CUTIS LAXA, PSEUDOXANTOMA ELÁSTICO E SÍNDROMA DE WILLIAMS

1. CUTIS LAXA

Definição

O termo cutis laxa engloba um grupo heterogéneo de doenças raras, originadas por défice metabólico da síntese das fibras elásticas do tecido conjuntivo, ou por sua alteração degenerativa proteolítica, facto que justifica a designação de elastólise ou de elastorrexis generalizada. Tem sido também designada dermatocalázio.

Existem formas congénitas determinadas geneticamente (autossómicas dominantes, autossómicas recessivas ou ligadas ao cromossoma X), de aparecimento mais precoce, e formas adquiridas.

Etiopatogénese e manifestações clínicas

Descrevem-se as seguintes formas congénitas:

  1. A mais frequente, mais grave e de início precoce transmite-se de modo autossómico recessivo, compreendendo: – o tipo relacionado com mutação dos genes da fibulina 4 e fibulina 5 (FBLN4 e FBLN5); e – o tipo relacionado com mutação do gene ATP6V0A2;
  2. A forma autossómica dominante, relacionada com mutação do gene da elastina (ELN em 14q32.1, 7q11.2);
  3. A forma autossómica dominante ou recessiva resultante de mutação do gene da fibulina 5 (FBLN5 ou DANCE, sigla de Developmental Arteries and Neural Crest EGF like em 14q32.1);
  4. A forma ligada ao cromossoma X (adenosina trifosfatase transportadora do cobre (ATP7A em Xq12-q13).

Quanto às formas adquiridas, há a referir que podem manifestar-se na infância ou no adulto, sendo em geral, desencadeadas por factores precipitantes gerais ou locais (processos inflamatórios da pele, tais como lúpus eritematoso, amiloidose, eritema multiforme, urticária, angioedema, a reacções de hipersensibilidade à penicilina e, em RN, a ingestão materna de penicilina durante a gravidez).

A manifestação fundamental é o desenvolvimento de grandes pregas cutâneas laxas, sendo que os quadros clínicos variam como resultado do compromisso das fibras elásticas e também dos órgãos atingidos. (Figura 1)

Como sinais mais típicos destacam-se, pois, grandes pregas dérmicas laxas (resultantes de perda de elasticidade da pele), aspecto de envelhecimento prematuro, voz de baixa tonalidade e disfonia por alteração da elasticidade das cordas vocais.

FIGURA 1. Cutis laxa em lactente: pregueamento da pele mantido ao cessar o estiramento

Os sinais viscerais incluem hérnias (Figura 2), divertículos, prolapso vaginal ou rectal, enfisema pulmonar, aneurismas aórticos e/ou estenose da artéria pulmonar. Outros achados englobam: antecedentes de restrição de crescimento intrauterino, baixa estatura, alterações esqueléticas e cárie dentária grave. Os doentes falecem habitualmente na idade adulta jovem.

A cutis laxa pode estar associada a síndromas diversas, tais como síndroma de Barsy, de Lenz Majewski, nanismo hiperostótico, etc..

As formas adquiridas limitam-se geralmente ao tegumento cutâneo.

Diagnóstico diferencial

De acordo com o exame histológico, a presença de pele flácida corresponde à verificação microscópica de diminuição, fragmentação e distensão das fibras elásticas dérmicas e, ocasionalmente, viscerais.

O diagnóstico diferencial, por vezes difícil, faz-se com o pseudoxantoma elástico e as síndromas de Ehlers-Danlos.

Tratamento

Não existe tratamento específico; em casos seleccionados pode estar indicada a cirurgia plástica com resultados variáveis, existindo a probabilidade de recidiva local.

FIGURA 2. Aspecto de fenótipo da cutis laxa congénita em adolescente; são notórias hérnias inguniais. (NIHDE)

2. PSEUDOXANTOMA ELÁSTICO

Definição e etiopatogénese

O pseudoxantoma elástico (ou síndroma de Gronblad-Strandberg), afecção multissistémica hereditária heterogénea rara, caracterizada por alteração da elastina e calcificação das estruturas elásticas dérmicas e vasculares. Com uma frequência de cerca de 1/100.000 nados-vivos, está associada a mutação no gene ABCC6, localizado no braço curto do cromossoma 16 (16p13.1). Transmite-se, na sua maioria, de forma autossómica recessiva.

