds E, Ellington J, Vranicar M, Bada H. Brain-type natriuretic peptide in the diagnosis and management of persistent pulmonary hypertension of the newborn. Pediatrics 2004; 114: 1297 – 1304

Vayalthrikkovil S, Vorhies E, Stritzke A, et al. Prospective study of pulmonary hypertension in preterm infants with bronchopulmonary dysplasia. Pediatr Pulmonol 2019; 54: 171-178

Walsh-Sukys MC, Tyson JE, Wright LL, et al. Persistent pulmonary hypertension of the newborn in the era before nitric oxide: practice variations and outcomes. Pediatrics 2000; 105;14-20

Warren JB, Anderson JDM. Newborn respiratory disorders. Pediatr Rev 2010; 31: 487 – 496

Wilmott R, Bush A, Deterding R, Ratjen F, Sly P, Zar H, Li A (eds). Kending’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Elsevier, 2018

HEMORRAGIA PULMONAR

Definição e importância do problema

A hemorragia pulmonar, constituindo uma forma de SDR secundária (acompanhando situações clínicas de etiologia diversa), é caracterizada fundamentalmente pela saída de sangue ou fluido hemático de origem pulmonar pelo tubo endotraqueal (TET), boca ou fossas nasais, em situações consideradas críticas, obrigando a ventilação mecânica e/ou a ressuscitação.

Trata-se dum problema clínico raro, mas grave, comportando risco elevado de mortalidade e morbilidade, designadamente no RN pré-termo. No grupo de RN de muito baixo peso (RNMBP), a sua prevalência varia entre 3-32%.

A incidência em autópsias de RN nas primeiras 2 semanas de vida varia entre 1 a 12/1.000 em contexto de prematuridade extrema e PDA.

Etiopatogénese

Embora a etiopatogénese não esteja completamente esclarecida, são considerados determinados factores predisponentes ou de risco, sintetizados nos quadros 1 e 2: asfixia perinatal grave, hipotermia, ventilação mecânica, diátese hemorrágica, sobrecarga de fluidos, hipervolémia, infecção sistémica grave, cardiopatias com curto-circuito esquerda – direita, PDA hemodinamicamente significativa, aspiração de conteúdo gástrico, doença hemorrágica do RN, doenças hereditárias do metabolismo, terapêutica substitutiva com surfactante pulmonar exógeno (nesta última circunstância em cerca de 1 a 5% dos casos), etc..

Admite-se que a formação de edema pulmonar hemorrágico se deve a hipoxémia e acidose determinando insuficiência ventricular esquerda.

Neste contexto, a elevação da pressão na aurícula esquerda leva sequencialmente a elevação da pressão capilar pulmonar, conduzindo por sua vez a edema e ruptura de capilares alveolares em todo o território pulmonar; tal mecanismo é, efectivamente, diverso do verificado no adulto em que, no contexto de insuficiência ventricular esquerda, o excesso de fluido/ edema se localiza apenas nas bases pulmonares.

De referir que alguns dos factores de risco atrás descritos podem estar associados a determinados mecanismos favorecendo o edema hemorrágico: por ex. lesão e fragilidade do tecido pulmonar, desequilíbrio de pressões ao nível capilar pulmonar, défice de factores de coagulação, hipoproteinémia, alteração do surfactante, etc..

No grupo de recém-nascidos pré-termo admite-se o papel de certo grau de edema intersticial e alveolar secundário à elevação do fluxo sanguíneo pulmonar, situação que por sua vez resulta de um desvio esquerda-direita hemodinamicamente significativo através de canal arterial patente. (Quadros 1 e 2)

QUADRO 1 – Mecanismos fisiopatológicos subjacentes à hemorragia pulmonar.

Aumento da pressão venosa pulmonar
Canal arterial patente
Cardiopatia congénita
Lesão endotelial
Infecção
Défice de surfactante
Asfixia
Toxicidade de O2
Redução da drenagem linfática
Ventilação mecânica
Pressão venosa central elevada
Fibrose pulmonar
Coagulopatia

QUADRO 2 – Principais factores de risco de hemorragia pulmonar neonatal.

1In utero (ex: restrição de crescimento fetal), intraparto (ex: encefalopatia hipóxico-isquémica), pós-parto (ex: síndroma de aspiração meconial, entubação difícil).

Persistência de canal arterial
Prematuridade
Restrição de crescimento intra-uterino
Peso de nascimento < 1500g
Administração de surfactante
Ausência de corticoterapia pré-natal em RN prematuro
Reanimação imediata com VPP
Ventilação mecânica

DMH precoce e grave
Sépsis
Asfixia1
Hipotermia
Coagulopatia
Trombocitopenia (< 100.000/ul)
Policitémia
Doença hereditária do metabolismo

Manifestações clínicas, laboratoriais e imagiológicas

Dum modo geral, os sinais clínicos (saída de líquido hemático pela boca, fossas nasais e TET) coincidem com agravamento da situação clínica de base e/ou manobras de reanimação; pode surgir bradicárdia, hipotensão e choque.

As alterações laboratoriais mais frequentes são: agravamento de hipóxia e hipercapnia, acidose mista; anemia aguda com redução do hematócrito ≥10%; plaquetas normais ou ↓/ ou ↑; tempos de coagulação, fibrinogénio, D-Dímeros normais ou/↑.

A imagem radiográfica do tórax é variável, sendo que nas formas graves pode haver opacidades dispersas, ou opacidade difusa bilateral (semelhante à imagem do chamado ”pulmão branco”), relacionável com situações de base, tais como de insuficiência ventricular esquerda, choque e compromisso estrutural e funcional do surfactante.

O ecocardiograma com doppler pode evidenciar sinais de canal arterial persistente. É necessário excluir defeitos do ciclo da ureia pelo doseamento de amónia sérica (sobretudo em recém-nascidos de termo).

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial pode fazer-se com certo número de situações:

  • Traumatismo local por entubação ou sucção/aspiração (vestígios de sangue vivo/ digerido nas secreções respiratórias, ausência de deterioração clínica súbita, sem necessidade de terapêutica dirigida);
  • Sangue materno aspirado na reanimação;
  • Sépsis, coagulopatia, cardiopatia, corpo estranho;
  • Manifestação inicial de doença hereditária do metabolismo, designadamente defeitos do ciclo da ureia, o que implicará dosear a amoniémia se houver forte suspeita clínica.

Tratamento e prognóstico

O tratamento em regime de UCIN inclui fundamentalmente: correcção da doença de base, aspiração das vias aéreas, administração de adrenalina por via traqueal para constrição dos vasos pulmonares, reposição das perdas de sangue, ventilação mecânica com PEEP elevada e, havendo recursos técnicos, HFV.

Nalguns centros, na fase pós-hemorragia, com o fundamento de que a presença intra-alveolar de sangue e proteínas afecta a compliance pulmonar, é administrado surfactante. Tal atitude é controversa, pois há estudos demonstrando que a hemorragia pulmonar pode ser desencadeada pela administração de surfactante.

O prognóstico, dependendo da etiologia, dum modo geral, é mau. Com efeito, no pré-termo, a mortalidade oscila entre 30 e 60%, e em mais de metade dos sobreviventes pode surgir doença pulmonar crónica. Entre os RN de termo com hemorragia pulmonar, a mortalidade relaciona-se sobretudo com a patologia de base.

O risco de surgimento de displasia broncopulmonar ronda os 60%. A sobrevida com disfunção neurossensorial é cerca de duas vezes superior em lactentes com antecedentes de hemorragia pulmonar grave.

Outra patologia sequelar inclui elevada incidência de leucomalácia periventricular, paralisia cerebral, défice cognitivo e epilepsia.

BIBLIOGRAFIA

Ahmad KA, Bennett MM, Ahmad SF, et al. Morbidity and mortality with early pulmonary haemorrhage in preterm neonates. Arch Dis Child Fetal & Neonatal Ed 2019; 104: F63-F68

Bendapudi P, Narasimhan R, Papworth S. Causes and management of pulmonary haemorrhage in the neonate. Paediatrics and Child Health 2012; 22: 528-531

Berger TM, Allred EN, Van Marter LJ. Antecedents of clinically significant pulmonary hemorrhage among newborn infants. J Perinatol 2000; 20: 295-300

Bhandari V, Gagnon C, Rosenkrantz T, et al. Pulmonary hemorrhage in neonates of early and late gestation. J Perinat Med 1999; 27: 369 -375

Chen YY, Wang HP, Lin SM, Chang JT, et al. Pulmonary hemorrhage in very low-birthweight infants: risk factors and management. Pediatr Int 2012; 54: 743-747

Ferreira CHF, Carmona F, Martinez FE. Prevalence, risk factors and outcomes associated with pulmonary hemorrhage in newborns. J Pediatr (Rio J) 2014; 90: 316-322

Godfrey S. Pulmonary hemorrhage/hemoptysis in children. Pediatr Pulmonol 2004; 37: 476-484

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

MacDonald MG, Seshia MMK (eds). Avery’s Neonatology: Pathophysiology and Management of the Newborn. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Polin RA, Abman SH, Rowitch DH, Benitz WE, Fox WW (eds). Fetal and Neonatal Physiology. Philadelphia: Elsevier, 2017

Polin RA, Yoder MC. Workbook in Practical Neonatology. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2015

Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. Cambridge: Cambridge University Press, 2008

Su BH, Lin HY, Huang FK, Tsai ML. Pulmonary hemorrhage in very-low-birthweight infants. Pediatr Neonatol 2014; 55: 326- 327

Zahr RA, Ashfaq A, Marron-Corwin M. Neonatal pulmonary hemorrhage. Neoreviews 2012; 13: e302- 306

Yu VYH (ed). Pulmonary Problems in the Perinatal Period and their Sequelae. London: Baillière Tindall, 2004

SÍNDROMAS DE AR ECTÓPICO

Definição e importância do problema

A designação de síndroma de ar ectópico intratorácico (SAEIT) engloba um conjunto de situações clínicas nas quais se verifica a existência de ar fora da via respiratória (em zonas vizinhas ou circundantes da mesma), em geral como resultado de solução de continuidade do epitélio respiratório.

Dependendo da localização do ar fora da via respiratória (interstício do parênquima pulmonar, entre os dois folhetos da pleura, entre os dois folhetos do pericárdio, e/ou no mediastino), surgem as designações respectivamente de enfisema intersticial pulmonar, pneumotórax, pneumopericárdio, pneumomediastino. O pneumotórax (que pode surgir secundariamente a pneumomediastino) e o enfisema pulmonar intersticial explicam cerca de metade dos casos de SAEIT.

Pela continuidade anatómica do tecido intersticial pulmonar/torácico com o interstício das baínhas peribroncovasculares, ao longo dos vasos do pescoço ou dos grandes vasos que atravessam o diafragma, poderão surgir secundariamente situações caracterizadas por “ar ectópico” extra-torácico: tecido celular subcutâneo (enfisema subcutâneo), cavidade peritoneal (pneumoperitoneu), no interstício do escroto (pneumoscroto) (síndromas de ar ectópico extratorácico – SAEET), ou mesmo na circulação sistémica por ruptura de alvéolos na proximidade dos pequenos vasos pulmonares (embolia gasosa) que pode ter localização intra ou extra-torácica (síndroma de ar ectópico intra e extra-torácico).

Em pneumologia neonatal o aparecimento de SAEIT constitui factor de morbilidade e de mortalidade, sobretudo no RN pré-termo. Com efeito, as SAEIT desenvolvem-se em cerca de 1-2% dos RN, habitualmente como complicação da ventilação mecânica em pulmões imaturos e frágeis, afectando principalmente RN pré-termo, com uma incidência inversamente proporcional ao peso de nascimento e idade gestacional.

A frequência de SAEIT tem diminuído ao longo do tempo, o que é explicável pelos progressos realizados em cuidados perinatais, cada vez menos invasivos; salienta-se que aquela depende da existência de patologia respiratória de base: 50 vezes superior se tal se verificar.

Neste capítulo procede-se à abordagem das formas mais representativas de SAEIT, dando especial ênfase ao pneumotórax e ao enfisema pulmonar intersticial.

Esta patologia constitui um factor importante de morbilidade (hemorragia intraperiventricular e displasia broncopulmonar) e de mortalidade (20-30%) nesta população, pelo que a sua prevenção através do uso de corticóides pré-natais, surfactante pulmonar precoce e de estratégias de ventilação protectoras do pulmão, desde o nascimento, como a ventilação não invasiva precoce, a ventilação sincronizada, com volume controlado, volumes e pressões mais baixos, tempos inspiratórios mais curtos e frequências mais altas, é essencial, principalmente no RN pré-termo com patologia pulmonar.

1. PNEUMOTÓRAX

Aspectos epidemiológicos

Em cerca de 1% dos RN de termo, saudáveis, pode surgir pneumotórax, em geral assintomático; as frequências de tal patologia, mais elevadas no período neonatal do que em qualquer outro período da vida, traduzem a magnitude do problema:

  • Corresponde a cerca de 0,1- 0,25% da totalidade dos problemas respiratórios neonatais de acordo com estudos epidemiológicos;
  • O pneumotórax espontâneo é cerca de 10 vezes mais frequente no RN em relação a outras idades;
  • Surge em cerca de 5-10% dos casos de DMH, frequência que aumenta nos casos submetidos a ventilação mecânica;
  • Em 10% dos casos, o pneumotórax é bilateral;
  • Nas situações de síndroma de aspiração meconial, o pneumotórax pode surgir em 20 a 50% dos casos.

Etiopatogénese

As particularidades anatomofisiológicas do pulmão do RN constituem factores de vulnerabilidade, facilitando o aparecimento do ar entre os dois folhetos pleurais. Destacam-se os seguintes factores:

  • Elevadas pressões inspiratórias utilizadas no pós-parto imediato;
  • Imaturidade estrutural do parênquima pulmonar, mais notória no RN pré-termo, traduzida essencialmente por menor elasticidade e menor distensibilidade, sobretudo antes das 30-32 semanas (o que se explica pelo défice de elastina e de surfactante, respectivamente); o défice quantitativo ou qualitativo de surfactante obriga ao emprego de pressões inspiratórias mais elevadas ao proceder-se a ventilação artificial por problema respiratório prévio, o que aumenta a probabilidade de ruptura nas vias aéreas;
  • Menor número de comunicações ou “canais” interalveolares (poros de Kohn) e entre bronquíolos mais distais (canais de Lambert), tanto mais notório quanto menor a idade gestacional, salientando-se que tais “derivações” ou “curto-circuitos fisiológicos” permitem distribuição mais homogénea, em volume e pressão, de ar nas vias terminais; inversamente, o défice de tais estruturas faz com que, com maior probabilidade, possa haver zonas hiper e hipodistendidas, com maior risco, quer de pneumotórax espontâneo, quer de volutrauma, atelectrauma e barotrauma nos casos de ventilação artificial;
  • Maior susceptibilidade às infecções (que poderão ter origem pré-natal): como um dos fenómenos comuns às infecções, cabe salientar o papel dos neutrófilos recrutados e sequestrados na área do processo infeccioso que, através da produção de elastase, originam alteração e ruptura da elastina com as consequências atrás descritas;
  • Nos casos de obstrução parcial ou total, por sangue, mecónio ou líquido amniótico, em certas áreas dos brônquios e bronquíolos, poderá verificar-se distribuição heterogénea do ar inspirado (zonas hiperventiladas e hiperdistendidas e zonas hipoventiladas); nos casos de obstrução parcial poderá gerar-se mecanismo valvular determinando acumulação progressiva de ar em certas áreas e ruptura alveolar consequente, mesmo sem manobras de reanimação (pneumotórax espontâneo); torna-se claro que as manobras de reanimação condicionando a génese de pressões inspiratórias elevadas aumentam a probabilidade de ruptura alveolar (Figura 1);
  • O pneumotórax também poderá surgir como consequência de manobras intempestivas: perfuração das estruturas com sonda de aspiração no âmbito dos cuidados ao RN com SDR ou utilização de tempo inspiratório longo com baixa frequência em RN ventilados mecanicamente.

Como resultado da ruptura alveolar ou dos bronquíolos, o ar difunde-se através do espaço broncovascular atingindo a cavidade pleural após formação de pequenas “bolhas de distensão gasosa” por “descolamento” localizado do folheto visceral da pleura; tais bolhas, rompendo-se depois, levam à acumulação de ar entre os folhetos parietal e visceral da pleura.

A acumulação ectópica de ar na cavidade pleural conduz a:

  • alteração da ventilação-perfusão por compressão das vias aéreas, levando a hipoxémia e hipercápnia;
  • compressão dos vasos sanguíneos intersticiais, susceptível de originar quadro de hipertensão pulmonar e curto-circuito extrapulmonar, o que agrava a hipoxémia;
  • aumento progressivo da pressão intratorácica levando a diminuição do retorno venoso e do débito cardíaco com hipotensão arterial e isquémia em territórios como o rim e encéfalo; de salientar que as variações da pressão arterial no contexto de quadro de dificuldade respiratória e manuseamento do RN, por vezes inadvertidamente intempestivo, podem provocar oscilações do débito cerebral, do que poderá resultar hemorragia intraperiventricular, sobretudo no pré-termo.

FIGURA 1. Mecanismo do pneumotórax do RN: obstrução total → hipoventilação; obstrução parcial → mecanismo valvular levando a acumulação progressiva de ar; ruptura alveolar.

Manifestações clínicas

O pneumotórax espontâneo poderá ser assintomático, constituindo um achado radiológico inesperado, ou traduzir-se por SDR ligeira.

Nos casos de pneumotórax sob tensão pode manifestar-se de modo agudo, com deterioração do estado geral, e agravamento do quadro de dificuldade respiratória inicial já instalado: cianose, agitação traduzindo hipoxémia grave, bradicárdia e choque; tal agravamento é muito sugestivo da patologia em análise se o RN estiver submetido a ventilação mecânica.

Tratando-se de pneumotórax unilateral, verifica-se hipersonoridade à percussão no lado afectado e desvio do choque da ponta, mais fácil de se notar à esquerda; de salientar que a semiologia auscultatória nem sempre fornece dados concludentes, uma vez que há possibilidade de transmissão do murmúrio vesicular do lado são, o que pode ser explicado pelas dimensões exíguas da caixa torácica do RN.

Um sinal indirecto é constituído pelo aparecimento abrupto de abdómen tenso e distendido (associado a hepato e esplenomegália) por empurramento do diafragma pela pressão do ar ectópico supradiafragmático.

Exames complementares

O exame complementar de eleição é a radiografia do tórax.

A imagem típica do pneumotórax corresponde a uma área de hipertransparência em que não se visualiza sinal de parênquima ou de vasos pulmonares na face lateral e/ou medial do hemitórax, uni ou bilateralmente, com desvio da silhueta cardíaca. (Figura 2)

Segundo o American College of Chest Physicians o pneumotórax classifica-se em: – pequeno (ocupando <20% do espaço pulmonar na radiografia); – moderado (20-40%) e; – grande (>40%).

Nos casos de acumulação abundante de ar sob forte tensão (hipertensivo, ou seja, correspondente a situação em que o volume do ar ectópico aumenta progressivamente) pode observar-se colapso do pulmão homolateral e desvio mediastínico para o lado oposto, assim como rectificação ou inversão da curvatura da linha diafragmática. (Figura 3)

Tratando-se de pneumotórax de pequenas dimensões, a sua detecção poderá ser difícil tendo em conta que o referido exame é realizado classicamente no berço ou incubadora com o RN em decúbito dorsal. Assim, para confirmação, o exame deverá ser feito com o RN em decúbito lateral ou, em alternativa, em decúbito dorsal com a ampola de raios X colocada lateralmente (raios horizontais); em tais circunstâncias, poderá visualizar-se eventual transparência retrosternal, não notada na posição convencional (Figura 4). No pneumotórax de localização medial deverá fazer-se o diagnóstico diferencial com o pneumomediastino.

