Definição, aspectos epidemiológicos e importância do problema

As convulsões são anomalias paroxísticas traduzidas por manifestações motoras, comportamentais ou autonómicas. Não se trata duma doença específica, mas seguramente de um importante epifenómeno de disfunção neurológica.

No conceito global de convulsão neonatal são englobados dois grandes grupos:

  • as convulsões epilépticas ou manifestações relacionadas com descargas eléctricas excessivas e síncronas de neurónios cerebrais, associadas a sinais electroencefalográficos; e
  • as convulsões não epilépticas ou manifestações paroxísticas estereotipadas, não acompanhadas de alterações electroencefalográficas.

Estabelecendo comparação com alterações paroxísticas doutros grupos etários, cabe referir as seguintes destrinças:

  • devido à imaturidade do córtex cerebral no RN e à incompleta mielinização do sistema nervoso, as convulsões tónico-clónicas generalizadas são raras no período neonatal;
  • tendo em conta, por outro lado, o maior desenvolvimento das áreas subcorticais (designadamente diencéfalo e tronco cerebral) no RN, os fenómenos oculomotores, oro-buco-linguais e os sinais de disfunção autonómica são mais frequentes.

A incidência de convulsões neonatais varia muito em função da idade gestacional, das populações estudadas (com situações de risco variáveis) e dos critérios utilizados para a sua definição (clínicos ou electroencefalográficos).

Considerando o peso de nascimento, é estimada a seguinte incidência: – RN de peso < 1.500 g: 57,5/1.000; – RN de peso entre 2.500 e 3.999 g: 2,8/1.000.

Devido à possibilidade de tal disfunção (relacionável com múltiplos factores) poder originar, por sua vez, danos subsequentes ao nível do sistema nervoso, deverá existir da parte do clínico que presta cuidados a RN um elevado nível de suspeita, o que implica diagnóstico e tratamento realizados com celeridade e, muitas vezes, aplicação de medidas sintomáticas antes do diagnóstico etiológico.

Etiopatogénese

Existindo ainda muitas dúvidas quanto à patogénese das convulsões em geral há, contudo, mecanismos básicos que importa realçar:

  • imaturidade cerebral associada a predomínio do papel dos neurotransmissores excitatórios (primariamente glutamato, com maior expressão dos respectivos receptores e escassez relativa dos respectivos transportadores) em relação aos neurotransmissores inibitórios (primariamente GABA/ácido gama aminobutírico); de tal resulta mais intenso e prolongado contacto do glutamato com os receptores pós-sinápticos; uma vez que a vitamina B6 ou piridoxina é um cofactor para a síntese de GABA, deduz-se que o défice ou ausência desta última constitui factor predisponente de convulsões;
  • as características de imaturidade dos receptores do glutamato anteriormente referidas facilitam o influxo catiónico e a despolarização da membrana, activando o fenómeno de convulsão;
  • hipofuncionamento dos neurotransmissores inibitórios no cérebro imaturo, o que se relaciona com a fraca expressão dos respectivos canais iónicos;
  • disfunção da bomba de Na/K com repercussão negativa na produção de energia celular, o que é favorecido em situações de hipóxia-isquémia e hipoglicémia;
  • disfunção ao nível da membrana celular do neurónio, traduzida nomeadamente por maior permeabilidade, o que é favorecido por situações acompanhadas de hipocalcémia e hipomagnesiémia.

Para além destes factores celulares, as características do desenvolvimento do SNC no cérebro imaturo também favorecem o predomínio do estado excitatório, predispondo a convulsões; por exemplo, ao nível da substantia nigra, as vias excitatórias desenvolvem-se antes das vias inibitórias.

Na perspectiva da prática clínica, os factores etiológicos mais frequentemente implicados são mencionados no Quadro 1.

QUADRO 1 – Convulsões neonatais. Factores etiológicos.

