LEUCOMALÁCIA PERIVENTRICULAR

Definição e importância do problema

A leucomalácia periventricular (LPV) é uma forma de lesão estrutural da substância branca, em geral associada a HIPV da matriz germinal; tal designação foi usada pela primeira vez em 1962 por Banker e Larroche.

Malácia significa “amolecimento ou dissolução”. Tratando-se de tal fenómeno localizado na substância branca na zona periventricular (surgindo cerca de duas semanas após actuação da noxa), fala-se em leucomalácia periventricular. De salientar que o dito fenómeno de malácia, noutro contexto etiopatogénico poderá verificar-se noutras zonas da sustância branca: tratar-se-á de leucomalácia com outra localização.

Trata-se dum problema neurológico grave verificado predominantemente no RN pré-termo, integrando diversas entidades clinicopatológicas.

A incidência é tanto maior quanto menor a idade gestacional, o que se relaciona com o grau de vulnerabilidade da estrutura da substância branca e a data da agressão dos factores lesivos (intrauterinos e/ou pós-natais). O risco é maior nos casos de HIPV grave ou ventriculomegália.

Segundo a descrição clássica, como resultado de isquémia cerebral, são verificadas zonas bilaterais de necrose na área da substância branca periventricular, disrupção de axónios, inflamação, activação glial e lesão dos pré-oligodendrócitos conduzindo a sequelas em grau variável.

A lesão da substância branca tem sido também observada em situações com componentes de infecção e inflamação, tais como hipóxia ou hipotensão pós-natal, enterocolite necrosante, prematuridade tardia ou nascimento de termo e status pós-reparação cirúrgica de cardiopatia congénita.

De acordo com estudos realizados em diversos centros especializados em populações de crianças ex-RN com peso de nascimento inferior a 1.000 gramas, tem sido apurada incidência de LPV entre 3% e 5%.

Etiopatogénese

A compreensão da etiopatogénese da LPV tem evoluído ao longo do tempo, admitindo-se a comparticipação de eventos intrauterinos e pós-natais.

Realça-se uma complexa interacção entre determinados factores: o desenvolvimento da vasculatura cerebral, a regulação do débito sanguíneo cerebral (ambos dependendo da idade gestacional), o estado de maior ou menor vulnerabilidade (dependente do grau de maturação) dos precursores dos oligodendrócitos ou pré-oligodendrócitos, fundamentais para a mielinização, e os processos de infecção e inflamação materno-fetal.

Relativamente aos pré-oligodendrócitos (considerado factor major), importa referir que, quanto maior a sua maturação, maior a resistência à toxicidade do glutamato e dos radicais livres, gerados em abundância em caso de isquémia-reperfusão.

Acontece o contrário (maior vulnerabilidade) com os pré-oligodendrócitos imaturos. Trata-se, pois, de células extremamente vulneráveis à agressão por radicais livres.

A prematuridade constitui um importante factor predisponente de LPV.

No RN pré-termo, com imaturidade estrutural, são as áreas da substância branca as mais vulneráveis e susceptíveis a isquémia-reperfusão: pequenas zonas entre a confluência ou anastomose de dois sistemas de drenagem sanguínea em continuidade (zonas “fronteira”).

Tais áreas de perfusão inadequada, subsidiárias das artérias medulares profundas, localizam-se na substância branca a alguns milímetros da parede ventricular (localização periventricular). Sendo afectados os axónios que atravessam as referidas “zonas fronteira”, de tal interrupção anatomofuncional resultará diplegia espástica, a sequela ou perturbação motora típica do RN pré-termo.

Se as lesões da substância branca forem mais extensas, poderão ser afectados os axónios que se estendem até aos membros superiores e face. As ramificações ópticas e acústicas também podem ser atingidas.

Por outro lado, no RN pré-termo o córtex cerebral é mais poupado aos efeitos da isquémia-reperfusão porque possui abundante vascularização dependente das artérias leptomeníngeas.

No RN de termo a área de maior vulnerabilidade é o córtex cerebral, podendo então surgir outro tipo de leucomalácia – chamada leucomalácia subcortical, situação pouco abordada na literatura.

Para além da prematuridade per se, menciona-se o papel de outros factores que, por sua vez, podem estar associados a prematuridade:

    • instabilidade hemodinâmica, com oscilações da pressão arterial e variações do débito sanguíneo cerebral no contexto de patologia diversa característica do RN pré-termo (dificuldade respiratória, infecção sistémica, manuseamento intempestivo, episódios de apneia, hipoglicémia, oscilações da temperatura corporal, etc.).
    • débito sanguíneo cerebral influenciado por variações da pressão de CO2 e de O2. A hipercápnia induz vasodilatação cerebral, e a hipocápnia provoca vasoconstrição com consequente diminuição do débito sanguíneo cerebral. Por sua vez, a hipóxia induz vasodilatação, e a hiperóxia leva a constrição dos pequenos vasos. Estes efeitos são mediados provavelmente através dum efeito local do pH da parede vascular.
    • deficiência do mecanismo de autorregulação circulatória (mecanismo pelo qual se mantém débito cerebral constante apesar das variações da pressão arterial sistémica) no RN pré-termo, recordando-se que o débito cerebral é regulado por variações no calibre das arteríolas intracerebrais.
    • infecção e inflamação, o que tem sido demonstrado pela associação entre infecção materna, ruptura prolongada de membranas, níveis elevados de IL-6 no sangue do cordão e incidência mais elevada de LPV; com efeito, a chamada síndroma de resposta inflamatória fetal (SRIF) é actualmente considerada como a causa major de morbilidade e mortalidade no feto/RN. E, em determinadas situações específicas, tal mecanismo é responsável por quadros clínicos simile sépsis.

Como consequência da isquémia-reperfusão e dos eventos referidos ao nível da substância branca periventricular, surge o quadro morfológico de leucomalácia, a forma mais característica de necrose axonal e glial na substância branca no RN pré-termo.

Segundo Volpe, a maior probabilidade de surgimento de LPV no contexto de hemorragia intraperiventricular (HIPV) pode relacionar-se com o aumento da concentração local de Ferro derivado da hemorragia.

A LPV constitui uma patologia sempre bilateral, com localização mais habitual na região do corpo do ventrículo lateral e do corno frontal, ao nível do buraco de Monro e do corno occipital. Pode ser difusa ou focal.

A LPV focal é classicamente descrita como áreas macroscópicas de necrose, as quais inicialmente são identificadas como lesões ecodensas na área periventricular, com ou sem sangue nos ventrículos. Algumas semanas depois, estas áreas ecodensas evoluem para áreas quísticas, quadro morfológico que traduz a chamada LPV quística, uma minoria entre as LPV (< 5% em RNMBP). A gliose cicatricial contribui, por sua vez, para a redução do volume das cavidades, podendo seguir-se microcalcificações secundárias.

A LPV difusa, na era moderna mais frequentemente explicada por maturação anormal dos neurónios e da glia do que por necrose, está associada a perda de pré-oligodendrócitos; tal facto conduz a hipomielinização e diminuição do volume da substância branca por retracção cicatricial, e à dilatação ventricular por mecanismo ex-vacuo.

No âmbito da avaliação imagiológica desta patologia está indicada a ressonância magnética (RM), tendo em conta as limitações da ecografia. (ver adiante)

Manifestações clínicas

Inicialmente, as manifestações clínicas podem ser inespecíficas. De facto, as mesmas correspondem a sequelas dos eventos descritos anteriormente: fundamentalmente, diplegia espástica (típica da LPV), alterações da motricidade fina, alterações da esfera cognitiva, problemas de memorização e atenção e, nalgumas crianças, insuficiência mental.

Para avaliação do prognóstico, torna-se necessário proceder a exame neurológico rigoroso e seriado durante o período de internamento hospitalar e após a alta.

A probabilidade de doença motora futura depende, entre outros factores, da localização e do tipo das lesões encontradas nos estudos imagiológicos.

Exames complementares

Na prática clínica corrente assume particular importância, como complemento do exame neurológico seriado, a ecografia transfontanelar (também realizada de modo seriado).

Os sinais ecográficos mais característicos de LPV são: hiperecogenicidade periventricular seguida de sinais de quistos porencefálicos (sinal do “queijo suíço”); numa fase mais tardia e nas formas mais graves passam a ser notórios sinais de atrofia cortical com alargamento dos ventrículos (Figuras 1, 2 e 3).

FIGURA 1. Aspecto ecográfico de leucomalácia não quística ao nível dos cornos frontais. Corte coronal e parassagital. (UCIN-HDE)

FIGURA 2. Leucomalácia periventricular (LPV) quística e alargamento do sistema ventricular por mecanismo ex vacuo. Corte coronal posterior. (UCIN-HDE)

FIGURA 3. Leucomalácia quística posterior.Corte coronal. (UCIN-HDE)

Em estudos de correlação clínico-patológica, a sensibilidade da ecografia transfontanelar é cerca de 70%, o que equivale a dizer que existe fraca capacidade discriminativa para a detecção de pequenas áreas de necrose.

Assim, outros exames de imagem evidenciando maior sensibilidade, poderão estar indicados em função do contexto clínico (RM, TAC, Eco-doppler, Espectroscopia próxima dos infravermelhos, etc.).

A RM é um método mais rigoroso identificar todas as formas de LPV, quer no lactente, quer na criança mais velha, designadamente nos casos em que há antecedentes de prematuridade e quadro de alterações cognitivas, sensoriais e ou motoras. Em função do contexto clínico poderá estar indicado o EEG.

Tratamento e prevenção

Na fase actual dos conhecimentos não existem medicações nem medidas para o tratamento específico da LPV durante o período neonatal. Nesta perspectiva, todos os esforços deverão ser dirigidos essencialmente para a prevenção da isquémia-reperfusão e da HIPV, atendendo aos factores de risco e etiopatogénese.

Assim, torna-se fundamental garantir uma perfusão cerebral normal e estável através de procedimentos e atitudes no âmbito do internamento em UCIN: monitorização da pressão arterial (evitando variações bruscas deste parâmetro),* volémia, oxigenação e ventilação com especial atenção para a hipocápnia e hipóxia, manuseamento mínimo do RN, evicção da infecção materno-fetal, antibioticoterapia atempada para tratamento da infecção materno-fetal e neonatal, etc.. Resultados da investigação experimental apontam para a utilização de antagonistas dos radicais livres, de agentes anticitocinas e antiglutamato.

*Existe controvérsia acerca dos procedimentos para manter pressão arterial normal no pré-termo, pois, de acordo com o que foi referido na alínea Etiopatogénese, face às características de disfunção do mecanismo de autorregulação cerebral no RN pré-termo, pressão arterial normal não significa necessariamente perfusão cerebral normal, o que constitui uma dificuldade para o clínico.

Prognóstico e seguimento

A LPV constitui a principal causa de disfunção cognitiva, comportamental, motora e sensorial em crianças nascidas com idade gestacional < 32 semanas. Nas formas mais graves poderá desenvolver-se epilepsia.

Como resultado da LPV, verifica-se incidência aproximada de paralisia cerebral ~10%, e de dificuldades escolares ~35%-50%, sendo que estes resultados traduzem, segundo alguns estudos, associação de HIPV e LPV. As sequelas são tanto mais frequentes quanto menor a idade gestacional.

A diplegia espástica constitui a sequela mais frequentemente associada a patologia do SNC em RN pré-termo, dado que a lesão na substância branca se localiza em geral na zona vizinha ou justaposta aos ventrículos. Se as lesões se localizarem mais perifericamente, poderão ser afectados os axónios de que dependem a face, os membros superiores e a visão (neste último caso, se a localização for dorsolateral ou contígua aos cornos occipitais).

Como se pode depreender, os casos de LPV, muitas vezes associados a outros problemas no contexto de ex-RN pré-termo, deverão ser seguidos pelo médico assistente, por sua vez, em ligação a uma equipa multidisciplinar no âmbito de um centro de desenvolvimento.

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ENFARTE CEREBRAL

Definição e aspectos epidemiológicos

Define-se enfarte cerebral como uma área de lesão do tecido cerebral confirmada por neuroimagem ou por exame anátomo-patológico, ocorrendo entre as 20 semanas gestacionais e os 28 dias de vida pós-natal. Tal lesão pode ser resultante de dois mecanismos:

  1. interrupção do fluxo sanguíneo numa artéria cerebral maior por trombose ou embolia (enfarte isquémico arterial perinatal), mais frequentemente; ou
  2. trombose duma veia cerebral maior (trombose do seio venoso cerebral) levando geralmente a enfarte hemorrágico; como regra, o enfarte hemorrágico é tipicamente venoso, localizado na zona periventricular, e habitualmente secundário a congestão venosa por hemorragia periventricular.

De salientar as seguintes associações mais frequentes:

  • o enfarte parassagital bilateral, a EHI;
  • o enfarte bilateral, a hipoglicémia; e
  • o enfarte multifocal, a infecções bacterianas ou víricas.

Etiopatogénese

Na maior parte dos casos o enfarte isquémico arterial perinatal resulta de êmbolo a partir da placenta que, atravessando o foramen ovale, atinge a aorta e os ramos da artéria carótida comum esquerda; o território mais afectado é o que corresponde à artéria cerebral média esquerda.

O enfarte parenquimatoso no contexto de trombose do seio venoso cerebral é secundário a drenagem venosa interrompida, não tendo, portanto, distribuição arterial. É em geral devido a compressão do seio sagital e a má posição cefálica e do pescoço.

São descritos os seguintes factores de risco de enfarte isquémico arterial perinatal e de trombose do seio venoso cerebral:

  • protrombóticos (explicando cerca de 40%-80% da patologia em análise), tais como: aumento da lipoproteína (a) e outras dislipoproteinémias, policitémia, mutação G1691 do factor V de Leiden, mutação G20210A do factor II, anticorpos antifosfolípidos adquiridos, défice das proteínas S e C, níveis elevados de homocisteína, etc.;
  • maternos, tais como: doenças autoimunes, pré-eclâmpsia, HTA, diabetes gestacional, consumo de cocaína, etc.;
  • fetoplacentares, tais como descolamento prematuro da placenta, infecção e hemorragia fetomaterna, gemelaridade, etc.;
  • tipo de parto, em geral, parto complicado com intervenção instrumental, etc.;
  • neonatais, em geral relacionados com hipoglicémia, desidratação, meningite, sépsis, tratamento com ECMO, etc..

Manifestações clínicas

As manifestações clínicas de enfarte isquémico arterial perinatal, constando de episódios de apneia e cianose, convulsões, hipotonia e irritabilidade, surgem em cerca de 90% dos casos antes dos primeiros três dias.

A trombose do seio venoso cerebral apresenta-se em cerca de 50% dos casos nos primeiros 2 dias de vida, e em 25% durante a primeira semana. As convulsões surgem como manifestação mais frequente, associada às da patologia de base anteriormente descrita.

Exames complementares

Para além dos exames laboratoriais gerais com base na história clínica e nos factores etiopatogénicos descritos, estão indicados os seguintes exames complementares:

  • rastreio protrombótico: incluindo, nos primeiros dias de vida, do foro genético – mutação do factor V Leiden, variante termolábil MTHFR e mutação protrombina G20210A; no seguimento em consulta (3-6 meses) – antitrombina III, proteína C e S, resistência à antitrombina, fibrinogénio, factor VIII, factor XII, inibidor do activador do plasminogénio, homocisteína, lipoproteína (a), anticoagulante lúpico, anticorpos anticardiolipina, e antibeta-2 glicoproteína I.

NB: estes exames devem ser realizados na mãe igualmente;

  • de imagem: ecografia transfontanelar (com baixa sensibilidade e especificidade), TAC-CE (confirmando enfarte isquémico e trombose sinovenosa, e excluindo hemorragia, também com sensibilidade e especificidade baixas), e RM (este último de 1ª linha, sendo preditivo de sequelas a longo prazo);
  • EEG: para além da recomendação de monitorização por vídeo-EEG convencional, está também indicada a realização de EEG integrado por amplitude (aEEG), este último, com interesse na avaliação do prognóstico motor em casos de lesão isquémica.