A técnica de transiluminação consiste em aplicar luz proveniente de lâmpada halogénia ou de fonte emissora de fibra óptica, cuja extremidade é circular e plana para se ajustar à pele, em contacto e perpendicularmente a esta. Com tal técnica obtém-se um halo luminoso na superfície torácica em torno da fonte luminosa: havendo conteúdo líquido ou gasoso sob a zona explorada (neste caso, parede do tórax), verifica-se maior dispersão da luz, formando-se um halo maior.

Este método não invasivo tem a vantagem de permitir tirar conclusões de modo rápido, mas implica experiência por parte do observador e ambiente semelhante a “câmara escura”, no decurso da execução do procedimento.

Tratando-se de pneumotórax de pequenas dimensões, a sua detecção poderá ser difícil tendo em conta que o referido exame é realizado classicamente no berço ou incubadora com o RN em decúbito dorsal. Assim, para confirmação, o exame deverá ser feito com o RN em decúbito lateral ou, em alternativa, em decúbito dorsal com a ampola de raios X colocada lateralmente (raios horizontais); em tais circunstâncias, poderá visualizar-se eventual transparência retrosternal, não notada na posição convencional (Figura 4). No pneumotórax de localização medial deverá fazer-se o diagnóstico diferencial com o pneumomediastino.

A técnica de transiluminação consiste em aplicar luz proveniente de lâmpada halogénia ou de fonte emissora de fibra óptica, cuja extremidade é circular e plana para se ajustar à pele, em contacto e perpendicularmente a esta. Com tal técnica obtém-se um halo luminoso na superfície torácica em torno da fonte luminosa: havendo conteúdo líquido ou gasoso sob a zona explorada (neste caso, parede do tórax), verifica-se maior dispersão da luz, formando-se um halo maior.

Este método não invasivo tem a vantagem de permitir tirar conclusões de modo rápido, mas implica experiência por parte do observador e ambiente semelhante a “câmara escura”, no decurso da execução do procedimento.

Tratamento

Se o RN não estiver submetido a ventilação mecânica e os sinais de dificuldade respiratória forem ligeiros, a administração de oxigenoterapia com FiO2 a 95% (monitorizando simultaneamente a SpO2) é, em geral, suficiente como estratégia que promove a reabsorção do ar no sentido cavidade pleural → capilares.

FIGURA 2. Imagem radiográfica de pneumotórax esquerdo com desvio da silhueta cardíaca para a direita. (URN-HDE)

FIGURA 3. Pneumotórax sob tensão à direita; inversão da curva diafragmática respectiva. (NIHDE)

FIGURA 4. A – Pneumotórax de pequena dimensão mais visível à direita (incidência póstero-anterior); B – Sinal de ar ectópico retrosternal (incidência de perfil em decúbito dorsal a que corresponde incidência ântero-posterior sem alterações aparentes) noutro RN. (URN-HDE)

Com efeito, uma vez que a pressão do ar no espaço do pneumotórax é da ordem de 760 mmHg (correspondente à pressão atmosférica), e a pressão de oxigénio no sangue dos capilares pulmonares “em contacto” é mais baixa, criam-se condições para um fluxo de gás no sentido da zona de maior pressão para a zona de menor pressão, ou seja, no sentido pleura à capilar, viabilizando a diminuição progressiva do volume de ar pleural. Como precaução, com a oxigenação que se promove, a SpO2 não deve ultrapassar 93%.

Como medida emergente a realizar por especialista experiente, e em condições de assépsia, poderá utilizar-se uma cânula de calibre 19-21 G, aplicada a seringa de 20 mL com soro fisiológico intercalando torneira de 3 vias; a punção é feita no 4º espaço intercostal, na linha axilar anterior, aspirando-se o ar em repetidas operações (borbulhando no soro), com a precaução, de fechar a torneira ao retirar a seringa para extracção do ar aspirado.

O tratamento mais eficaz do pneumotórax sob tensão é a drenagem pleural ligada a um sistema de drenagem subaquática garantindo uma pressão negativa de aspiração entre [– 10 ]e [– 20 ] cm H2O (1-2 kPa). (Figura 5)

Prevenção

Para além das medidas de prevenção da infecção pré e pós-natal, susceptível de fragilizar o parênquima pulmonar, o emprego de manobras pouco agressivas na estabilização/reanimação do RN ao nascer, o uso precoce de surfactante pulmonar, de ventilação não invasiva (CPAP nasal) mais precoce, ventilação invasiva menos agressiva, com tolerância de hipoxemia e hipercápnia permissivas, e durante menos tempo, o uso de modos ventilatórios protectores (ventilação sincronizada, com volume controlado, pressões e tempos inspiratórios mais baixos e frequências respiratórias mais altas), são estratégias que ajudam a diminuir a incidência de pneumotórax.

FIGURA 5. Localização dos drenos pleurais e ligação ao frasco com tubo introduzido abaixo do nível da água; o comprimento em cm deste tubo submerso na água corresponde à pressão negativa em cm de H2O. Outro tubo do frasco está acima do nível da água e aberto para atmosfera.

Prognóstico

O prognóstico em termos de morbilidade e de mortalidade depende fundamentalmente da doença de base, dos efeitos sistémicos do ar ectópico e da idade gestacional. De salientar que nos RN com prematuridade extrema (idade gestacional <28 semanas) a frequência de HIPV é cerca de 80-90% se surgir hipotensão durante o episódio de pneumotórax; por outro lado, tal frequência reduz-se para 10% se não surgir hipotensão.

2. ENFISEMA PULMONAR INTERSTICIAL

Definição

O enfisema pulmonar intersticial (EPI) é a presença de ar no interstício ou tecido perivascular do pulmão, como consequência da ruptura de alvéolos ou de bronquíolos.

Aspectos epidemiológicos

O EPI tem sido identificado em cerca de 10% das necrópsias de RN de termo e em cerca de 25% das de RN muito pré-termo (28-31 semanas) ou pré-termo extremo (22-27 semanas). Salienta-se que este problema clínico tem sido observado quase exclusivamente em RN ventilados e com antecedentes perinatais de corioamnionite.

Etiopatogénese

Após ruptura alveolar, o ar difunde-se para o interstício formando pequenas colecções quísticas com diâmetro variando entre 0,1 e 1 cm, localizadas nos septos interlobulares e estendendo-se do hilo para a periferia do pulmão; tais alterações podem ser localizadas ou difusas. Surgem mais frequentemente no contexto de RN com DMH ventilados e, menos frequentemente, em casos de síndromas de aspiração e de sépsis.

Como consequência das alterações descritas que comprimem o parênquima, verifica-se também diminuição da distensibilidade (compliance) pulmonar e do débito pulmonar.

O EPI está associado a elevação da elastase dos leucócitos nos aspirados traqueais, o que poderá sugerir o papel da infecção intrauterina na génese da doença.

Manifestações clínicas

Ao contrário do que acontece em certas formas de pneumotórax, o EPI manifesta-se de modo gradual: na sua forma mais típica, e no decurso da ventilação mecânica, agravamento do quadro clínico, o que leva à necessidade de intensificar o suporte ventilatório por alteração da ventilação-perfusão e hipoxémia. A semiologia clínica permite detectar, em geral, diminuição da amplitude dos movimentos torácicos, hiperinsuflação e diminuição da intensidade dos sons cardíacos.

Exames complementares e diagnóstico diferencial

A radiografia do tórax, exame complementar fundamental para o diagnóstico, evidencia sinais de pequenas colecções aéreas ou radiolucências de forma quística (tipo “esponjoso”, grosseiras) ou linear, de dimensões variadas. As lesões podem ser localizadas (sobretudo na periferia ou regiões médias), ou difusas, uni ou bilateralmente, não se ramificando.

Nas formas lineares, o diagnóstico diferencial faz-se com o chamado “broncograma aéreo”, típico da DMH; neste último, as lesões lineares hipertransparentes ramificam-se, predominam nas regiões hilares (não na periferia) e nos lobos inferiores. (Figura 6)

Prevenção e tratamento

A prevenção passa essencialmente pela adopção duma estratégia de suporte ventilatório mínimo para garantir oxigenação adequada.

Os princípios básicos do tratamento, que têm como objectivo fundamental reduzir o barotrauma, dizem respeito, sobretudo a:

  • Diminuição da PEEP, do tempo inspiratório – cerca de 0,3 segundos (utilizando ventilação convencional);
  • Estratégia de baixo volume (utilizando ventilação de alta frequência).

FIGURA 6. Sinais de enfisema intersticial pulmonar associados a pneumotórax. São notórias pequenas áreas quísticas intraparenquimatosas no campo pulmonar esquerdo. (URN-HDE)

Prognóstico

Chama-se a atenção para a mortalidade elevada nas formas de EPI de início nas primeiras 24-48 horas. A forma difusa de EPI está mais frequentemente associada a doença pulmonar crónica (ver adiante, capítulo sobre Displasia broncopulmonar).

3. PNEUMOMEDIASTINO

A presença de ar ectópico no mediastino é quase sempre precedida de enfisema pulmonar intersticial. A etiopatogénese é semelhante à descrita a propósito do pneumotórax e EPI.

Exceptuando nos casos de pneumotórax associado, o RN com quadro de pneumomediastino está habitualmente assintomático ou exibe sinais de dificuldade respiratória ligeira. Pode verificar-se aumento do diâmetro ântero-posterior do tórax, hipersonoridade do tórax à percussão e diminuição dos sons cardíacos.

Nos casos graves podem observar-se sinais de baixo débito cardíaco por repercussão hemodinâmica (compressão do coração e pulmões).

A radiografia do tórax em incidência póstero-anterior evidencia zona de hipertransparência na área mediastínica impedindo a visualização do pedículo vascular (Figura 7); contornando a silhueta cardíaca, exceptuando no contorno inferior; nalguns casos é possível observar-se imagem do timo “como que levantado ou subido” dando a imagem em “sinal da vela”. Através de ecografia é possível fazer a destrinça entre pneumomediastino e pneumotórax de localização medial.

FIGURA 7. Imagem radiográfica de pneumomediastino: incidência póstero-anterior com sinais de acumulação de ar no mediastino impedindo a visualização de pedículo vascular cardíaco e compressão centrífuga do parênquima pulmonar bilateralmente. (URN-HDE)

FIGURA 8. Imagem radiográfica de pneumopericárdio associado a pneumomediastino. (NIHDE)

FIGURA 9. Imagem radiográfica de pneumopericárdio. (NIHDE)

A atitude a tomar deverá ser expectante, com vigilância rigorosa dos sinais vitais e grau de oxigenação, tendo em conta que a recuperação é espontânea na maioria dos casos.

4. PNEUMOPERICÁRDIO

Relativamente ao pneumopericárdio, caracterizado pela presença de ar no saco pericárdico, admite-se que o gás, sob alta pressão, possa penetrar na cavidade pericárdica ao nível da zona de rebatimento ou de transição do pericárdio visceral para o pericárdio parietal.

As manifestações clínicas, variáveis, dependem da rapidez com que se acumula o gás, sendo de notar que o primeiro sinal poderá ser hipotensão. Assim descrevem-se:

  • Formas oligossintomáticas (correspondendo a acumulação lenta sem aumento significativo da pressão intrapericárdica); e
  • Formas de início súbito com palidez, taquicárdia, hipotensão e choque, com ulterior bradicárdia e diminuição da amplitude do pulso; estas manifestações explicam-se por tamponamento com acumulação mais brusca e abundante de gás, sendo que a pressão intrapericárdica se aproxima da pressão venosa central, o que tem repercussão sobre a ejecção ventricular.

A radiografia do tórax evidencia área de hipertransparência envolvendo toda a silhueta cardíaca, inclusivamente no seu contorno inferior (supradiafragmático). Recorda-se que na imagem do pneumomediastino tal bordo é preservado. (Figuras 8 e 9)

A atitude nos casos de pneumopericárdio assintomático é “expectante armada”. O tratamento efectivo do pneumopericárdio sintomático com sinais de tamponamento cardíaco consiste na punção pericárdica ou drenagem com agulha e seringa ao nível da zona infraxifoideia, com inclinação da agulha para cima e para trás, em condições de assépsia com o apoio ecográfico e em UCIN. Trata-se, pois, dum procedimento que exige experiência.

BIBLIOGRAFIA

Cloherty JP, Stark AR (eds). Manual of Neonatal Care. Philadelphia; Wolters & Kluwer, 2017

Gardner SL, Carter BS, Enzman-Hines ME, Hernandez JA (eds). Merenstein &Gardner’s Handbook of Neonatal Intensive Care. St Louis, MO: Elsevier, 2018

Guimarães JC, Carneiro MJ, Loio P, Macedo A, Tuna ML, et al. Manual Prático de Neonatologia. Lisboa: Hospital de S. Francisco Xavier/Uriage, 2016

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

MacDonald MG, Seshia MMK (eds). Avery’s Neonatology: Pathophysiology and Management of the Newborn. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

O´Neill Jr JA, Rowe MI, Grosfeld JL, et al (eds). Pediatric Surgery. Philadelphia: Elsevier, 2017

Polin RA, Abman SH, Rowitch DH, Benitz WE, Fox WW (eds). Fetal and Neonatal Physiology. Philadelphia: Elsevier, 2017

Yu VYH (ed). Pulmonary Problems in the Perinatal Period and their Sequelae. London: Baillière Tindall, 2004

SÍNDROMA DE ASPIRAÇÃO MECONIAL

Definição, aspectos epidemiológicos e importância do problema

A síndroma de aspiração meconial (SAM) é um problema respiratório secundário à invasão das vias aéreas distais (bronquíolos terminais e alvéolos) por líquido amniótico com mecónio, de que resulta hipoventilação alveolar com hipóxia e acidose proporcional ao número de alvéolos obliterados.

A aspiração de líquido amniótico sem mecónio, por vezes acompanhada de sangue, ou contendo germes microbianos, pode surgir, quer nas extracções por cesariana, quer nos partos por via baixa e ainda nas situações de asfixia perinatal, em que se verifica respiração do tipo gasping. Refere-se, a propósito, a associação frequente entre líquido amniótico tinto de mecónio, listeriose e outras infecções congénitas.*

Em cerca de 5-12% de todos os nascimentos verifica-se líquido amniótico meconial, que se pode associar a depressão neonatal. No entanto, a presença de mecónio na traqueia – que se verifica apenas em metade daquele contingente – não implica necessariamente o aparecimento de disfunção respiratória; com efeito, só em cerca de 1/3 dos RN com mecónio na traqueia surge SDR.

*Existe a possibilidade de aspiração para a via aérea de conteúdo gástrico contendo secreções ácidas ou leite em qualquer momento do período neonatal ou mais tarde; este quadro é habitualmente designado “pneumonia de aspiração”.

Na prática, a SAM surge em cerca de 5% dos RN com líquido amniótico tinto de mecónio, o que corresponde a incidência média de 2/1.000 nados-vivos. Aproximadamente 30% destes RN necessitam de apoio ventilatório, e em 3-5% o desfecho é fatal.

De salientar que a SAM constitui um problema respiratório típico no RN de termo ou quase de termo por razões apontadas adiante. É rara antes das 37 semanas de gestação e frequente após as 42 semanas.

Comprovou-se maior associação de SAM a mães fumadoras, diabetes mellitus materna, pré-eclâmpsia/eclâmpsia, oligoâmnio, restrição de crescimento fetal com disfunção placentar e pós-maturidade.

A importância da SAM deriva fundamentalmente da mortalidade significativa, sobretudo:

  • Por hipertensão pulmonar persistente (HPP) surgindo em cerca de 2 a 30%, verificando-se as taxas mais elevadas nos países em desenvolvimento sem meios de terapia intensiva); e
  • Pela morbilidade, relacionada principalmente com sequelas neurológicas e pulmonares.

Etiopatogénese

O mecónio, lesivo para os pulmões, é uma substância viscosa complexa, estéril, composta essencialmente de líquido amniótico deglutido, colesterol, ácidos e sais biliares, mucopolissacáridos, enzimas pancreáticas intestinais, vernix caseosa, lanugo e restos de células escamosas.

A palavra “mecónio”, que vem do tempo de Aristóteles, e deriva do grego “mekoniun, significando “extracto de papoila ou ópio”; efectivamente, segundo o entendimento dos médicos da antiguidade, a associação entre depressão neonatal e mecónio era comparada ao efeito do ópio sobre a respiração do RN.

Comparativamente ao tipo de mecónio translúcido e fluido, o mecónio espesso tipo “puré de ervilhas” está mais frequentemente associado a complicações, designadamente por facilitar o crescimento bacteriano e a obstrução acentuada da via respiratória.

A eliminação de mecónio in utero é um acontecimento raro antes do termo da gestação (37 semanas); no entanto, tal eliminação é progressivamente mais provável depois desta idade, o que está em relação com o teor mais elevado, a partir de então, da motilina, hormona que promove o peristaltismo intestinal; ou seja, a maturidade intestinal e o nível plasmático de motilina constituem factores predisponentes de eliminação de mecónio.

Como factor desencadeante tem papel crucial a hipoxémia intrauterina que, gerando um estímulo vagal, promove o peristaltismo e o relaxamento do esfíncter anal.

Como foi referido antes, o mecónio pode ter acesso à via aérea/ser aspirado, ainda in utero, sendo que a hipoxémia intra-parto poderá constituir estímulo do centro respiratório originando gasping intraparto e antes da saída da cabeça.

Tradicionalmente a explicação fisiopatológica da SAM assenta em três pilares: obstrução mecânica da via aérea, inactivação do surfactante e hipertensão pulmonar arterial.

No entanto, nas últimas décadas, estudos científicos apontaram para o possível papel da activação do sistema imune como denominador comum na SAM. O mecónio, um potente activador de mediadores inflamatórios (citocinas, complemento, prostaglandinas, radicais livres de O2), reconhecido como “agente estranho” pelo sistema imune (complemento e toll-like receptors), desencadeia reacção inflamatória sistémica (ver adiante).

Assim, para além do processo obstrutivo das vias aéreas que se verifica, a etiopatogénese da SAM é abordada actualmente duma forma muito mais alargada; este facto tem implicações diagnósticas e terapêuticas.

O processo obstrutivo das vias aéreas por mecónio pode ser total ou parcial. Tratando-se de processo obstrutivo total nas vias aéreas de grande calibre, o mesmo poderá ser fatal se não revertido:

  • Se o processo se verificar nas zonas de pequeno calibre, poderão surgir zonas de atelectasia;
  • Se o processo obstrutivo for parcial, poderá gerar-se um mecanismo valvular facilitando a entrada do ar e dificultando a sua saída, o que comporta risco de ruptura da via aérea.

Verificando-se, em condições fisiológicas, redução do calibre das vias aéreas durante a expiração, o obstáculo intraluminal contribui para redução mais acentuada do referido calibre; por outro lado, a acumulação progressiva de ar pelo referido mecanismo valvular poderá levar a hiperinsuflação pulmonar e a situações diversas de ar ectópico como enfisema intersticial, pneumotórax e/ou pneumomediastino.