Encefalopatia hipóxico-isquémica
Encefalopatia hipertensiva
Infecções (grupo TORCHS, meningite, meningoencefalite, etc.)
Anomalias congénitas (agenésia cerebral, etc.)
Lesões cérebro-vasculares (enfartes arteriais e venosos, etc.)
Lesões traumáticas (hematoma subdural, hemorragia intraperiventricular, etc.)
Alterações hidroelectrolíticas e metabólicas (hiponatrémia, hipernatrémia, hipoglicémia, hipocalcémia, hipomagnesémia, etc.)
Doenças hereditárias do metabolismo (galactosémia, frutosémia, aminoacidopatias, anomalias do ciclo da ureia, hiperglicinémia cetótica e não cetótica, etc.)
Convulsões familiares (esclerose tuberosa, síndromas neurocutâneas, etc.)
Privação de drogas (heroína, etc.)
Efeito de fármacos, “tóxicos e toxinas” (isoniazida, bilirrubina, etc.)
Síndromas genéticas (síndroma de Smith-Lemli-Opitz, síndroma de Zellweger, etc.)
Outros

Manifestações clínicas

A classificação das convulsões neonatais mais utilizada é a que foi descrita por JJ Volpe em 1989.

De acordo com a semiologia clínica são discriminados quatro tipos (subtis, clónicas, tónicas e mioclónicas.

Na classificação que integra o Quadro 2, a sistematização geral, variante da classificação de JJ Volpe considera: as convulsões com ou sem alterações electroencefalográficas, respectivamente epilépticas e não epilépticas e as chamadas convulsões traduzidas apenas por anomalias no EEG (assintomáticas).

A convulsão subtil corresponde a uma alteração motora, autonómica ou comportamental que surge mais frequentemente em RN pré-termo, nem sempre acompanhada de alterações do EEG.

QUADRO 2 – Tipos de convulsões neonatais.

Convulsões epilépticas (associadas a anomalias no EEG)

    • Subtis (predominantemente no RN pré-termo)
    • Clónicas focais e multifocais
    • Mioclónicas generalizadas e focais
    • Tónicas focais

 Convulsões não epilépticas (não associadas a anomalias no EEG)

    • Mioclónicas focais e multifocais
    • Tónicas generalizadas
    • Subtis
Convulsões “electroencefalográficas” ou anomalias do EEG assintomáticas

As respectivas manifestações podem ser sistematizadas do seguinte modo: movimentos de mastigação, desvio horizontal do globo ocular com ou sem tremor ocular, fixação ocular mantida, movimentos de pedalagem, movimentos dos membros superiores semelhantes a gestos de boxeur ou de nadador, fenómenos autonómicos como alterações vasomotoras hipertensão arterial, crises de hiperpneia ou apneia, etc.. A convulsão subtil acompanhada de alterações no EEG surge mais frequentemente no RN pré-termo.

Na convulsão clónica o RN evidencia movimentos rítmicos de grupos musculares em duas fases: uma, de contracção mais rápida, e outra mais lenta, voltando à posição inicial; podem verificar-se num grupo muscular (focal) ou em vários grupos musculares (multifocal) sendo que, por ex. o diafragma e a musculatura faríngea podem ser afectados, o que tem implicações na função respiratória. A convulsão focal está mais frequentemente associada a lesão localizada do SNC do que a alterações metabólicas.

A convulsão tónica caracteriza-se: por extensão ou flexão mantida dos membros superiores ou inferiores (tónica generalizada), sendo mais frequente em RN pré-termo; ou por postura mantida de um membro ou postura assimétrica do tronco em relação ao pescoço (tónica focal); ocorre com frequência semelhante no RN de termo e no pré-termo.

A convulsão mioclónica caracteriza-se por movimentos desordenados, síncronos ou assíncronos e rápidos, tendendo a ocorrer sobretudo em grupos musculares flexores; pode ser generalizada (flexão dos membros superiores – mais frequentemente –, ou dos membros inferiores), focal (com manifestação ao nível da musculatura flexora de um membro superior), ou multifocal (contracções musculares assíncronas de várias partes do corpo).

Na classificação de Mizrahi & Kellaway, com base em estudo vídeo-electroencefalográfico contínuo, considera-se ainda uma quinta modalidade de convulsão neonatal: os espasmos. Tais manifestações consistem em movimentos ou abalos muito rápidos e curtos de extensão, flexão ou flexão/extensão, durando não mais que 1-2 segundos, não provocados por estimulação, nem parados pela pressão ao toque.

De acordo com os referidos autores (M&K):

  • as convulsões clónicas focais, tónicas focais e mioclónicas generalizadas, assim como os espasmos são em regra associados a descargas electrográficas (convulsões epilépticas);
  • os automatismos motores subtis, as generalizadas, as tónicas generalizadas e os episódios mioclónicos multifocais traduzem mais frequentemente fenómenos de libertação secundários a lesão cerebral, do que verdadeiras convulsões epilépticas.