Tratamento

Citam-se como fundamentais as seguintes medidas:

  • normalização da glicémia e da temperatura, ventilação/oxigenação adequadas, manutenção da normovolémia e da normopressão arterial, e tratamento das convulsões e da febre; e
  • terapêutica anticoagulante com heparina não fraccionada ou de baixo peso molecular

→ nos casos de enfarte arterial isquémico;
→ nos casos de trombose sinovenosa sem hemorragia intracerebral e quando há
→ extensão da trombose; a trombólise não é recomendada.

Prognóstico

Globalmente, podem ser verificadas sequelas diversas (défices motores, cognitivos (associados sobretudo a hemiplegia e convulsões), da linguagem, da visão, e epilepsia.

Em cerca de 50% dos casos de crianças com enfarte da artéria cerebral média desenvolve-se hemiplegia.

Os sinais clínicos poderão não ser detectados durante vários meses, sendo que os resultados da exploração neurológica neonatal não são preditivos dos resultados tardios.

Na trombose sinovenosa, a taxa de mortalidade pode atingir os 10%-20%. A taxa de epilepsia oscila entre 15% e 40% e a de paralisia cerebral entre 6% e 7%.

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HEMORRAGIAS INTRACRANIANAS

Introdução

As hemorragias intracranianas no RN compreendem classicamente as seguintes entidades clínicas:

  1. Hemorragia cerebelosa;
  2. Hemorragia intraparenquimatosa;
  3. Hemorragia intraperiventricular (HIPV);
  4. Hemorragia subaracnoideia;
  5. Hemorragia subdural.

No capítulo sobre Traumatismos de Parto foi feita referência sucinta às hemorragias subdural e subaracnoideia, entidades associadas a lesões traumáticas.

Relativamente à hemorragia subdural, rara e própria do RN de termo, é importante referir que:

  • – quanto à evolução, estão descritas: – formas rapidamente letais; e formas mais benignas;
  • – quanto à localização: – formas infratentoriais ou da fossa posterior; e – formas localizadas à convexidade cerebral.

Quanto à hemorragia subaracnoideia, a mesma pode surgir associada a alterações circulatórias em RN pré-termo sem antecedentes de traumatismo de parto.

Tal como na hemorragia subdural, quando abundante, pode também ser rapidamente fatal, descrevendo-se como manifestações típicas as convulsões.

Neste capítulo, dando ênfase à hemorragia intraperiventricular (HIPV), abordam-se também as hemorragias cerebelosa e parenquimatosa.

1. HEMORRAGIA CEREBELOSA

Definição e importância do problema

Trata-se de hemorragia de localização intracerebelosa, incluindo ambos os hemisférios e o vermis. As lesões mais pequenas podem localizar-se sob a pia-máter ou sob o epêndimo. Nos RN de termo, a hemorragia inicia-se no vermis. É mais frequente em RN pré-termo com < 32 semanas de idade gestacional (em cerca de 15%-25% da totalidade das referidas hemorragias).

Etiopatogénese

No que se refere à etiopatogénese, multifactorial, cumpre referir o papel importante do trauma relacionado com o parto no contexto de aplicação de fórceps, apresentação de nádegas e asfixia perinatal.

Manifestações clínicas

As manifestações são geralmente subtis, sendo que, nos casos mais graves, poderão iniciar-se entre o 1º dia e as 2-3 semanas de vida. Surgindo no pós-parto imediato em casos de prematuridade, a lesão é fatal.

Como sinais clínicos mais representativos apontam-se os derivados da compressão do tronco cerebral (apneia, dificuldade respiratória, bradicárdia) e da obstrução do LCR (com hipertensão da fontanela, disjunção das suturas e dilatação ventricular). Outros sinais possíveis são: estrabismo, parésia facial, extensão tónica intermitente das extremidades, opistótono e tetraparésia.

Exames complementares

Perante a suspeita clínica face aos antecedentes perinatais, importa proceder a ecografia transfontanelar, ou transasterion, havendo disjunção das suturas.

A TAC-CE tem indicação com o fundamento de avaliar a extensão e distribuição da lesão. A RM deve estar reservada para os casos em que a TAC não permite esclarecer o diagnóstico.

2. HEMORRAGIA PARENQUIMATOSA

Este tipo de hemorragias intracranianas, surgindo geralmente em RN de termo, tem um prognóstico mau pelo risco elevado: – de sequelas várias; – de mortalidade rondando os 25%; e – de associação a alta incidência de paralisia cerebral (~10%).

Como particularidade, importa referir que em cerca de 30% dos casos há antecedentes de cesariana electiva ou de partos sem complicações, sobretudo em nulíparas.

Generalidades sobre o tratamento das hemorragias intracranianas (exceptuando HIPV)

Não existem critérios uniformes quanto ao tratamento.

→ No que respeita aos hematomas da fossa posterior, os resultados são semelhantes apenas com vigilância ou com tratamento médico. A intervenção neurocirúrgica está indicada perante deterioração neurológica ou sinais de compromisso do tronco cerebral.

→ Quanto às hemorragias supratentoriais, está indicada a cirurgia se as dimensões do hematoma forem importantes e se surgirem sinais de hipertensão intracraniana.

→ Nas situações de hematoma subdural evoluindo para a cronicidade, a fim de evitar desproporção craniofacial ou hipertensão intracraniana, está indicada a realização de punções subdurais; se estas não conduzirem à regressão, procede-se a intervenção neurocirúrgica.

3. HEMORRAGIA INTRAPERIVENTRICULAR (HIPV)

Definição e importância do problema

A chamada hemorragia intraventricular (HIV) é uma situação clínica típica nos RN pré-termo, caracterizada por processo hemorrágico localizado na área cerebral da matriz germinal, contígua com o ventrículo lateral em localização lateral-ventral.

Quando se verifica ruptura do epêndimo, a hemorragia, inicialmente periventricular, estende-se ao ventrículo – que pode sofrer dilatação – passando a chamar-se intraperiventricular (HIPV).

Há duas décadas verificava-se uma incidência de 30% em RN pré-termo de peso inferior a 1.500 gramas; com os progressos na assistência perinatal tem-se assistido a diminuição da mesma (na actualidade, em países industrializados e com recursos de terapia intensiva, cerca 12% a 15% em RN com < 32 semanas gestacionais).

Salienta-se, a propósito, que a incidência global abrangendo as diversas formas de hemorragia intracraniana neonatal (subdural, epidural, subaracnoideia, parenquimatosa e da matriz germinativa/intraventricular) varia entre 2% e > 30% em função da idade gestacional.

Como resultado de tal patologia poderão surgir sequelas neurológicas graves.

Aspectos do desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC)

Para a compreensão da problemática relacionada com a HIPV, é importante abordar de modo sucinto alguns aspectos do desenvolvimento do SNC, sugerindo-se a leitura complementar de textos relativos à anatomofisiologia respectiva, e do capítulo seguinte.

 O desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) no decurso dos primeiros meses de gestação é caracterizado fundamentalmente por um processo de multiplicação e migração celulares: na sequência dum primeiro período de histogénese, na segunda metade da gravidez verifica-se marcado crescimento e diferenciação celulares, com continuidade após o nascimento.

A proliferação glial e neuronal é rápida nos primeiros meses, ocorrendo preferencialmente na zona ventricular do neuroepitélio primitivo. As células gliais radiárias estendem-se ao longo da parede ventricular até à pia-máter, servindo de guia a todos os neurónios jovens que vão surgir na zona germinativa ventricular. Todos estes eventos têm influência no número, diferenciação, e disposição da glia: qualquer noxa que actue nesta fase poderá originar alterações da migração, organização do tecido neuronal, e mielinização.

A partir da zona ventricular, uma primeira geração de neurónios em franca proliferação celular migra para a parte externa do tubo neural para formar a placa subcortical ou “sub placa”. Esta camada de células é em seguida atravessada por neurónios jovens que, em vagas sucessivas, vão formar, de dentro para fora, a placa cortical ou o futuro córtex. A migração celular termina por volta das 20-24 semanas, ficando então o capital neuronal fixado definitivamente.

A matriz germinativa é uma região transitória muito vascularizada, involuindo a partir das 34 semanas; praticamente desaparecida no termo da gestação, cabe salientar que os respectivos vasos, com características peculiares (grandes e irregulares, não exibindo características de arteríolas ou vénulas e constituídos basicamente por endotélio e membrana basal frágil), são muito vulneráveis a diversas noxas. A matriz germinativa, confinando com o ventrículo lateral, é um local de mitoses e proliferação celular, com produção de células gliais e de oligodendrócitos, os quais produzem mais tarde a mielina; a matriz germinativa produz igualmente astrócitos, que migram para a superfície externa do córtex.

A placa subcortical é uma estrutura transitória cujos neurónios, migrando, vão constituir o córtex; tais células, diferenciando-se, contribuem igualmente para a formação de receptores, de neurotransmissores e de factores de crescimento. A actividade destes neurónios processa-se a partir das 15 semanas de gestação, mantendo-se até cerca das 22-34 semanas; mediante processo de apoptose que, entretanto, se inicia e se processa até aos 6 meses de vida pós-natal, torna-se progressivamente nítido o desenvolvimento de conexões e de estruturas definitivas.

A formação dos sulcos acompanha a formação do córtex. O aspecto deste é liso cerca das 20 semanas, acelerando-se o seu crescimento no último trimestre; as etapas de formação dos sulcos são bem precisas, permitindo uma relação sequencial com a idade gestacional.

Os primeiros vasos sanguíneos provenientes da rede meníngea são alimentados por três grandes artérias cerebrais; têm um trajecto perpendicular à superfície na sua “penetração” e progressão para as camadas profundas. De salientar que a proliferação da árvore vascular é particularmente activa durante a fase de proliferação neuronal, sendo a maturação morfológica dos capilares muito precoce e muito rápida.

A mielinização constitui um fenómeno essencial para a velocidade de condução do influxo nervoso; o conjunto dos axónios mielinizados, formando um tecido branco nacarado, constitui a chamada substância branca.

Etiopatogénese e factores de risco

A HIPV, cuja etiopatogénese é multifactorial e envolve aspectos controversos, sem unanimidade entre os especialistas e investigadores, origina-se na zona da matriz germinal subependimária, zona muito vascularizada a partir da qual se geram neuroblastos e glioblastos. A mesma sofre processo de involução a partir das 34 semanas; ou seja, tal zona germinal tem tanto maior dimensão quanto menor a idade gestacional.

Os vasos capilares da referida matriz são constituídos por estrutura indiferenciada: endotélio e membrana basal frágil com escassez de tecidos de suporte envolvente e muito dependentes do metabolismo oxidante; tal fragilidade estrutural predispõe à ruptura e hemorragia por acção de determinados factores determinantes, mecânicos e hipóxico-isquémicos (factores vasculares).

Para além dos factores vasculares, são descritos outros factores determinantes (intravasculares e extravasculares).

Os factores extravasculares são constituídos pelo deficiente suporte tecidual envolvente e pela actividade fibrinolítica aumentada.

Os factores intravasculares podem ser sistematizados do seguinte modo:

  • hipotensão arterial com consequente hipoxémia e isquémia, seguidas de reperfusão;
  • alterações da coagulação e das plaquetas nem sempre explicadas (trombocitopénia, disfunção plaquetar), podendo originar obstrução paulatina de ramos das artérias cerebrais, já no terceiro trimestre da gravidez;
  • pressão venosa aumentada por dificuldade do retorno venoso, determinando congestão excessiva ao nível da zona germinal (associada a situações clínicas na transição fetal para a vida extrauterina, tais como trabalho de parto laborioso por via vaginal e a dificuldade respiratória, etc.);
  • débito cerebral aumentado e situações clínicas como hipertensão arterial de etiopatogénese diversa, hipercápnia e aumento da pressão arterial de CO2, hipervolémia, diminuição do hematócrito (a diminuição de 1 mmol/L de Hb contribui para incremento de 12% do débito cerebral), hipoglicémia, etc.;
  • instabilidade hemodinâmica com flutuações da pressão arterial e do débito cerebral (por exemplo em casos de ventilação mecânica assíncrona com os movimentos respiratórios do RN, susceptível de ser revertida por acção de agentes paralisantes musculares), manuseamento intempestivo do RN, convulsões, pneumotórax, aspiração traqueal em RN ventilados, canal arterial permeável, FiO2 elevada, etc..

Os mecanismos de lesão cerebral associados a HIPV podem ser assim sintetizados:

  1. congestão venosa e isquémia periventricular;
  2. destruição da matriz (com consequente destruição dos precursores da glia, formação quística e repercussão no desenvolvimento futuro por lesão cerebral);
  3. necrose hemorrágica na substância branca periventricular (unilateralmente) por obstrução do retorno venoso por sangue coagulado.
    De salientar que tal necrose/lesão da substância branca:
    • não resulta da extensão da hemorragia ventricular para o parênquima;
    • é distinta da leucomalácia periventricular – LPV (lesão simétrica bilateral, não hemorrágica, relacionável com perturbação circulatória arterial), abordada adiante, em capítulo próprio.*

*A LPV é uma forma de lesão da substância branca, frequentemente associada a HIPV na zona da matriz germinal, e cujo mecanismo exacto não está totalmente esclarecido: admite-se que seja secundária a isquémia e inflamação, associada a activação glial e a lesão dos preoligodendrócitos.

 

  1. hidrocefalia, desenvolvendo-se de forma aguda (dias), ou de modo progressivo e lento (designada lentamente progressiva, em semanas), explicável pelo fluxo de sangue coagulado ventricular através dos buracos de Magendie e Luschka, originando obstrução ao nível do quarto ventrículo e compromisso da circulação e/ou de reabsorção do LCR; se se verificar obstrução do aqueduto de Sylvius a hidrocefalia é não comunicante. Surge em cerca de 40% das grandes hemorragias.

Notas importantes:

    • De acordo com os conceitos de Volpe, determinada área de necrose inicialmente não hemorrágica pode evoluir para necrose hemorrágica no contexto de subsequente fenómeno de reperfusão a qual, por sua vez, poderá agravar a HIPV;
    • A hidrocefalia que surge nos casos de HIPV tem uma patogénese diversa da chamada ventriculomegália, esta última compensatória de atrofia cortical (tipo ex-vacuo);
    • No RN de termo, a HIPV pode manifestar-se por convulsões, apneia, irritabilidade, ou letargia, vómitos, desidratação ou fontanela hipertensa.

 

As HIPV, em função da sua extensão e gravidade, podem ser classificadas em 4 graus de acordo com os critérios de Papile e colaboradores; tal classificação tem implicações práticas importantes na clínica pela sua correspondência com parâmetros imagiológicos (designadamente ecográficos) que, em certa medida, são preditivos das complicações e do prognóstico a curto e longo prazo (Quadro 1).

QUADRO 1 – Classificação das HIPV em função da gravidade (critérios de Papile).

Notas: Os graus III e IV comportam maior risco de sequelas neurológicas.
A hemorragia subependimária é uma lesão hemorrágica de tamanho variável localizada na matriz germinal cobrindo a cabeça do núcleo caudado, área particularmente vascularizada entre as 24 e 32 semanas; distingue-se, pela localização, da hemorragia dos plexos coroideus que nunca está localizada à frente dos buracos de Monro.

Grau I
Hemorragia localizada à matriz germinal/hemorragia subependimária isolada (uni ou bilateral) – não hemorragia intraventricular

Grau II
Existência de sangue no ventrículo sem dilatação ventricular por ruptura da zona matriz – epêndimo

Grau III
Existência de sangue no ventrículo com dilatação ventricular

Grau IV
HIPV com extensão intraparenquimatosa

Volpe apresentou uma classificação baseada em critérios ecográficos, considerando três graus (Quadro 2).

QUADRO 2 – HIPV – Classificação de Volpe.