Admite-se que da mutação genética resulte produção de substâncias (provavelmente glicosaminoglicanos) com afinidade particular para as fibras elásticas. A modificação estrutural destas fibras, com depósito secundário de sais de cálcio, conduz povavelmente às alterações observadas na derme, nas camadas média e íntima de artérias de médio calibre, e na membrana de Bruch do olho.

Manifestações clínicas

As manifestações iniciam-se em geral na adolescência: aparecimento de lesões cutâneas xantomatosas (pápulas pequenas, levemente salientes, da cor da pele ou amareladas), assintomáticas, situadas nas superfícies laterais do pescoço e/ou axilas, bilaterais, por vezes com padrão linear ou reticulado, e nas áreas de flexão. Em cerca de 80% dos casos, observam-se na mucosa oral, superfície interna dos lábios e abóbada palatina.

De salientar ainda, ao nível do olho: estrias angióides detectáveis por fundoscopia, ruptura da membrana elástica de Bruch, hemorragias, degenerescência macular e neovascularização retiniana.

Pode verificar-se também compromisso valvular e arteriopatia oclusiva dos grandes vasos com hipertensão secundária.

A esperança de vida está diminuída por complicações vasculares, sendo que as alterações do globo ocular poderão conduzir à amaurose.

Diagnóstico

O diagnóstico é confirmado pela presença das denominadas estrias angióides no exame fundoscópico; embora tal padrão esteja presente em cerca de 85% dos casos, não é patognomónico da afecção (podem detectar-se também na síndroma de Ehlers-Danlos e na doença de células falciformes.

A biópsia dérmica evidenciando sinais de depósitos cálcicos em fibras elásticas fragmentadas, degeneradas e distorcidas pode corroborar o diagnóstico.

O diagnóstico diferencial estabelece-se fundamentalmente com o líquen escleroatrófico e a esclerodermia.

Tratamento

Não existe tratamento curativo, podendo, no entanto, ser combatidos os factores de risco cardiovascular, assim como proceder-se ao tratamento sintomático das complicações.

Nas situações de compromisso valvular mitral significativo poderá estar indicada intervenção de cirurgia cardiovascular.

Nas formas de manifestações oculares poderá estar indicada a terapêutica com laser; com o objectivo de tentar reduzir a taxa de hemorragias retinianas têm sido utilizados suplementos nutricionais (A, C, E, ácidos gordos essenciais como por ex. ómega 3, etc.) e de oligoelementos (Zn, Se) cuja eficácia é duvidosa.

3. SÍNDROMA DE WILLIAMS

Definição e etiopatogénese

Trata-se duma rara afecção caracterizada essencialmente por problemas cardíacos e do tecido conectivo (por alteração da síntese da elastina), e devida a microdeleção de genes contíguos (gene da elastina e LIMK1) do braço longo do cromossoma 7q11.23. É transmitida hereditariamente segundo o modo AD, com uma frequência de 1/ 20.000 indivíduos.

Manifestações clínicas

Como manifestações fundamentais são descritas: fácies dismórfica típica de “duende” (crânio com depressão bitemporal, hipoplasia facial média, hipertelorismo, nariz arredondado, má oclusão dentária, dentes com hipoplasia do esmalte, baixa estatura, défice ponderal, e défice cognitivo moderado e comportamento peculiar (designadamente grande sociabilidade e capacidade auditiva-musical muito notória).

Outras manifestações incluem: arteriopatia (estenose pulmonar, estenose aórtica supravalvular), hiperlaxidão, hipotiroidismo, contracturas articulares, hipercalcémia, hipercalciúria, nefrocalcinose, hipotonia, etc..

Para o diagnóstico são utilizadas técnicas de hibridação.

Tratamento

Não existe tratamento específico; as medidas a aplicar incluem tratamento sintomático e reabilitação com o objectivo de integração social.