Salienta-se que muitas vezes, pela complexidade do quadro clínico e dos factores potencialmente lesivos para o SNC, a destrinça entre convulsões epilépticas e não epilépticas é difícil, tornando-se necessário proceder à utilização do EEG contínuo à cabeceira do doente.

Exames complementares

Perante uma convulsão, há pois que caracterizar as manifestações clínicas e proceder a exames complementares para esclarecimento etiológico tendo em conta a história clínica e as hipóteses que podem ser sugeridas pela consulta do Quadro 1. Alguns destes exames (prioritários) são abordados a propósito da actuação prática. (ver adiante)

Nesta alínea cabe uma referência especial aos seguintes:

  • EEG contínuo para se poder apreciar o traçado de base e a existência ou não de actividade paroxística; importa referir que pode haver actividade eléctrica paroxística detectada pelo EEG sem qualquer manifestação clínica. É a chamada “dissociação electroclínica”, relacionada com a imaturidade das conexões corticais;
  • aEEG (EEG de amplitude integrada) utilizável em situações especiais; no capítulo seguinte, relacionado com hipóxia-isquémia como causa de convulsões, é abordada esta modalidade;
  • Vídeo-EEG para o esclarecimento de casos recorrentes e hospitalizados (correlação entre as manifestações clínicas e o traçado electroencefalográfico) – técnica ainda não disponível em todos os serviços hospitalares;
  • RM (Ressonância Magnética) com particular interesse admitindo a hipótese de enfarte cerebral (na sua forma típica em território da artéria cerebral média).

Nota importante:
O enfarte de um território arterial na sua forma típica é decorrente duma artéria importante (artéria cerebral média). Começa por edema seguido de isquémia, sendo por vezes secundário a hemorragia. Semanas mais tarde a zona é substituída por quistos. Estes acidentes podem ocorrer no período de vida fetal ou intraparto. Situações como a gemelaridade e defeitos cardíacos podem condicionar esta patologia. Manifestam-se precocemente por convulsões precoces. A RM detecta a lesão com muito pormenor e permite definir o prognóstico quanto à função motora.

Diagnóstico diferencial

Ao abordar o tema “convulsões no RN” importa estabelecer a destrinça entre estas e outras perturbações paroxísticas/fenómenos motores de origem não epiléptica: tremores, mioclonias neonatais benignas do sono profundo e hiperecplexia.

Eis alguns sinais que permitem tal destrinça com:

Tremores

  • Os tremores são movimentos rítmicos de pequena amplitude, assim como de amplitude e frequência regulares; na convulsão (clónica) existe uma componente de movimento rápido e uma componente de movimento lento;
  • Os tremores são sensíveis a estímulos externos; são interrompidos com uma flexão passiva e suave do membro onde se verificam, o que não acontece na convulsão;
  • Os tremores não se acompanham de fenómenos oculares como fixação ou desvio ocular nem de alterações autonómicas (por ex. taquicárdia, crises de apneia, fenómenos vasomotores cutâneos, sialorreia ou alterações pupilares), ao contrário da convulsão.

Mioclonias neonatais benignas do sono profundo

  •  Esta situação, associada a exame neurológico normal e consistindo em abalos repetidos das extremidades somente durante o sono – mais frequentemente durante o sono calmo (REM) – cessa com o despertar e após os 2 meses.

Hiperecplexia (na língua inglesa denominada startle disease)

  • Este quadro, raro, traduz-se por espasmo tónico símile “sobressalto” induzido por estímulo externo.

Tratamento

Tendo em consideração que a convulsão, independentemente do factor etiológico, poderá resultar em lesão do SNC, sobretudo se for mantida, há que estabelecer prioridades na actuação, a qual deve ser precoce, urgente e, por vezes emergente; salienta-se, a propósito, que uma convulsão mantida origina incremento do consumo de glucose, substrato fundamental para o metabolismo da célula cerebral.

Embora, para fins didácticos, se estabeleça um esquema sequencial de actuação, por vezes torna-se necessário levar a cabo certas medidas quase em simultâneo, o que implica a colaboração de uma equipa especializada e experiente (por conseguinte, mais do que uma pessoa).