Notas: Segundo este critério, deve ser anotado se existe ou não ecodensidade periventricular (localização e extensão)
I
Hemorragia da matriz germinal não atingindo o ventrículo, ou sangue no ventrículo ocupando < 10% do seu volume
II
HIV ocupando 10%-15% do volume ventricular (visão em plano ecográfico sagital)
III
HIV ocupando > 50% do volume ventricular (visão em plano ecográfico para-sagital, com distensão lateral do ventrículo)

Manifestações clínicas e exames complementares

Cerca de 90% dos casos de HIPV surgem até às 72 horas de vida (3 dias de vida) e 50% até às 24 horas de vida. Por outro lado, a extensão das lesões ocorre em 20% a 40% dos casos em cerca de 3 a 5 dias.

Formas clínicas

As manifestações clínicas da HIPV podem assumir três formas:

Forma subclínica ou silenciosa

Nesta forma, mais frequente, os sinais neurológicos são praticamente inexistentes, sobressaindo a diminuição do hematócrito como sinal mais típico, e a dificuldade de correcção do respectivo défice após transfusão; daí a necessidade da detecção, como rotina, da HIPV em todos os RN pré-termo assistidos em UCIN.

Forma intermitente ou saltitante

Nesta forma, que corresponde a hemorragia de pequenas dimensões, os sinais surgem por fases (períodos sintomáticos de horas ou dias entrecortados por períodos de duração idêntica com aparente estabilização): hipotonia, diminuição da actividade motora espontânea, dificuldade respiratória, movimentos oculares anómalos, alteração do sensório (estado vígil, irritabilidade, estupor), ângulo poplíteo em extensão, etc.. Estes sinais podem passar despercebidos em RN pré-termo já afectados por outros problemas, neurológicos ou não.

Forma catastrófica

Esta forma, correspondente a HIPV importante, traduz-se por:

  1. um ou mais sinais de deterioração neurológica de modo rápido, em minutos a escassas horas: estupor ou coma, dificuldade respiratória (diminuição da amplitude e frequência dos movimentos respiratórios, apneia), convulsões tónicas generalizadas, pupilas não reactivas, tetraparésia flácida, postura de descerebração, etc.;
  2. um ou mais dos seguintes sinais: hipertensão da fontanela anterior, diminuição do hematócrito, hipotensão, bradicárdia, instabilidade térmica, acidose metabólica, alterações da homeostase glicémica e hidroelectrolítica, etc..

Poderá surgir quadro de hidrocefalia aguda, sendo que a mortalidade nesta forma é elevada.

No âmbito da avaliação clínica diária (implicando, entre outros gestos, medição rigorosa do perímetro cefálico), a verificação de aumento do perímetro cefálico igual ou superior a 2 cm por semana aponta para a possibilidade de hidrocefalia pós-hemorrágica.

Exames complementares

Ecografia transfontanelar e ecografia com-doppler

O exame de eleição à cabeceira do doente é a ecografia transfontanelar, susceptível de identificar os 4 graus de HIPV conforme foi referido antes (classificação de Papile).

Tendo em conta a data habitual de aparecimento de HIPV atrás referida, e sem prejuízo das decisões pontuais em função do contexto clínico, é aconselhável proceder em todos os RN com idade gestacional inferior a 32 semanas, a exames ecográficos seriados no 1º, 3º e 7º dias de vida pós-natal e, depois, semanalmente.

No caso de se verificarem alterações relevantes, deve proceder-se a seguimento ecográfico mais pormenorizado e mais frequente para detecção atempada de complicações, tais como dilatação ventricular e hidrocefalia pós-hemorrágica (medição das dimensões dos ventrículos através da funcionalidade do ecógrafo, determinação do chamado índice de dilatação ventricular).

Utilizando o eco-doppler, pode determinar-se o índice de resistência (IR) através da fórmula: IR = (VFS-VFD)/VFS em que VF= velocidade de fluxo, S= sistólico, e D= diastólico; com o referido índice, pretende-se medir a resistência ao fluxo sanguíneo, sendo que um índice elevado pode indicar baixa compliance (distensibilidade) intracraniana, o que comporta risco de perfusão cerebral deficitária e, consequentemente, possibilidade de lesão isquémica.

Reportando-nos à classificação de Papile, será mais fácil interpretar os aspectos da ecografia transfontanelar. (Figuras 1, 2, 3 e 4)

FIGURA 1. Hemorragia de grau I, já em fase de quisto. Corte sagital mediano. (UCIN-HDE)

FIGURA 2. Hemorragia de grau II com coágulos visíveis ao nível do corno posterior. Corte sagital. (UCIN-HDE)

FIGURA 3. Hemorragia de grau III com coágulo de moldagem. Corte coronal. (UCIN-HDE)

FIGURA 4. Hemorragia de grau III, com extensão ao parênquima (grau IV). Corte coronal. (UCIN-HDE)

Quando a hemorragia é maciça (grau III), pode observar-se todo o ventrículo preenchido e dilatado; a dilatação é proporcional às dimensões do conteúdo intraventricular. Em situações extremas poderão verificar-se sinais hemorrágicos no 3º e 4º ventrículo e, por vezes, no espaço subaracnoideu infratentorial, ocupando a cisterna magna.

A hemorragia intraparenquimatosa (grau IV), unilateral, é detectada como lesão hiperecogénica, ocupando o parênquima (evoluindo para cavitação), em contacto íntimo com o ventrículo lateral, de forma globosa ou de forma triangular; está associada a hemorragia intraventricular abundante. Por vezes produz efeito de massa e anomalias da circulação cerebral da zona atingida. (Figura 4)

A ecografia transfontanelar poderá igualmente identificar sinais de hemorragia cerebelosa cuja destrinça com hemorragia subdural infratentorial é difícil.

Tomografia axial computadorizada (TAC)

Em situações especiais poderá estar indicado este tipo de exame imagiológico para esclarecimento etiopatogénico de lesões intraparenquimatosas mais periféricas; está também indicado em casos compatíveis com síndromas neurológicas acompanhadas de hemorragia intracraniana, havendo antecedentes de parto traumático (por ex. hematoma subdural e epidural da fossa posterior, hemorragia cerebelosa no pré-termo).

Ressonância magnética (RM)

Tendo em conta as limitações técnicas relacionadas com a sua execução, está indicada apenas em formas graves e no estudo evolutivo pós-neonatal.

Espectroscopia próxima dos infravermelhos

Nalguns centros especializados e em situações seleccionadas, utiliza-se este método para avaliar o processo de autorregulação da circulação cerebral.

Exame do líquido cefalorraquidiano (LCR)

Somente se justifica a punção lombar em RN sem condições para intervenção cirúrgica e com a finalidade de tentar reverter a dilatação ventricular (ver adiante); no caso de ser realizada, é possível verificar-se eritrorráquia, hiperproteinorráquia e hipoglicorráquia.

Diagnóstico diferencial

No RN pré-termo poderá surgir um quadro neurológico (tipificado por uma das formas clínicas atrás descritas), caracterizado fundamentalmente por convulsões e depressão respiratória, e explicado por hemorragia cerebelosa espontânea ou de causa traumática (partos de apresentação pélvica ou manobras de reanimação com máscara implicando compressão da face e região occipital); como consequência poderá surgir enfarte venoso.

Como factores predisponentes citam-se alterações hemodinâmicas e da coagulação.

Prevenção

A prevenção da HIPV implica um conjunto de medidas pré-natais, intra-parto e pós-natais.

Medidas pré-natais

As medidas pré-natais dizem respeito essencialmente à correcta assistência da grávida transferindo-a atempadamente para centros especializados se existir risco de parto pré-termo. Duas medidas pré-natais importantes dizem respeito:

  • à administração de antibioticoterapia à grávida em caso de ruptura prematura das membranas como medida eficaz de prevenção da hemorragia da matriz germinal e de parto pré-termo (com efeito, a infecção das membranas, associada à sua ruptura prematura, poderá desencadear o parto pelo facto de certos microrganismos, produtores de prostaglandinas, estimularem a contractilidade uterina);
  • à corticoterapia com betametasona como medida potencialmente útil no que respeita à maturação dos vasos da matriz germinal.

Medidas intra-parto

Estas medidas dizem respeito ao parto minimamente traumático e realizado por equipa experiente em centro especializado.

Medidas pós-natais

Reanimação neonatal
  •  minimamente traumática, em ambiente de termoneutralidade;
  • evitando a utilização de solutos hipertónicos e de expansão rápida da volémia;
  • evitando hipóxia, hiperóxia, hipercápnia, hipocápnia e oscilações da pressão arterial.
Cuidados gerais
  • mantendo a cabeça do RN em posição neutra/decúbito dorsal (a rotação da cabeça poderá aumentar a pressão venosa central);
  • promovendo a mínima manipulação, o mínimo ruído e a mínima luminosidade.

Nota importante:
A administração de fenobarbital, vitamina E, indometacina e etamcilato não evidenciaram redução da incidência de HIPV, de acordo com as conclusões de estudos meta-analíticos.

 

Tratamento

Caso se verifiquem sinais de dilatação ventricular progressiva para além das quatro semanas de vida, há que intervir com um conjunto de procedimentos e atitudes cujo objectivo é facilitar a eliminação ou a remoção do LCR; está indicada tal remoção assistida por eco-doppler caso se verifique incremento de IR > 30% em relação à linha de base, ou linha de base de IR > 0,9.

  • punção lombar periódica: em geral procede-se à extracção de parcelas de 10-15 mL/kg de LCR em cada punção lombar, dependendo o número e duração das mesmas da evolução e resultado conseguido; este método tem riscos, tais como meningite e ventriculite;
  • drenagem ventricular: a drenagem ventricular recomendada é a drenagem definitiva ventriculoperitoneal por equipa de neurocirurgia pediátrica; como técnica invasiva, indicada em cerca de 10% das HIPV, comporta também riscos relacionados com morbilidade infecciosa; como alternativa provisória, em certos casos, pode utilizar-se a derivação externa para correcção emergente de hipertensão intracraniana ou nos casos de obstrução da derivação definitiva.

Como se pode depreender, em todas as circunstâncias torna-se obrigatória a vigilância seriada ecográfica (enquanto a fontanela anterior persistir) e/ou através de TAC.

  • inibidores da anidrase carbónica: em geral utiliza-se a acetazolamida, que também comporta riscos como aparecimento de acidose metabólica e efeito desmielinizante; caso se associe ao furosemido, existe ainda o risco de nefrocalcinose por hipercalciúria.

Prognóstico

O prognóstico da HIPV é, em princípio, reservado, designadamente nas situações correspondentes aos graus III e IV; tal circunstância implica um esquema organizado de seguimento multidisciplinar a longo prazo. Contudo, em RN pré-termo com formas de grau I-II, em comparação com idêntica população sem HIPV, existe maior probabilidade de paralisia cerebral e de alterações do foro cognitivo.

As sequelas mais frequentemente surgidas, dependentes das lesões associadas, são as seguintes: epilepsia, sequelas motoras, hemiplegia espástica, e alterações cognitivas por lesões de diversas estruturas como axónios, dendritos, sinapses e mielina.

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ENCEFALOPATIA NEONATAL

Definições e importância do problema

A encefalopatia neonatal é uma síndroma definida clinicamente por disfunção neurológica no RN de termo no período neonatal precoce. Manifesta-se por uma combinação de sinais incluindo alteração do estado de consciência, tono muscular ou reflexos anormais, alterações da função autonómica, ou convulsões.

A importância deste problema clínico, relacionado com lesão neonatal do SNC, pode ser tipificada por números: em todo o mundo, anualmente, letalidade de 1 milhão de crianças e 1 milhão de casos com sequelas permanentes e invalidantes.

Como factores etiológicos descrevem-se os seguintes:

  1. combinação de hipóxia e isquémia intra ou pré-parto (encefalopatia hipóxico-isquémica/EHI) que pode ser acompanhada por sinais de sofrimento fetal, e diversas patologias do foro vascular, incluindo hemorragia intracraniana e acidente vascular cerebral;
  2. lesão secundária a traumatismo de nascimento;
  3. infecções;
  4. alterações genéticas;
  5. alterações metabólicas; e
  6. anomalias congénitas cerebrais.

Neste capítulo é dada ênfase à EHI em RN de termo. Nos capítulos seguintes são abordadas as seguintes nosologias: Hemorragias Intracranianas, Enfarte Cerebral e Leucomalácia Periventricular, esta última associada a determinado grupo de hemorragias intracranianas, como paradigma de lesão da substância branca.

Na literatura médica, relativamente à patologia parenquimatosa (adquirida) do SNC no RN, é adoptada uma sistematização nosológica diversa. Como alternativa ao termo Encefalopatia Neonatal, emprega-se o termo Lesão Cerebral Neonatal. Assim, neste conceito, são englobadas as seguintes entidades: Encefalopatia Hipóxico-Isquémica, Enfarte Cerebral, Hemorragia Intracraniana, Lesão da Substância Branca, Abcessos Cerebrais e Tumores Cerebrais.

ENCEFALOPATIA HIPÓXICO-ISQUÉMICA

Introdução

A EHI pressupõe a existência de lesão cerebral atribuída a hipóxa-isquémia.

O défice de oxigenação tecidual pode ser causado, quer por hipoxémia (diminuição do conteúdo em oxigénio no sangue), quer por isquémia (redução da perfusão sanguínea em determinado território); em geral, estes dois eventos ocorrem em simultâneo ou de modo sequencial.

Asfixia define-se como o compromisso das trocas gasosas, correspondendo, não só ao défice de oxigenação sanguínea, mas igualmente ao excesso de CO2 (hipercápnia), com consequente acidose.

O diagnóstico de asfixia perinatal implica a presença de 4 critérios:

  1. pH arterial umbilical <7,0;
  2. índice de Apgar 0-3 aos 5 minutos;
  3. sinais neurológicos no pós-parto;
  4. disfunção multiorgânica no período neonatal imediato (pulmonar, renal, cardiovascular, metabólico, gastrintestinal, hematológico), ou morte.

Uma situação de asfixia perinatal mantida, determinando a hipotensão e isquémia e conduzindo a alteração do débito sanguíneo cerebral, é a causa mais frequente de encefalopatia hipóxico-isquémica (EHI).

A designação de depressão neonatal corresponde à situação clínica de RN de termo com adaptação prolongada à vida extrauterina, geralmente associada a índice de Apgar baixo ao 1 e 5 minutos.

Aspectos epidemiológicos

A incidência de EHI (causa importante de morbilidade e de mortalidade) é cerca de 2 a 9/1.000 nados-vivos, em proporção muito maior nos países em desenvolvimento.

A mortalidade global por asfixia perinatal oscila entre 10% e 30%; a frequência de sequelas no âmbito do neurodesenvolvimento em sobreviventes com tal patologia é da ordem de 15% a 45%.

O risco de paralisia cerebral (PC), havendo antecedentes de asfixia perinatal, é 5%-10% em comparação com 0,2% na população geral. De acordo com estudo nacional sobre PC aos 5 anos, foi possível atribuir a etiologia “asfixia perinatal e neonatal” em 11% dos casos.

Importa referir-se, a propósito, que qualquer anomalia neurológica detectada após o período neonatal (designadamente na 1ª e 2ª infância) somente poderá ser atribuída a asfixia perinatal se se tiver verificado quadro compatível com EHI no período neonatal imediato.

Nota importante:
A maioria das situações de PC não se relaciona com asfixia perinatal e a maioria das situações de asfixia perinatal não causa PC.

Etiopatogénese

A agressão hipóxico-isquémica pode verificar-se de maneira aguda ou crónica, e em qualquer momento da gestação. Actualmente, admite-se que a lesão neuronal conduzindo à necrose, e relacionada com asfixia, surge após fase inicial de hipóxia-isquémia, isto é, na fase de reperfusão cerebral.

Durante os eventos de asfixia (que, em 90% dos casos, ocorrem ante- ou intra-parto), o metabolismo cerebral altera-se substancialmente; na falta de O2, entra em acção a glicólise anaeróbia como fonte energética de alternativa para a célula nervosa o que, por sua vez, conduz a depleção rápida da ATP neuronal, acumulação de lactato, e falência dos mecanismos de “bomba” da membrana, o que leva ao aparecimento de acidose. Desta última falência resultam influxo e acumulação intracelular de Na+ e Ca++ e de aminoácidos excitatórios tais como o aspartato e glutamato, levando a edema citotóxico e a vasospasmo.