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SÍNDROMA DE MARFAN E ARACNODACTILIA CONGÉNITA

1. SÍNDROMA de MARFAN

Definição

A síndroma de Marfan (SM) é uma afecção sistémica do tecido conectivo resultante de mutações no gene que codifica a fibrilina-1 da matriz extracelular, com consequente anomalia na síntese daquela. Caracterizada essencialmente por anomalias músculo-esqueléticas, oculares e cardiovasculares, o diagnóstico baseia-se nos dados clínicos, alguns dos quais são dependentes da idade.

Etiopatogénese

Salienta-se que a fibrilina-1 é uma glicoproteína que abunda nos tecidos elásticos e não elásticos (componentes fundamentais de artérias, estruturas oculares, esqueleto, pulmões e pele), desempenhando um papel importante na formação e estabilidade das fibras elásticas, assim como na sua deposição na matriz.

A alteração básica da SM radica em mutações no gene FBN1 localizado no cromossoma 15 (15q15-q21) que codifica a síntese da referida fibrilina-1. Conhecem-se cerca de 150 mutações de FBN1 em doentes com SM, sendo que cerca de 20% dos casos correspondem a mutações “de novo”. Este quadro foi designado por alguns autores como SM do tipo 1.

Em 2004 foram identificadas mutações no gene TGFBR2, situação que poderá corresponder a 10% dos casos; este último quadro foi designado por SM do tipo 2.

Importância do problema

Surge com uma frequência de 1-3/10.000 indivíduos, afectando ambos os sexos igualmente. Em cerca de 75% dos casos verifica-se transmissão autossómica dominante com uma penetrância elevada, ainda que variável dentro de cada família; os restantes cerca de 25% dos casos são de aparecimento esporádico.

A sua maior importância deriva, sobretudo, da morbilidade cardiovascular, salientando-se que o diagnóstico e terapêutica precoces melhoram a taxa de complicações e a sobrevivência.

Manifestações clínicas

Os achados mais característicos são: altura excessiva para a idade (acima do percentil 97), peso inferior ao percentil 50 (devido a massa muscular globalmente diminuída), dolicostenomelia (hipercrescimento das extremidades, longas e delgadas) e aracnodactilia (dedos longos e delgados). A razão entre o segmento corporal superior (medido pela distância entre a cabeça e sínfise púbica) e o segmento corporal inferior (sínfise púbica e solo) é superior a 2 desvios-padrão abaixo da média para a raça e idade, como reflexo do grande comprimento das extremidades inferiores. (Figura 1)

O hipercrescimento metacárpico (e a hipermobilidade articular) pode ser demonstrado pelo sinal do polegar que ultrapassa o bordo cubital da mão quando em oposição sobre a palma, e pelo sinal do pulso verificado pela sobreposição do polegar e do 5º dedo quando estes dedos contornam o pulso. (Figura 2)

FIGURA 1. Síndroma de Marfan: aspecto geral do fenótipo. (NIHDE)

As costelas são mais compridas que o normal, causando protusão condrocostal e deformidade esternal (pectus excavatum, pectus carinatum ou combinação de ambos).

É habitual a presença de dolicocefalia, abóbada palatina estreita e elevada, hipognatia e/ou retrognatia, malares planos e hipoplásicos que proporcionam uma expressão lúgubre.

A coluna vertebral pode ser sede de diversas anomalias: cifose e/ou escoliose (que, combinada com a deformidade torácica atrás descrita, pode resultar em síndroma restritiva torácica), espondilolístese, instabilidade da coluna cervical por laxidão ligamentosa, e ectasia dural (caracterizada por adelgaçamento das lâminas vertebrais de L4 a S2, alargamento do canal neural e proeminência da dura-máter no mesmo, assim como alargamento dos forâmen neurais).

Pode surgir hiperlaxidão articular e desenvolvimento de pés planos ou pés cavos com possibilidade de artrose da anca e joelho na idade adulta.

FIGURA 2. Síndroma de Marfan: Sinais do pulso e do polegar. (NIHDE)

Oculares

Os globos oculares são alongados com consequente miopia (a mais frequente anomalia ocular); em mais de metade dos casos aparece ectopia ou luxação do cristalino (ectopia lentis), habitualmente bilateral, devida a laxidão dos ligamentos suspensores.

Cardiovasculares

Constituindo os achados mais graves e a principal causa de morbimortalidade, condicionam fortemente o prognóstico.

É muito frequente o aparecimento de prolapso mitral associado a arritmias, progredindo para insuficiência mitral franca em cerca de 25% dos casos.