Aspectos gerais

  • promover ventilação (RCR inicial e eventual ventilação mecânica ulteriormente em função do quadro clínico) e perfusão adequadas, estabilidade hemodinâmica e aplicação de venoclise com soluto glucosado;
  • detectar factores etiológicos susceptíveis de correcção (hipoglicémia, hipocalcémia, hipomagnesiémia, outras alterações hidro-electrolíticas e do equilíbrio ácido-base, infecção, etc.);
  • iniciar tratamento com fármacos anticonvulsantes adiante especificados;
  • monitorizçaão de sinais vitais;
  • realização doutros exames complementares em função da história clínica incluindo exames neuroimagiológicos, com prioridade para a ecografia transfontanelar;
  • nos casos em que não seja detectada etiologia específica, haverá que admitir a possibilidalidade de doença hereditária do metabolismo, o que obriga a ulterior análise de sangue para doseamento de lactato, amónia, aminoácidos séricos, e de urina para pesquisa e doseamento de ácidos orgânicos, etc..

Tratamento anticonvulsante

As opiniões dos autores especialistas e investigadores em neurologia neonatal dividem-se quanto à indicação de tratamento anticonvulsante: enquanto alguns recomendam que somente os RN com convulsões clínicas devem ser tratados com fármacos anticonvulsantes, outros opinam que, não só na situação anterior, mas também nos casos de alterações do EEG sem manifestações clínicas se deve proceder a tal tratamento, tendo em consideração o efeito adverso das alterações ao nível da célula do sistema nervoso sobre o metabolismo do cérebro imaturo.

Na prática, os fármacos antiepilépticos mais usados, são o fenobarbital, a fenitoína e as benzodiazepinas.

Fenobarbital

Este fármaco é em geral utilizado em 1ª linha; com vida média oscilando entre 45 e 173 horas, são habitualmente utilizadas as seguintes doses:

  • dose inicial de sobrecarga: 20 mg/kg IM ou IM, em cerca de 10-15 minutos se o RN estiver ventilado; em RN não ventilado a dose total de 20 mg é desdobrada em duas de 10 mg administradas sequencialmente com intervalo de 20 minutos.
    No caso de a dose inicial não ser efectiva, doses subsequentes de 5 ou 10 mg/kg em intervalos de 10 ou 15 minutos até ser atingida dose total de 40 mg/kg.
  • dose de manutenção: 5 mg/kg/dia (IM, IV ou oral a dividir por duas doses diárias), sendo recomendados níveis séricos terapêuticos/vale entre 16 e 40 mcg/mL; a colheita de sangue para doseamento do fármaco deverá ser feita antes da primeira dose diária.

O fenobarbital é eficaz em cerca de 70% a 80% das convulsões neonatais.

Fenitoína

Se após dose de 40 mg/kg de fenobarbital as crises de convulsões persistirem, deve iniciar-se a administração (concomitante) de fenitoína:

  • dose inicial de sobrecarga: 15 a 20 mg/kg IV (0,5-1 mg/kg/minuto) ou 7,5 a 10 mg/kg com intervalo de 20 minutos, de modo a atingir nível sérico entre 15 a 20 mcg/mL;
  • dose de manutenção: 4-8 mg/kg/dia (IV a dividir por duas doses diárias), sendo o início da manutenção 12 horas após a dose inicial.

A fenitoína é eficaz em cerca de 15% dos casos de convulsões que não cederam ao fenobarbital. Os níveis séricos são difíceis de manter porque o fármaco se redistribui rapidamente pelos tecidos, problema que é potenciado se a administração for por via oral; por isso, a manutenção não pode ser mantida por via oral. A absorção por via IM é irregular. Assim, como regra prática, não é recomendada a continuação do fármaco uma vez cessadas as convulsões e/ou removida venoclise.

Chama-se a atenção para o efeito secundário de cardiotoxicidade.

Benzodiazepinas

O diazepam, com uma vida média de cerca de 54 horas no RN pré-termo e de 18 horas no RN de termo, é a benzodiazepina mais frequentemente utilizada; a via aconselhada é a IV, pois a via IM condiciona absorção muito lenta.

Como limitações da sua utilização são citadas as seguintes: maior probabilidade de hipotonia e de depressão respiratória, sobretudo se utilizado em associação com barbitúricos; níveis terapêuticos próximos dos tóxicos; pela forte ligação às proteínas verifica-se tempo de impregnação no SNC fugaz, razão pela qual não está indicado em regime de manutenção; o benzoato de sódio, seu veículo para uso IV, compete com a bilirrubina na sua ligação à albumina, o que aumenta o risco de kernicterus.