Sendo restaurado o débito sanguíneo cerebral (reperfusão), são produzidos radicais livres de oxigénio e de óxido nítrico, o que leva ao agravamento do vasospasmo e a lesão mitocondrial. Estes, juntamente com o edema citotóxico, conduzem à morte neuronal, que pode ser imediata ou processar-se de modo progressivo em diversas áreas.

O óxido nítrico (nas células e nos endotélios), considerado inicialmente factor protector pelo efeito vasodilatador e antiagregante das plaquetas, reage com o superóxido produzindo peroxinitrito, de cuja degradação resulta o radical hidroxilo, potente agente oxidante.

Outro efeito da elevação do cálcio intracelular é a estimulação das fosfolipases que promovem a destruição das membranas fosfolipídicas das membranas neuronais com libertação de ácido araquidónico cuja metabolização – quer pela via da cicloxigenase, quer pela da lipoxigenase – leva à formação de compostos vasoconstritores (por ex. leucotrienos e tromboxanos) agravando a isquémia inicial.

No recém-nascido de termo, a necrose neuronal é selectiva, sendo atingidas as seguintes zonas: os hemisférios, o córtex visual, o hipocampo, os núcleos cinzentos centrais, o tálamo e o hipotálamo. No tronco cerebral são afectados os tubérculos quadrigémeos, os núcleos oculomotores, a formação reticulada, os núcleos da protuberância e os núcleos bulbares.

A gravidade das lesões exprime-se em geral de forma descendente; nas formas moderadas, as lesões são restritas ao córtex; e, nas formas graves, são afectados os núcleos cinzentos centrais.

A propósito dos mecanismos de lesão cerebral no RN de termo cabe salietar os resultados da investigação de Ferriero. Este autor chamou a atenção para uma particularidade do efeito do estresse oxidativo e da excitotoxicidade: simultaneamente inflamação e fenómeno de reparação. A morte celular inicia-se imediatamente após a agressão, continuando durante dias ou semanas. Verifica-se, contudo, uma mudança no fenótipo da morte celular variando entre padrão de morfologia necrótica precoce e patologia assemelhando-se a apoptose. A este tipo de evolução chama-se continuum de necrose-apoptose.

A nova modalidade de tratamento com hipotermia (ver adiante) permite reduzir o metabolismo cerebral, o edema citotóxico, a pressão intracraniana e a apoptose. De referir também como efeitos benéficos limitar a extensão da lesão neuronal através de mecanismos diversos tais como inibição de radicais livres.

Para além do SNC, outros órgãos podem evidenciar repercussões da asfixia, tais como:

  • rim, o órgão mais frequentemente afectado no contexto de asfixia perinatal (necrose tubular aguda ou cortical);
  • miocárdio e músculo estriado (isquémia, diminuição da contractilidade ventricular, insuficiência tricúspide, frequência cardíaca fixa, com ausência de variabilidade);*
  • sistema digestivo (isquémia intestinal e ECN);
  • sangue periférico, medula óssea e fígado (disfunção hepática, deficiente produção de factores de coagulação, deficiente produção de plaquetas);
  • sistema respiratório (aumento da resistência vascular pulmonar, disfunção e destruição do surfactante, hemorragia);
  • suprarrenal (hemorragia suprarrenal).

Etiopatogénese

A agressão hipóxico-isquémica pode verificar-se de maneira aguda ou crónica, e em qualquer momento da gestação. Actualmente, admite-se que a lesão neuronal conduzindo à necrose, e relacionada com asfixia, surge após fase inicial de hipóxia-isquémia, isto é, na fase de reperfusão cerebral.

Durante os eventos de asfixia (que, em 90% dos casos, ocorrem ante- ou intra-parto), o metabolismo cerebral altera-se substancialmente; na falta de O2, entra em acção a glicólise anaeróbia como fonte energética de alternativa para a célula nervosa o que, por sua vez, conduz a depleção rápida da ATP neuronal, acumulação de lactato, e falência dos mecanismos de “bomba” da membrana, o que leva ao aparecimento de acidose. Desta última falência resultam influxo e acumulação intracelular de Na+ e Ca++ e de aminoácidos excitatórios tais como o aspartato e glutamato, levando a edema citotóxico e a vasospasmo.

Sendo restaurado o débito sanguíneo cerebral (reperfusão), são produzidos radicais livres de oxigénio e de óxido nítrico, o que leva ao agravamento do vasospasmo e a lesão mitocondrial. Estes, juntamente com o edema citotóxico, conduzem à morte neuronal, que pode ser imediata ou processar-se de modo progressivo em diversas áreas.

O óxido nítrico (nas células e nos endotélios), considerado inicialmente factor protector pelo efeito vasodilatador e antiagregante das plaquetas, reage com o superóxido produzindo peroxinitrito, de cuja degradação resulta o radical hidroxilo, potente agente oxidante.

Outro efeito da elevação do cálcio intracelular é a estimulação das fosfolipases que promovem a destruição das membranas fosfolipídicas das membranas neuronais com libertação de ácido araquidónico cuja metabolização – quer pela via da cicloxigenase, quer pela da lipoxigenase – leva à formação de compostos vasoconstritores (por ex. leucotrienos e tromboxanos) agravando a isquémia inicial.

No recém-nascido de termo, a necrose neuronal é selectiva, sendo atingidas as seguintes zonas: os hemisférios, o córtex visual, o hipocampo, os núcleos cinzentos centrais, o tálamo e o hipotálamo. No tronco cerebral são afectados os tubérculos quadrigémeos, os núcleos oculomotores, a formação reticulada, os núcleos da protuberância e os núcleos bulbares.

A gravidade das lesões exprime-se em geral de forma descendente; nas formas moderadas, as lesões são restritas ao córtex; e, nas formas graves, são afectados os núcleos cinzentos centrais.

A propósito dos mecanismos de lesão cerebral no RN de termo cabe salietar os resultados da investigação de Ferriero. Este autor chamou a atenção para uma particularidade do efeito do estresse oxidativo e da excitotoxicidade: simultaneamente inflamação e fenómeno de reparação. A morte celular inicia-se imediatamente após a agressão, continuando durante dias ou semanas. Verifica-se, contudo, uma mudança no fenótipo da morte celular variando entre padrão de morfologia necrótica precoce e patologia assemelhando-se a apoptose. A este tipo de evolução chama-se continuum de necrose-apoptose.

A nova modalidade de tratamento com hipotermia (ver adiante) permite reduzir o metabolismo cerebral, o edema citotóxico, a pressão intracraniana e a apoptose. De referir também como efeitos benéficos limitar a extensão da lesão neuronal através de mecanismos diversos tais como inibição de radicais livres.

Para além do SNC, outros órgãos podem evidenciar repercussões da asfixia, tais como:

  • rim, o órgão mais frequentemente afectado no contexto de asfixia perinatal (necrose tubular aguda ou cortical);
  • miocárdio e músculo estriado (isquémia, diminuição da contractilidade ventricular, insuficiência tricúspide, frequência cardíaca fixa, com ausência de variabilidade);*
  • sistema digestivo (isquémia intestinal e ECN);
  • sangue periférico, medula óssea e fígado (disfunção hepática, deficiente produção de factores de coagulação, deficiente produção de plaquetas);
  • sistema respiratório (aumento da resistência vascular pulmonar, disfunção e destruição do surfactante, hemorragia);
  • suprarrenal (hemorragia suprarrenal).

*De facto a hipóxia-isquémia leva a lesão da membrana e libertação de substâncias intracelulares para a corrente sanguínea como troponina cardíaca I (cTNI) e péptido natriurético (N-Terminal PRO-BNP) que podem servir de marcadores de disfunção miocárdica. A creatina-quinase (CK-MB) elevada traduz estresse ao nível do músculo liso (ver adiante).

Manifestações clÍnicas

Quanto aos antecedentes há a referir: problemas obstétricos associados a dificuldade mecânica no parto e a difícil adaptação do feto à vida extrauterina com depressão grave traduzida por índice de Apgar baixo; e dificuldade na iniciação e manutenção da respiração espontânea obrigando a manobras de reanimação na sala de partos.

O quadro de EHI integra um conjunto de sinais neurológicos acompanhados ou não, em grau variável, doutras manifestações ao nível doutros sistemas (disfunção multiorgânica): disfunção renal, dificuldade respiratória, hipertensão pulmonar, hipoglicémia, hipocalcémia, acidose, disfunção hepática, enterocolite necrosante, trombocitopénia, CIVD, etc.. Os referidos sinais podem surgir no pós-parto imediato ou mais tarde.

O espectro de manifestações varia entre o grau I ou forma ligeira, grau II ou forma moderada e grau III ou forma grave (Quadro 1, adaptado de M Levene).

QUADRO 1 – Gravidade da EHI.

(adaptado de M Levene, 1985)
Grau I
(ligeira)
Grau II
(moderada)
Grau III
(grave)
Irritabilidade
Hiperalerta
Hipotonia ligeira
Sucção débil
Não convulsões

Letargia

Hipotonia moderada
Sonda de alimentação
Convulsões

Coma

Hipotonia grave
Não respiração espontânea
Convulsões prolongadas

Adoptando os critérios clássicos de Sarnat & Sarnat na EHI (englobando mais parâmetros do que os da classificação de M Levene) podem ser considerados três estádios evolutivos designados respectivamente por estádio 1 (manifestações ligeiras), estádio 2 (manifestações moderadas) e estádio 3 (manifestações graves) (Quadro 2).

QUADRO 2 – EHI – Critérios de Sarnat & Sarnat (Estádios 1, 2 e 3).

Abreviaturas: > = aumentado; < = diminuído; Mov espont = movimentos espontâneos; N = normal; ROT = reflexos ósteo-tendinosos; FC = frequência cardíaca; EEG = electroencefalograma; d = dias; h = horas; episód. = episódios de; GI = gastrintestinal.
Parâmetros 123
Consciência
Mov espont
Tono muscular
Postura
Irritabilidade
Aumentados
N ou > ligeiro
Flexão discreta das extremidades
Letargia
Diminuídos
< ligeiro
Flexão acentuada das extremidades
Estupor ou coma
Diminuídos ou ausentes
Flacidez
Extensão dos membros superiores e inferiores
ROT
Pupilas
N
Midríase
<
Miose ou anisocória
Arreflexia
Hipo/arreflexia à luz
RespiraçãoEspontâneaEspontânea ou apneia episód.Periódica ou apneia
FC
Secreção salivar, brônquica
Motilidade GI
Convulsões
EEG 
>
Escassa
N ou <
Não
N
<
Abundante
>
Frequentes
Amplitude < Espículas focais
Variável
Variável
Variável
Variável
Padrão periódico com fases isoeléctricas ou isoeléctrico
Duração
Prognóstico
< 24 h
Bom
2-14 d
Bom (80%) se < 5 d
Reservado se > 5 d
Horas a semanas
Mortalidade ~50%
Sequelas ~50%

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial da EHI faz-se designadamente com outras situações acompanhadas de convulsões.

Nesta alínea cabe uma referência especial a um quadro relacionado com enfarte cerebral de território irrigado pela artéria cerebral média. É caracterizado clinicamente por convulsões de manifestação precoce, tal como acontece em certas formas de EHI.

Com efeito, estes acidentes vasculares podem ocorrer já no período de vida fetal ou intraparto; situações como a gemelaridade e anomalias congénitas cardíacas podem constituir factores predisponentes. Em cerca de 50% dos casos surgem como consequência de asfixia perinatal. Outros mecanismos patogénicos incluem arteriopatia, tromboembolismo/hipercoagulabilidade, vasospasmo e acção traumática.

Exames complementares

Salientando-se a noção de que o diagnóstico de EHI é fundamentalmente clínico, cabe referir alguns exames complementares com interesse para o estudo evolutivo e para avaliação prognóstica e diagnóstico diferencial; a sua escolha deverá ser criteriosa em função dos antecedentes e da evolução clínica.

Genericamente, pode ser evidenciada por critérios bioquímicos (CK-MB, CK-BB), electrofisiológicos (ECG, EEG), imagiológicos (ecografia transfontanelar), TAC, RM, ou anomalias detectadas post-mortem.

Sintetizando:

  • Exame do LCR – poderá estar indicado se existir suspeita de quadro infeccioso.
  • ECG – no âmbito deste exame, segundo estudos recentes, valoriza-se o parâmetro variabilidade da frequência cardíaca (VFC ou HRV) como possível marcador de lesão cerebral, com valor prognóstico. De salientar que a HRV permite avaliar a actividade do sistema nervoso autónomo (simpático e parassimpático), recordando-se que a elevada FC no RN traduz predomínio da actividade simpática associada a diminuição da actividade vagal.
  • EEG – reportando-nos ao Quadro 2, cabe salientar que o traçado se relaciona com a gravidade da situação.
  • aEEG – actualmente, está disponível uma nova modalidade de EEG (designada EEG de amplitude integrada) com vantagens no que respeita à monitorização dos efeitos do tratamento efectuado em situações com convulsões e/ou submetidas a hipotermia como terapêutica (ver adiante).
  • Ecografia transfontanelar – técnica com limitações, a realizar sistematicamente em todos os casos de asfixia perinatal na perspectiva de selecção de casos para outros exames; na fase inicial, a contribuição é escassa, podendo ser detectados sinais de edema; o eco-Doppler permite medir os fluxos arteriais e o chamado índice de resistência (Figuras 1 e 2).
  • TAC – poderá fornecer dados representativos de lesões do córtex cerebral, tálamo, gânglios da base e região periventricular; indicada na 2ª-4ª semana de vida, poderá dar contributo quanto ao prognóstico; igualmente com interesse nos casos em que se admite a hipótese de enfarte cerebral;
  • Espectroscopia de protões – trata-se duma técnica que permite avaliar a concentração de vários substratos do cérebro cujo perfil se altera após episódio de hipóxia-isquémia-reperfusão.

FIGURA 1. Imagem de ecografia transfontanelar de RN com EHI. Aspecto de enfarte na região têmporo-occipital (corte sagital). (UCIN-HDE)

FIGURA 2. Imagem de ecografia transfontanelar de RN com EHI. Aspecto de enfartes na região da fenda e zona cortical (corte coronal). (UCIN-HDE)

No que respeita à avaliação dos efeitos da asfixia em diversos órgãos e sistemas, cabe referir os seguintes exames:

Coração

  • Troponina cardíaca I (cTNI) e troponina cardíaca T (cTnT), proteínas que são marcadores de lesão do miocárdio, com efeito sobre a interacção entre actina e miosina, mediada pelo cálcio. Valores normais: I= 0-0,28 ±0,42 mcg/L; T= 0-0,097 mcg/L. Valores elevados associam-se situações de asfixia comprovada.
  • Creatinacinase, fracção MB (CK-MB). Valores elevados >5-10% poderão indicar lesão miocárdica.
  • NT-pro BNP (valores de referência entre as 24 e 48 horas de vida: mediana de 3300 pg/mL, diminuindo para 1180 pg/mL após 48 horas). Valores superiores devem ser avaliados em função do contexto clínico (ver Glossário Geral).

SNC

  • CK, fracção BB (CK-BB). Valores elevados em situação de asfixia ao cabo de ~12 horas; contudo não tem valor prognóstico.
  • Proteína S-100 + CK-BB. Valores elevados de proteína S-100 (>8,5 mcg/L) + de CK-BB, associados a pH arterial baixo são preditivos de encefalopatia moderada a grave (sensibilidade ~70% e especificidade ~90-95%).

Rim

  • Beta-2 microglobulina urinária (proteína de baixo peso molecular filtrada pelo glomérulo e quase reabsorvida na totalidade no túbulo proximal). Valores elevados são indicadores de disfunção tubular proximal.
  • FENa pode igualmente demonstrar a repercussão sobre a função renal.
  • CysC/cistatina C urinária e NGAL (Neutrophil gelatinase-associated lipocalin) sérica e urinária elevados são também marcadores preditivos precoces de lesão renal aguda secundária a encefalopatia neonatal (consultar bibliografia).
  • Ecografia renal. Anomalias detectadas correlacionam-se com oligúria.