A dilatação dos seios de Valsalva e da raiz aórtica pode resultar em insuficiência valvular aórtica, ruptura aórtica, dissecção aórtica, enfarte do miocárdio, tamponamento cardíaco e morte súbita.

Outras

Podem observar-se ainda as seguintes alterações: camptodactilia (contractura dos dedos), e cotovelos, retrognatismo, hipoplasia malar, estrias cutâneas atróficas, hipotrofia e anomalias de distribuição do tecido adiposo e, na idade adulta, obesidade de tipo centrípeto, localizada sobretudo na região das ancas.

O pneumotórax espontâneo devido a ruptura parenquimatosa pulmonar, com ou sem deformação torácica, é frequente.

Por fim, cabe citar a maior frequência de hérnias em relação à população normal.

Critérios de diagnóstico

O diagnóstico clínico é óbvio face à coexistência de achados como: dolicostenomelia, aracnodactilia, luxação do cristalino e dilatação aórtica, associados em geral a antecedentes familiares.

Para o diagnóstico clínico é habitual seguir a chamada nosologia de Ghent, revista em 2010, com base nos quatro achados mais importantes: alterações esqueléticas, dos olhos, do sistema cardiovascular e ectasia dural do canal espinhal lombo-sagrado.

Num caso índice, o diagnóstico de SM pode estabelecer-se quando se verifica:

  • Alteração grave/critério maior de 2 sistemas orgânicos diferentes + alteração ligeira/menor de um terceiro; ou
  • Alteração grave de 1 sistema orgânico/critério maior + alteração ligeira/menor de outro sistema orgânico + uma mutação no gene FBN1.

Para um paciente de um caso índice, o diagnóstico pode estabelecer-se quando existe um critério proporcionado pela história familiar (maior) e outro critério maior/alteração grave de 1 sistema orgânico + alteração de um segundo sistema orgânico.

Diagnóstico diferencial

Tendo em consideração determinadas características da SM, o diagnóstico diferencial faz-se com situações clínicas decorrentes de patologia sistémica do tecido conectivo/alteração da forma e da função de proteínas da família das fibrilinas, ou do foro metabólico, valorizando:

  • Pelas alterações cardiovasculares, designadamente aneurismas, com:
    • síndroma de Loeys-Dietz – tríade de aneurisma, hipertelorismo e úvula bífida ou fenda palatina;
    • aneurisma da aorta torácica familiar;
    • síndroma de Shprinzen-Goldberg – rara, em que predominam alterações músculo-esqueléticas e dilatação aórtica associadas a craniossinostose;
    • fenótipo MASS – sigla em inglês de prolapso mitral, miopia, dilatação aórtica, estrias cutâneas e alterações esqueléticas;
  • Pela luxação do cristalino/ectopia lentis, com: síndroma de Weill-Marchesani, homocistinúria);
  • Pelas manifestações sistémicas sobreponíveis, com aracnodactilia, abordada sucintamente na alínea 2.

Exames complementares

Havendo suspeita de SM e antecedentes familiares, torna-se fundamental proceder a exame ocular com lâmpada de fenda, ecocardiograma, ECG e análises de biologia molecular para detecção de mutações no gene FBN, estas últimas com uma sensibilidade de 90%.

Tratamento

O objectivo fundamental é prevenir ou retardar o aparecimento de dissecção ou ruptura aórtica, de alto risco (designadamente durante a gravidez); nesta perspectiva, alguns autores sugerem o uso sistemático de beta-bloqueantes como prevenção (designadamente bloqueantes do tipo 1 dos receptores de angiotensina II).

Em determinados casos está indicado o tratamento cirúrgico da dilatação aórtica para evitar dissecção ou insuficiência mitral.

As técnicas de tratamento médico-cirúrgico permitiram duplicar a expectativa de vida, elevando-se a 65 anos.

Sempre que sejam detectadas anomalias valvulares ou da raiz aórtica é recomendada a profilaxia da endocardite com antibioticoterapia.

A luxação do cristalino também pode requerer cirurgia.

A escoliose requer fisioterapia e, por vezes, tratamento cirúrgico.

As deformações torácicas também poderão requerer tratamento cirúrgico.