Outra consequência da presença de mecónio nas vias aéreas é o compromisso da ventilação-perfusão levando a hipóxia, hipercápnia e acidose.

Salienta-se que, no contexto de SAM, e considerando os antecedentes de hipóxia fetal, crónica ou subaguda, haverá que contar com o efeito da mesma hipóxia sobre a musculatura da parede arterial pulmonar (artérias intracinares) levando a hiperplasia, quer em espessura, quer em comprimento. Assim, será compreensível o surgimento de possível hipertensão pulmonar (arterial), agravando os efeitos atrás descritos.

Pormenorizando a já referida repercussão do mecónio aspirado no sistema imune, importa reter as seguintes noções:

  1. Depressão da função bactericida dos neutrófilos determinando susceptibilidade a infecções;
  2. Resposta inflamatória alveolar e parenquimatosa na qual intervêm macrófagos, neutrófilos, mediadores tais como citocinas (FNT-α, IL-1 β, e IL-8) e eicosanóides (tromboxano B2, leucotrienos B4 e D4, e 6-cetoprostaglandina F1-α, etc.);
  3. Outro efeito do processo inflamatório é a ruptura da barreira alvéolo-capilar com passagem de proteínas do soro para as vias aéreas;
  4. Efeitos vasculares (alteração da vasorreactividade, vasoconstrição das artérias pulmonares, shunt direito – esquerdo, etc.) em que intervêm mediadores vasoactivos (tais como endotelina-1, prostaglandina PGE2, tromboxano A2);
  5. Efeitos metabólicos traduzidos por disfunção e/ou inactivação do surfactante, sobressaindo a alteração e o défice das proteínas SP-A e SP-B, sendo que tais efeitos resultam essencialmente da acção lesiva dos sais biliares do mecónio sobre os pneumócitos do tipo II.

Manifestações clínicas

A SAM na sua forma mais típica corresponde a uma forma de SDR evidente no pós-parto imediato com as seguintes particularidades:

  • RN impregnado de mecónio, por vezes com sinais de dismaturidade ou pós-maturidade (pele seca, unhas grandes também com mecónio, restrição de crescimento fetal, etc.), com depressão do sensório, que obriga a manobras de reanimação, e esboçando movimentos respiratórios de amplitude e ritmo irregulares e ineficazes (gasping);
  • Evolução com gravidade crescente (taquipneia, cianose progressiva, com ulterior aparecimento de gemido, retracção costal e adejo nasal).

Podem ser notórios o aumento do diâmetro ântero-posterior do tórax por hiperinsuflação pulmonar e a auscultação de roncos e de fervores crepitantes e subcrepitantes dispersos.

Os sinais clínicos que poderão levantar a suspeita de hipertensão pulmonar persistente secundária são: cianose generalizada e intensa, hipoxémia refractária às medidas de oxigenoterapia/assistência respiratória, e labilidade dos parâmetros de oxigenação (por exemplo, diminuição acentuada da SpO2) após manuseamento do RN, por vezes atingindo 50-55%).

É frequente, neste tipo de SDR, a coexistência de:

  • Sinais neurológicos concomitantes (tremores, convulsões, hiporreflexia, alteração do tono muscular);
  • Sinais cardiocirculatórios: sopros transitórios (por shunt direita-esquerda em relação com hipertensão pulmonar, etc.), cardiomegália (por espoliação de reservas de glicogénio do miocárdio secundariamente à hipoxémia mantida);
  • Hipoglicémia (por esgotamento das reservas de glicogénio: glicólise anaeróbia inicial e ulterior falência, também por hipoxémia mantida).

Exames complementares

Nos casos de SAM estão indicados os seguintes exames complementares (para além doutros a ponderar em função de cada situação específica):

  1. Gasometria – revelando sinais de hipoxémia, hipercápnia e acidose (de início, respiratória por retenção de CO2 e ulteriormente mista devida à produção de ácido láctico por glicólise anaeróbia face à falência do metabolismo aeróbio por hipoxémia);  
  2. Hemograma – revelando, em geral, leucocitose com neutrofilia com aparecimento de bastonetes e outras formas mais jovens da série branca face ao estresse da hipoxémia; e trombocitopénia por sequestração e consumo de plaquetas no território pulmonar;
  3. Radiografia ântero-posterior do tórax – permitindo evidenciar alguns ou todos os seguintes achados:
    • opacidades nodulares bilaterais de limites mal definidos, de densidade variável e confluentes, separadas por pequenas zonas de “hiperarejamento” (enfisema) ou de parênquima de aspecto normal, que, no conjunto, se assemelham a imagem em “favo de mel”;
    • imagens de enfisema e de atelectasia (Figuras 1 e 2);
    • cardiomegália;
    • abaixamento das cúpulas diafragmáticas compatível com distensão enfisematosa;
    • sinais de pneumotórax e/ou de pneumomediastino.
  4. Análise de urina – como particularidade deste tipo de SDR, cabe referir um método espectrofotométrico que pode identificar o tipo de pigmentos biliares presentes no mecónio (absorção a 405 nm) absorvidos ao nível do epitélio pulmonar e transportados pelo plasma até ao glomérulo renal;
  5. Ecocardiografia doppler – este exame é fundamental para avaliar a contractilidade cardíaca; poderão ser evidenciados sinais sugestivos de shunt direito-esquerdo em contexto de HPP; poderão eventualmente também ser detectados sinais de doença cardíaca estrutural associada , tais como síndroma de disfunção do ventrículo esquerdo, estenose aórtica e interrupção do arco aórtico;
  6. Electrocardiograma (ECG) – nas situações de asfixia intra-parto, o ECG pode evidenciar alterações do segmento ST sugerindo isquémia subendocárdica.

Tratamento

Medidas gerais

Pressupõe-se que as medidas gerais a seguir descritas são posteriores à actuação prioritária no bloco de partos no contexto de RN com líquido amniótico com mecónio (ver capítulo sobre reanimação do RN no bloco de partos).

Assim, procede-se à monitorização cardiorrespiratória e hemodinâmica reiterando-se a necessidade de vigilância em unidades de cuidados especiais ou intensivos.

É fundamental a estabilização hemodinâmica, a manutenção do equilíbrio hidroelectrolítico e acido – base e os suprimentos energético e hídrico adequados.

FIGURA 1 e 2. Síndroma de aspiração meconial: padrão radiográfico do tórax com opacidades nodulares irregulares alternando com áreas de enfisema e de parênquima de aspecto normal. (URN-HDE)

Medidas específicas (a ponderar caso a caso)

  • Ventilação mecânica: alta frequência preferencialmente, ou convencional;
  • Terapêutica substitutiva com surfactante, sobretudo nas SAM graves;
  • Antibioticoterapia a aplicar em função do contexto clínico de cada caso;
  • Óxido nítrico inalado (NOi) com acção relaxante específica sobre a musculatura vascular pulmonar – como estratégia de diminuição da pressão da artéria pulmonar e de melhoria da oxigenação arterial; a respectiva abordagem ultrapassa os objectivos do livro);
  • ECMO (oxigenação por membrana extracorporal – em geral utilizando-se circuito de derivação veno-arterial) e indicada nos casos refractários às medidas anteriores e sempre que o IO seja igual ou superior a 40; a sua descrição ultrapassa os objectivos do livro.

No campo da investigação estão a decorrer estudos sobre:

  • Terapêuticas para combater o processo inflamatório;
  • Potenciais inibidores do sistema de complemento e dos chamados toll like receptors; e
  • Anticorpos monoclonais específicos.

Prevenção

Os aspectos fundamentais da prevenção da SAM dizem respeito a:

  • Vigilância pré-natal rigorosa:
    • detecção de factores de risco (doenças maternas e fetais que possam conduzir a hipóxia fetal) e encaminhamento da grávida atempadamente para centro especializado, com unidade de cuidados especiais ou intensivos neonatais;
  • Actuação correcta intraparto:
    • a propósito da reanimação do RN, recorda-se que foi referido nas situações de “líquido amniótico com mecónio” com hipotonia, bradicárdia e diminuição do esforço respiratório: não está indicado o procedimento da rotina de entubação traqueal para aspiração por se ter demonstrado a sua ineficácia quanto a prevenção de SAM, associada a efeitos adversos major.

Prognóstico

Como complemento dos dados descritos atrás a propósito da importância do problema da SAM, importa dar ênfase a certos aspectos considerados relevantes quanto ao prognóstico:

  • Risco de problemas neurológicos futuros, designadamente convulsões recorrentes;
  • Prevalência de paralisia cerebral da ordem de 9%, havendo antecedentes concomitantes de asfixia perinatal grave;
  • Disfunção pulmonar;
  • Hiperreactividade brônquica.

BIBLIOGRAFIA

American Academy of Pediatrics (AAP), American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Guidelines for Perinatal Care. Washington DC: AAP/ACOG, 2002

Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008

Cuttini M. Intrapartum prevention of meconium aspiration syndrome. Lancet 2004;364:560-561

Davis PG, Dawson JA. New concepts in neonatal resuscitation. Curr Opin Pediatr 2012;24:147-153

Chen DM, Wu LQ, Wang RQ. Efficiency of high frequency oscillatory ventilation combined with pulmonary surfactant in the treatment of neonatal meconium aspiration syndrome. Int J Clin Exp Med 2015;8:14490-14496

Chiruvolu A, Miklis KK, Chen E, et al. Delivery room management of meconium-stained newborns and respiratory support. Pediatrics Dec 2018, 142 (6) e20181485; DOI: 10.1542/peds.2018-1485

Garcia JJ, Cruz O, Mintegi S, Moreno JM (eds). M Cruz Manual de Pediatria. Madrid: Ergon, 2020

Gentle SJ, Abman SH, Ambalavanan N. Oxygen therapy and pulmonary hypertension in preterm infants. Clin Perinatol 2019;46:611-620

Hofer N, Jank K, Strenger V, et al. Inflamatory indices in meconium aspiration syndrome. Pediatric Pulmonology 2015; Wiley Periodicals, Inc; DOI 10.1002/ppul 23349

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

Kumar A, Kumar P, Basu S. Endotracheal suctioning for prevention of meconium aspiration syndrome: a randomized controlled trial. Eur J Pediatr 2019;178:1825-1821

Lindenskov PHH, Castellheim A, Saugstad OD, Mollnes TE. Meconium aspiration Syndrome: possible pathophysiological mechanism and future potential therapies. Neonatology 2015;107:225-230

Lista G. Neonatologists and non-vigorous newborns with meconium-stained amniotic fluid (MSAF) in the delivery room: time for hands off? Eur J Pediatr 2019;178:1823-1824

MacDonald MG, Seshia MMK (eds). Avery’s Neonatology: Pathophysiology and Management of the Newborn. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 2015

Montan S, Arul-Kumaran S. Neonatal respiratory distress syndrome. Lancet 2006;367:1878-1879

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Nangia S, Mansi MP, Saili A, Gupta U. Effect of intrapartum oropharyngeal suction on meconium aspiration syndrome in developing country. Ressuscitation 2015;97:83-87

Paudel P, Sunny AK, PG, et al. Meconium aspiration syndrome: incidence, associated risk factors and outcome-evidence from a multicentric study in low-resource settings in Nepal. J Paediatr Child Health 2020;56:630-635

Polin RA, Yoder MC. Workbook in Practical Neonatology. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2015

Polin RA, Abman SH, Rowitch DH, Benitz WE, Fox WW (eds). Fetal and Neonatal Physiology. Philadelphia: Elsevier, 2017

Saugstad OD. New guidelines for newborn resuscitation a critical evaluation. Acta Paediatr 2011;18:1-5

Vain NE, Szyld EG, Prudent LM. Oropharyngeal and nasopharyngeal suctioning of meconium-stained neonates before delivery of their shoulders: multicentre, randomized controlled trial. Lancet 2004;364:597-602

Warren JB, Anderson JDM. Newborn respiratory disorders. Pediatr Rev 2010;31:487-496

Wiswell TE. Appropriate management of the nonvigorous meconium-stained neonate: an unanswered question. Pediatrics Dec 2018, 142 (6) e20183052; DOI: 10.1542/peds.2018-3052

Yu VYH (ed). Pulmonary Problems in the Perinatal Period and their Sequelae. London: Baillière Tindall, 2004

TAQUIPNEIA TRANSITÓRIA

Definição e importância do problema

A SDR designada por taquipneia transitória (TT) é um problema respiratório benigno e autolimitado do RN de termo ou pré-termo, que surge imediatamente ao parto por atraso na reabsorção do líquido pulmonar fetal; tal problema, que corresponde a anomalia da adaptação respiratória fetal à vida extrauterina, na gíria é também designado por “pulmão húmido” (noção que traduz a existência de edema pulmonar) ou SDR do tipo II (para o distinguir da DMH ou SDR do tipo I, sendo que antes da sua descrição por Avery em 1966, situações como a que se analisa neste capítulo eram consideradas formas ligeiras de DMH).

De acordo com vários estudos epidemiológicos a TT, que explica cerca de 30-40% de todos os casos de SDR no RN, tem sido descrita com uma incidência variando entre 3-6/1.000 em RN de termo, e em >10/1.000 no RN pré-termo.

Etiopatogénese

Tomando como base o capítulo sobre “adaptação fetal à vida extrauterina”, onde se descreve o mecanismo de reabsorção do líquido pulmonar fetal, importará aqui enumerar alguns factores que comprometem tal processo e que, por consequência, predispõem a TT:

  1. Dificuldade de reabsorção do líquido pulmonar fetal (por ex., policitémia/ hiperviscosidade, laqueação tardia do cordão, hipoproteinémia, asfixia perinatal, depressão neonatal por fármacos administrados à mãe durante o parto, etc.);
  2. Volume aumentado do líquido pulmonar fetal e alvéolos preenchidos com o mesmo quando o feto assume a condição extrauterina e se iniciam os primeiros movimentos respiratórios (por ex. em situações de cesariana electiva (sem se ter iniciado o trabalho de parto), de fluidoterapia intraparto condicionando hiper-hidratação e hiponatrémia maternas).

A propósito do processo alterado de reabsorção do líquido pulmonar fetal, há a salientar o papel da compressão do tórax fetal na sua passagem pelo canal de parto, contribuindo para a expulsão daquele pela boca. Este fenómeno, inexistente nos casos de cesariana electiva atrás mencionada, é limitado, pois por esta via apenas se elimina cerca de 10-15% do mesmo.

Ao nível celular epitelial foram descritos os seguintes mecanismos relacionados com a eliminação (depuração) do líquido pulmonar fetal:

  1. Em situação de normalidade, tal depuração ocorre por actividade aumentada dos canais de sódio (ENaC) e de sódio-potássio, através da adenosina trifosfatase (Na+, K+, -ATPase), o que determina reabsorção activa do sódio e, consequentemente, eliminação do líquido pulmonar;
  2. A situação de TT resulta da actividade ineficaz ou diminuída de ENaC e Na+, K+, -ATPase, o que torna mais lenta a eliminação do líquido pulmonar e diminui a compliance pulmonar, comprometendo as trocas gasosas alveolares;
  3. A estes mecanismos acrescenta-se o papel dos péptidos natriuréticos (BNP e NT-proBNP) na regulação do volume extracelular (Glossário Geral).

Consequentemente à existência de líquido pulmonar fetal, preenchendo os alvéolos, e do edema intersticial no pós-parto imediato, verifica-se:

  1. Alteração da ventilação-perfusão enquanto os alvéolos estiverem preenchidos pelo referido líquido;
  2. Compromisso da mecânica ventilatória do RN no pós-parto imediato, o que se explica, sobretudo, por resistência aumentada das vias aéreas devida à compressão extrínseca pelo edema intersticial;
  3. Compromisso ligeiro do surfactante pulmonar (e consequente diminuição da compliance pulmonar), o qual poderá ser transitoriamente inactivado pelo mesmo líquido alveolar; compreende-se que a magnitude deste mecanismo seja inversamente proporcional à idade gestacional.

Existe uma forma de TT atípica, de maior duração, relacionada com edema pulmonar pós-natal por reentrada de fluido na via respiratória a partir da circulação pulmonar. Este quadro ocorre já após a alta e exige a exclusão de outras causas de disfunção respiratória.

Manifestações clínicas

Na sua forma típica, a TT surge em RN de termo (mais frequentemente) ou pré-termo próximo do termo. Esta forma de SDR traduz-se essencialmente por taquipneia muito acentuada (por vezes atingindo FR de 100-120/minuto), sendo o gemido e a retracção costal pouco comuns; no entanto, em situações de prematuridade concomitante, como se pode depreender, os sinais de TT poderão sobrepor-se aos de DMH (problemas associados).

O tórax evidencia certo grau de hiperinsuflação que, provocando abaixamento do diafragma, poderá criar condições temporárias para que o fígado e o baço passem a ser palpáveis.

A auscultação poderá evidenciar fervores crepitantes finos generalizados (e não apenas nas bases), tal como se verifica em casos de edema pulmonar por insuficiência cardíaca.

Como critério muito sugestivo de TT pode citar-se: a não necessidade de incrementar a FiO2 entre as 12 e 24 horas de vida para manter a SpO2 dentro dos limites aceitáveis (90-95%).

As formas graves (raras), que correspondem à chamada TT “maligna”, acompanham-se de sinais de falência miocárdica e de hipertensão pulmonar associada a shunt direita – esquerda, entre outros.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial, por vezes difícil, faz-se essencialmente com as seguintes situações: síndroma de taquipneia pós-asfixia, doença metabólica, síndromas de hiperviscosidade/policitémia, anomalias cardiovasculares acompanhadas de débito pulmonar aumentado, quilotórax congénito, sépsis precoce com pneumonia por Streptococcus do grupo B, etc.).

Em função dos antecedentes perinatais e do estado geral do RN com SDR manifestando-se no pós-parto imediato, poderá estar indicada a realização de exames complementares, designadamente nas formas de evolução mais prolongada e de expressão clínica e funcional mais grave.

Certas formas clínicas compatíveis com TT, iniciadas depois do pós-parto imediato, relacionadas predominantemente com casos de prematuridade tardia, poderão estar associadas a hipertensão pulmonar requerendo, por vezes, tratamento mais agressivo com ECMO.

Exames complementares

Na maior parte dos casos a anamnese perinatal e o estudo evolutivo da imagem radiográfica do tórax permitem o diagnóstico de TT após exclusão de outras causas de SDR; ou seja, o diagnóstico definitivo de TT é inevitavelmente retrospectivo.

Alguns sinais radiográficos do tórax testemunham a evolução habitualmente benigna deste quadro:

  1. Primeira radiografia em incidência ântero-posterior (pós-parto)
    • diminuição da transparência parenquimatosa pela existência de edema intersticial e alveolar, e opacidades discretas ao nível do ângulo cárdio-frénico direito e região supra-hilar esquerda, correspondentes a regiões em que o processo de drenagem de líquido é mais moroso;
    • opacidades lineares ou arciformes hilífugas pela existência de edema nos espaços intersticiais perivasculares e derrame pleural discreto;
    • opacidades lineares correspondentes às cisuras ou “cisurite” (vias de drenagem secundárias);
    • hiperinsuflação pulmonar de grau variável;
    • apagamento discreto das cúpulas diafragmáticas;
    • cardiomegália discreta, por vezes; (Figuras 1 A e B)
  2. Segunda radiografia após 24-48 horas de evolução
    • não visualização das opacidades, o que corresponde a regressão do quadro anterior;
    • imagem de “arejamento” franco dos campos pulmonares. (Figura 2)

A gasometria evidencia em geral pH normal ou elevado, e défice de base normal. O estudo ecocardiográfico poderá evidenciar, nas formas clássicas ou ligeiras de TT, sinais de disfunção ventricular esquerda nas primeiras 24 horas.