Tratamento

Os princípios gerais do tratamento da EHI – não consensuais em centros internacionais idóneos – obedecem à noção de que a lesão neuronal pode ser minorada se a actuação no periparto for adequada e atempada.

Seguidamente resumem-se os tópicos principais de tal actuação:

  • Ventilação mecânica desde o pós-parto, e por período variando entre 48 a 72 horas em função do contexto clínico, com o objectivo de normalização dos parâmetros de pH e gases no sangue na tentativa de manutenção dos seguintes valores: pH (7,25-7,40), PaO2 (50-70 mmHg), PaCO2 (45-60 mmHg), SpO2 (90-93%);
  • Estabilização hemodinâmica, metabólica e hidroelectrolítica; ou seja, manutenção dos valores normais da pressão arterial, da glicémia, da natrémia, da potassémia com monitorização da diurese e dos parâmetros da função renal (osmolalidades sérica e urinária, creatinina sérica, ionogramas urinário e sérico, etc.);
  • Tratamento das convulsões;
  • Tratamento do edema cerebral através da administração de corticóides e manitol.

Outras medidas têm por finalidade prevenir a morte neuronal tardia por mecanismos diversos tais como administração de barbitúricos (tiopental), bloqueantes dos canais do cálcio, bloqueantes dos receptores dos neurotransmissores, inibidores da sintetase do óxido nítrico e células histaminais obtidas do cordão umbilical.

A hipotermia corporal iniciada antes das 6 horas de vida (providenciando temperaturas ~33-34ºC durante 72 horas, com reaquecimento ulterior progressivo), constitui um método já aplicado no nosso país com as seguintes indicações: < 6 horas de vida, > 36 semanas de idade gestacional, evidência de asfixia perinatal, EHI moderada ou grave e exclusão de defeitos congénitos.

O grau de EHI deve ser avaliado até 1 hora de vida no sentido de identificar forma ligeira (obrigando a hipotermia passiva), ou forma moderada a grave (obrigando a hipotermia induzida). Na forma moderada a grave está indicada transferência para hospital onde possa ser aplicada hipotermia induzida/terapêutica.

Os pormenores desta técnica ultrapassam os objectivos deste livro.

Como terapêuticas emergentes, em fase de investigação, citam-se a administração de eritropoietina e de células estaminais.

Prognóstico

Em complemento do que foi descrito no Quadro 2, e de acordo com diversos estudos multicêntricos, salienta-se que a mortalidade por EHI oscila entre 10 e 15%. As principais sequelas (15-20%) detectadas são: paralisia cerebral (formas discinéticas e tetraplegia), epilepsia, insuficiência mental, microcefalia, cegueira cortical, surdez e perturbações da linguagem.

Em suma, quanto mais precocemente se manifestarem os sinais neurológicos, maior duração tiverem, e mais exuberantes os achados do EEG, pior o prognóstico.

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CONVULSÕES NO RECÉM-NASCIDO

Definição, aspectos epidemiológicos e importância do problema

As convulsões são anomalias paroxísticas traduzidas por manifestações motoras, comportamentais ou autonómicas. Não se trata duma doença específica, mas seguramente de um importante epifenómeno de disfunção neurológica.

No conceito global de convulsão neonatal são englobados dois grandes grupos:

  • as convulsões epilépticas ou manifestações relacionadas com descargas eléctricas excessivas e síncronas de neurónios cerebrais, associadas a sinais electroencefalográficos; e
  • as convulsões não epilépticas ou manifestações paroxísticas estereotipadas, não acompanhadas de alterações electroencefalográficas.

Estabelecendo comparação com alterações paroxísticas doutros grupos etários, cabe referir as seguintes destrinças:

  • devido à imaturidade do córtex cerebral no RN e à incompleta mielinização do sistema nervoso, as convulsões tónico-clónicas generalizadas são raras no período neonatal;
  • tendo em conta, por outro lado, o maior desenvolvimento das áreas subcorticais (designadamente diencéfalo e tronco cerebral) no RN, os fenómenos oculomotores, oro-buco-linguais e os sinais de disfunção autonómica são mais frequentes.

A incidência de convulsões neonatais varia muito em função da idade gestacional, das populações estudadas (com situações de risco variáveis) e dos critérios utilizados para a sua definição (clínicos ou electroencefalográficos).

Considerando o peso de nascimento, é estimada a seguinte incidência: – RN de peso < 1.500 g: 57,5/1.000; – RN de peso entre 2.500 e 3.999 g: 2,8/1.000.

Devido à possibilidade de tal disfunção (relacionável com múltiplos factores) poder originar, por sua vez, danos subsequentes ao nível do sistema nervoso, deverá existir da parte do clínico que presta cuidados a RN um elevado nível de suspeita, o que implica diagnóstico e tratamento realizados com celeridade e, muitas vezes, aplicação de medidas sintomáticas antes do diagnóstico etiológico.

Etiopatogénese

Existindo ainda muitas dúvidas quanto à patogénese das convulsões em geral há, contudo, mecanismos básicos que importa realçar:

  • imaturidade cerebral associada a predomínio do papel dos neurotransmissores excitatórios (primariamente glutamato, com maior expressão dos respectivos receptores e escassez relativa dos respectivos transportadores) em relação aos neurotransmissores inibitórios (primariamente GABA/ácido gama aminobutírico); de tal resulta mais intenso e prolongado contacto do glutamato com os receptores pós-sinápticos; uma vez que a vitamina B6 ou piridoxina é um cofactor para a síntese de GABA, deduz-se que o défice ou ausência desta última constitui factor predisponente de convulsões;
  • as características de imaturidade dos receptores do glutamato anteriormente referidas facilitam o influxo catiónico e a despolarização da membrana, activando o fenómeno de convulsão;
  • hipofuncionamento dos neurotransmissores inibitórios no cérebro imaturo, o que se relaciona com a fraca expressão dos respectivos canais iónicos;
  • disfunção da bomba de Na/K com repercussão negativa na produção de energia celular, o que é favorecido em situações de hipóxia-isquémia e hipoglicémia;
  • disfunção ao nível da membrana celular do neurónio, traduzida nomeadamente por maior permeabilidade, o que é favorecido por situações acompanhadas de hipocalcémia e hipomagnesiémia.

Para além destes factores celulares, as características do desenvolvimento do SNC no cérebro imaturo também favorecem o predomínio do estado excitatório, predispondo a convulsões; por exemplo, ao nível da substantia nigra, as vias excitatórias desenvolvem-se antes das vias inibitórias.

Na perspectiva da prática clínica, os factores etiológicos mais frequentemente implicados são mencionados no Quadro 1.

QUADRO 1 – Convulsões neonatais. Factores etiológicos.

Encefalopatia hipóxico-isquémica
Encefalopatia hipertensiva
Infecções (grupo TORCHS, meningite, meningoencefalite, etc.)
Anomalias congénitas (agenésia cerebral, etc.)
Lesões cérebro-vasculares (enfartes arteriais e venosos, etc.)
Lesões traumáticas (hematoma subdural, hemorragia intraperiventricular, etc.)
Alterações hidroelectrolíticas e metabólicas (hiponatrémia, hipernatrémia, hipoglicémia, hipocalcémia, hipomagnesémia, etc.)
Doenças hereditárias do metabolismo (galactosémia, frutosémia, aminoacidopatias, anomalias do ciclo da ureia, hiperglicinémia cetótica e não cetótica, etc.)
Convulsões familiares (esclerose tuberosa, síndromas neurocutâneas, etc.)
Privação de drogas (heroína, etc.)
Efeito de fármacos, “tóxicos e toxinas” (isoniazida, bilirrubina, etc.)
Síndromas genéticas (síndroma de Smith-Lemli-Opitz, síndroma de Zellweger, etc.)
Outros

Manifestações clínicas

A classificação das convulsões neonatais mais utilizada é a que foi descrita por JJ Volpe em 1989.

De acordo com a semiologia clínica são discriminados quatro tipos (subtis, clónicas, tónicas e mioclónicas.

Na classificação que integra o Quadro 2, a sistematização geral, variante da classificação de JJ Volpe considera: as convulsões com ou sem alterações electroencefalográficas, respectivamente epilépticas e não epilépticas e as chamadas convulsões traduzidas apenas por anomalias no EEG (assintomáticas).

A convulsão subtil corresponde a uma alteração motora, autonómica ou comportamental que surge mais frequentemente em RN pré-termo, nem sempre acompanhada de alterações do EEG.

QUADRO 2 – Tipos de convulsões neonatais.

Convulsões epilépticas (associadas a anomalias no EEG)

    • Subtis (predominantemente no RN pré-termo)
    • Clónicas focais e multifocais
    • Mioclónicas generalizadas e focais
    • Tónicas focais

 Convulsões não epilépticas (não associadas a anomalias no EEG)

    • Mioclónicas focais e multifocais
    • Tónicas generalizadas
    • Subtis
Convulsões “electroencefalográficas” ou anomalias do EEG assintomáticas

As respectivas manifestações podem ser sistematizadas do seguinte modo: movimentos de mastigação, desvio horizontal do globo ocular com ou sem tremor ocular, fixação ocular mantida, movimentos de pedalagem, movimentos dos membros superiores semelhantes a gestos de boxeur ou de nadador, fenómenos autonómicos como alterações vasomotoras hipertensão arterial, crises de hiperpneia ou apneia, etc.. A convulsão subtil acompanhada de alterações no EEG surge mais frequentemente no RN pré-termo.

Na convulsão clónica o RN evidencia movimentos rítmicos de grupos musculares em duas fases: uma, de contracção mais rápida, e outra mais lenta, voltando à posição inicial; podem verificar-se num grupo muscular (focal) ou em vários grupos musculares (multifocal) sendo que, por ex. o diafragma e a musculatura faríngea podem ser afectados, o que tem implicações na função respiratória. A convulsão focal está mais frequentemente associada a lesão localizada do SNC do que a alterações metabólicas.

A convulsão tónica caracteriza-se: por extensão ou flexão mantida dos membros superiores ou inferiores (tónica generalizada), sendo mais frequente em RN pré-termo; ou por postura mantida de um membro ou postura assimétrica do tronco em relação ao pescoço (tónica focal); ocorre com frequência semelhante no RN de termo e no pré-termo.

A convulsão mioclónica caracteriza-se por movimentos desordenados, síncronos ou assíncronos e rápidos, tendendo a ocorrer sobretudo em grupos musculares flexores; pode ser generalizada (flexão dos membros superiores – mais frequentemente –, ou dos membros inferiores), focal (com manifestação ao nível da musculatura flexora de um membro superior), ou multifocal (contracções musculares assíncronas de várias partes do corpo).

Na classificação de Mizrahi & Kellaway, com base em estudo vídeo-electroencefalográfico contínuo, considera-se ainda uma quinta modalidade de convulsão neonatal: os espasmos. Tais manifestações consistem em movimentos ou abalos muito rápidos e curtos de extensão, flexão ou flexão/extensão, durando não mais que 1-2 segundos, não provocados por estimulação, nem parados pela pressão ao toque.

De acordo com os referidos autores (M&K):

  • as convulsões clónicas focais, tónicas focais e mioclónicas generalizadas, assim como os espasmos são em regra associados a descargas electrográficas (convulsões epilépticas);
  • os automatismos motores subtis, as generalizadas, as tónicas generalizadas e os episódios mioclónicos multifocais traduzem mais frequentemente fenómenos de libertação secundários a lesão cerebral, do que verdadeiras convulsões epilépticas.

Salienta-se que muitas vezes, pela complexidade do quadro clínico e dos factores potencialmente lesivos para o SNC, a destrinça entre convulsões epilépticas e não epilépticas é difícil, tornando-se necessário proceder à utilização do EEG contínuo à cabeceira do doente.

Exames complementares

Perante uma convulsão, há pois que caracterizar as manifestações clínicas e proceder a exames complementares para esclarecimento etiológico tendo em conta a história clínica e as hipóteses que podem ser sugeridas pela consulta do Quadro 1. Alguns destes exames (prioritários) são abordados a propósito da actuação prática. (ver adiante)

Nesta alínea cabe uma referência especial aos seguintes:

  • EEG contínuo para se poder apreciar o traçado de base e a existência ou não de actividade paroxística; importa referir que pode haver actividade eléctrica paroxística detectada pelo EEG sem qualquer manifestação clínica. É a chamada “dissociação electroclínica”, relacionada com a imaturidade das conexões corticais;
  • aEEG (EEG de amplitude integrada) utilizável em situações especiais; no capítulo seguinte, relacionado com hipóxia-isquémia como causa de convulsões, é abordada esta modalidade;
  • Vídeo-EEG para o esclarecimento de casos recorrentes e hospitalizados (correlação entre as manifestações clínicas e o traçado electroencefalográfico) – técnica ainda não disponível em todos os serviços hospitalares;
  • RM (Ressonância Magnética) com particular interesse admitindo a hipótese de enfarte cerebral (na sua forma típica em território da artéria cerebral média).

Nota importante:
O enfarte de um território arterial na sua forma típica é decorrente duma artéria importante (artéria cerebral média). Começa por edema seguido de isquémia, sendo por vezes secundário a hemorragia. Semanas mais tarde a zona é substituída por quistos. Estes acidentes podem ocorrer no período de vida fetal ou intraparto. Situações como a gemelaridade e defeitos cardíacos podem condicionar esta patologia. Manifestam-se precocemente por convulsões precoces. A RM detecta a lesão com muito pormenor e permite definir o prognóstico quanto à função motora.

Diagnóstico diferencial

Ao abordar o tema “convulsões no RN” importa estabelecer a destrinça entre estas e outras perturbações paroxísticas/fenómenos motores de origem não epiléptica: tremores, mioclonias neonatais benignas do sono profundo e hiperecplexia.

Eis alguns sinais que permitem tal destrinça com:

Tremores

  • Os tremores são movimentos rítmicos de pequena amplitude, assim como de amplitude e frequência regulares; na convulsão (clónica) existe uma componente de movimento rápido e uma componente de movimento lento;
  • Os tremores são sensíveis a estímulos externos; são interrompidos com uma flexão passiva e suave do membro onde se verificam, o que não acontece na convulsão;
  • Os tremores não se acompanham de fenómenos oculares como fixação ou desvio ocular nem de alterações autonómicas (por ex. taquicárdia, crises de apneia, fenómenos vasomotores cutâneos, sialorreia ou alterações pupilares), ao contrário da convulsão.

Mioclonias neonatais benignas do sono profundo

  •  Esta situação, associada a exame neurológico normal e consistindo em abalos repetidos das extremidades somente durante o sono – mais frequentemente durante o sono calmo (REM) – cessa com o despertar e após os 2 meses.

Hiperecplexia (na língua inglesa denominada startle disease)

  • Este quadro, raro, traduz-se por espasmo tónico símile “sobressalto” induzido por estímulo externo.

Tratamento

Tendo em consideração que a convulsão, independentemente do factor etiológico, poderá resultar em lesão do SNC, sobretudo se for mantida, há que estabelecer prioridades na actuação, a qual deve ser precoce, urgente e, por vezes emergente; salienta-se, a propósito, que uma convulsão mantida origina incremento do consumo de glucose, substrato fundamental para o metabolismo da célula cerebral.

Embora, para fins didácticos, se estabeleça um esquema sequencial de actuação, por vezes torna-se necessário levar a cabo certas medidas quase em simultâneo, o que implica a colaboração de uma equipa especializada e experiente (por conseguinte, mais do que uma pessoa).