As actividades que levem a descompressões bruscas, pelo risco de pneumotórax, devem ser desaconselhadas (subida em ascensores muito rápidos, viagens em aviões não pressurizados, etc.).

2. ARACNODACTILIA CONGÉNITA

A aracnodactilia congénita, entidade semelhante à SM (com quadro dito Marfanóide), mas com contracturas e manifestações predominantemente esqueléticas, é causada por mutações no gene FBN2 que codifica a síntese da fibrilina-2.

Relativamente aos exames complementares e tratamento, tem cabimento nesta situação (aracnodactilia congénita) o que foi referido a propósito da SM.

Alguns autores propuseram as designações de microfibrilopatias ou fibrilinopatias para as afecções atrás mencionadas (SM e aracnodactilia).

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial deve fazer-se com outras situações em que se verifica contractura em flexão, tais como as síndromas com artrogripose.

A propósito do diagnóstico diferencial da síndroma de Marfan e síndromas Marfanóides, importa analisar os seguintes factos:

  • Os pacientes com SM, síndroma de hipermobilidade Marfanóide, ou homocistinúria, enquanto exibindo aracnodactilia, não manifestam contracturas em flexão;
  • Por outro lado, os pacientes com aracnodactilia congénita e contracturas, geralmente não evidenciam anomalias cardiovasculares nem luxação do cristalino. 

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EPIDERMÓLISE BOLHOSA

Definição e importância do problema

A epidermólise bolhosa (EB) engloba um grupo heterogéneo de situações hereditárias de gravidade variável caracterizadas pela formação de bolhas dérmicas em resposta a traumatismos mínimos. A fragilidade da pele está relacionada com mutações em genes que codificam diversas proteínas estruturais, intra ou extracelulares, as quais são responsáveis pela resistência mecânica do tecido dérmico. A incidência é cerca de 1/50.000 recém-nascidos vivos, salientando-se que ambos os sexos e todas as raças são afectados por igual.

Manifestações clínicas

A EB compreende três subtipos fundamentais, com diversas variantes, de acordo com a expressão clínica e o local da união dermoepidérmica onde se forma a lesão típica: a bolha. (Figura 1)

FIGURA 1. Epidermólise bolhosa em RN

EB simples

Este subtipo, associado a mutações nos genes das queratinas (5 e 14) e da plectina originando bolhas, consequência da citólise dos queratinócitos, engloba três variantes:

  • Generalizada (anteriormente designada EB de Koebner) com as seguintes características: transmissão hereditária AD, bolha formada a partir da camada basal e suprabasal, aparecendo no 1º ano de vida, não afectando unhas, pêlos, nem provocando cicatrizes, mutilações ou restrição do crescimento;
  • Localizada/palmo-plantar (anteriormente designada EB de Weber-Cockayne): transmissão AD, mais frequente no sexo masculino, bolha formada a partir da camada subgranulosa, localização predominante palmo-plantar, podendo surgir quando a criança inicia a marcha ou, mais tarde, na pré-adolescência, não afectando unhas, pêlos, mucosas, nem provocando cicatrizes, mutilações ou restrição do crescimento;
  • Herpetiforme: AD, bolhas semelhantes às do herpes simplex, por vezes generalizadas, descamação e distrofia das unhas; por vezes hiperqueratose e hiper-hidrose e discreta pigmentação.

O prognóstico é bom, observando-se diminuição da formação de bolhas com a idade.

EB da junção

Trata-se dum subtipo muito heterogéneo pela grande variabilidade de manifestações clínicas em que as bolhas se formam na lamina lucida; de transmissão AR, é explicável por mutações nos genes da laminina 5, a 6 e b 4-integrina, e colagénio XVII; distinguem-se:

  • A variante Herlitz, letal antes dos 2 anos de vida, associada a atingimento generalizado das mucosas, designadamente do tracto respiratório (podendo originar obstrução laríngea grave), digestivo, e obstrução vésico-ureteral;
  • A variante não Herlitz de progressão muito lenta, manifestada na idade escolar, com cura sem formação de cicatrizes; pode haver associação a atrésia pilórica, anomalias dentárias, ungueais e a alopécia.