De acordo com dados da literatura, o valor do péptido NT-proBNP está sempre elevado nos casos de TT; cerca de 24 horas após início do quadro, valores acima de 6576 pg/mL são preditivos de evolução mais prolongada e de eventual necessidade de ventilção mecânica (sensibilidade de 85% e especificidade de 64%).

Nalguns centros perinatais, em casos especiais, utilizam-se β 2-agonistas (salbutamol inalado) cujo efeito se traduz no aumento da expressão e activação de ENaC e Na, K-ATPase que facilitam a eliminação do líquido pulmonar fetal.

Prevenção

Salientam-se algumas medidas preventivas que podem deduzir-se da etiopatogénese atrás descrita:

  • redução do número de cesarianas electivas e prevenção da prematuridade tardia;
  • precaução na administração de fluidos à parturiente (por ex. como veículo de ocitócicos e outros fármacos), os quais deverão incorporar sódio a partir de determinado volume de administração como forma de reduzir ou evitar a transferência excessiva de água para o feto;
  • prevenção da asfixia perinatal.

FIGURA 1. Representação esquemática e quadro radiológico de taquipneia transitória no pós-parto imediato (fase inicial com opacidades ao nível do ângulo cárdio-frénico direito e 1/3 superior do campo pulmonar esquerdo. (URN-HDE)

FIGURA 2. Padrão radiográfico de taquipneia transitória (RN correspondente à Figura 1): desaparecimento das opacidades após 24 horas. (UCIN-HDE)

Tratamento

Na TT essencialmente aplicam-se as medidas gerais de suporte, já descritas em contexto de disfunção respiratória.

Como particularidades, cabe referir:

  • garantir suprimento hídrico ~70-80 mL/kg/dia e de glucose ~4-6 mg/kg/minuto;
  • oxigenoterapia (em geral com FiO2 ente 40 e 60%) ou qbp para manter SpO2 entre 90 e 95%, Pa O2 entre 45-70 mmHg, Pa CO2 entre 45-60 mmHg, e pH entre 7,25 e 7,40;
  • em função da gravidade do quadro poderá estar indicada, em raras situações, a ventilação invasiva;
  • tratando-se dum diagnóstico de exclusão, alguns casos de SDR precoce mais tarde confirmados como TT poderão ter sido submetidos a antibioticoterapia segundo critérios descritos adiante, na Parte sobre Infecção do Feto e Recém-nascido.

Prognóstico

A mortalidade é baixa, descrevendo-se nalgumas séries taxas ~0,8% em RN de termo e ~7% em RN pré-termo.

Quanto a morbilidade, nalguns estudos a médio e longo prazo foi verificada maior incidência de episódios de sibilância recorrente no contexto familiar de doença atópica.

BIBLIOGRAFIA

Aydemir O, Aydemir C, Sarikabadayi YU, et al. The role of plasma N-terminal pro-B-type natriuretic peptide in predicting the severity of transient tachypnea of the newborn. Early Human Development 2012;88:315-319

Avery ME, Gatewood OB, Brumley G. Transient tachypnea of newborn. Possible delayed reabsorption of fluid at birth. AJDC 1966;111:380-385

Balfour-Lynn IM, Rgby M. Tachypnea in a well baby: what to do next? Arch Dis Child 2015; 100:722-727

Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008

Costa S, Leitão A, Rocha G, et al. Transient tachypnea of the newborn and congenital pneumonia: a comparative study. J Maternal-Fetal & Neonatal Medicine 2012;25:992-994

Garcia JJ, Cruz O, Mintegi S, Moreno JM (eds). M Cruz Manual de Pediatria. Madrid: Ergon, 2020

Greenough A, Milner AD (eds). Neonatal Respiratory Disorders. London: Arnold, 2006

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

MacDonald MG, Seshia MMK (eds). Avery’s Neonatology: Pathophysiology and Management of the Newborn. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 2015

Martin RJ, Fanaroff AA, Walsh MC (eds). Neonatal-Perinatal Medicine. St Louis: Elsevier Mosby, 2011

Montan S, Arul-Kumaran S. Neonatal respiratory distress syndrome. Lancet 2006;367:1878-1879

Polin RA, Yoder MC. Work Book in Practical Neonatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Polin RA, Abman SH, Rowitch DH, Benitz WE, Fox WW (eds). Fetal and Neonatal Physiology. Philadelphia: Elsevier, 2017

Sundell H, Garrott J, Blankenship WJ, et al. Studies on infants with type II RDS. J Pediatr 1971;78:754-764

Warren JB, Anderson JDM. Newborn respiratory disorders. Pediatr Rev 2010;31:487-496

Wilmott R, Bush A, Deterding R, Ratjen F, Sly P, Zar H, Li A (eds). Kending’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Elsevier, 2019

Yu VYH (ed). Pulmonary Problems in the Perinatal Period and their Sequelae. London: Baillière Tindall, 2004

SÍNDROMA DE DIFICULDADE RESPIRATÓRIA DO RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO (DOENÇA DA MEMBRANA HIALINA)

Definição e importância do problema

A síndroma de dificuldade respiratória (SDR) do RN pré-termo ou SDR do tipo I (anteriormente designada doença da membrana hialina/DMH), constitui um problema respiratório típico da imaturidade pulmonar resultante da deficiência em surfactante pulmonar (SP) endógeno.

O termo “surfactante” corresponde à designação funcional de um material heterogéneo e complexo de natureza lipoproteica, relativamente insolúvel, com grande plasticidade (distendendo-se em grau variável) cuja propriedade principal consiste em diminuir a tensão superficial na interface ar-líquido da porção respiratória do pulmão.

Constituindo a causa mais frequente de dificuldade respiratória no RN pré-termo, a sua gravidade (com repercussão na mortalidade) é inversamente proporcional à idade de gestação.

Globalmente, a DMH ocorre em cerca de 0,5 a 1% dos nados-vivos: em cerca de 60-80% dos RN pré-termo com <28 semanas, em cerca de 15-30% dos pré-termo com idades gestacionais compreendidas entre 32 e 36 semanas, raramente em RN de termo.

O Quadro 1 integra os factores clássicos que aumentam ou diminuem o risco de DMH.

QUADRO 1 – Factores de Risco de DMH.

Risco aumentado

Prematuridade, sexo masculino, gemelaridade/ segundo gémeo, hipóxia e acidose, corioamnionite, cesariana electiva, diabetes materna, hidropisia fetal, etc..

Risco diminuído

Hipóxia intrauterina crónica, ruptura prolongada de membranas ovulares, hipertensão materna, restrição do crescimento intrauterino (RCIU), administração de corticóides pré-natais, administração de tocolíticos, hormonas tiroideias, etc..

Etiopatogénese

Na génese do problema respiratório em análise importa realçar três factores relacionados com a imaturidade:

  1. Deficiência do surfactante pulmonar (SP) (da secreção, e/ou da inactivação ao nível do alvéolo pulmonar) conduzindo, como foi referido, a menor distensibilidade ou compliance alveolar/pulmonar – a causa primária.
    Com efeito, possuindo este composto fosfolipídico-proteico um efeito regulador tensioactivo (diminuição da tensão superficial dos alvéolos e bronquíolos respiratórios durante a expiração), a sua presença no alvéolo (aumentando a compliance pulmonar e a relação V/P) evita o seu colapso durante a expiração e a sobredistensão durante a inspiração. Assim, garante a manutenção da capacidade residual funcional (CRF) e facilita as trocas gasosas em cada ciclo respiratório.
    Por outro lado, importa relevar outra acção do SP: durante a inspiração, ao promover o recrutamento alveolar uniforme, reduz o gradiente de pressões entre o interstício e o alvéolo, diminuindo assim a probabilidade de formação de edema pulmonar.
    A deficiente síntese ou libertação de surfactante associada à incapacidade de se criar uma capacidade residual adequada, e a particularidade de a parede torácica ser mais complacente, levam a atelectasia (atelectrauma), resultando em alvéolos perfundidos, mas não ventilados, o que conduz a hipóxia. (ver adiante Metabolismo do surfactante pulmonar)
    A diminuição da compliance pulmonar, a redução do volume corrente, o aumento do espaço morto fisiológico, o aumento do trabalho respiratório, assim como a insuficiente ventilação alveolar conduzem a hipercápnia. A combinação de hipóxia, hipercápnia e acidose produz vasoconstrição arterial incrementando o shunt direita-esquerda através do foramen ovale, ductus arteriosus e no interior do próprio pulmão.
    Verifica-se secundariamente redução do fluxo sanguíneo pulmonar com lesão isquémica, quer das células que produzem surfactante (pneumócitos de tipo II) e dos pneumócitos de tipo I, quer das células do leito vascular, o que favorece a saída de material proteico intravascular para o espaço alveolar. (Figura 1)
    O colapso alveolar em áreas disseminadas do parênquima, a formação de depósitos hialinos e eosinófilos de fibrina agregando células alveolares necrosadas forrando os ductos alveolares e os bronquíolos terminais (daí o nome de “membranas hialinas”, conceito anatomopatológico, sendo que as mesmas são raramente observadas antes das 6-8 horas de vida extrauterina) e o edema intersticial contribuem para agravar a diminuição da compliance ou distensibilidade do pulmão, de tal modo que será necessária pressão mais elevada que a verificada em condições normais para expandir os alvéolos e vias terminais. (Figura 2)
    A Figura 3 ilustra a consequência do défice ou disfunção do surfactante pulmonar, com alteração do formato da curva volume/ pressão (incapacidade distensão alveolar com o aumento da pressão intralveolar, e incapacidade de manutenção do volume residual).
  2. Hipodesenvolvimento estrutural do pulmão
    Reportando-nos às fases do desenvolvimento pulmonar embrionário e fetal, cabe referir que no RN pré-termo viável foi já atingido o estádio canalicular ou sacular. Nestes estádios as vias aéreas distais são de estrutura tubular, têm paredes espessas e a distância entre o leito capilar e o interstício é superior à que se verifica no termo da gestação, o que constitui factor limitativo quanto às trocas gasosas.
    Por outro lado, sendo a área membranocapilar muito permeável, tal facto facilita a passagem de plasma para o interstício e espaço alveolar.

Figura 1. Patogénese da doença respiratória do RN por défice de surfactante.

FIGURA 2. Aspecto histológico post-mortem de pulmão de RN pré-termo com DMH: parede dos alvéolos forrada por camada amorfa, homogénea, eosinófila (membranas hialinas). (URN-HDE)

FIGURA 3. Curva volume/ pressão no RN com SDR por DMH. (Défice de surfactante e incapacidade de manutenção do volume residual).

  1. Maior distensibilidade/compliance da parede torácica do RN pré-termo
    Reiteram-se aqui as particularidades fisiológicas no RN pré-termo traduzidas essencialmente por maior tendência para a distorção da caixa torácica durante a respiração, o que contribui para aumentar o trabalho respiratório.
    Nos RN afectados por DMH, a parte inferior da parede torácica é puxada para dentro ao mesmo tempo que o diafragma desce; consequentemente a pressão intratorácica torna-se negativa o que conduz à formação de atelectasia. A parede torácica altamente complacente do RN pré-termo, por outro lado, oferece menos resistência (em comparação com o que acontece no RN não imaturo) à tendência para o colapso, com incapacidade para a manutenção de ar residual no fim da expiração.
    Outro aspecto particularmente relevante no RN pré-termo tem a ver com as características das fibras musculares do diafragma (teor diminuído em fibras do tipo I, menos resistentes à fadiga). Por outro lado, a hipotonia muscular em geral, própria do pré-termo, e em especial dos músculos intercostais, acentua-se nos períodos de sono REM (rapid eye movements), períodos que têm maior duração no pré-termo relativamente ao RN de termo.

Metabolismo do surfactante pulmonar

Para que as propriedades tensioactivas do SP sejam mantidas de forma constante na superfície alveolar existem mecanismos de regulação do seu metabolismo. Tal metabolismo engloba diversos estádios: síntese, armazenamento e secreção pelos pneumócitos do tipo II, eliminação e reciclagem ou recuperação. (Figura 4)

FIGURA 4. Metabolismo do surfactante pulmonar. Semivida ~12-18 horas. (CMV<> corpo multivesículas)

O surfactante extraído do pulmão (SP) tem uma composição semelhante em diversas espécies, incluindo a humana: fosfolípidos – cerca de 84%, lípidos neutros – cerca de 8%, e proteínas – cerca de 8%. Dos fosfolípidos, cerca de 65% corresponde a compostos de fosfatidilcolina saturada ou dipalmitoilfosfatidilcolina (DPPC), e 15% a fosfatidilglicerol (FG), a fosfatidilinositol (FI) e a fosfatidiletanolamina.

Os referidos lípidos estão associados a quatro proteínas específicas (apoproteínas) designadas como SP-A, SP-B, SP-C e SP-D. As SP-A e SP-D são hidrofílicas, ao passo que SP-B e SP-C são proteínas hidrofóbicas, sem afinidade para moléculas lipídicas; tais proteínas são fundamentais no metabolismo do surfactante.

De referir que o SP evidencia propriedades imunológicas antibacterianas e anti-inflamatórias, possivelmente relacionadas com as apoproteínas SP-A e SP-D.

O surfactante pulmonar (SP) é sintetizado a partir da 20ª – 22ª semana de gestação em células específicas – no retículo endoplásmico de células alveolares diferenciadas, os pneumócitos do tipo II – (SP intracelular) que, por sua vez, libertam aquele (exocitose) para o espaço alveolar – (SP extracelular). Apesar da sua concentração tecidual pulmonar, somente é detectado no líquido amniótico entre as 28 e 32 semanas.

A síntese do surfactante depende em parte do pH normal, da temperatura e da perfusão sanguínea. A asfixia, a hipoxémia e a isquémia pulmonar, particularmente se associadas a hipovolémia, hipotensão e estresse pelo frio, podem suprimir a síntese de surfactante. Por outro lado, o epitélio revestindo a via respiratória pode também ser lesado e sofrer necrose por elevadas concentrações do oxigénio e pelo trauma da ventilação artificial (efeitos do volume insuflado e da pressão gerada); estes eventos contribuem também para a lesão e hipoprodução de surfactante.

Até às 35 semanas, na biossíntese do SP tem papel primordial a enzima metil-transferase (transformação de fosfatidil-etanolamina em palmitil-miristil – lecitina); este surfactante é mais vulnerável a noxas. Após as 35 semanas tem papel primordial a enzima fosfocolina-transferase, a qual promove a transformação do diglicérido-fosfocolina em dipalmitoil-lecitina (SP de “melhor qualidade”), pois é mais resistente às noxas.

O aumento quantitativo do SP, com o desenrolar da gestação, é acompanhado de modificação na composição dos fosfolípidos e das apoproteínas; com efeito, no que respeita aos primeiros, inicialmente predomina FI, enquanto por volta da 35ª semana predomina FG; quanto às apoproteínas, verifica-se aumento de SP-A pela 35ª semana. Nas situações de DMH é menor o teor em FG e SP-A.

Progredindo a gestação, a monocamada fosfolipídica sofre catabolismo transformando-se em vesículas que sofrem endocitose (captação pelo pneumócito II) reorganizando-se de novo em corpos multivesiculares que irão ser submetidos a catabolismo nos lisossomas, formando-se ácidos gordos livres; uma parte destes é perdida, enquanto outra é reutilizada a partir do retículo endoplásmico, repetindo-se o ciclo. O coeficiente de reutilização ou reciclagem da monocamada fosfolipídica é cerca de 95%.

O SP de localização extracelular, em termos morfológicos, apresenta-se em 4 formas: corpos lamelares (estrutura semelhante a fios enrolados), mielina tubular, grandes vesículas precursoras da camada monomolecular e pequenas vesículas; as vesículas organizam-se em corpos multivesiculares (CMV). Os corpos lamelares, cujas lamelas uma vez no espaço extracelular se reorientam, dão origem à mielina tubular (estrutura semelhante a fios entrelaçados em malha), monocamada fosfolipídica rica em DPPC; ora é esta a forma estrutural de SP verdadeiramente responsável pela diminuição da tensão superficial na superfície alveolar.

Embora raras, determinadas alterações genéticas podem contribuir para síndroma de dificuldade respiratória por disfunção do surfactante pulmonar. Trata-se de alterações dos genes das proteínas B e C (SP-B e SP-C) e do gene duma proteína transportadora do surfactante através da membrana (transportador designado por ABCA3) que originam formas letais familiares de dificuldade respiratória fora do contexto de imaturidade.

Outras causas familiares raras de disfunção do surfactante incluem principalmente a displasia acinar, a displasia alveolar capilar, a linfangiectasia pulmonar e a proteinose alveolar (deficiência congénita da SP-B).

Manifestações clínicas e radiológicas

Os primeiros sinais de dificuldade respiratória são sempre precoces, muitas vezes não detectados; em percentagem significativa dos casos existe associação com um certo número de factores predisponentes; asfixia perinatal, sofrimento fetal, nascimento por cesariana, anestesia, hemorragias maternas e/ou “shock” no período pré-parto, diabetes materna, etc..

A dificuldade respiratória surge muito precocemente, sempre antes da 4ª hora de vida. Por vezes, a SDR surge imediatamente após o nascimento; se a SDR surgir após a 8ª hora de vida, poderá, em princípio, excluir-se a doença da membrana hialina.

Salienta-se que nos casos de prematuridade extrema (RN de peso <1000 gramas) as manifestações são menos exuberantes, por vezes traduzidas pelo aparecimento precoce de episódios de apneia e de cianose.

Um dos componentes da SDR, precoce e típico, é o gemido expiratório que testemunha esforço do RN no sentido de encerramento da glote e numa tentativa de impedimento de saída de ar dos alvéolos. O gemido tem também um significado prognóstico: a sua diminuição ao cabo de algumas horas de evolução, tal como verificação de diurese, poderão traduzir uma melhoria.

Uma vez iniciado o quadro, assiste-se a um agravamento progressivo: taquipneia crescente (que pode durar vários dias), retracções supra-esternal e intercostal, retracção esternal inferior originando o chamado “tórax em funil”, também de intensidade crescente, adejo nasal, e cianose cada vez mais difícil de melhorar numa atmosfera com O2.

A auscultação pulmonar evidencia uma diminuição do murmúrio vesicular e, por vezes, fervores finos, possivelmente causados pelo descolamento ou abertura alveolar, e não pela existência de líquido alveolar. A auscultação cardíaca pode evidenciar bradicárdia nas situações acompanhadas de hipoxémia grave.

Frequentemente existem os seguintes sinais acompanhantes:

  • hipotonia, hipoactividade motora espontânea e reflexa, relacionadas com a gravidade da hipoxémia e acidémia e/ou lesões hemorrágicas do SNC associadas e secundárias àquelas.

A hipotonia extrema, hipotermia e hipotensão são consideradas sinais de mau prognóstico.

