Definição e importância do problema

A SDR designada por taquipneia transitória (TT) é um problema respiratório benigno e autolimitado do RN de termo ou pré-termo, que surge imediatamente ao parto por atraso na reabsorção do líquido pulmonar fetal; tal problema, que corresponde a anomalia da adaptação respiratória fetal à vida extrauterina, na gíria é também designado por “pulmão húmido” (noção que traduz a existência de edema pulmonar) ou SDR do tipo II (para o distinguir da DMH ou SDR do tipo I, sendo que antes da sua descrição por Avery em 1966, situações como a que se analisa neste capítulo eram consideradas formas ligeiras de DMH).

De acordo com vários estudos epidemiológicos a TT, que explica cerca de 30-40% de todos os casos de SDR no RN, tem sido descrita com uma incidência variando entre 3-6/1.000 em RN de termo, e em >10/1.000 no RN pré-termo.

Etiopatogénese

Tomando como base o capítulo sobre “adaptação fetal à vida extrauterina”, onde se descreve o mecanismo de reabsorção do líquido pulmonar fetal, importará aqui enumerar alguns factores que comprometem tal processo e que, por consequência, predispõem a TT:

  1. Dificuldade de reabsorção do líquido pulmonar fetal (por ex., policitémia/ hiperviscosidade, laqueação tardia do cordão, hipoproteinémia, asfixia perinatal, depressão neonatal por fármacos administrados à mãe durante o parto, etc.);
  2. Volume aumentado do líquido pulmonar fetal e alvéolos preenchidos com o mesmo quando o feto assume a condição extrauterina e se iniciam os primeiros movimentos respiratórios (por ex. em situações de cesariana electiva (sem se ter iniciado o trabalho de parto), de fluidoterapia intraparto condicionando hiper-hidratação e hiponatrémia maternas).

A propósito do processo alterado de reabsorção do líquido pulmonar fetal, há a salientar o papel da compressão do tórax fetal na sua passagem pelo canal de parto, contribuindo para a expulsão daquele pela boca. Este fenómeno, inexistente nos casos de cesariana electiva atrás mencionada, é limitado, pois por esta via apenas se elimina cerca de 10-15% do mesmo.

Ao nível celular epitelial foram descritos os seguintes mecanismos relacionados com a eliminação (depuração) do líquido pulmonar fetal:

  1. Em situação de normalidade, tal depuração ocorre por actividade aumentada dos canais de sódio (ENaC) e de sódio-potássio, através da adenosina trifosfatase (Na+, K+, -ATPase), o que determina reabsorção activa do sódio e, consequentemente, eliminação do líquido pulmonar;
  2. A situação de TT resulta da actividade ineficaz ou diminuída de ENaC e Na+, K+, -ATPase, o que torna mais lenta a eliminação do líquido pulmonar e diminui a compliance pulmonar, comprometendo as trocas gasosas alveolares;
  3. A estes mecanismos acrescenta-se o papel dos péptidos natriuréticos (BNP e NT-proBNP) na regulação do volume extracelular (Glossário Geral).

Consequentemente à existência de líquido pulmonar fetal, preenchendo os alvéolos, e do edema intersticial no pós-parto imediato, verifica-se:

  1. Alteração da ventilação-perfusão enquanto os alvéolos estiverem preenchidos pelo referido líquido;
  2. Compromisso da mecânica ventilatória do RN no pós-parto imediato, o que se explica, sobretudo, por resistência aumentada das vias aéreas devida à compressão extrínseca pelo edema intersticial;
  3. Compromisso ligeiro do surfactante pulmonar (e consequente diminuição da compliance pulmonar), o qual poderá ser transitoriamente inactivado pelo mesmo líquido alveolar; compreende-se que a magnitude deste mecanismo seja inversamente proporcional à idade gestacional.

Existe uma forma de TT atípica, de maior duração, relacionada com edema pulmonar pós-natal por reentrada de fluido na via respiratória a partir da circulação pulmonar. Este quadro ocorre já após a alta e exige a exclusão de outras causas de disfunção respiratória.

Manifestações clínicas

Na sua forma típica, a TT surge em RN de termo (mais frequentemente) ou pré-termo próximo do termo. Esta forma de SDR traduz-se essencialmente por taquipneia muito acentuada (por vezes atingindo FR de 100-120/minuto), sendo o gemido e a retracção costal pouco comuns; no entanto, em situações de prematuridade concomitante, como se pode depreender, os sinais de TT poderão sobrepor-se aos de DMH (problemas associados).

O tórax evidencia certo grau de hiperinsuflação que, provocando abaixamento do diafragma, poderá criar condições temporárias para que o fígado e o baço passem a ser palpáveis.

A auscultação poderá evidenciar fervores crepitantes finos generalizados (e não apenas nas bases), tal como se verifica em casos de edema pulmonar por insuficiência cardíaca.

Como critério muito sugestivo de TT pode citar-se: a não necessidade de incrementar a FiO2 entre as 12 e 24 horas de vida para manter a SpO2 dentro dos limites aceitáveis (90-95%).