  • dose em situação aguda (não seguida de manutenção): 0,1-0,2 mg/kg IV em administração lenta (2 minutos), seguindo-se perfusão ao ritmo de 0,5 mcg/kg/minuto, com incrementos de 0,5-1 mcg/kg cada 2 minutos até resposta favorável, não ultrapassando 7 mcg/kg/minuto.; pode ser repetida 15 a 30 minutos depois.

Como efeito secundário significativo cita-se a hipotensão.

O lorazepam IV (não disponível em todos os países), pode ser utilizado como alternativa ao diazepam na dose de 0,05-0,1 mg em 2 a 5 minutos, também podendo ser repetida a sua administração; a probabilidade de depressão respiratória é menor.

O midazolam IV utiliza-se na dose inicial de 0,15 mg/kg seguida da dose de 0,1-0,4 mg/kg/hora em regime de manutenção.

Nos casos de convulsões recorrentes verificadas nas primeiras horas de vida, e sem achados complementares esclarecedores, está indicado proceder a prova terapêutica com piridoxina endovenosa (50-100 mg/kg) durante a convulsão com monitorização simultânea de EEG; em situação de carência de piridoxina verifica-se cessação da crise e do traçado anómalo do EEG, o que implica ulterior terapêutica de manutenção na dose de 50-100 mg/dia por via oral ou endovenosa.

Mais raramente, sobretudo no contexto de convulsões refractárias e/ou associadas a patologia de base grave (por ex. defeitos congénitos do SNC, infecções, hipóxia-isquémia grave, hemorragia intracraniana e outras modalidades de AVC, etc.), implicando cooperação de neurologista-pediatra, são utilizados os fármacos levetiracetam e o topiramato, considerados de segunda e terceira escolha.

Duração do tratamento anticonvulsante

Para decidir sobre a duração do referido tratamento, foram consideradas:

  • a possibilidade de efeitos adversos do tratamento anticonvulsante prolongado sobre a morfologia e metabolismo das células neuronais;
  • que a duração do período de “lua de mel” ou livre de convulsões após o período neonatal é imprevisível – meses a anos.

Nesta perspectiva, foram definidos critérios que legitimam a interrupção do tratamento iniciado no período neonatal, mesmo nos casos de risco elevado de recorrência; como regra geral, o fenobarbital poderá ser suspenso se o exame neurológico e o EEG não revelarem alterações.

O processo de suspensão do fenobarbital deve ser gradual, em duas semanas.

Salienta-se que nos casos de antecedentes de EHI e de depressão importante nos traçados do EEG, existe probabilidade de recorrência de cerca de 30%-50%; nos casos de hipoglicémia e hipocalcémia, e na ausência de doença hereditária do metabolismo, tal probabilidade é praticamente nula.

Seguimento e prognóstico

Desde que as crises sejam controladas, o tratamento na data da alta depende fundamentalmente do diagnóstico, do resultado do exame neurológico e do EEG intercrise.

Se o resultado do exame neurológico evidenciar alterações, deverá ser mantida a terapêutica com anticonvulsante oral, mais frequentemente fenobarbital, e o paciente ser encaminhado para consulta de Neurologia pediátrica ao cabo de 4-5 semanas.

Como factores preditivos do prognóstico, apontam-se fundamentalmente as características das convulsões, a resposta ao tratamento inicial, a doença de base, e as alterações do EEG.

Com efeito, as crises de início mais precoce, tónicas, prolongadas (> 10 minutos/hora) e refractárias ao tratamento, assim como sinais do EEG evidenciando actividade eléctrica de baixa voltagem e padrão de “surto-supressão” na fase intercrise, são associados a prognóstico mais reservado.

Ao longo dos anos, o prognóstico das síndromas acompanhadas de convulsões tem melhorado graças aos progressos na assistência perinatal. No que respeita à morbilidade, os estudos epidemiológicos apontam proporção de sequelas entre 20% a 35% dos casos (principalmente insuficiência mental e doença motora não progressiva), sendo que, em muitas situações, aquelas se relacionam mais com a doença de base do que com as próprias convulsões; as convulsões recorrentes são referidas com uma frequência entre 15% e 20%.

Comparando as alterações do desenvolvimento em RN de termo e pré-termo, a médio e longo prazo, a proporção daquelas é muito maior no segundo caso (cerca de 75%) do que no primeiro (cerca de 40%).

Quanto à mortalidade, considerando globalmente RN pré-termo e de termo (~ 20%-25%), salienta-se que mais de metade dos óbitos ocorre nos RN pré-termo.

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