Quanto aos sinais radiológicos, a imagem típica é constituída por um retículo-granitado difuso, bilateral (zonas de atelectasia alveolares) a que se sobrepõe a imagem do desenho brônquico hiper-arejado (aerobroncograma). Classicamente, descrevem-se 4 estádios de gravidade:

  1. reticulogranitado fino e disperso;
  2. I + aerobroncograma ultrapassando a silhueta cardíaca;
  3. II + desaparecimento do contorno da silhueta cardíaca;
  4. III + desaparecimento dos limites do diafragma (imagem radiográfica chamada “pulmão branco”). (Figura 5)

O quadro radiológico é sobreponível ao que surge nos casos precoces de pneumonia por Streptococcus do grupo B.

Exames laboratoriais

A PaO2 é baixa (valor normal = 98-100 mmHg), sendo de mau prognóstico as situações em que é inferior a 45 mmHg. O pH é inferior a 7,35 em geral (normal ~7,35-7,45).

Quanto à PCO2, de início pode ser normal ou baixa (fase da taquipneia ou luta fisiológica contra a hipóxia); (valores normais compreendidos entre 33,5 e 41,1 mmHg). Depois das primeiras horas, os valores tendem a elevar-se, atingindo valores superiores a 65 mmHg nas formas mais graves, numa fase de exaustão.

O ionograma plasmático pode evidenciar valores elevados de potassémia, sintomáticos de lesão celular grave por hipoxémia.

FIGURA 5. Imagem radiográfica de DMH (graus IV-III) – “Pulmão branco”. Aerobroncograma e hipoventilação global. (UCIN-HDE)

Evolução e complicações

Descrevem-se 3 períodos na evolução natural da doença:

  1. Agravamento progressivo em 24 a 36 horas;
  2. Manutenção da gravidade máxima entre as 24 e 48 horas;
  3. Melhoria pelo 3º – 4º dia, traduzindo tendência para reversibilidade da doença (o que é facilitado por terapêutica bem conduzida).

Tal melhoria traduz-se por diurese espontânea, melhoria da oxigenação e diminuição das necessidades de O2.

Além da hipoxémia e acidose existe a possibilidade de complicações: pneumotórax, sobreinfecção, hemorragia (pulmonar, do SNC, das supra-renais), ligadas ou não a coagulação intravascular disseminada.

Outra complicação é constituída pela doença pulmonar crónica.

Diagnóstico diferencial

Tendo em conta a evolução natural da DMH (fundamentalmente, SDR iniciada nas primeiras quatro horas de vida, com agravamento nas 24-36 horas subsequentes), o diagnóstico diferencial pode fazer-se com outros quadros respiratórios de início precoce tais como:

  1. Pneumonia por Streptococcus beta hemolítico do grupo B (surgindo em RN pré-termo e de termo), em que a infecção origina compromisso dos pneumócitos II e défice e/ou alteração do surfactante traduzida, designadamente, por quadro radiológico semelhante;
  2. Défice congénito total ou parcial da apoproteína SP-B (proteinose alveolar); taquipneia transitória (capítulo seguinte), salientando-se que a designação de SDR de tipo I dada à DMH, e de SDR de tipo II dada à taquipneia transitória surgiu por se admitir, até há algumas décadas que determinados quadros respiratórios de início precoce eram sempre explicados por défice de surfactante; para se estabelecer a destrinça, numa situação considerou-se tipo I, e na outra, tipo II);
  3. Cardiopatias congénitas;
  4. Anomalias congénitas do sistema respiratório inferior como por ex. hipoplasia pulmonar;
  5. Síndromas acompanhadas de hipertensão pulmonar persistente, etc. (ver atrás Etiopatogénese).

Para além da radiografia do tórax, a ecocardiografia pode ser útil como avaliação inicial para excluir quadros de hipertensão pulmonar, disfunção miocárdica ou canal arterial permeável com repercussão hemodinâmica.

Prevenção

Na sua essência, a prevenção da DMH baseia-se na prevenção da prematuridade o que implica, entre outras medidas, uma vigilância pré-natal adequada incluindo, claro está, a detecção sistemática de factores de risco.

Uma vez que está demonstrado o papel eficaz dos corticóides administrados à grávida em risco de parto prematuro no que respeita, designadamente à estimulação da maturidade pulmonar fetal, existe consenso quanto à aplicação de um conjunto de normas a seguir sintetizadas:

  1. À grávida em situação de risco de parto prematuro, a ACOG (American College of Obstetricians) recomenda a administração de corticóides entre as 24 e 36+6 semanas de gestação, com parto previsível dentro de 1 semana, sendo que se deverá ponderar a hipótese de eventuais contraindicações da respectiva administração;
  2. Tal actuação preventiva não é incompatível com a administração de tocolíticos à grávida com o objectivo de prevenir o parto prematuro;
  3. O corticóide indicado é a betametasona por via IM em duas doses de 12 mg com intervalo de 24 horas;
  4. Reforça-se a indicação de corticóide nos casos de ruptura prematura de membranas em idade gestacional inferior a 32 semanas na ausência de sinais de corioamnionite; tal actuação diminui o risco associado de hemorragia intraperiventricular;
  5. Há que atender ao possível risco de efeitos adversos sobre o crescimento e neurodesenvolvimento da criança resultantes de eventuais ciclos de tratamento ao longo da gravidez.

Tratamento

Algumas normas gerais quanto a cuidados, assim como aspectos essenciais da oxigenoterapia, assistência respiratória com CPAP nasal e ventiloterapia foram abordadas no capítulo anterior.

Relativamente à entidade clínica DMH, cabe mencionar algumas especificidades quanto a cuidados gerais e à terapêutica substitutiva com surfactante. Aliás, o RN pré-termo com tal patologia constitui um bom modelo no que respeita à administração de cuidados ao RN pré-termo em UCIN ou em unidade de cuidados especiais.

Cuidados gerais

  1. Estabilização na sala de partos
    RN colocado em ambiente de termoneutralidade, sob fonte de calor ou em incubadora ou dentro de saco de polietileno, para evitar a hipotermia e o consumo de oxigénio (~34-35ºC); a hipertermia também deve ser evitada, sendo objectivo manter temperatura cutânea abdominal entre 36ºC e 37ºC; a fim de melhorar a distribuição de oxigénio aos tecidos, se possível, atrasar a laqueação do cordão ~30-45 segundos, com o RN em nível inferior ao da placenta no sentido de promover transfusão de sangue placentar.
  2. Equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base
    Nas primeiras 48 horas o suprimento hídrico deve ser da ordem de 50-70 mL/kg/dia e, depois, até 100-150 mL/kg/dia em função do balanço hídrico que deve ser rigoroso (registo das perdas insensíveis, da diurese e doutras perdas) com a finalidade de garantir diurese >1 mL/kg/hora, pressão arterial média ~30-50 mmHg, natrémia entre 135 e 145 mEq/L e hematócrito ~35-40%. A eventual acidose respiratória regride com ventiloterapia correcta; se surgir acidose metabólica haverá que ter precaução com a administração de alcalinizante (bicarbonato de sódio).
  3. Equilíbrio hemodinâmico
    Na DMH existindo elevada probabilidade de choque (hipotensão, oligoanúria, taquicárdia e acidose metabólica, mesmo sem diminuição da Pa O2) haverá, por vezes a indicação de administrar:
    • expansores da volémia: soro fisiológico na dose de 10 mL/kg em 20-30 minutos;
    • inotrópicos em perfusão contínua (dopamina na dose de 2-8 mcg/kg/minuto, ou dobutamina: 5-15 mcg/kg/minuto).
  4. Suporte nutricional
    Na fase inicial, até estabilização hemodinâmica, está contraindicada a alimentação por via entérica, havendo que providenciar suprimento energético para as necessidades básicas: em regra, perfusão de glucose IV na dose de 4-6 mg/kg/minuto acompanhada de vigilância da glicémia e glicosúria para reajustamentos; após estabilização hemodinâmica inicia-se a nutrição parentérica e a alimentação entérica mínima (não nutritiva) por sonda gástrica, idealmente com leite materno, com o objectivo de estimular a maturação das células do tubo digestivo.
  5. Tratamento da infecção
    As infecções perinatais constituem uma das causas de prematuridade, ou seja, podendo um parto pré-termo espontâneo constituir um epifenómeno de infecção. Assim, haverá que proceder à respectiva avaliação e actuar, entre outras medidas, com antibioticoterapia após colheitas de sangue (para hemograma, determinação da PCR, hemoculturas, etc.).

Particularidades da ventiloterapia

1. Convencional

Como particularidades da ventiloterapia (convencional, designadamente utilizando os ventiladores SIMV/ realizando ventilação mecânica intermitente sincronizada) na DMH cabe referir:

    • Utilizar sempre a menor PIP (pressão positiva inspiratória ou pressão positiva intermitente, segundo a gíria habitual);
    • Manter pH entre 7,20 e 7,35 e Pa CO2 entre 45 e 65 mmHg, (evitando valores inferiores a 40 mmHg, aceitando a chamada “hipercápnia permissiva” – acidose respiratória – na fase aguda da doença tendo como fundamento dados da medicina baseada na evidência: a hipocápnia nos primeiros dias de vida comporta alto risco de displasia broncopulmonar;
    • A ventilação de alta frequência/HFV – designadamente nas modalidades oscilatória (HFOV) ou em jacto (HFJV) poderá melhorar a oxigenação e facilitar a eliminação de CO2 nos casos em que existe escassa resposta à ventilação convencional;
    • Limitar a duração de FiO2 >60% e SpO2 entre 91% e 95%;
    • Não retardar o início do “desmame” da ventiloterapia. (consultar adiante o capítulo sobre ventiloterapia)
2. CPAP nasal (nCPAP) ou estratégia minimamente invasiva

Pressupondo a necessidade de garantir os objectivos referidos em (I.) quanto a parâmetros bioquímicos e biofísicas, actualmente aconselha-se a utilização precoce, já na sala de partos, de nCPAP, o que garante melhor adaptação à vida extrauterina, estabilização hemodinâmica e redução da necessidade de ventilação mecânica. Surge assim o conceito de assistência respiratória minimamente invasiva.
Fazendo parte desta estratégia, realça-se que o surfactante, a administrar sempre que indicado, pode ser administrado através da cânula nasal/ sistema nCPAP – com pressão entre 5 e 10 cm H2O-, para além do método clássico através de tubo endotraqueal/TET através da cânula nasal. (ver adiante)

Administração de surfactante exógeno

Tipos

Na actualidade, os tipos de surfactante utilizados podem ser divididos em dois grandes grupos: os produtos contendo componentes do surfactante endógeno de pulmão animal, e os preparados sintéticos ou recombinantes.

Como exemplos de surfactantes naturais mais utilizados em Portugal citam-se: o Curosurf® (fracção fosfolipídica de pulmão porcino de cuja composição fazem parte: DPPC e fosfolípidos, e SP-B e SP-C) e o Survanta® (fracção fosfolipídica de pulmão bovino cuja composição inclui: DPPC e fosfolípidos, tripalmitina, acido palmítico, SP-B e SP-C).

Como exemplos de surfactantes sintéticos ou recombinantes sem apoproteínas citam-se: o ALEC® (Artificial Lung Expanding Compound) e o Exosurf® (palmitato de colfosceril).

De acordo com os estudos meta-analíticos frequentemente actualizados no âmbito da Cochrane Library verifica-se melhoria mais acentuada e mais precoce, assim como menor morbilidade e menor mortalidade, com a utilização dos surfactantes naturais como medida complementar da assistência ventilatória.

Posologia

No caso do Survanta® a dose de administração de fosfolípidos é 100 mg/kg/dose ou 4 ml/kg/dose. A repetição das doses, se necessário, deve ser de 6 – 6 horas, no máximo de 4 doses. Em situações graves de quadro radiológico de pulmão branco bilateral, é admissível a sua repetição ao fim de 4 horas.

No caso do Curosurf® a dose de administração de fosfolípidos é 100-200 mg/kg/dose ou 1,25 a 2,5 ml/kg/dose. A primeira dose de Curosurf® deve ser 200 m/kg, sendo que poderá proceder-se a repetição da administração com mais 2 doses de 100 mg/kg cada, com 6-12 horas de intervalo.

Em situações clínicas muito graves pode ser feita a administração com um intervalo mais curto (4-6 horas). Em circunstâncias especiais, de acordo com o quadro clínico-radiológico, poderá eventualmente ser necessário administrar mais 2 doses de 100 mg/kg cada, tendo em consideração que não se deverá ultrapassar a dose de 400 mg/kg.

Técnica de administração

Compreendendo-se que a administração do SP (por TET ou por cânula nasal-nCPAP) deverá ser feita em UCIN ou unidade de cuidados especiais com equipa treinada e apoio de monitorização, são referidos aspectos genéricos.

Os vários tipos de surfactante são administrados em bolus lento:

  • Em circuito fechado através de um adaptador e sonda própria ligada a uma peça em Y colocada na extremidade proximal do tubo endotraqueal (TET);
  • Ou em circuito aberto em 4 ou 5 bolus contínuos, através de um cateter colocado dentro do tubo endotraqueal;
  • Ou em cânula nasal – modalidade nCPAP.

Mudanças na posição do corpo durante a administração das doses, podem contribuir para uma distribuição mais homogénea do surfactante.

Em situações graves, em doentes especialmente predispostos a situações de ar ectópico (por ex. pneumotórax), o surfactante pode ser administrado através dum sistema de infusão contínua lenta, durante 30 minutos a uma hora.

Estratégias clássicas de administração

A administração de surfactante pode ser:

  • Profiláctica e precoce (no bloco de partos, imediatamente ao nascimento), por ex. nos RN de idade gestacional <28 semanas (que necessitam de entubação traqueal/TET ou que tenham aplicada nCPAP; ou
  • De recuperação ou resgate, tardia, quando se verificarem critérios clínico-radiológicos de DMH ou quando se verificar agravamento da doença, designadamente considerando o défice de oxigenação objectivado pelo índice de oxigenação.

Salienta-se que nos RN pré-termo em risco de SDR, a nCPAP profiláctica aplicada no pós-parto imediato constitui a estratégia de eleição.

Efeitos colaterais da aplicação de surfactante

São descritos os seguintes:

  • Hemorragia pulmonar e infecções pulmonares secundárias;
  • Hiperinsuflação; este efeito pode ocorrer em RN com situações menos graves em que a administração do surfactante leva a melhoria rápida da compliance e do volume corrente, condicionando em certos casos, um estado de hiperinsuflação, o que poderá levar, especificamente, a enfisema intersticial e/ou pneumotórax;
  • Outras complicações como aquelas relacionadas com a abertura do canal arterial, enterocolite necrosante ou hemorragia intraperiventricular não têm sido influenciadas pela terapêutica com surfactante;
  • Obstrução das vias aéreas (“inundação” com surfactante); este efeito ser explicado pelo eventual volume excessivo do preparado de SP e pela viscosidade de alguns preparados; a este propósito salienta-se a eventual necessidade de ajustamento dos parâmetros de ventilação transitoriamente, até se ter comprovado distribuição homogénea daquele nas vias aéreas.
Variantes de actuação

Reconhecendo os benefícios da terapêutica substitutiva com surfactante, para além do efeito potencial protector da nCPAP profiláctica, nalguns centros são aplicadas as seguintes variantes:

  • Método INSURE (intubate surfactant e extubate)
    Entubação para adminitração de surfactante, profiláctica e precoce ou de recuperação ou resgate, seguida de extubação, seguindo-se de imediato (dentro de minutos ou <1 hora) a aplicação de nCPAP desde que exista quadro de estabilidade;
  • Método MIST (minimally invasive surfactant therapy)
    Entubação com TET, instilando surfactante na traqueia, em RN com respiração espontânea e com nCPAP previamente aplicada;
  • Método LISA (less invasive surfactant therapy)
    Aplicação de sonda fina de modo a não obstruir a traqueia (habitualmente itilizada para alimentação oro ou nasogástrica), instilando surfactante na traqueia, em RN com respiração espontânea ou em nCPAP. Como a sonda (fina) não obstrui totalmente a traqueia, deixando espaço em torno, esta variante pode efectivamente aplicar-se em RN com respiração espontânea ou em nCPAP.

Com estas estratégias têm-se verificado benefícios, tais como redução da duração de nCPAP, permitindo em geral o desmame da referida nCPAP mais precocemente.

Como nota final importa sintetizar que a ventiloterapia e a administração de surfactente estão indicadas nos casos em que não se consegue SpO2 >90% com FiO2 entre 40% e 70% e recebendo nCPAP.

Prognóstico

Os progressos realizados ao longo dos anos nos países com recursos no âmbito dos cuidados pré-natais, a corticoterapia pré-natal, a aplicação da filosofia do transporte in utero, a assistência intra-parto, os cuidados de terapia intensiva a cargo de equipas experientes (designadamente, a terapêutica de substituição pós-natal com surfactante e as estratégias de ventilação aperfeiçoadas) conduziram a diminuição significativa da mortalidade (<10%).

Embora cerca de 85%-90% dos sobreviventes com DMH e submetidos a ventilação mecânica não evidenciem sequelas quanto a função respiratória e neurodesenvolvimento, o prognóstico é globalmente mais favorável nos RN de peso >1.500 gramas.

BIBLIOGRAFIA

Bhayat S, Shetty S. Less-invasive surfactant administration (LISA). Paediatr Child Health 2020;30:144-148

Direcção Geral da Saúde. Administração de surfactante pulmonar na síndrome de dificuldade respiratória do recém-nascido. Lisboa: Departamento da Qualidade na Saúde/DGS, 2012. (www.dgs.pt/acesso em Outubro, 2019)

Ekhaguere O, Patel S, Kirpalani H. Nasal intermittent mandatory ventilation versus nasal continuous positive airway pressure before and after invasive ventilatory support. Clin Perinatol 2019;46:517-536

Garcia JJ, Cruz O, Mintegi S, Moreno JM (eds). M Cruz Manual de Pediatria. Madrid: Ergon, 2020

Greenough A, Milner AD (eds). Neonatal Respiratory Disorders. London: Arnold, 2006

Hallman M. Lung surfactant, respiratory failure, and genes. NEJM 2004;350:1278-1280

Heiring C, Verder H, Schousboe P, et al. Predicting respiratory distress syndrome at birth using a fast test based on spectroscopy of gastric aspirates: 2. Clinical part. Acta Paediatrica 2020;109:285-290. DOI:10.1111/apa.14831

Kinsella JP, Greenough A, Abman SH. Bronchopulmonary dysplasia. Lancet 2006;367:1421-1430

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

Leone TA, Finer NN, Rich W. Delivery room respiratory management of the term and preterm infant. Clin Perinatol 2012;39:431-440

MacDonald MG, Seshia MMK (eds). Avery’s Neonatology: Pathophysiology and Management of the Newborn. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 2015

Martin RJ, Fanaroff AA, Walsh MC (eds). Neonatal-Perinatal Medicine. St Louis: Elsevier Mosby, 2011

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Nanda D, Nangia S, Thukral A, et al. A new clinical respiratory distress score for surfactant therapy in preterm infants with respiratory distress. Eur J Pediatr 2020;179:603-610

Pillow JJ, Which CPAP system is best for the preterm infants with RDS. Clin Perinatol 2012;39:83-496

Poets CF. Noninvasive monitoring and assessment of oxygenation in infants Clin Perinatol 2019;46:417-434

Polin RA, Abman SH, Rowitch DH, Benitz WE, Fox WW (eds). Fetal and Neonatal Physiology. Philadelphia: Elsevier, 2017

Polin RA, Yoder MC. Work Book in Practical Neonatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Schousboe P, Verder H, Jessen TE, et al. Predicting respiratory distress syndrome at birth using fast test based on spectroscopy of gastric aspirates. 1. Biochemical part. Acta Paediatrica 2020;109:280-284. DOI:10.1111/apa.14896

Soll RF, Barkhuff WE. Noninvasive ventilation in the age of surfactant administration. Clin Perinatol 2019; 46:493-517

Sweet DG, Carnielli V, Greisen G, et al. European Consensus Guidelines on the Management of Respiratory Distress Syndrome – 2016 Update. Neonatology 2017;111:107-125

Tarnow-Mordi W, Kirby A. Current recommendations and practice of oxygen therapy in preterm infants. Clin Perinatol 2019;46:621-631

Travers CP, Carlo WA. New methods for noninvasive oxygen administration. Clin Perinatol 2019;46:449-458

Warren JB, Anderson JDM. Newborn respiratory disorders. Pediatr Rev 2010;31:487-496

PROBLEMAS RESPIRATÓRIOS DO RECÉM-NASCIDO. GENERALIDADES

Definições e importância do problema

Define-se problema respiratório no RN (ou, no sentido genérico, síndroma de dificuldade respiratória/ SDR) como a verificação de dois ou mais dos seguintes sinais:

  • Frequência respiratória >60/minuto;
  • Cianose respirando ar;
  • Adejo nasal;
  • Retracções costais ou xifoideia;
  • Gemido expiratório. (Figura 1)

Outro critério para definir síndroma de dificuldade respiratória baseia-se na valorização do chamado índice de Silverman-Andersen. (Quadro 1)

Não havendo dificuldade respiratória, o índice de Silverman-Andersen será 0 (zero), isto é, 0/10. Numa perspectiva de avaliação prática inicial, convencionou-se considerar a existência de dificuldade respiratória nas situações em que o referido índice é igual ou superior a 4 na primeira hora de vida, e igual ou superior a 3 a partir da segunda hora de vida.