Aspectos gerais

  • promover ventilação (RCR inicial e eventual ventilação mecânica ulteriormente em função do quadro clínico) e perfusão adequadas, estabilidade hemodinâmica e aplicação de venoclise com soluto glucosado;
  • detectar factores etiológicos susceptíveis de correcção (hipoglicémia, hipocalcémia, hipomagnesiémia, outras alterações hidro-electrolíticas e do equilíbrio ácido-base, infecção, etc.);
  • iniciar tratamento com fármacos anticonvulsantes adiante especificados;
  • monitorizçaão de sinais vitais;
  • realização doutros exames complementares em função da história clínica incluindo exames neuroimagiológicos, com prioridade para a ecografia transfontanelar;
  • nos casos em que não seja detectada etiologia específica, haverá que admitir a possibilidalidade de doença hereditária do metabolismo, o que obriga a ulterior análise de sangue para doseamento de lactato, amónia, aminoácidos séricos, e de urina para pesquisa e doseamento de ácidos orgânicos, etc..

Tratamento anticonvulsante

As opiniões dos autores especialistas e investigadores em neurologia neonatal dividem-se quanto à indicação de tratamento anticonvulsante: enquanto alguns recomendam que somente os RN com convulsões clínicas devem ser tratados com fármacos anticonvulsantes, outros opinam que, não só na situação anterior, mas também nos casos de alterações do EEG sem manifestações clínicas se deve proceder a tal tratamento, tendo em consideração o efeito adverso das alterações ao nível da célula do sistema nervoso sobre o metabolismo do cérebro imaturo.

Na prática, os fármacos antiepilépticos mais usados, são o fenobarbital, a fenitoína e as benzodiazepinas.

Fenobarbital

Este fármaco é em geral utilizado em 1ª linha; com vida média oscilando entre 45 e 173 horas, são habitualmente utilizadas as seguintes doses:

  • dose inicial de sobrecarga: 20 mg/kg IM ou IM, em cerca de 10-15 minutos se o RN estiver ventilado; em RN não ventilado a dose total de 20 mg é desdobrada em duas de 10 mg administradas sequencialmente com intervalo de 20 minutos.
    No caso de a dose inicial não ser efectiva, doses subsequentes de 5 ou 10 mg/kg em intervalos de 10 ou 15 minutos até ser atingida dose total de 40 mg/kg.
  • dose de manutenção: 5 mg/kg/dia (IM, IV ou oral a dividir por duas doses diárias), sendo recomendados níveis séricos terapêuticos/vale entre 16 e 40 mcg/mL; a colheita de sangue para doseamento do fármaco deverá ser feita antes da primeira dose diária.

O fenobarbital é eficaz em cerca de 70% a 80% das convulsões neonatais.

Fenitoína

Se após dose de 40 mg/kg de fenobarbital as crises de convulsões persistirem, deve iniciar-se a administração (concomitante) de fenitoína:

  • dose inicial de sobrecarga: 15 a 20 mg/kg IV (0,5-1 mg/kg/minuto) ou 7,5 a 10 mg/kg com intervalo de 20 minutos, de modo a atingir nível sérico entre 15 a 20 mcg/mL;
  • dose de manutenção: 4-8 mg/kg/dia (IV a dividir por duas doses diárias), sendo o início da manutenção 12 horas após a dose inicial.

A fenitoína é eficaz em cerca de 15% dos casos de convulsões que não cederam ao fenobarbital. Os níveis séricos são difíceis de manter porque o fármaco se redistribui rapidamente pelos tecidos, problema que é potenciado se a administração for por via oral; por isso, a manutenção não pode ser mantida por via oral. A absorção por via IM é irregular. Assim, como regra prática, não é recomendada a continuação do fármaco uma vez cessadas as convulsões e/ou removida venoclise.

Chama-se a atenção para o efeito secundário de cardiotoxicidade.

Benzodiazepinas

O diazepam, com uma vida média de cerca de 54 horas no RN pré-termo e de 18 horas no RN de termo, é a benzodiazepina mais frequentemente utilizada; a via aconselhada é a IV, pois a via IM condiciona absorção muito lenta.

Como limitações da sua utilização são citadas as seguintes: maior probabilidade de hipotonia e de depressão respiratória, sobretudo se utilizado em associação com barbitúricos; níveis terapêuticos próximos dos tóxicos; pela forte ligação às proteínas verifica-se tempo de impregnação no SNC fugaz, razão pela qual não está indicado em regime de manutenção; o benzoato de sódio, seu veículo para uso IV, compete com a bilirrubina na sua ligação à albumina, o que aumenta o risco de kernicterus.

  • dose em situação aguda (não seguida de manutenção): 0,1-0,2 mg/kg IV em administração lenta (2 minutos), seguindo-se perfusão ao ritmo de 0,5 mcg/kg/minuto, com incrementos de 0,5-1 mcg/kg cada 2 minutos até resposta favorável, não ultrapassando 7 mcg/kg/minuto.; pode ser repetida 15 a 30 minutos depois.

Como efeito secundário significativo cita-se a hipotensão.

O lorazepam IV (não disponível em todos os países), pode ser utilizado como alternativa ao diazepam na dose de 0,05-0,1 mg em 2 a 5 minutos, também podendo ser repetida a sua administração; a probabilidade de depressão respiratória é menor.

O midazolam IV utiliza-se na dose inicial de 0,15 mg/kg seguida da dose de 0,1-0,4 mg/kg/hora em regime de manutenção.

Nos casos de convulsões recorrentes verificadas nas primeiras horas de vida, e sem achados complementares esclarecedores, está indicado proceder a prova terapêutica com piridoxina endovenosa (50-100 mg/kg) durante a convulsão com monitorização simultânea de EEG; em situação de carência de piridoxina verifica-se cessação da crise e do traçado anómalo do EEG, o que implica ulterior terapêutica de manutenção na dose de 50-100 mg/dia por via oral ou endovenosa.

Mais raramente, sobretudo no contexto de convulsões refractárias e/ou associadas a patologia de base grave (por ex. defeitos congénitos do SNC, infecções, hipóxia-isquémia grave, hemorragia intracraniana e outras modalidades de AVC, etc.), implicando cooperação de neurologista-pediatra, são utilizados os fármacos levetiracetam e o topiramato, considerados de segunda e terceira escolha.

Duração do tratamento anticonvulsante

Para decidir sobre a duração do referido tratamento, foram consideradas:

  • a possibilidade de efeitos adversos do tratamento anticonvulsante prolongado sobre a morfologia e metabolismo das células neuronais;
  • que a duração do período de “lua de mel” ou livre de convulsões após o período neonatal é imprevisível – meses a anos.

Nesta perspectiva, foram definidos critérios que legitimam a interrupção do tratamento iniciado no período neonatal, mesmo nos casos de risco elevado de recorrência; como regra geral, o fenobarbital poderá ser suspenso se o exame neurológico e o EEG não revelarem alterações.

O processo de suspensão do fenobarbital deve ser gradual, em duas semanas.

Salienta-se que nos casos de antecedentes de EHI e de depressão importante nos traçados do EEG, existe probabilidade de recorrência de cerca de 30%-50%; nos casos de hipoglicémia e hipocalcémia, e na ausência de doença hereditária do metabolismo, tal probabilidade é praticamente nula.

Seguimento e prognóstico

Desde que as crises sejam controladas, o tratamento na data da alta depende fundamentalmente do diagnóstico, do resultado do exame neurológico e do EEG intercrise.

Se o resultado do exame neurológico evidenciar alterações, deverá ser mantida a terapêutica com anticonvulsante oral, mais frequentemente fenobarbital, e o paciente ser encaminhado para consulta de Neurologia pediátrica ao cabo de 4-5 semanas.

Como factores preditivos do prognóstico, apontam-se fundamentalmente as características das convulsões, a resposta ao tratamento inicial, a doença de base, e as alterações do EEG.

Com efeito, as crises de início mais precoce, tónicas, prolongadas (> 10 minutos/hora) e refractárias ao tratamento, assim como sinais do EEG evidenciando actividade eléctrica de baixa voltagem e padrão de “surto-supressão” na fase intercrise, são associados a prognóstico mais reservado.

Ao longo dos anos, o prognóstico das síndromas acompanhadas de convulsões tem melhorado graças aos progressos na assistência perinatal. No que respeita à morbilidade, os estudos epidemiológicos apontam proporção de sequelas entre 20% a 35% dos casos (principalmente insuficiência mental e doença motora não progressiva), sendo que, em muitas situações, aquelas se relacionam mais com a doença de base do que com as próprias convulsões; as convulsões recorrentes são referidas com uma frequência entre 15% e 20%.

Comparando as alterações do desenvolvimento em RN de termo e pré-termo, a médio e longo prazo, a proporção daquelas é muito maior no segundo caso (cerca de 75%) do que no primeiro (cerca de 40%).

Quanto à mortalidade, considerando globalmente RN pré-termo e de termo (~ 20%-25%), salienta-se que mais de metade dos óbitos ocorre nos RN pré-termo.

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TRAUMATISMO DE PARTO

Definição e importância do problema

Os traumatismos de parto (traumatismos de nascimento ou tocotraumatismos) são lesões ocorridas no feto aquando do parto por acção de forças mecânicas de tracção ou pressão relacionadas em geral com situações muito diversas, evitáveis ou não, tais como partos obrigando ao recurso instrumental, quer com nascimento normal e sem relação causal aparente.

Actualmente, nos países industrializados a morte por traumatismo de parto, apesar de rara, contribui com uma proporção importante para a morbilidade neonatal. A incidência de tal patologia oscila, conforme diversos estudos epidemiológicos e diferentes locais de parto, entre 2 e 5/1.000 nados-vivos, valor que comparticipa entre 1% a 3% a mortalidade infantil.

Nesta perspectiva, o médico ou outro profissional de saúde que presta assistência ao parto (idealmente integrado em equipa) deve estar preparado para prevenir, enfrentar e resolver os problemas decorrentes deste tipo de lesões traumáticas potencialmente fatais ou podendo originar sequelas de gravidade variável.

Etiopatogénese e classificação

São considerados factores predisponentes de lesões traumáticas: macrossomia, desproporção feto-pélvica, prematuridade, distócia, trabalho de parto prolongado, parto vaginal com apresentação pélvica, anomalias de apresentação, manobras de versão intra ou extrauterina e utilização de instrumentos (ventosa, fórceps).

Com base na sua etiopatogénese, os traumatismos de parto (ante ou intraparto) podem ser divididos em duas categorias:

  1. Lesões provocadas por hipóxia-isquémia;
  2. Lesões decorrentes de aplicação de forças mecânicas.

Durante o trabalho de parto, a cabeça e o corpo do feto estão sujeitos à pressão cérvico-vaginal podendo, por isso, sofrer acção traumática da qual poderão resultar lesões. E sempre que haja necessidade de recurso a instrumentos ou a manobras de versão fetal, aumenta a probabilidade das mesmas.

As lesões por hipóxia-isquémia são provocadas por alterações placentares, estiramento do cordão umbilical, administração excessiva de fármacos à mãe, ou lesões provocadas pela manipulação fetal externa ou interna.

A ventosa, quando aplicada incorrectamente, pode alongar o crânio na direcção occípito-frontal provocando o estiramento da tenda do cerebelo, susceptível de provocar a ruptura da veia de Galeno ou dos seios recto ou transverso. O recém-nascido poderá inicialmente apresentar-se assintomático ou com lesões de gravidade variável (escoriações, abrasões, lacerações cutâneas, hematomas, fracturas, designadamente do crânio, com afundamento ou em bola de pingue-pongue, etc.), as quais poderão originar sequelas.

A aplicação do fórceps, procedimento mais difícil do que a ventosa e exigindo eficaz analgesia materna, pode originar quer lesões dos tecidos moles da mãe, quer das estruturas osteomusculares e cutâneas do feto (couro cabeludo e crânio, face, olhos e massa cerebral). As fracturas do crânio são mais frequentes com o fórceps do que com a ventosa.

Quando as colheres do fórceps são aplicadas de modo simétrico, a curva cefálica da colher do fórceps adapta-se à curva craniana fetal e torna possível a aplicação da força na maior superfície possível. Por consequência, se as colheres do referido instrumento não forem aplicadas de modo simétrico em relação ao plano sagital, a curva cefálica da colher, não se adaptando ao crânio fetal, gera forças tensionais que provocam a deformação e a eventual fractura do osso onde a colher estiver apoiada. Esta situação pode igualmente provocar a ruptura das veias perfurantes, levando a hemorragia intracraniana.

A monitorização fetal intra-parto (no caso de aplicação de eléctrodo no coiro cabeludo ou na parte corporal apresentada, por vezes em posição incorrecta), pode também ter consequências várias: abrasões e lacerações ao nível do crânio, face, globo ocular ou outro local. E da colheita de sangue fetal para estudo analítico poderá resultar hemorragia. Tal conjunto de sinais clínicos integra-se no conceito lesões iatrogénicas.

Manifestações clínicas e actuação

Seguidamente são descritas as principais formas clínicas de lesões traumáticas associadas às condições do nascimento, assim como a actuação essencial em tais circunstâncias, relacionando alguns tipos daquelas com a aplicação instrumental (fórceps ou ventosa). Determinadas situações referidas no Quadro 1 são objecto de descrição noutros capítulos do livro.

QUADRO 1 – Classificação das lesões traumáticas do parto relacionáveis com forças mecânicas.

Lesões extracranianas
Caput succedaneum; Cefalo-hematoma; Hemorragia subaponevrótica

Lesões cranianas
Fracturas; Escoriações; Outras

Lesões intracranianas
Hemorragia epidural; Hemorragia subdural; Hemorragia subaracnoideia

Lesões de nervos e espinhal medula
Lesão do plexo braquial; Paralisia do nervo facial; Lesão do nervo frénico; Lesão do nervo recorrente; Lesão da espinhal medula

Lesões dos ossos
Clavícula; Úmero; Fémur; Outras

Lesões dos músculos
Hematoma/Fibroma do esternocleidomastoideu

Lesões da face
Luxação do septo nasal; Lesões oculares

Lesões da pele
Equimoses; Escoriações; Hematomas; Esteatonecrose

Lesões viscerais
Hemorragia suprarrenal; Ruptura do baço; Ruptura do fígado; Outras

Lesões extracranianas

As lesões cranianas mais frequentes são o caput succedaneum e o céfalo-hematoma, por vezes associadas a parto instrumental; as mesmas manifestam-se por tumefacção com características, cronologia de aparecimento e evolução distintos (consultar capítulo sobre “Exame clínico do Recém-nascido”).

Caput succedaneum

O caput succedaneum (vulgo bossa sero-sanguínea, tratando-se de lesão na cabeça) apresenta-se no pós-parto imediato como uma zona de edema mole e superficial (ao nível do tecido celular subcutâneo) que ultrapassa o limite das suturas ósseas.

Acompanha-se de acentuada moldagem craniana e regride ao fim de alguns dias; não se torna, dum modo geral, necessária qualquer intervenção, exceptuando nos casos de diátese hemorrágica concomitante.

Cabe referir, a propósito, que a noção de caput succedaneum é lata, dizendo respeito, de facto à zona de apresentação que, na maior parte dos casos, é a cabeça. Portanto, conceptualmente, a designação de caput pode aplicar-se também a outras áreas de apresentação tais como face, fronte, nádegas (Figura 1) e extremidades.

FIGURA 1. Lesão traumática da nádega em RN (apresentação de nádegas) com escara. (URN-HDE)

O chamado caput vacuum é uma modalidade de caput succedaneum, de contornos bem demarcados pela aplicação dos bordos da ventosa.

Quanto à actuação, deverá adoptar-se atitude de vigilância, sem necessidade de qualquer terapêutica (não se devendo proceder à drenagem pelo risco de infecção).

Céfalo-hematoma

O céfalo-hematoma, ocorrendo em cerca de 1% a 2% dos nascimentos, é uma colecção hemática, dos tecidos não superficiais (localização subperióstica). Sendo subperióstica, não ultrapassa os limites de cada sutura óssea, ao contrário do que acontece no caput succedaneum. A localização mais frequente é parietal, podendo ser uni ou bilateral. Esta tumefacção resulta da lesão dos capilares e vasos diplóicos, que acompanha a separação do periósteo do osso respectivo, sendo que, não evidente no momento do nascimento, somente passa a ser notada ao cabo de alguns dias, com tendência para aumentar: passa, então, a palpar-se (e, por vezes, a ver-se) uma tumefacção esferóide sob tensão, por vezes com sinal de flutuação. Dada tal cronologia de aparecimento, muitas vezes é a mãe que nota a anomalia quando a criança já terá tido alta da maternidade.