EB distrófica

Neste subtipo de gravidade variável, associado a mutações no gene COL7A1,

as bolhas de conteúdo sero-hemorrágico formam-se sob a membrana basal; são explicáveis, por anomalias das fibrilhas do colagénio VII e doutras estruturas.

Este subtipo engloba duas variantes:

  • Dominante (AD), surgindo no RN ou no lactente, com aspecto bolhoso ligeiro ou moderado, atingindo a pele e mucosas, não afectando os cabelos nem unhas, deixando no entanto cicatrizes e mutilações e associada a restrição do crescimento;
  • Recessiva (AR), anteriormente designada por EB de Hallopeau-Siemens, surgindo no RN, com aspecto bolhoso grave deixando cicatrizes; associada a distrofia das unhas e com atingimento grave das mucosas designadamente ao nível do tracto digestivo e urinário, é acompanhada de restrição do crescimento.

Em suma, em todos os subtipos e variantes existem manifestações extradérmicas já descritas, salientando-se que as bolhas e cicatrizes oro e laringofaríngeas, e gastresofágicas podem associar-se a complicações graves e causar infecções secundárias, anemia e desnutrição.

Diagnóstico

O diagnóstico baseia-se nos antecedentes familiares, na clínica, na biópsia da pele para detecção de achados por microscopia óptica e electrónica, estudo de antigénios por métodos de imunofluorescência e imuno-histoquímica, e na análise genética para detecção de mutações.

O diagnóstico diferencial estabelece-se com outras dermatoses vésico-bolhosas: pênfigo, dermatite herpetiforme, penfigóide, varicela bolhosa, pênfigo estafilocócico, etc..

Tratamento

Não existe tratamento específico. Recomenda-se higiene da pele, evicção de traumatismos e de infecções, para além de protecção mecânica das zonas de pressão.

Existem protocolos que incluem a administração de ferro, transfusões de concentrado eritrocitário e eritropoietina.

Quando se verifica a existência de bolhas ou feridas, deve proceder-se à limpeza da pele em condições de antissépsia (clorexidina a 0,2%, povidona iodada e, em certos casos, unguento de antibiótico).

Para minorar as deformações poderão estar indicadas, fisioterapia e eventual cirurgia plástica reconstrutiva. Actualmente nalguns centros procede-se a técnicas de engenharia biomédica utilizando enxertos com pele artificial incorporando fibroblastos e queratinócitos.

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SÍNDROMA DE ALPORT

Definição, importância do problema e etiopatogénese

A síndroma de Alport (SA) é uma doença genética rara caracterizada por glomerulopatia, frequentemente associada a surdez neurossensorial; nalgumas famílias têm sido relatados casos de amaurose. Classicamente é abordada no âmbito da Nefrologia.

As alterações genéticas estão associadas a marcada variabilidade quanto à apresentação clínica, história natural e alterações histológicas.

Na maioria das situações (cerca de 85%) comprovou-se hereditariedade ligada ao cromossoma X, causada por mutação no gene COL4A5, codificando a cadeia alfa-5 do colagénio tipo IV, componente major da membrana basal.

As formas autossómicas recessivas são causadas por mutações nos genes COL4A3 e COL4A4 no cromossoma 2, codificando respectivamente as cadeias alfa-3 e alfa-4 do colagénio tipo IV.

Em cerca de 5% dos casos foi descrita uma forma autossómica dominante relacionada com o locus dos genes COL4A3-COL4A4.

Os achados da biópsia renal na primeira década de vida revelam escassas alterações através da microscopia convencional. Mais tarde, ao nível dos glomérulos pode desenvolver-se proliferação mesangial e espessamento da parede dos capilares, levando a esclerose glomerular progressiva. À medida que a doença progride, surgem atrofia tubular, inflamação intersticial e fibrose assim como acumulação lipídica nas células tubulares e intersticiais (foam cells). Os achados da imunopatologia são em geral inconclusivos.

A incidência da afecção é estimada em 1-2/10.000 indivíduos.