FIGURA 1. RN com dificuldade respiratória, sendo notórias a retracção xifoideia e a cianose.

QUADRO 1 – Índice de Silverman–Andersen.

resp = respiração; abd = adominal
PontuaçãoExpansão torácicaRetracção
intercostal
Retracção
xifoideia
Adejo nasalGemido
expiratório
0Boa, síncrona com expansão abdominal0000
1Amplitude irregular sem sincronismo com resp. abd.Ligeira ou ausenteLigeiraLigeiroAudível com estetoscópio
2Expansão torácica com retracção abd.AcentuadaAcentuadaAcentuadaAudível sem estetoscópio


Na literatura científica é clássico considerar o termo de síndroma de dificuldade respiratória como sinónimo de “síndroma de dificuldade respiratória típico da prematuridade ou doença da membrana hialina” (imaturidade pulmonar por défice de surfactante).

Notas importantes: 1- A presença de estridor pode sugerir colapso da via aérea superior por laringo ou traqueomalácia; e, se for acentuado, obstrução mecânica alta. 2 – A auscultação de sibilâncias ou de expiração prolongada pode estar relacionada com estenose traqueobrônquica.

Genericamene, aplica-se a designação de insuficiência respiratória às situações de dificuldade respiratória em que são valorizados critérios biológicos, tais como determinação de pH e gases no sangue. Salienta-se, no entanto, como excepção a este conceito, a verificação de apneia prolongada: este critério clínico, isoladamente, legitima a definição de insuficiência respiratória. Adiante, a propósito dos critérios para ventilação na UCIN, será dada ênfase a este conceito fisiopatológico.

Os problemas respiratórios manifestam-se em cerca de 3 a 5% dos RN de acordo com estatísticas englobando nados-vivos seguidos em maternidade. Considerando a globalidade dos RN pré-termo, tais problemas surgem em cerca de 1/3 dos mesmos.

Este tipo de patologia constitui uma causa importante de morbilidade e de mortalidade neonatais, nomeadamente no RN pré-termo. Tal pode ser explicado pelas seguintes circunstâncias:

  • Complexidade dos mecanismos de adaptação pulmonar à vida extrauterina;
  • Defeitos do desenvolvimento pulmonar condicionando anomalias congénitas;
  • Imaturidade anatómica e funcional do sistema respiratório no RN pré-termo;
  • Susceptibilidade do RN às infecções.

Particularidades da fisiologia da respiração no RN

Resistência pulmonar ao fluxo de gases

As particularidades anatomofisiológicas mais importantes com influência no fluxo de ar são descritas na caixa a seguir.

    • O  pequeno calibre das vias aéreas do RN explica os valores elevados da resistência pulmonar ao fluxo do ar (no RN= 25 a 30 cm H2O/L/seg.; no adulto = 1,9 a 2 cm H2O/Litro/segundo).
    • A traqueia do recém-nascido mede 5-6 mm de diâmetro (10 mm aos 3 anos e 15-18 mm na idade adulta) e 40 mm de comprimento (contra 11  a 13 cm no adulto).
    • A língua grande do RN impede ou dificulta a respiração pela boca, o que condiciona um tipo de respiração predominantemente por via nasal.
    • O diafragma desempenha papel importantíssimo (em termos quantitativos, cerca de 80%) na mecânica ventilatória relativamente aos outros músculos torácicos. Poderão, portanto, deduzir-se as enormes repercussões que decorrem das paralisias diafragmáticas de origem obstétrica, por exemplo.
    • O tórax é muito flexível, (tem maior distensibilidade) isto é, a grelha costal é exageradamente “mole”, o que explica a propensão para se verificarem sinais de retracção com maior acuidade no RN pré-termo (maior compliance torácica).
    • O reflexo da tosse não está perfeitamente desenvolvido, o que explica a facilidade de se verificarem sindromas de aspiração alimentar em caso de regurgitação.
    • Ao movimento do ar opõem-se a resistência ao fluxo e as propriedades elásticas.   
    • Resistência ao fluxo=1/r4, isto é, a resistência ao fluxo é inversamente proporcional à 4ª potência do raio das vias aéreas.
    • A Resistência pode traduzir-se pela ratio:  variação da pressão/variação do débito ou fluxo (processo dinâmico).
    • Para que se verifique deslocação de ar dum local para outro, é necessário que exista um gradiente de pressões.

Compliance pulmonar

Esta designação (com terminologia de língua inglesa rotineiramente utilizada na gíria médica) define a característica de distensibilidade (complacência) alveolar, traduzida pela relação entre variação de Volume (V)/variação de Pressão (P), em mL/cm H2O; ou seja, o fenómeno da possibilidade de o alvéolo se distender, aumentando o seu volume (V) como resposta a um determinado aumento de pressão (P), durante a inspiração.

No recém-nascido a compliance é cerca de 2 mL/cm H2O aos 3 minutos de vida, 4 aos 60 minutos de vida e 5-14 pela idade de 7 dias, enquanto no adulto é da ordem dos 170 mL/cm H2O. (Figura 2)

Não será, portanto, difícil compreender a necessidade de um esforço muscular bastante superior para encher de ar os alvéolos no período neonatal pela menor compliance ou distensibilidade pulmonar, então verificada.

A força oposta (o inverso da) à distensibilidade é a resistência elástica do tórax ou elastância; tal resistência – elástica no RN – resulta quase exclusivamente da tensão superficial (TS) ou forças de tensão ao nível da superfície de contacto ar-líquido nos alvéolos (sendo que no adulto a comparticipação de tais forças é apenas 50%).

FIGURA 2. Curva volume/ pressão no recém-nascido (inspiração e expiração).

A TS depende da ausência ou presença de surfactante: mais surfactante à menor TS à maior aumento do volume alveolar. A pressão intra-alveolar (P) necessária para se opor à tendência de os alvéolos colapsarem é dada pela fórmula de La Place,

P = 2 x TS 
            R

em que R = raio do alvéolo; quanto maior o R (alvéolo mais expandido), menor pressão (P) necesária para o “abrir ou o expandir” mais. (ver adiante surfactante)

Volumes pulmonares no período neonatal

Na Figura 3 podemos comparar, de modo estático, os volumes pulmonares num RN normal e num RN em que a função respiratória está alterada.

Para compreender a fisiopatologia e a resposta a eventuais intervenções terapêuticas, incluindo a ventilação artificial não invasiva, importa igualmente recordar aspectos básicos (dinâmicos) da mecânica pulmonar, tendo como modelo a Figura 3-A (Fases do ciclo respiratório).

A frequência respiratória corresponde ao número de excursões respiratórias/ciclos respiratórios por minuto. Durante uma inspiração normal, o sistema respiratório gera pressão negativa intratorácica com consquente entrada de ar nos pulmões (volume corrente).

Reportando-nos ao esquema da Figura 3-A, importa referir que, numa inspiração provocada artificialmente por insuflação de ventilador artificial, é gerada uma pressão positiva inspiratória (PIP), também designada por pressão inspiratória máxima de “pico”. Tempo inspiratório ou Ti corresponde à curva ascendente de convexidade superior prolongando-se com o plateau.

O volume de ar introduzido nos pulmões (durante certo tempo, o tempo inspiratório/TI – traduzido por curva ascendente) é mantido na via aérea durante certa pausa para a difusão de gases nos alvéolos (para simplificar, a duração do plateau/horizontalidade da linha após concluída a inspiração, não foi especificada no esquema).

A esta pressão obtida na via aérea durante esta pausa, chama-se pressão plateau, a qual depende da PIP e da distensibilidade pulmonar (compliance).

FIGURA 3. Volumes pulmonares num RN normal e num RN com SDR.

Figura 3-A Fases do ciclo respiratório

Durante a expiração normal, o pulmão é esvaziado de forma passiva em função da retracção elástica pulmonar (Tempo expiratório/Te <> curva descendente de concavidade superior que não toca na linha de base, mantendo-se ligeiramente distanciada e superior a esta por se gerar uma pressão final positiva expiratória (PEEP), superior à que corresponde à linha basal.

Efectivamente, em situação fisiológica, de normalidade, no final da expiração (quer da expiração normal, quer da expiração forçada – ver atrás CRF e VR – ), os alvéolos não se colapsam, ficando medianamente distendidos, precisamente por se gerar, no final, a referida PEEP fisiológica, garantindo a normalidade das trocas gasosas e evitando, pois, a atelectasia.

Existe tecnologia permitindo gerar, aumentar e regular de modo controlado a PEEP artificialmente: amplificando a designada PEEP fisiológica, a partir do volume residual, pode contribuir-se, de modo minimamente invasivo, para a melhoria das trocas gasosas.

Trocas gasosas ao nível dos pulmões

Relação ventilação-perfusão

Em condições óptimas de trocas gasosas ao nível da membrana alvéolo-capilar, a relação entre a ventilação alveolar (VA) e o débito sanguíneo capilar (Q) deve ser igual a 1.

Na Figura 4 podemos esquematicamente examinar as situações em que tal relação está alterada.

  • Hipoventilação alveolar
    Está esquematizada na hipótese C: VA/Q <1: é o que acontece nas situações de obstrução brônquica ou de depressão respiratória impedindo que o ar alveolar seja suficientemente renovado, estando intacta a pefusão sanguínea capilar. Há, consequentemente, ao mesmo tempo, diminuição da PO2 e elevação da PCO2.

FIGURA 4. Anomalias da relação ventilação-perfusão em A, B, C e D. Alvéolo normalmente irrigado e ventilado em E.

  • Shunts
    Nestas circunstâncias, verifica-se uma mistura de sangue venoso com sangue arterial, o que traz como consequência uma diminuição da PaO2.
    Na hipótese A: o sangue perfunde alvéolos não ventilados (v. g. atelectasias, membranas hialinas). O sangue não oxigenado vai eventualmente misturar-se, a jusante, com o sangue oxigenado, proveniente de capilares vizinhos eferentes de alvéolos onde se processou a oxigenação (shunt capilar).
    Na hipótese B: neste caso, não se verifica passagem de sangue através dos capilares pulmonares, por exemplo, em caso de foramen ovale ou de canal arterial (shunt anatómico).
    Os shunts anatómicos capilares são característicos da circulação de tipo fetal, embora possam ser restabelecidos em certas circunstâncias de vida extrauterina, mesmo que não exista malformação cardiovascular; é o que se passa em situações de acidose e hipoxémia.
    O diagnóstico destes shunts baseia-se na prova da “hiperóxia” e que consiste na administração de O2 a 100% durante 20 minutos e concomitante medição de PaO2. A situação será tanto mais grave quanto maior a percentagem de O2 no ar inspirado para obter PaO2 normal.*

*Citada por razões históricas dado o desenvolvimento de novas tecnologias para atingir o mesmo objectivo.

A Figura 5 mostra a relação entre a pressão alveolar de O2 (PAO2) e a pressão arterial de O2 (PaO2) em função do grau de mistura de sangue arterial (mais oxigenado) com sangue venoso (menos oxigenado) em situações de curto-circuito (shunt) direito-esquerdo; ou seja, para idêntica pressão alveolar de O2, a pressão arterial de O2 é tanto maior quanto menor a percentagem de mistura de sangue não oxigenado (por ex. com pressão alveolar de O2 de 200 mHg obtém o PaO2 de 200 mmHg se não houver mistura (0%); se houver mistura de 20% de sangue não oxigenado com a mesma pressão de O2 obtém-se Pa de 100 mmHg (menor).

  • Espaço morto
    Corresponde à hipótese assinalada em D: VA/Q >1; os alvéolos são normalmente ventilados, mas não são irrigados. Existe aumento da PCO2 sem diminuição da PO2.
Afinidade da hemoglobina para o oxigénio

A existência de hemoglobina fetal F no RN modifica a afinidade desta para o O2.

Como se pode depreender da Figura 6, a curva de dissociação da hemoglobina desloca-se para a esquerda, dada a afinidade aumentada da hemoglobina para o oxigénio em tais circunstâncias; tal afinidade resulta dum défice de 2,3-diphosphoglicerato (2,3-DPG), défice tanto maior quanto menor for a idade gestacional.

Verifica-se, pelo contrário, deslocação para a direita quando diminui o pH, aumenta a PCO2, ou aumenta a temperatura.

Como resultado duma muito maior captação de O2 pela HbF a quantidade de O2 a distribuir pelos tecidos é muito menor, o que implica (para que se verifique uma oxigenação tecidual eficiente), uma taxa de Hb circulante no RN superior à doutro grupo etário.

FIGURA 5. Evolução da PaO2 em função. 1) da PAO2 (pressão de O2 no ar alveolar); 2) da importância da mistura sangue venoso – sangue arterial (Shunt dto – esq.).

FIGURA 6. Curva de dissociação de HbO2.

Noções complementares em síntese

    • A relação ventilação/perfusão (V/Q) deve ser idealmente = 1. Os shunts veno-arteriais intrapulmonares e a hipoventilação alveolar resultam em alteração dessa relação, sendo a principal causa de alteração das trocas gasosas no recém-nascido com síndroma de dificuldade respiratória (SDR).
    • O dióxido de carbono (CO2) difunde-se rapidamente do sangue para o alvéolo e a sua eliminação depende da ventilação alveolar por minuto, a qual é determinada pelo produto do volume corrente menos o espaço morto e a frequência.
    • Ventilação alveolar por minuto = (volume corrente – espaço morto) x frequência.
    • O volume corrente é o volume de gás inalado (ou exalado) em cada respiração (ou em cada ciclo respiratório do ventilador); o espaço morto corresponde à parcela do volume corrente que não participa nas trocas gasosas (volume contido nas vias aéreas); frequência é o número de ciclos respiratórios por minuto.
    • O aumento, tanto do volume corrente como da frequência, leva a um aumento da ventilação alveolar e, consequentemente, a uma redução da pressão arterial de dióxido de carbono (Pa CO2). No entanto, como o espaço morto se mantém constante, as alterações no volume corrente são mais eficazes na eliminação de dióxido de carbono do que as alterações na frequência.
    • A hipoxémia resulta habitualmente de uma perturbação da relação ventilação/perfusão ou de shunts direita-esquerda. No recém-nascido com SDR, a principal causa de hipoxémia é a deficiente ventilação dos alvéolos relativamente à sua perfusão. Os shunts podem ser intracardíacos (cardiopatias congénitas cianosantes) ou extracardíacos (pulmonares ou via canal arterial patente).

Etiopatogénese e classificação

Para além dum sistema repiratório intacto, para o início e manutenção da respiração normal, torna-se essencial a contribuição dum certo número de condições básicas descritas no capítulo sobre adaptação fetal à vida extrauterina.

Assim, tendo em conta os fenómenos da adaptação cardiorrespiratória fetal à vida extrauterina, e examinados os factores com influência no início e manutenção da função respiratória, será mais fácil compreender a classificação das SDR com base na etiopatogénese (Quadro 2); nesta perspectiva, são consideradas duas grandes causas: as de localização no sistema respiratório, e as de localização extra-sistema respiratório.

Como em toda e qualquer situação clínica, para o diagnóstico diferencial dos quadros clínicos de SDR, torna-se fundamental a realização de história clínica e de exames complementares em função dos dados colhidos e observados. Em termos de anamnese, por exemplo: a verificação de prematuridade aponta para SDR do tipo I; a verificação de líquido amniótico meconial aponta para síndroma de inalação amniótico-meconial; antecedentes de amnionite, ruptura prolongada de membranas e/ou de febre intraparto sugerem pneumonia, integrada ou não num quadro de infecção sistémica, etc..

QUADRO 2 – Classificação das síndromas de dificuldade respiratória (SDR) no RN.

Causa no sistema respiratório

1 – SDR tipo I (doença da membrana hialina)
2 – SDR tipo II (taquipneia transitória ou “pulmão  húmido”)
3 – SDR por inalação amniótico-meconial
4 – SDR dita secundária (pneumonia fetal e/ou neonatal, síndromas associadas a “ar ectópico” (pneumotórax, pneumomediastino, etc.), hemorragia pulmonar, displasia broncopulmonar, síndromas associadas a anomalias congénitas (hérnia diafragmática de Bochdalek, agenésia pulmonar, hipoplasia pulmonar, etc.)

Causa extra-sistema respiratório

1  – SDR por anomalias cardiovasculares
2  – SDR de causa metabólica (acidose, alcalose, hipoglicémia, etc.)
3  – SDR de causa neuromuscular (hemorragia do SNC, efeito de fármacos, anomalias congénitas do SNC – por ex. defeito de Arnold-Chiari, paralisia do frénico associada a paralisia do plexo braquial, etc.)
4  – SDR de causa hematológica (anemia grave de etiologia diversa, síndromas associadas a policitémia/hiperviscosidade, etc.)
5  – SDR de causa funcional (choque hipovolémico de etiologia diversa, infecção sistémica, etc. ).

Actuação inicial

Para além de um conjunto de procedimentos prioritários, importa um exame físico rigoroso e exames complementares fundamentados:

  • O RN deverá ser colocado em incubadora, em condições de assépsia e de termoneutralidade;
  • Deverá promover-se a monitorização das frequência cardíaca e respiratória, da oxigenação, da pressão arterial e da temperatura;
  • Deverá garantir-se o equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base;
  • Deverá prevenir-se e detectar-se eventual infecção.

Estes objectivos conseguem-se através de vigilância ou monitorização clínica, biofísica, bioquímica e imagiológica em unidade de cuidados especiais ou em unidade de cuidados intensivos.

No âmbito dos exames complementares de imagem assumem particular importância, em primeiro lugar a radiografia do tórax e, em certos casos, a ecografia torácica.

O Quadro 3 proporciona dados imagiológicos torácicos importantes para a orientação diagnóstica.

QUADRO 3 – Tórax e sinais radiológicos.