No caso de o céfalo-hematoma se manifestar atipicamente, no pós-parto imediato e no contexto de parto laborioso e instrumental, pela etiopatogénese explanada anteriormente (colecção hemática subperióstica), tal facto poderá traduzir a presença de fractura óssea no contexto de paciente com quadro de diátese hemorrágica (constituindo esta última, factor predisponente.

A verificação de céfalo-hematoma não tem relação com o prognóstico neurológico a não ser que em simultâneo exista uma lesão do sistema nervoso central. Por isso, não obriga, em princípio, a qualquer terapêutica específica e não necessita de qualquer intervenção cirúrgica.

Se se tratar de lesão de grande dimensão (aspecto relacionável, por exemplo, com parto complicado ou diátese hemorrágica como situação de base), poderá verificar-se no pós-parto imediato um quadro de anemia por perda ou, ulteriormente, de icterícia por hemólise de quantidade significativa de sangue localizado.

A actuação nestas circunstâncias dependerá do grau de anemia e da hiperbilirrubinémia verificada. A médio prazo, poderá ocorrer calcificação, o que se traduz em tumefacção dura nas semanas e meses subsequentes, a qual passará a ser menos notória com o crescimento do crânio, não agravando o prognóstico na ausência doutras lesões.

Neste tipo de lesão, também não se deve proceder à drenagem.

Hemorragia subaponevrótica

As complicações hemorrágicas associadas ao parto por ventosa têm uma incidência de cerca de 0,7% e uma mortalidade ~ 0,2%. A hemorragia pode ocorrer em diferentes planos teciduais, desde a pele ao osso do crânio. A complicação mais grave derivada da aplicação da ventosa é a hemorragia subaponevrótica (entre a pele e o periósteo) caracterizada por uma “massa flutuante” que pode evidenciar sinais de “onda líquida” e que ultrapassa as suturas cranianas.

A hemorragia subaponevrótica pode ser acompanhada de palidez (anemia por perda), taquicárdia e hipotonia. Em estudos anátomo-patológicos estimou-se que o espaço subaponevrótico, quando preenchido por uma colecção de sangue com cerca de 1 cm de espessura, poderá acomodar um volume de sangue de 260 mL, o que excede a volémia total de alguns recém-nascidos.

A sua incidência é cerca de 4/10.000 em partos eutócicos e de 60/10.000 em partos por ventosa; a mortalidade é muito significativa (cerca de 22%).

Com efeito, sob a aponevrose, mais densa, existe uma outra camada fibrosa, menos densa, contendo grandes veias emissárias com ligação aos seios durais e veias do couro cabeludo. A lesão da referida aponevrose está associada a um conjunto de factores como a compressão externa com movimento de tracção, e a eventual défice de coagulação, que é particularmente grave na presença de hemofilia.

É mais rara do que a bossa sero-sanguínea, da qual difere por aumentar após o nascimento e se acompanhar de importante perda de sangue. Assim, os recém-nascidos de sexo masculino, que apresentem hemorragia subaponevrótica extensa após partos difíceis, devem ser avaliados quanto ao sistema de coagulação, em especial com doseamento dos factores VII e VIII. Embora rara, a hemofilia A deve ser admitida como hipótese face ao contexto clínico referido. Nos casos de hemofilia comprovada, e perante situações emergentes implicando necessidade de intervenção cirúrgica, deve ser efectuada terapêutica substitutiva com o factor em défice para prevenir a hemorragia pós-operatória.

O diagnóstico da hemorragia subaponevrótica reveste-se, por vezes, de grande dificuldade. Uma vez que o sangue não forma um coágulo, mas uma camada extensa e difusa nos tecidos moles, é frequente passar despercebida nas primeiras horas de vida. Têm sido referidas formas silenciosas responsáveis pela morte neonatal sem sinais clínicos evidentes numa fase inicial de observação.

A actuação consiste em vigiar a anemia – que poderá obrigar a transfusão de sangue – e a hiperbilirrubinémia. Em geral aquela regride ao fim da 3ª ou 4ª semana de vida, não estando indicada a drenagem.

Notas importantes:

    1. Dada a possibilidade de ocorrência de lesão traumática e a necessidade de um rápido diagnóstico e terapêutica, torna-se obrigatória a presença do neonatologista quando se realiza um parto por fórceps.
    2. Como será fácil depreender, a utilização sequencial da ventosa e fórceps está associada a maior frequência de lesões traumáticas (tais como lesão do plexo braquial, lesão do nervo facial, hemorragia intracraniana) e de asfixia perinatal. (ver adiante)
    3. O diagnóstico das lesões por fórceps ou ventosa efectua-se pela clínica, confirmada por ecografia transfontanelar, e por TAC ou RM se houver necessidade de detectar com mais rigor a presença de hemorragia na fossa posterior e nas estruturas cerebelosas.
    4. O prognóstico da fractura induzida pela aplicação do fórceps depende das lesões associadas, salientando-se que em cerca de 4% dos casos as sequelas a longo prazo poderão ser graves.

Lesões cranianas

Descrevem-se os seguintes tipos de lesões ósseas cranianas:

  • fracturas (lineares e com afundamento, também chamadas “em bola de ping pong, mais tipicamente associadas a ventosa);
  • formas de osteodiastase occipital (separação traumática da junção cartilagínea entre a escama do occipital e o osso parietal, situação hoje rara); e
  • fracturas espontâneas, raramente associadas a lesões cerebrais, ao contrário do que acontece nos partos com instrumentos. A sua incidência, difícil de determinar, depende da suspeita clínica e da realização da radiografia craniana (Figuras 2 e 3).

O diagnóstico da fractura craniana é confirmado por radiografia simples ou ecografia transfontanelar. Contudo, é frequente a ocorrência simultânea de acentuado edema do couro cabeludo, tal como acontece na presença da hemorragia subaponevrótica: nestes casos deve recorrer-se à TAC ou à RM crânio-encefálica. Esta última tem sido cada vez mais utilizada para avaliar as lesões hemorrágicas e parenquimatosas nos casos de traumatismos cranianos perinatais.

Tais situações implicam a colaboração indispensável das equipas de neurocirurgia e de cuidados intensivos neonatais.

A fractura linear não requer terapêutica específica, mas deve ser vigiada no plano clínico e imagiológico.

Lesões intracranianas

A hemorragia intracraniana no recém-nascido de termo pode ser uma complicação grave de traumatismo de parto. A sua frequência tem vindo a diminuir devido aos progressos relacionados com o número crescente de casos submetidos a monitorização contínua do bem-estar fetal e de partos por cesariana.

Os factores de risco estão relacionados com a aplicação do fórceps, da ventosa, do parto precipitado e da macrossomia fetal com parto por via vaginal.

A incidência da hemorragia intracraniana sintomática nos recém-nascidos de termo é cerca de 5 a 6/10.000.

De acordo com a sua localização, podem ser considerados os seguintes tipos: hemorragia subdural, epidural e subaracnoideia. Segundo Volpe, é muito importante ter em consideração:

  1. os factores de risco tais como a idade de gestação, o trabalho de parto, o parto, a ocorrência de eventos como a asfixia e a necessidade de reanimação;
  2. os sinais neurológicos de alarme, os quais deverão ser identificados o mais precocemente possível;
  3. a imagiologia para localização da hemorragia, com recurso à ecografia transfontanelar, TAC e RM; e
  4. o exame do líquido cefalorraquidiano.
Hemorragia epidural

Este tipo de lesão, consequência da ruptura da artéria meníngea média, está frequentemente associado a cefalo-hematoma ou a fractura craniana. A raridade desta situação no recém nascido deve-se à ausência do sulco da artéria meníngea média nos ossos cranianos, tornando a artéria menos susceptível à lesão.

FIGURA 2. Radiografia do crânio de RN (parto de fórcepes) com sinal de traço de fractura.

FIGURA 3. Radiografia do crânio de RN: osteodiastase traumática.

As manifestações clínicas podem incluir alterações neurológicas difusas com hipertensão intracraniana, fontanela hipertensa e alterações focais como convulsões e estrabismo.

O diagnóstico é confirmado pela ecografia transfontanelar e TAC cranioencefálica ou RM.

O tratamento inclui a correcção do choque hipovolémico e das alterações da coagulação. Na maioria dos casos está indicada drenagem cirúrgica, a cargo de equipa especializada.

Hemorragia subdural

É a menos frequente das hemorragias intracranianas, mas a mais frequentemente relacionada com evento traumático; pode afectar igualmente RN de termo e pré-termo. A sua incidência é cerca de 2 a 3 por 10.000 nados-vivos nos partos vaginais espontâneos, e cerca de 8 a 10 por 10.000 nos partos por ventosa e fórceps. Trata-se duma lesão traumática cuja incidência tem diminuído à medida que melhora a qualidade dos cuidados pré-natais.

O diagnóstico é determinante dado que a intervenção cirúrgica é decisiva para ultrapassar o risco de vida. Salienta-se que a presença de hemorragia subdural não corresponde necessariamente a traumatismo de parto grave.

Uma vez que a drenagem profunda do cérebro desagua na grande veia de Galeno, na junção da tenda do cerebelo com a foice do cérebro, a localização mais comum é a tentorial e a inter-hemisférica.

As manifestações clínicas dependem da localização da hemorragia. Esta, quando localizada na convexidade cerebral, produz alterações neurológicas focais; na fossa posterior, os sinais mais frequentes (apneia, assimetria pupilar, desvio ocular e coma) estão associados ao aumento da pressão intracraniana. De referir que a sintomatologia tem o seu início em geral nas primeiras 24 horas, mas nalguns casos, pode ocorrer no 4º ou 5º dia após o parto.

A ecografia transfontanelar pode constituir uma contribuição muito útil para o diagnóstico; contudo, a técnica de eleição é a TAC cranioencefálica.

A indicação para intervenção cirúrgica dependerá da localização da hemorragia e dos sinais de compressão do tronco cerebral.

O prognóstico depende da presença de enfarte cerebral e da localização da lesão. Trata-se duma situação que implica, evidentemente, apoio das equipas de neurocirurgia e de cuidados intensivos neonatais.

Hemorragia subaracnoideia

A incidência desta hemorragia é cerca de 1,3 por 10.000 nados-vivos de partos vaginais espontâneos; nos casos de partos por ventosa e fórceps, a mesma sobe para 2 a 3 por 10.000 nados-vivos.

Este problema clínico é originado pela ruptura das veias perfurantes do espaço subaracnoideu ou das pequenas veias leptomeníngeas. Pode ser assintomática ou manifestar-se por convulsões que ocorrem por volta do 2º dia de vida. O risco é mais significativo nos partos instrumentais. (ventosa)

O diagnóstico mais preciso é feito por TAC, pois a ecografia transfontanelar não propicia informação suficiente. Exceptuando os casos em que é muito extensa, nos recém-nascidos de termo tal hemorragia é reabsorvida, não exigindo qualquer intervenção. Se não houver lesão cortical ou encefalopatia, não surgirão sequelas. (ver adiante, nesta Parte XXXI, o capítulo sobre Hemorragias Intracranianas)

Como medidas gerais mais importantes aplicáveis a situações de hemorragias intracranianas, apontam-se:

    1. Monitorização dos sinais vitais, temperatura, PO2, PCO2, SpO2, pressão arterial, glicémia, balanço hidroelectrolítico, estudo da coagulação, etc.;
    2. Por vezes, torna-se necessário tratar o edema cerebral, utilizar anticonvulsantes, restringir o suprimento inicial de fluidos tendo em conta designadamente a eventualidade de surgimento de quadro de secreção inapropriada de hormona antidiurética (SIADH) e ainda, a necessidade de algaliação.

Lesões dos nervos e espinhal medula

As lesões do plexo braquial, hoje mais raras com os progressos na prática obstétrica, ocorriam há três décadas, aproximadamente entre 0,5 a 2,6/1.000 nascimentos. Na maior parte dos casos (80%-90%), verifica-se recuperação em semanas ou meses, conquanto nos restantes 10%-20% haja necessidade de tratamento complexo e multidisciplinar.

Os factores de risco de lesão do plexo braquial são: macrossomia fetal (peso de nascimento > 4.000 gramas), microssomia (peso < 2.500 gramas) em apresentação pélvica, prolongamento do 2º estádio do trabalho de parto, distócia de ombros, má apresentação fetal e necessidade de parto com instrumentos.

Podem ser observados três tipos de lesão do plexo:

  • Paralisia de Erb-Duchenne, a mais frequente (cerca de 90% dos casos), envolvendo as raízes C5 e C6;
  • Paralisia de Klumpke, secundária a lesão das raízes inferiores de C8 e T1; e
  • Paralisia braquial total por lesão nas raízes de C5, C6, C8 e T1).

Para explicar este tipo de lesões têm sido admitidas várias hipóteses tais como:

  • tracção lateral do pescoço para libertar o ombro anterior, levando a edema;
  • hemorragia, ou mesmo ruptura, das raízes do plexo braquial; e
  • estiramento do plexo na sequência de rotações iguais ou superiores a 90º.

Na paralisia de Erb-Duchenne, o membro superior afectado evidencia posição em extensão, adução e rotação interna (um autor inglês chamou, com alguma ironia, a esta posição, o “sinal do empregado de café que pede discretamente gorgeta). O reflexo de preensão está presente, mas o reflexo de Moro é assimétrico à custa da parésia do lado afectado. À movimentação passiva, o membro evidencia flacidez e, quando solto, cai facilmente ao longo do tronco (Figura 4).

Neste tipo de lesão poderá verificar-se concomitantemente lesão do nervo frénico originando paralisia do diafragma, dada a sua relação com o plexo braquial (origem nas raízes de C3, C4, C5); tal situação poderá ter repercussão na mecânica ventilatória do diafragma. Tal pode ser demonstrado em cinerradioscopia ou ecografia (hemicúpula elevada e ausência de abaixamento do diafragma na inspiração) (Figura 5).

Na paralisia de Klumpke (Figura 6), mais rara, os músculos flexores do punho são atingidos, observando-se paralisia da mão; são notórias mão pendente, ausência de reflexo de preensão e de mobilidade do punho. A este tipo de lesão poderá associar-se a síndroma de Claude-Bernard-Horner (enoftalmia, miose e ptose palpebral por lesão do simpático) assim como paralisia de Erb-Duchenne paralisia braquial total).

FIGURA 4. Paralisia de Erb-Duchenne (lado direito). (NIHDE)

FIGURA 5. Lesão do frénico à direita originando paralisia da cúpula diafragmática direita. Concomitante fractura da clavícula homolateral. (URN-HDE)

FIGURA 6. Paralisia de Klumpke.

Deve ter-se em consideração a possibilidade de lesões associadas como o hematoma do músculo esternocleidomastoideu, fractura da clavícula, do úmero ou costelas, lesão do facial, do hipoglosso e, mesmo, da medula espinhal.

Em função do contexto clínico e antecedentes do parto poderão estar indicadas radiografia do ombro e membro superior afectados (para exclusão de fractura), radiografia do tórax e, eventualmente, ecografia ou cinerradioscopia se se verificar dificuldade respiratória relacionável com lesão do nervo frénico.

O tratamento das paralisias do plexo braquial deve incluir a fisioterapia precoce com o objectivo de evitar as contracturas e deformidades articulares, sendo o prognóstico favorável quando a recuperação dos movimentos dos músculos bicípete e adutor do ombro, aos 3 meses, for total.

Perante o diagnóstico de paralisia do frénico a actuação consiste em medidas de suporte, tais como, decúbito lateral sobre o lado afectado e oxigenoterapia. Na maioria dos casos verifica-se recuperação espontânea, sendo que a intervenção cirúrgica fica reservada para situações especiais de infecções respiratórias de repetição e insuficiência respiratória.