As formas graves (raras), que correspondem à chamada TT “maligna”, acompanham-se de sinais de falência miocárdica e de hipertensão pulmonar associada a shunt direita – esquerda, entre outros.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial, por vezes difícil, faz-se essencialmente com as seguintes situações: síndroma de taquipneia pós-asfixia, doença metabólica, síndromas de hiperviscosidade/policitémia, anomalias cardiovasculares acompanhadas de débito pulmonar aumentado, quilotórax congénito, sépsis precoce com pneumonia por Streptococcus do grupo B, etc.).

Em função dos antecedentes perinatais e do estado geral do RN com SDR manifestando-se no pós-parto imediato, poderá estar indicada a realização de exames complementares, designadamente nas formas de evolução mais prolongada e de expressão clínica e funcional mais grave.

Certas formas clínicas compatíveis com TT, iniciadas depois do pós-parto imediato, relacionadas predominantemente com casos de prematuridade tardia, poderão estar associadas a hipertensão pulmonar requerendo, por vezes, tratamento mais agressivo com ECMO.

Exames complementares

Na maior parte dos casos a anamnese perinatal e o estudo evolutivo da imagem radiográfica do tórax permitem o diagnóstico de TT após exclusão de outras causas de SDR; ou seja, o diagnóstico definitivo de TT é inevitavelmente retrospectivo.

Alguns sinais radiográficos do tórax testemunham a evolução habitualmente benigna deste quadro:

  1. Primeira radiografia em incidência ântero-posterior (pós-parto)
    • diminuição da transparência parenquimatosa pela existência de edema intersticial e alveolar, e opacidades discretas ao nível do ângulo cárdio-frénico direito e região supra-hilar esquerda, correspondentes a regiões em que o processo de drenagem de líquido é mais moroso;
    • opacidades lineares ou arciformes hilífugas pela existência de edema nos espaços intersticiais perivasculares e derrame pleural discreto;
    • opacidades lineares correspondentes às cisuras ou “cisurite” (vias de drenagem secundárias);
    • hiperinsuflação pulmonar de grau variável;
    • apagamento discreto das cúpulas diafragmáticas;
    • cardiomegália discreta, por vezes; (Figuras 1 A e B)
  2. Segunda radiografia após 24-48 horas de evolução
    • não visualização das opacidades, o que corresponde a regressão do quadro anterior;
    • imagem de “arejamento” franco dos campos pulmonares. (Figura 2)

A gasometria evidencia em geral pH normal ou elevado, e défice de base normal. O estudo ecocardiográfico poderá evidenciar, nas formas clássicas ou ligeiras de TT, sinais de disfunção ventricular esquerda nas primeiras 24 horas.

De acordo com dados da literatura, o valor do péptido NT-proBNP está sempre elevado nos casos de TT; cerca de 24 horas após início do quadro, valores acima de 6576 pg/mL são preditivos de evolução mais prolongada e de eventual necessidade de ventilção mecânica (sensibilidade de 85% e especificidade de 64%).

Nalguns centros perinatais, em casos especiais, utilizam-se β 2-agonistas (salbutamol inalado) cujo efeito se traduz no aumento da expressão e activação de ENaC e Na, K-ATPase que facilitam a eliminação do líquido pulmonar fetal.

Prevenção

Salientam-se algumas medidas preventivas que podem deduzir-se da etiopatogénese atrás descrita:

  • redução do número de cesarianas electivas e prevenção da prematuridade tardia;
  • precaução na administração de fluidos à parturiente (por ex. como veículo de ocitócicos e outros fármacos), os quais deverão incorporar sódio a partir de determinado volume de administração como forma de reduzir ou evitar a transferência excessiva de água para o feto;
  • prevenção da asfixia perinatal.

FIGURA 1. Representação esquemática e quadro radiológico de taquipneia transitória no pós-parto imediato (fase inicial com opacidades ao nível do ângulo cárdio-frénico direito e 1/3 superior do campo pulmonar esquerdo. (URN-HDE)

FIGURA 2. Padrão radiográfico de taquipneia transitória (RN correspondente à Figura 1): desaparecimento das opacidades após 24 horas. (UCIN-HDE)

Tratamento

Na TT essencialmente aplicam-se as medidas gerais de suporte, já descritas em contexto de disfunção respiratória.

Como particularidades, cabe referir:

  • garantir suprimento hídrico ~70-80 mL/kg/dia e de glucose ~4-6 mg/kg/minuto;
  • oxigenoterapia (em geral com FiO2 ente 40 e 60%) ou qbp para manter SpO2 entre 90 e 95%, Pa O2 entre 45-70 mmHg, Pa CO2 entre 45-60 mmHg, e pH entre 7,25 e 7,40;
  • em função da gravidade do quadro poderá estar indicada, em raras situações, a ventilação invasiva;
  • tratando-se dum diagnóstico de exclusão, alguns casos de SDR precoce mais tarde confirmados como TT poderão ter sido submetidos a antibioticoterapia segundo critérios descritos adiante, na Parte sobre Infecção do Feto e Recém-nascido.

Prognóstico

A mortalidade é baixa, descrevendo-se nalgumas séries taxas ~0,8% em RN de termo e ~7% em RN pré-termo.

Quanto a morbilidade, nalguns estudos a médio e longo prazo foi verificada maior incidência de episódios de sibilância recorrente no contexto familiar de doença atópica.

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