Imagem observadaOrientação diagnóstica

Pulmão Denso

Granitado difuso com ou sem broncograma “Miliar” de nódulos grosseiros assimétrica
Opacidade difusa

 

Doença da membrana hialina
Inalação – Infecção
Pneumonia – Hemorragia pulmonar

Pulmão Húmido

Diminuição homogénea da transparência
Linha cisural
Opacidades perivasculares

 

Perturbações da reabsorção do líquido alveolar/edema pulmonar

Pulmão Arejado

Hipertransparência acentuada dum campo pulmonar
Hipertransparências difusas, lineares, paralelas aos brônquios

 

 

Pneumotórax; Malformações
Enfisema lobar
Enfisema intersticial

Diafragma

Cúpula abaixada
Cúpula elevada

 

Enfisema; Pneumotórax
Paralisia do nervo frénico; Atelectasia

Mediastino

Hipertransparência em torno da silhueta cardíaca




Desvio mediastínico

 

 

Pneumomediastino
Hérnia diafragmática
Eventração diafragmática
Agenesia pulmonar
Hipoplasia pulmonar
Atelectasia
Enfisema lobar congénito
Malformação quística
Tumor
Hidrotórax
Pneumotórax

A ecografia torácica é de grande utilidade em situações compatíveis clinicamente com derrame pleural ou pericárdico, para avaliação da dinâmica do diafragma havendo suspeita de paralisias, e ainda, para avaliação do grau de recrutamento alveolar (de arejamento ou colapso).

Na perspectiva de detecção de insuficiência respiratória e de eventual repercussão multiorgânica – que poderão determinar a transferência do RN para UCIN – estão indicados determinados procedimentos:

  • Oximetria de pulso para determinação da saturação em O2 (SpO2)
    Na oximetria de pulso utiliza-se um foto-sensor cutâneo (oxímetro de pulso, de preferência com dois aparelhos: na mão direita e noutra extremidade) para determinar de modo contínuo a percentagem de saturação de Hb em oxigénio (SpO2) disponível para transporte do mesmo. Idealmente, a SpO2 no RN de termo deve ser ≥95% nas primeiras 7-12 horas pós-parto).
    A SpO2 (que nos dá na prática clínica diária a monitorização cutânea contínua da oxigenação) é afectada pela curva de dissociação da oxi-hemoglobina. (ver atrás, Figura 6)
    O método tem limitações, citando-se alguns exemplos: saturações de 88-93% correspondem a PaO2 entre 50 e 80 mmHg. Valores extremos, elevados ou baixos, têm fraca correlação com a PaO2 (exemplo: saturação de 98 ou 99% pode corresponder a PaO2 variando entre 95 e >200 mmHg).
    Como vantagens citam-se: fácil de utilizar; não requer calibração manual; os valores determinados são pouco influenciados pela temperatura e perfusão da pele (ao contrário do que acontece com o monitor de pressão transcutânea de O2).
    Com os referidos monitores (oxímetros) é possível proceder, também, à monitorização das frequências cardíaca, respiratória e da pressão arterial.
  • Determinação inicial do pH e gases no sangue
    • PaO2
      Com a determinação da pressão arterial de O2 há possibilidade de regular a concentração de oxigénio necessária para manter os valores fisiológicos de 70-80 mmHg.
      De notar que um valor inferior pode ser responsável por hipóxia celular com consequente acidose metabólica, e um valor exageradamente elevado pode ser tóxico para os vasos retinianos com possibilidade de sequelas no RN pré-termo, nomeadamente retinopatia, podendo originar cegueira.
    • PCO2
      A determinação da pressão de CO2 permite apreciar o valor da ventilação alveolar. Os valores normais oscilam entre 35 e 45 mmHg.
      Um aumento da pressão de CO2 (hipercápnia) pode ser sinal de obstrução, atelectasia, perturbação do mecanismo central da respiração, ou de patologia neuromuscular.
      Uma hipocápnia, pelo contrário, pode constituir a tradução do fenómeno de compensação respiratória duma acidose metabólica e, também, eventualmente de perturbações do mecanismo central da respiração
    • pH
      O valor normal deste parâmetro está compreendido entre 7,35 e 7,40. De notar também que uma acidose grave pode ter consequências deletérias: vasoconstrição dos capilares pulmonares e sequelas ao nível do S.N.C.
      No RN pré-termo é actualmente considerada lícita a estratégia de hipercapnia permissiva: tolerar PCO2 mais elevadas (45-55 mmHg), tentando reduzir o tempo de suporte ventilatório ao RN. Neste contexto, valores de pH ≥7,22 nos primeiros cinco dias de vida do RN pré-termo com SDR, e de ≥7,20 nos dias seguintes, são amplamente aceites de acordo com as normas europeias de abordagem do SDR.
    • BE (“Excesso de base”)
      Este parâmetro permite calcular a quantidade de iões básicos necessária para neutralizar uma perturbação de origem metabólica no espaço extracelular (no RN = ± 0,5 peso do corpo em kg). Num estado normal de equilíbrio, o BE = 0. Portanto, uma acidose metabólica corresponde a um BE negativo cujo valor se correlaciona com o número de mEq de bicarbonato necessário para a correção da acidose.
  • Capnografia não invasiva
    Método não disponível em todas as unidades neonatais, poderá ser útil na detecção de apneia, quer de tipo central, quer obstrutiva.
  • Outros exames e índices de avaliação
    • Salientando-se que nas situações de patologia respiratória poderá verificar-se compromisso multiorgânico, cabe referir que após concretização de procedimentos prioritários, e uma vez verificada a estabilização clínica hemodinâmica, poderão estar indicados determinados exames complementares tais como hemograma com plaquetas, hematócrito, grupo sanguíneo, PCR, glicémia, ionograma, estudo da coagulação, exames microbiológicos, hemocultura, exame sumário da urina, urocultura, etc..
    • Na valorização do grau de insuficiência respiratória são classicamente usados os seguintes índices:
      1. não invasivos: SpO2/FiO2;
      2. invasivos:
        • PaO2/FiO2;
        • índice de oxigenação (PMA x FiO2/PaO2); e
        • diferença alvéolo-arterial de oxigénio (A-a DO2= PAO2-PaO2).
[PMA: pressão média na via aérea; PaO2: pressão parcial arterial de O2 pós-ductal; A-a DO2: diferença alvéolo-arterial de oxigénio; PAO2: pressão alveolar de O2]. Estes índices serão igualmente abordados adiante, no capítulo sobre “ventilação mecânica”.

Cuidados básicos ao RN com problemas respiratórios

Em obediência aos princípios da actuação atrás sintetizados, os cuidados básicos ao RN com SDR (em unidades de cuidados intermédios ou em UCIN) deverão contemplar determinados critérios, abordados nesta alínea.

Balanço hidroelectrolítico

Torna-se fundamental proceder aos registos do peso diário assim como do suprimento de fluidos e electrólitos, do débito urinário (pós-algaliação ou colocação de saco colector), das perdas pelas fezes e das perdas insensíveis. Com efeito, a manutenção do balanço hidroelectrolítico dentro da normalidade é condição indispensável para garantir ventilação-perfusão normais e trocas gasosas eficazes.

Humidade e temperatura ambientais

O ambiente termo-neutro (a garantia do consumo mínimo de oxigénio) implica humidade relativa ~ou >50%. Por outro lado, uma humidificação dentro dos limites recomendados contribui para diminuir a perda de líquidos através da pele e, consequentemente, a perda de calor corporal. Situações que implicam entubação traqueal necessitam de humidade relativa >60%.

Nos RN de peso <1.000 gramas poderá haver necessidade de humidade relativa ~80-90% e manutenção de temperatura cutânea abdominal de 36,9ºC (nestes casos, com sensor aplicado na pele do abdómen, ligado a sistema automático de aquecimento servocontrolado).

Nos RN de peso entre 1.000-1.499 gramas, com tal sistema automático, deverá providenciar-se temperatura cutânea abdominal de 36,7ºC; se 1.500-1.999 gramas: 36,5ºC.

Recorda-se que a hipotermia (temperatura axilar <36,5ºC: ligeira- 36-36,4ºC; moderada- 32-35,9ºC; grave- <32ºC), originando vasoconstrição pulmonar, poderá levar a situação de hipoperfusão e hipertensão pulmonares, agravando o quadro respiratório. O Quadro 2 do capítulo sobre “prematuridade” especifica a temperatura ambiente recomendável para RN de diversos subgrupos de peso. Exceptua-se a situação de hipotermia induzida como estratégia neuroprotectora nos casos de encefalopatia hipóxico-isquémica, com indicação para a mesma.

Cuidados da pele

A integridade da pele é importante para manutenção do balanço hídrico e da temperatura corporal; por outro lado, a perda da integridade da mesma comporta igualmente risco de infecções sistémicas. Na prática clínica deverá evitar-se sempre que possível o uso de adesivos e outras práticas que contribuam para a lesão da pele, chamando-se a atenção para a necessidade de protecção daquela sobre proeminências ósseas, sobretudo no RN de prematuridade extrema (<1.000 gramas).

Posição do RN

A colocação de doentes com dificuldade respiratória em posição correcta é muito importante para garantir a melhoria da função respiratória e a eficácia dos restantes cuidados. A este propósito cabe salientar o seguinte:

  • Estando o RN submetido a ventilação mecânica, mudanças de posição do corpo, não planeadas ou mal efectuadas, podem alterar a posição do TET (ver adiante);
  • A posição em decúbito dorsal prolongada, leva a atelectasias segmentares posteriores;
  • A colocação do RN em posição de decúbito lateral durante ventilação mecânica pode ajudar no que diz respeito a melhoria de áreas de atelectasia ou de enfisema intersticial;
  • A posição em decúbito ventral tem sido referida como bastante vantajosa por melhorar a ventilação, permitindo a total expansão pulmonar e facilitando a drenagem de secreções (RN monitorizado).

Nota importante: esta posição está proscrita em RN saudáveis em berço convencional, para dormir.

Manutenção da permeabilidade das vias aéreas

Determinadas medidas com o objectivo de manter a permeabilidade das vias aéreas (facilitando a oxigenação do sangue e permitindo a remoção do CO2) incluem:

  • Aspiração suave de secreções, drenagem postural, vibração torácica e percussão suave, sobretudo em situações de atelectasia ou de pneumonia;
  • A aspiração das vias aéreas, realizada por pessoal de enfermagem especializado, deverá ser reduzida ao mínimo, nomeadamente no RN pré-termo extremo; com efeito, aspirações excessivas, sem indicação clínica para tal, poderão conduzir a lesões traumáticas e, por vezes, a efeitos secundários graves como por ex. pneumotórax.

Após a descrição dos cuidados básicos, importa descrever de modo sucinto os cuidados especiais que, fundamentalmente, correspondem à assistência respiratória.

Assistência respiratória ao RN

Independentemente da etiologia e gravidade do problema respiratório neonatal, no conceito lato de assistência respiratória (ou suporte respiratório) incluem-se:

Métodos não invasivos

  • A administração de suplemento de oxigénio (oxigenoterapia), em proporções variadas utilizando diversas técnicas e procedimentos adiante descritos, em função dos parâmetros clínicos e biológicos de cada caso;
  • Suporte respiratório com pressão positiva/CPAP nasal.

Métodos invasivos

  • Ventilação mecânica invasiva convencional implicando entubação traqueal e ventiladores sofisticados e incluindo a administração de gases inalados (tais como mistura oxigénio-hélio/heliox ou óxido nítrico/iNO);
  • Ventilação de alta frequência oscilatória (VAFO);
  • ECMO (oxigenação por membrana extracorporal).

De salientar que, com os progressos da ciência e tecnologia, a tendência actual é a utilização de métodos e estratégias cada vez menos invasivos.

A assistência respiratória ao RN deve ser progressiva e, idealmente, o menos invasiva possível, com base na etiologia do processo. Os processos em que predomina a diminuição da distensibilidade/compliance pulmonar, aumento do trabalho respiratório e perda do volume residual funcional beneficiarão se for incrementada a pressão na via aérea. Nos casos em que predomina o aumento da resistência da via aérea, haverá benefício se se aumentar o fluxo do gás.

 

Neste capítulo faz-se referência à assistência respiratória por métodos não invasivos.

Modalidades de oxigenoterapia

A oxigenoterapia pode ser aplicada, quer nas situações em que se verifica respiração espontânea, quer em RN submetidos a ventilação artificial, segundo várias modalidades.

Nos casos de RN respirando espontaneamente, com SDR ligeira, evidenciando adequada ventilação-minuto, e sinais de hipoxémia ligeira (SpO2 <89%) poderá haver necessidade de providenciar apenas suplemento de O2 [variando a FiO2, e pressupondo que o dispositivo/fonte de O2 possua um misturador para regular a referida FiO2], no sentido de obter valores da SpO2 entre 90 e 95%.

Importa realçar contudo que a assistência respiratória poderá ser levada a cabo com ar ambiente, o qual contém proporção de 21% de O2 (por ex., já na sala de partos no contexto de reanimação neonatal).

Portanto, o suplemento de oxigénio deve ser aquecido à temperatura do RN, e humidificado, podendo ser administrado segundo diversas modalidades.

Cânulas nasais com baixo fluxo de gás

Trata-se do método clássico de administração de oxigénio consistindo na aplicação de cânula nasal dupla/pronga (ou em alternativa, sonda única empregando sonda vulgar de calibre 8 FG introduzida numa das narinas até cerca de 3 cm).

Com esta modalidade deve utilizar-se um debitómetro de precisão permitindo débitos <1 L/minuto (por ex. 0,25 – 0,50 – 0,75 L/min, etc.). Determinando a concentração de oxigénio na hipofaringe (FhO2) com este método, é possível estabelecer a seguinte relação, respectivamente entre débito e FhO2:

0,25 L/min<>30%; 0,50 L/min<>45%; 0,75 L/min<>60%; 1 L/min<>65%

Nota importante: no RN pré-termo (<28 semanas) em que a camada da pele é extremamente delgada, pode verificar-se absorção transcutânea de oxigénio se o mesmo RN não estiver vestido (e se eventualmente o ambiente da incubadora proporcionar elevada concentração de FiO2); assim, poderá verificar-se incremento de PaO2 ~9 mmHg (~1,2 kPa) se a FiO2 do habitáculo for ~95%.

Cânulas nasais com alto fluxo de gás

Actualmente, nos pacientes com respiração espontânea, verifica-se a tendência de utilização de uma modalidade de cânulas nasais para inalação de alto fluxo.

Trata-se dum método de assistência respiratória não invasiva permitindo administrar gás aquecido (34-37ºC) e humidificado (95-100%) a um fluxo constante; este fluxo constante é mais elevado que o fluxo inspiratório do paciente e do que o utilizado em cânulas nasais convencionais atrás citadas. O O2 com percentagem de ar misturado e regulável é o gás mais utilizado.

Tendo como referência os fluxos atrás descritos para as cânulas nasais convencionais, cabe salientar que a definição de alto fluxo ainda não é consensual; na prática corrente, considera-se aceitável considerar alto fluxo: – no RN pré-termo ou de termo à 1 L/min; – em lactentes à 2 L/min; – em crianças maiores à 6 L/min; – em adultos à até 60 L/min. Constitui prática corrente iniciar o procedimento com o fluxo ~2 L/kg/min. (Figuras 7 e 8)

O sistema de inalação de alto fluxo (ou alto débito) tem diversas vantagens, destacando-se as seguintes:

  • O efeito de “lavagem” do espaço morto da nasofaringe; – o preenchimento de todo o espaço aéreo da nasofaringe com gás “limpo”, removendo o ar expirado ao ponto de o paciente inspirar novo gás oxigenado no ciclo seguinte;
  • Eliminação de CO2 promovendo maior rendimento da oxigenação;
  • Promoção do recrutamento alveolar gerando-se uma pressão de distensão alveolar contínua;
  • Com a aplicação do sistema de alto fluxo contínuo poderá gerar-se, inavertidamente, pressão positiva contínua, isto é, efeito CPAP. (ver adiante)

Como indicações principais citam-se:

  • Na fase pós-extubação traqueal;
  • Pós-ventilação com CPAP;
  • Como tratamento de SDR em RN pré-termo com idades gestacionais ~32-34 semanas ponderando outros aspectos da situação clínica na globalidade.

Pressão positiva contínua na via aérea

Nos RN com respiração espontânea pode administrar-se suplemento de O2 em fluxo contínuo empregando:

  • dispositivo com a funcionalidade e tecnologia exclusivamente para CPAP;
     ou
  • ventilador convencional que, para além da modalidade PIP associada a fluxo contínuo possui simultaneamente funcionalidade para pressão de distensão contínua. 
  1. Ao conceito genérico de pressão positiva contínua/ pressão de distensão alveolar contínua, isto é, de maior expansão alveolar no fim da expiração (em comparação com os casos em condições fisiológicas naturais, de normalidade), dá-se o nome de CPAP (Continuous Positive Airway Pressure). Trata-se, pois, de aplicação de apoio respiratório, artificial, com fluxo contínuo do gás ao mesmo tempo que o paciente respira espontaneamente.
  2. Este conceito de maior expansão alveolar no fim da expiração, superior à verificada fisiologicamente no fim de cada expiração, sobrepõe-se ao de PEEP (Positive End Expiratory Pressure-pressão positiva), aplicável a pacientes que, não respirando espontaneamente, têm aplicado dispositivo/aparelho que promove simultaneamente pressão positiva intermitente (PIP ou PPI).
  3. À pressão de distensão contínua que se obtém quando é utilizda simultaneamente PIP (modalidade mista), dá-se o nome de PEEP. (por ex.,  diz-se: – o doente X, com respiração espontânea está em CPAP de 5 cm H2O; e – relativamente ao doente Y, ventilado simultaneamente com pressão positiva intermitente (por ex. PIP de 30 cm H2O) e com a mesma pressão de distensão contínua, diz-se: está com PIP de 30 cmH2O e PEEP de 5 cm H2O (e não, PIP de… e CPAP de…).

Na impossibilidade de dispor de ventilador com diversas funcionalidades ou de aparelhagem sofisticada exclusivamente para pressão positiva contínua (CPAP), pode utilizar-se um dispositivo simples em que a pressão positiva é gerada criando uma resistência ao fluxo gasoso.  

O esquema básico que integra a Figura 9  pretende elucidar sobre os componentes de tal dispositivo aplicado à via aérea do RN com respiração espontânea.

Importa então considerar determinados aspectos do funcionamento, excluindo pormenores técnicos sobre calibres das tubagens e pressões obtidas em função dos fluxos de gás.  As setas indicam o trajecto do gás (inalado ou exalado); um sistema valvular permite que o gás inalado e exalado circule repectivamente em tubagens diferentes. (ver caixa)

    1. Fonte de gás com misturador de O2+Ar com sistema de aquecimento e humidificação; fluxo contínuo e débito de 5-10 L/ minuto;
    2. Monitor de FiO2 (Oxímetro;)
    3. Ramo inspiratório da tubagem em conexão com a via aérea implicando sistema valvular intercalado (abertura da válvula na inspiração e encerramento na exalação), evitando fluxo retrógrado (portanto, sem interferência com a fase da expiração espontânea);
    4. Ligação do ramo inspiratório à via aérea (a montante), utilizando quer prongas nasais, quer máscara, quer tubo endotraqueal (TET); na figura 9 está representada a modalidade de máscara;
    5. Extremidade distal da tubagem veiculando o gás exalado (ramo expiratório, a jusante da via aérea), com três derivações:
      • uma derivação (A) termina em tubo que mergulha em copo ou frasco em plano inferior (em contacto com o ar ambiente); o comprimento do tubo mergulhado na água, entre a extremidade distal do mesmo e o nível da água, dá o valor em centímetros da pressão gerada que se deseja (positiva, de distensão contínua). Daí, a designação de ”pressão em cm de H2O”. Habitualmente usa-se pressão de 5 cm de H2O;
      • uma derivação (B) em ligação a monitor de pressão do gás  na tubagem;
      • uma derivação (C) em ligação a balão de tipo anestésico (ovóide) como reservatório do gás exalado; para o bem funcionamento do sistema tal balão deve estar insuflado;  
    6. No polo distal do balão de reserva existe um sistema regulador de saída do gás exalado segundo diversas modalidades; uma delas é precisamente (também) através de outro tubo mergulhado num recipiente com água, o qual produzirá “bolhas” com a saída do gás.  