Lesão do nervo facial

A lesão do nervo facial (7º par craniano), que ocorre em cerca de 0,20%-0,30% dos nascimentos, é em geral causada pela compressão da porção periférica do nervo (paralisia periférica) no percurso exterior ao forâmen estilomastoideu ou no seu trajecto à frente do ramo da mandíbula (por exemplo por compressão in utero ou por aplicação de fórceps). O nervo é mais frequentemente afectado por compressão pelo fórceps ou pelo promontório materno (em partos laboriosos).

A paralisia do tipo central é menos frequente, estando relacionada com lesão traumática do SNC.

Os sinais clínicos da paralisia periférica (flácida) manifestam-se por sulco nasolabial menos notório no lado afectado, não encerramento completo das pálpebras do olho do lado afectado (o que não acontece na paralisia central) e desvio da comissura labial, mais aproximada da linha média (por vezes só detectado durante o choro ficando imóvel), em contraste com o lado oposto (são) em que a mesma se afasta da linha média.

Nas formas completas pode manifestar-se em toda a hemiface, o que se traduz por ausência de pregueamento da hemifronte afectada coincidindo com o choro da criança (Figura 7).

A paralisia central é espástica, atingindo apenas a metade inferior da face contralateral. Os movimentos das pálpebras e da fronte estão intactos. Está frequentemente associada a paralisia do 6º par e a hemorragia intracraniana.

O diagnóstico diferencial da paralisia facial traumática faz-se com:

    1. situações de paralisia (central) congénita relacionadas, por exemplo, com agenésia do núcleo do nervo facial (síndroma de Moebius);
    2. determinadas síndromas malformativas como síndroma de Goldenhar, trissomias 13 e 18, etc.; 3) e;
    3. outra situação congénita e benigna que consiste na ausência dos músculos depressores da boca.

FIGURA 7. Paralisia facial periférica à direita. (UCIN-HDE)

A evolução em geral é favorável, para a cura, em cerca de 2 a 3 semanas (na circunstância de existir apenas compressão e edema locais). A ausência de encerramento palpebral nos casos de paralisia periférica implica cuidados com a humidificação da córnea com soro fisiológico. O tratamento limita-se à protecção do olho afectado; a intervenção neurocirúgica (neuroplastia) somente está indicada nas situações persistentes.

Lesão do nervo recorrente

A lesão unilateral pode ser causada por tracção excessiva da cabeça fetal durante o parto com apresentação pélvica, ou por tracção lateral da cabeça provocada por aplicação de fórceps. A lesão bilateral pode ser causada por traumatismo, hipóxia–isquémia ou hemorragia do tronco cerebral.

Nos casos de paralisia unilateral, o RN poderá estar assintomático ou evidenciar disfonia ou estridor inspiratório durante o choro. Muitas vezes o traumatismo atinge também o nervo grande hipoglosso, o que originará dificuldade alimentar e acumulação de secreções na orofaringe por compromisso da deglutição. A paralisia bilateral origina estridor, dificuldade respiratória e cianose.

Na paralisia unilateral, as manifestações podem obrigar a diagnóstico diferencial com defeitos laríngeos congénitos; verificando-se sinais de paralisia bilateral, em função da história clínica (possível trauma não evidente), deverão ser excluídos defeitos congénitos do SNC incluindo anomalia de Arnold-Chiari, anomalias cardiovasculares e massas mediastínicas.

O diagnóstico pode ser feito através de laringoscopia flexível com fibra óptica.

A paralisia unilateral regride em geral ao cabo de 6-8 semanas, não necessitando de qualquer tratamento ou intervenção. Nalguns casos de paralisia bilateral o prognóstico é reservado, podendo ser necessária a traqueostomia.

Lesão da espinhal-medula

As lesões da espinhal-medula, cujas formas graves são raras, poderão surgir no contexto de hiperextensão da cabeça e pescoço, apresentação pélvica e distócia de ombros. As formas clínicas habituais são: hematoma espinhal epidural, lesão da artéria vertebral, hematomielia cervical traumática, oclusão da artéria espinhal e secção transversal.

As manifestações clínicas podem englobar-se em 4 modalidades, dependendo da localização:

  1. Lesão cervical alta e/ou do tronco cerebral: morte fetal, depressão neonatal, SDR, choque, e hipotermia, sendo o prognóstico mau, com óbito neonatal precoce;
  2. Lesão cervical média/alta: depressão neonatal, SDR, paralisia das extremidades inferiores, arreflexia tendinosa, perda da sensibilidade na metade inferior corporal, retenção urinária e obstipação; pode haver associação a paralisia braquial;
  3. Lesão ao nível de C7 ou inferior, por vezes reversível: atrofia muscular, deformidades ósseas, contracturas e incontinência urinária;
  4. Lesão espinhal parcial ou oclusão da artéria espinhal: espasticidade e sinais neurológicos subtis.

O diagnóstico diferencial inclui fundamentalmente amiotonia congénita, mielodisplasia associada a spina bifida, tumores da espinhal medula, etc.. A imagiologia, através de radiografia convencional da coluna vertebral, TAC e RM podem contribuir para o diagnóstico.

O prognóstico depende da gravidade e localização da lesão.

A actuação compreende, entre outras medidas, manobras de ressuscitação e imobilização da cabeça-pescoço-tronco, o que implica colaboração de centro especializado.

Lesões dos ossos

A distócia de ombros surge em 0,5% a 2% dos partos por via vaginal, representando, por vezes, uma verdadeira emergência obstétrica. Felizmente, a maior parte das distócias de ombros é resolvida sem morbilidade materna ou fetal; como complicações podem surgir vários tipos de fracturas (da clavícula, úmero, fémur) e/ou lesão do plexo braquial.

A clavícula é o osso que mais frequentemente se fractura no contexto de traumatismo do parto, variando a sua frequência entre 0,3% a 2,3 % dos casos; de salientar que o seu significado clínico é limitado, não reflectindo a qualidade dos cuidados prestados.

Como manifestações clínicas da fractura da clavícula citam-se: hipomobilidade do membro superior do lado correspondente, crepitação e irregularidade ou saliência notada pela palpação da região clavicular, reflexo de Moro ausente ou incompleto do mesmo lado, e diminuição da depressão supraclavicular resultante do espasmo do esternocleidomastoideu.

Dum modo geral (exceptuando nos casos de lesões traumáticas associadas), perante a suspeita de fractura simples, não se torna necessário proceder à radiografia da clavícula. Por vezes o diagnóstico de fractura é feito a posteriori pela mãe da criança ao prestar-lhe os cuidados: saliência indolor ovóide que corresponde ao calo ósseo, traduzindo a excelência do prognóstico e a rapidez da consolidação (Figura 8).

Se forem detectados sinais de fractura (a palpação da região clavicular constitui um procedimento obrigatório do primeiro exame físico do RN no pós-parto), deverá proceder-se a uma imobilização do membro superior e ombro no sentido de minorar a dor pelo manuseamento da criança (por exemplo fixar a manga do casaco à roupa que cobre o tronco com um alfinete de segurança).

As fracturas dos ossos longos dos membros são, em geral, em ramo verde, podendo, no entanto, ser completas. De acordo com diversos estudos epidemiológicos, a fractura do úmero é, a seguir à da clavícula, a segunda mais frequente, comparticipando cerca de 4,2% dos casos de lesões traumáticas; relaciona-se, na sua maioria, com manipulação fetal para extracção do membro superior em posição posterior.

FIGURA 8. Fractura da clavícula direita. (URN-HDE)

As fracturas do fémur e do rádio são hoje muito raras devido aos progressos na assistência ao parto; estão relacionadas, sobretudo, com partos de apresentação pélvica ou em cesarianas com extracção fetal muito difícil.

As fracturas metafisárias e descolamentos epifisários dos ossos longos surgem habitualmente no contexto de manobras de versão externa ou na extracção fetal durante a distócia de ombros.

O diagnóstico de fractura dos ossos longos implica imobilização de imediato, com a indispensável actuação pelo ortopedista.

Lesão dos músculos

Hematoma/Fibroma do esternocleidomastoideu

Este tipo de lesão cuja etiopatogénese é controversa surge, em geral, no contexto de partos distócicos com rotação e extensão excessivas do pescoço, do que resulta ruptura das fibras musculares do esternocleidomastoideu com hematoma ou trombose venosa e ulterior desenvolvimento de tecido fibroso; poderá também estar em relação com má-posição intrauterina.

As manifestações surgem, na maior parte das vezes, entre a primeira e a segunda semana de vida, quando a criança já está em casa. Observa-se tumoração ou nódulo em forma de azeitona, de consistência firme com cerca de 2 a 5 cm de diâmetro, fazendo corpo com o músculo em questão; por vezes verifica-se apenas um endurecimento localizado do músculo relacionado com fibrose difusa. Em ambas as circunstâncias pode verificar-se concomitantemente torcicolo, constituindo este o primeiro sinal de alerta (Figura 9).

São descritos dois tipos de evolução: – ou regressão pelo 5º-6º mês de vida; – ou fibrose residual com torcicolo, escoliose cervical e deformação craniofacial.

A actuação nestes casos implica encaminhamento para consulta de cirurgia pediátrica na eventualidade de ser necessário proceder a exames complementares (ecografia muscular, radiografia da coluna cervical, etc.) e fisioterapia. Entretanto, deverá promover-se o ensino a quem cuida da criança no sentido de se realizarem exercícios passivos (inclinação da cabeça para o lado oposto ao mesmo tempo que se volta o mento para o lado afectado). Durante o sono, a criança deverá ficar em posição que se oponha à posição viciosa, com o auxílio de saco de areia ou almofada especial.

Nos casos de evolução não favorável com a actuação conservadora, está indicada intervenção cirúrgica, idealmente não depois dos 4 anos (ver Parte XXV, sobre Ortopedia).

Lesão da face

Para além das fracturas dos ossos da face e maxilar inferior (hoje raras devido aos progressos da medicina materno-fetal e obstetrícia), cabe dar realce às fracturas dos ossos próprios do nariz e à luxação da cartilagem nasal; esta última, a mais frequente lesão nasal traumática, traduz-se por desvio do septo, que poderá comprometer a respiração por obstrução nasal. Trata-se duma situação que implicará correcção precoce a cargo da equipa de ORL pelo risco de sequelas (deformação permanente).

As lesões oculares foram abordadas na Parte XXVI – Oftalmologia.

A Figura 10 mostra o aspecto de um RN com um quadro de lesão traumática da fronte e face traduzida essencialmente por edema generalizado, no contexto de apresentação de face e asfixia perinatal. Trata-se duma situação evitável, hoje rara, que se apresenta por razões didácticas.

Lesão da pele e tecidos moles

Para além de equimoses, hematomas e feridas contusas, salientam-se dois quadros clínicos clássicos, raros:

Esteatonecrose

A esteatonecrose é uma lesão circunscrita da pele e tecido celular subcutâneo (do tipo placa), com certo grau de dureza à palpação, de cor avermelhada ou arroxeada.

FIGURA 9. Hematoma/fibroma do esternocleidomastoideu à direita. (URN-HDE)

FIGURA 10. Lesão traumática da fonte e face resultante de apresentação de face. (URN-HDE)

Os casos descritos na literatura englobam sobretudo antecedentes de macrossomia; as alterações descritas anteriormente surgem em geral entre a 1ª semana e a 2ª semana, após partos laboriosos e/ou traumáticos, em áreas com maior deposição de gordura tais como nádegas, dorso, coxas, membros superiores e face.

A etiopatogénese relaciona-se com trauma, hipóxia-isquémia e hipotermia, conduzindo a processo necrótico do tecido adiposo subcutâneo com ulceração ocasional. Estudos anátomo-patológicos demonstraram cristais de gordura neutra por solidificação da gordura originando ulteriormente “reacções de corpo estranho” (cristais de palmitina no citoplasma de células “gigantes”).

A evolução natural é no sentido de regressão espontânea lenta, em semanas a meses. Como sequelas poderá verificar-se atrofia residual, cicatrizes e, raramente, calcificações.

Não existe tratamento específico. Esta entidade foi abordada no capítulo sobre Paniculites, na Parte XXIII.

Máscara equimótica

Este quadro clínico, cuja designação é histórica, traduz-se por aspecto azulado da fronte, face e pescoço como consequência de petéquias e sufusões pequenas confluentes, em geral com hemorragia subconjuntival associada.

O mesmo resulta de hipertensão venosa no território da veia cava superior nos casos de circular do cordão apertada. Idêntico quadro pode surgir nos casos de partos com período expulsivo rápido, levando a descompressão brusca do tórax (patogénese semelhante à dos traumatismos torácicos verificados noutros grupos etários).

Em geral, o prognóstico é favorável na ausência de hipóxia-isquémia perinatal e boa adaptação à vida extrauterina (Figuras 11 e 12).

As lesões viscerais são mais frequentes nos partos pélvicos, em RN macrossómicos e nos casos de patologia de base acompanhada de visceromegália.

O fígado é o órgão mais frequentemente afectado, variando as manifestações clínicas do tipo de lesão (por ex. fractura, hematoma subcapsular, etc.). Na sua forma mais típica verifica-se palidez explicada por anemia por perda, diminuição progressiva do hematócrito e possível evolução para choque hipovolémico.

Como nota importante refere-se que a hepatomegália (resultante de hemorragia subcapsular) pode ser um sinal de alerta no contexto de parto laborioso. A ecografia ou radiografia simples abdominais poderão evidenciar sinais de conteúdo líquido intraperitoneal.

FIGURA 11. Máscara equimótica em RN (efeito resultante de circular apertada ao pescoço). (URN-HDE

FIGURA 12. Hemorragia subconjuntival em RN com máscara equimótica. (URN-HDE)

A ruptura do baço, menos frequente, poderá ter manifestações semelhantes às descritas para a lesão hepática; a radiografia abdominal simples poderá evidenciar sinais indirectos de hemoperitoneu (designadamente opacidade difusa, desvio da “bolha” gasosa gástrica para a linha média, etc.).

A lesão das suprarrenais (hemorragia) é, em regra, subclínica; nos casos de manifestações evidentes, poderão ser detectados sinais inespecíficos de modo progressivo em relação com:

  • anemia por perda (taquipneia, taquicárdia, palidez, etc.), ou com
  • insuficiência suprarrenal (vómitos, hipoglicémia, irritabilidade, coma, convulsões, diarreia, etc.).

A confirmação da hemorragia suprarrenal (a posteriori) pode ser obtida procedendo a ecografia ou radiografia simples: identificação de sinais localizados de calcificação.

A actuação engloba: – medidas de suporte; – eventualmente, terapêutica de substituição hormonal ou intervenção cirúrgica.

Aspectos importantes da actuação geral e prevenção

As lesões devem ser alvo de observação atenta, sendo papel do médico prever a sua evolução e orientar a atitude terapêutica de modo a facilitar, sempre que possível, a permanência do recém-nascido junto da sua mãe.

Se as lesões forem muito importantes, torna-se indispensável falar com os pais o mais precocemente possível, explicando-lhes a causa e a evolução a curto prazo da situação. Embora muitas lesões que ocorrem após partos laboriosos sejam transitórias, as mesmas poderão interferir com o processo de vinculação precoce entre o recém-nascido e seus pais. Por outro lado, a ansiedade que surge na mãe poderá perturbar, não apenas o aleitamento materno, mas também o modo como irá perspectivar toda a sua relação com o bebé.

Por isso, tendo em consideração a segurança do recém-nascido e da sua família, torna-se necessário promover uma relação de confiança com o médico e a equipa em geral, somente possível através da comunicação e disponibilidade dos profissionais durante a permanência do RN na unidade neonatal.

A avaliação cuidadosa da gravidez e apresentação fetal, do trabalho de parto e do modo de descida da apresentação, assim como a decisão do obstetra quanto ao tipo de parto, serão aspectos determinantes para a prevenção do traumatismo parto.

No que respeita a aspectos técnicos prevenivos quanto a parto instrumental do âmbito do especialista de obstetrícia, torna-se importante relevar que este deverá seguir cuidadosamente as boas práticas quanto à aplicação do fórceps, assim como as instruções do fabricante em relação ao manejo da ventosa (por ex. força de vácuo a utilizar, a duração da aplicação, etc.).

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