FIGURA 7. Esquema de administração de oxigenoterapia com FiO2 variável (alto ou baixo débito/fluxo) por cânulas nasais (prongas). (A, B, C, D, E, F)
A) Misturador Ar+O2; B) Sistema de aquecimento/leitura digital da temperatura e humidificação do gás; C) Tubagem, acompanhada por fios exteriores ligados a sensores e com aplicação de duas cânulas nasais em V ou em T; D) Sensor de oxímetro de pulso aplicado no pulso direito (pré-ductal); E) Oxímetro de pulso com indicação digital de saturação em O2 /SpO2 ; F) Formato variável das prongas nasais (em V ou em T).

FIGURA 8. RN submetido a oxigenoterapia com aplicação de pronga nasal em dois T. É visível sonda gástrica de cor verde para evitar distensão gasosa referida adiante, a propósito do sistema CPAP.

FIGURA 9. ESQUEMA BÁSICO DO SISTEMA DE PRESSÂO POSITIVA CONTÍNUA NA VIA AÉREA
(1)- Misturador O2+ar, regulável; (2)- Sistema de aquecimento e humidificação do gás; (3)-Paciente respirando espontaneamente, com pronga nasal aplicada; esta deriva da tubagem – ramo inspiratório (A); no paciente, as setas nos dois sentidos representam inspiração/expiração; (B)- Ramo expiratório da tubagem, veiculando gás exalado pelo paciente, ligada a tubo mergulhado em (4)- Recipiente com água: a exalação provoca “bolhas” em número e intensidade proporcional ao valor do débito do gás inalado; (5)- Tubo derivando do ramo expiratório submerso noutro recipiente com água; o comprimento em cm da parte submersa corresponde ao valor da pressão positiva que é gerada no fim da expiração “em cm de H2O”.

FIGURA 10. Oxigenoterapia em campânula.

A Figura 9 representa em esquema os componentes básicos do sistema de CPAP referido (chamado sistema subaquático ou “de bolhas”), excluindo referência a sistemas valvulares e a calibres dos vários tubos).

A distensão gástrica pode ser um efeito secundário da CPAP nasal; contudo, esta técnica não contraindica a alimentação por via entérica. Para prevenir tal efeito deve aplicar-se sonda orogástrica nos RN submetidos a CPAP nasal.

Outras modalidades (clássicas)

Como alternativa às cânulas nasais e prongas nasais, alguns centros utilizam diversas modalidades de “máscaras” faciais obrigando ao cumprimento das regras quanto a débitos a utilizar em função das dimensões e das diversas marcas do mercado.

Por fim, e por razões históricas, importa citar modalidades menos utililizadas actualmente (não totalmente obsoletas), podendo servir como recurso (consultar anterior edição desta obra):

Campânula
Trata-se de campânula transparente de perspex /acrílico fechada, cúbica ou cilíndrica, com uma abertura semicircular correspondente ao pescoço do RN (ficando a cabeça dentro da mesma) e um orifício de comunicação com a fonte de oxigénio; a campânula pode ser usada quer em berço, quer dentro da própria incubadora.
Esta modalidade permitindo, através da grande abertura em torno do pescoço do RN, a saída do CO2 expirado pelo RN (evitando a acumulação do mesmo dentro da campânula) está indicada em situações necessitando de FiO2 > 25%.
Haverá, pois,  que monitorizar a FiO2 dentro da campânula com oxímetro colocado a meia distância entre o nariz e boca e a SpO2 com oxímetro de pulso (sensor aplicado, de preferência sobre o pulso direito /pré-ductal,  ou em alternativa sobre o  dedo grande do pé/pós-ductal ). Salienta-se que, de acordo com a situação clínica, poderá haver há indicação para avaliar os valores pré e pós-ductais implicando a aplicação de dois oxímetros (ver capítulo sobre “hipertensão pulmonar persistente”). Figura 10

Incubadora
Nos casos em que o RN necessite de FiO2 < 25% poderá administrar-se oxigénio conectando a fonte de O2 directamente ao interior do habitáculo da incubadora; nestas circunstâncias poderá compreender-se que a FiO2 monitorizada com oxímetro tal como se referiu para a campânula- pode diminuir sempre que se abre a “janela” da incubadora, o que constitui uma limitação pelas oscilações que provoca na mesma FiO2.

Monitorização em UCIN

Recorda-se, a propósito, que as UCIN são unidades assistenciais com equipamento sofisticado integrando equipas fixas de enfermeiros e de pediatras-neonatologistas com formação especializada em intensivismo neonatal, e agregando a si outros especialistas que dominam certas técnicas, como cirurgiões neonatais, gastrenterologistas, cardiologistas, pneumo-broncologistas, etc. O conceito de assistência de tipo intensivo implica a disponibilidade de equipas próprias em permanência, 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano.

Para a vigilância e terapia intensivas torna-se necessário proceder a técnicas invasivas como cateterismo arterial e venoso. Pelas condições indispensáveis de ambiente em assépsia rigorosa é possível a realização de intervenções cirúrgicas em áreas reservadas e isoladas da UCIN, como laqueação do canal arterial no RN pré-termo e correcção cirúrgica de hérnia diafragmática de Bochdalek.

Do equipamento sofisticado fazem parte, nomeadamente, incubadoras “abertas” e fechadas (clássicas) com mecanismo de regulação de temperatura automática (servocontrolada), monitores electrónicos e ventiladores, aparelhos de fototerapia, etc..

De facto, os problemas respiratórios neonatais tipificam perfeitamente o paradigma do internamento em UCIN, designadamente pelas repercussões multissistémicas da disfunção respiratória. Salienta-se – pelo que foi dito – que a necessidade de ventilação mecânica não constitui a única indicação de internamento na mesma.

Assim, é oportuno discriminar os critérios clássicos utilizados para transferência de RN para UCIN ou Unidade de Cuidados Especiais (com ou sem problemas respiratórios):

  • RN pré-termo de peso inferior a 1.500 gramas;
  • A verificação de necessidade de assistência ventilatória em função dos dados colhidos pelo exame clínico, dos resultados da determinação de pH e gases no sangue (gasometria);
  • Problemas hemodinâmicos tais como choque de etiologia diversa (designadamente infecciosa), hipertensão arterial, hipotensão e hipoperfusão, defeitos cardíacos e insuficiência cardíaca, etc.;
  • Problemas hematológicos (diátese hemorrágica grave, CID, etc.);
  • Problemas neurológicos com repercussão multissistémica (status epilepticus, doenças neuromusculares, etc.);
  • Problemas metabólicos, alterações do equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base;
  • Infecções sistémicas;
  • Alterações da termo-regulação;
  • Patologia dita cirúrgica major implicando vigilância pré- e pós-operatória.

Nesta perspectiva, são descritas sucintamente as modalidades mais correntes de monitorização do RN realizada em UCIN.

Monitorização não invasiva

  • O tópico sobre “admissão na UCIN” da alínea sobre “cuidados ao RN pré-termo” tipifica de modo sucinto os diversos tipos de aparelhos para monitorização básica: de frequência cardíaca e respiratória (implicando aplicação de eléctrodos sobre a pele, com possibilidade de obtenção de traçados de registo digital), de temperatura cutânea e de ambiente, de pressão arterial por método doppler tipo Dinamap e de oximetria de ambiente (para determinação da FiO2).
  • Para além do oxímetro de pulso já referido e utilizado também em UCIN, cabe referir ainda os monitores para determinação da pressão transcutânea de O2 e de CO2. Com o aparecimento do oxímetro de pulso, o monitor transcutâneo de oxigénio (Ptc O2) – com eléctrodo aplicado sobre a pele, produzindo determinada temperatura indispensável para vasodilatação da pele, passou a ser menos utilizado.
  • A monitorização da Ptc CO2 é extremamente importante na prática clínica uma vez que permite determinar de modo contínuo tal parâmetro, com grande aproximação ao valor da pressão arterial de CO2 (PaCO2).
    Existem, no entanto, algumas limitações relacionadas com o funcionamento dos dois últimos monitores: 1) necessidade de recalibração diária; 2) necessidade de recolocação em diferentes zonas da pele após cada 4 a 6 horas (ou de 2 em 2 horas nos RN mais imaturos) face à irritação da pele (eritema ou queimadura superficial causada pela temperatura exigida para a eficácia do funcionamento do eléctrodo; 3) resultados difíceis de interpretar em situações clínicas acompanhadas de má perfusão cutânea, em que a sua utilização é pouco eficaz.
  • A monitorização do CO2 expirado por aplicação do respetivo sensor junto à conexão do TET (capnografia) é um meio prático e fiável de avaliação da evolução do CO2 permitindo a leitura da curva de registo da mesma uma deteção precoce de alterações tendentes à retenção ou à depuração exagerada de CO2 em doentes sob suporte ventilatório mecânico convencional.
  • A avaliação ecocardiográfica é muito importante pelos achados obtidos, nomeadamente em termos de status cardíaco (por ex. grau de preenchimento das cavidades cardíacas), de resistências pulmonares e periféricas, e de shunt intrapulmonar.

Monitorização invasiva

  • A gasometria arterial (determinação do pH e gases no sangue arterial) constitui a avaliação mais padronizada e aceite do status respiratório. Requer punção arterial (por ex. da artéria radial ou temporal direitas, pré-ductais) ou a manutenção de uma linha arterial contínua.
    Na prática corrente, estando o RN internado em UCIN, no período neonatal precoce obtém-se sangue arterial da artéria umbilical uma vez que em praticamente todos os RN com SDR é colocado um cateter arterial umbilical, viabilizando uma linha de monitorização arterial contínua, permitindo monitorização dos referidos parâmetros. Em geral procede-se a colheitas de sangue arterial periodicamente em função da clínica com seringa aplicada a sistema de torneira com três ou mais vias segundo técnica que ultrapassa os objectivos do livro; outra alternativa é a determinação contínua com monitor electrónico que incorpora sensor em contacto com o sangue arterial, o que implica o emprego de cateteres especiais.
  • A pressão arterial por método directo (hoje menos vulgarizada dado o desenvolvimento de métodos não invasivos) também pode ser realizada através do cateter arterial especial com equipamento ligado a monitor-transdutor.
  • A gasometria venosa não tem valor quanto à determinação da pressão de O2, sem qualquer correlação com a PaO2. O pH é ligeiramente mais baixo e a pressão de CO2 (venosa, não arterial) é ligeiramente mais elevada.
  • A gasometria capilar obtida através de colheita de sangue capilar (arterializado) – em geral obtido por punção na região calcaneana – proporciona informação útil; as limitações são semelhantes às da punção venosa.
  • A pressão venosa central (PVC) pode ser monitorizada pelo cateter venoso umbilical com extremidade atingindo a aurícula direita. No RN valores da ordem de 4-8 cm H2O, são geralmente aceites como normais. No entanto, actualmente alguns dados indirectos relativamente à pré-carga e pós-carga podem ser obtidos de modo não invasivo através da ecografia com doppler.

Nota importante: tal como foi referido a propósito dos exames iniciais, na UCIN o RN com SDR necessita de avaliação seriada, devendo os exames a realizar – os já citados e outros, implicando colheitas de sangue – ser programados com vista a reduzir ao mínimo as expoliações e o número de punções, dados os riscos inerentes.

Indicações da ventilação mecânica*

Habitualmente, nos pacientes que não estão em respiração espontânea, são estabelecidos dois tipos de critérios (clínicos e biológicos) para início de ventilação mecânica implicando, em princípio, entubação traqueal e internamento em UCIN:

Clínicos

  • Índice de Silverman >7 sem melhoria na sequência de período anterior de assistência respiratória, designadamente na modalidade de pressão de distensão contínua por via nasal aplicada a RN em respiração espontânea (CPAP nasal/ nCPAP, isto é, sistema de fluxo contínuo de mistura de ar/O2, gerando pressão positiva no fim da expiração, e garantindo menor esvaziamento e maior distensão alveolares do que em situação normal);
  • Apneia recorrente: dois ou mais episódios/hora com necessidade de ventilação manual para reversão e/ou ausência de resposta ao tratamento com xantinas;
  • Doenças do foro neurológico e neuromuscular, congénitas ou adquiridas, implicando ausência de movimentos respiratórios ou movimentos respiratórios irregulares ou de fraca amplitude;
  • Doenças sistémicas diversas, idem;
  • RN submetidos a tratamento com fármacos interferindo no automatismo e dinâmica respiratórios.

*As noções básicas de assistência respiratória por métodos invasivos são abordadas em capítulo próprio adiante.

Resultados da determinação de pH e gases no sangue (gasometria)

  • PaO2 <50 mm Hg (6,7 kPa) ou SpO2 <88% com FiO2 >60% (se ≤32 semanas de gestação) [ou com FiO2 >80%(se >32 semanas)]
  • PaCO2 >60 mmHg (8,0 kPa): associada a pH <7,20 se idade gestacional >32 semanas;
  • PaCO2 >50 mmHg (6,7 kPa) associada a pH <7,25 se idade gestacional ≤32 semanas;
  • Acidose metabólica grave (pH <7,20) na ausência de resposta a alcalinizantes (bicarbonato de sódio, por ex.) e/ou a expansores de volume.

Nota importante:
Correspondência entre as medidas de pressão kPa (capa pascal) e mmHg: valor de KPa x 7,5 corresponde a valor em mmHg

No RN pré-termo, após ventilação não invasiva, não existem critérios universalmente aceites para ventilação mecânica; contudo, segundo a comprovação científica actual, é amplamente aceite a necessidade de suporte ventilatório invasivo se, após se ter tentado rendibilizar o suporte não invasivo, persistirem as seguintes condições:

  • Dificuldade respiratória importante (tiragem, gemido expiratório, polipneia);
  • Hipercapnia (Ph <7.22 com PCO2 ≥65 mmHg);
  • Apneia recorrente (>2/hora) nas 6 horas prévias;
  • Apneia major ou bradicardia necessitando de ressuscitação empregando ventilação com pressão positiva.

BIBLIOGRAFIA

Bancalari E, Poland RA (eds). The Newborn Lung: Neonatology Questions and Controversies. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2012

Bhayat S, Shetty S. Less-invasive surfactant administration (LISA). Paediatrics Child Health 2020; 30: 144-148

Ekhaguere O, Patel S, Kirpalani H. Nasal intermittent mandatory ventilation versus nasal continuous positive airway pressure before and after invasive ventilatory support. Clin Perinatol 2019; 46: 517 -536

Guimarães JC, Tuna ML, Loio P, et al. Manual Prático de Ventilação Neonatal. Lisboa: Hospital de S. Francisco Xavier/Uriage, 2016

Hodgson KA, Manley BJ, Davis PG. Is nasal high flow inferior to continuous positive airway pressure for neonates? Clin Perinatol 2019; 537-552

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

Lee Jr M, Nagler J. High flow nasal cannula therapy beyond the perinatal period. Curr Opin Pediatr 2017; 29: 291-296

Lee M-J, Choi EK, Park KH, et al. Effectiveness of nCPAP for moderate preterm infants compared to BiPAP: a randomized, controlled non-inferiority trial. Pediatr Int 2020; 62: 59-64. doi: 10.1111/ped.14061

 Lista G, Castoldi F, Fontana P, et al. Nasal continuous positive airway pressure (CPAP) versus bi-level nasal CPAP in preterm babies with respiratory distress syndrome: a randomised control trial. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed Pract 2010; 95: F85-89

Manley BJ. Nasal high flow therapy for preterm infants. Review of neonatal trial data. Clin Perinatol 2016; 43: 673-691

Manley BJ, Arnold GRB,Wright IMR, et al. Nasal high-flow therapy for newborn infants in special care nurseries. NEJM 2019; 380: 2031-2040

Manley BJ, Roberts CT, Frøisland DH, et al. Use of nasal high-flow therapy as primary respiratory support for preterm infants. J Pediatr 2018; 195: 65-70

McCollum ED, Mvalo T, Eckerle M, et al. Bubble continuous positive airway pressure for children with high-risk conditions and severe pneumonia in Malawi: an open label randomised controlled trial. Lancet Respir Med 2019; 7: 964-974

McVea S, McGowan M, Rao B. How to use saturation monitoring in newborns.

Arch Dis Child Edu & Pract 2019; 104: 35-42

Montan S, Arul-Kumaran S. Neonatal respiratory distress syndrome. Lancet 2006; 367: 1878-1879

Nona J, et al. Sociedade Portuguesa de Neonatologia. Consenso nacional sobre ventilação não invasiva. Grupo de Consensos em Neonatologia. Lisboa: SPP/ed, 2014

Ochiai M, Kurata H, Inoue H, et al. Transcutaneous blood gas monitoring among neonatal intensive care units in Japan. Pediatr Int 2020; 62: 169–174 doi: 10.1111/ped.14107

Oda A, Parikka V, Lehtonen L, et al. Nasal high-flow therapy decreased electrical activity of the diaphragm in preterm infants during the weaning phase. Acta Paediatrica 2019; 108: 253-257

Park RS, Peyton JM, Kovatsis PG. Neonatal airway management. Clin Perinatol 2020; 47: 745-764

Poets C F, Franz AR. Automated FiO2 control: nice to have, or an essential addition to neonatal intensive care? Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2017; 102: F5-F6

Poets CF. Noninvasive monitoring and assessment of oxygenation in infants. Clin Perinatol 2019; 46: 417-434

Polin R, Yoder MC. Work Book in Practical Neonatology. Philadelphia: Elsevier, 2016

Setty SG, Batra M, Hedstrom AB. The Silverman Andersen respiratory severity score can be simplified and still predicts increased neonatal respiratory support. Acta Paediatrica 2020; 109: 1273-1275. DOI: 10.1111/apa.15142

Stein Y, Dietz RM. Nasal high‐flow therapy for newborn infants in special care nurseries. NEJM 2019; 380: 2031-2040

Sweet DG, Carnielli V, Greisen G, et al. European consensus guidelines on the managment of neonatal respiratory distress syndrome in preterm infants – 2013 Update. Neonatology 2013; 103: 353-368

Tarnow-Mordi W, Kirby A. Current recommendations and practice of oxygen therapy in preterm infants. Clin Perinatol 2019; 46: 621-631

Travers CP, Carlo WA. New methods for noninvasive oxygen administration. Clin Perinatol 2019; 46: 449-458

Warren JB, Anderson JDM. Newborn respiratory disorders. Pediatr Rev 2010; 31: 487-496

Yu VYH (ed). Pulmonary Problems in the Perinatal Period and their Sequelae. London: Baillière Tindall, 2004