Manifestações clínicas

Todos os doentes com SA têm micro-hematúria assintomática, a qual pode ser intermitente em idades jovens. Poderão surgir episódios recorrentes de hematúria franca, em geral cerca de 1-2 dias após infecção do tracto respiratório em 50% dos casos. No sexo masculino observa-se com frequência proteinúria, enquanto no sexo feminino tal alteração pode estar ausente ou ser mais ligeira e/ou intermitente. A proteinúria é progressiva, sendo que, pela segunda década de vida poderá atingir o valor de > 1 grama/24 horas, o que traduz evolução para síndroma nefrótica. Ulteriormente poderá surgir insuficiência renal entre a adolescência e os 40 anos.

Quanto à hipoacúsia, trata-se de anomalia de percepção afectando inicialmente as frequências altas, nunca congénita, desenvolvendo-se em 90% dos casos no sexo masculino com formas hemizigóticas ligadas ao X, em 10% das formas heterozigotas do sexo feminino e em 67% dos doentes com a forma autossómica recessiva.

As anomlias oculares ocorrendo em 30-40% dos doentes com a forma ligada ao X, incluem lenticonus anterior (extrusão da porção central do cristalino para a câmara anterior – sinal patognomónico), lesões maculares e erosões na córnea.

Estão descritos casos raros, associados a SA, de leiomiomas do esófago, tracto respiratório inferior e genital feminino, em associação a anomalias nas plaquetas.

Exames complementares e diagnóstico

A suspeita de SA é clínica. Para o diagnóstico torna-se fundamental proceder à realização de história clínica rigorosa, rastreio com análise de urina aos familiares em 1º grau, audiograma e exame oftalmológico.

Para a confirmação importa proceder a biópsia renal, tornando-se fundamentais os dados morfológicos obtidos através de estudo por microscopia electrónica da membrana basal glomerular evidenciando áreas de menor espessura alternando com áreas mais espessas, e granulações densas (aspecto em “tela de cesto”).

É possível proceder ao estudo genético relacionado com as formas ligadas ao X e com as mutaões no gene COL4A5.

O diagnóstico pré-natal está indicado para famílias com membros portadores de formas ligadas ao X e com mutação identificada.

Prognóstico e tratamento

O risco de disfunção renal progressiva conduzindo a fase terminal é mais elevado nas formas hemizigóticas e nas autossómicas recessivas homozigóticas. A fase terminal surge em 75% dos casos antes dos 30 anos de idade nas formas hemizigóticas ligadas ao X. Nas formas heterozigóticas ligadas ao X o risco é de 12% pelos 40 anos e de 30% pelos 60 anos.

Não existe terapêutica específica para a SA. Os inibidores enzimáticos de conversão da angiotensina (e possivelmente os inibidores dos receptores da angiotensina-2) poderão retardar a evolução. A diálise está indicada nos casos de insuficiência renal. Nas formas de insuficiência renal irreversível a transplantação renal é procedimento que tem permitido bons resultados. (ver capítulo sobre Hipertensão arterial e Insuficiência renal)

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SÍNDROMAS DE EHLERS-DANLOS

Definição e importância do problema

As síndromas de Ehlers-Danlos (SED) constituem um espectro clínica e geneticamente heterogéneo de afecções do tecido conectivo resultante de mutações nos genes que determinam a síntese do colagénio; trata-se duma genodermatose/conectivopatia congénita. Tal situação apresenta como características fundamentais, alteração da integridade dos tecidos de suporte do organismo, a qual tem como consequência hiperelasticidade cutânea, hipermobilidade articular e fragilidade das estruturas teciduais.

Estimando-se uma prevalência aproximada de 1/5.000 indivíduos, independente de sexo, raça ou área geográfica, a SED é a afecção mais frequente do tecido conectivo, incluída nalguns livros de texto nos capítulos de abordagem de “alterações vasculares” ou de “doenças da derme”.

De referir que, pelo amplo espectro de manifestações (desde formas oligossintomáticas a formas exuberantes), algumas formas poderão ser subdiagnosticadas. A forma mais grave é a hiperlaxidão vascular que poderá culminar em rupturas arteriais.

Manifestações clínicas

Cutâneas

A pele é fina, de aspecto atrófico e hiperelástica, excepto na SED IV. Verifica-se pregueamento excessivo da pele ao deslizar-se o dedo do observador sobre a mesma, voltando à posição inicial ao cessar o estiramento, ao contrário do que acontece com a cutis laxa em que o pregueamento se mantém.

Nas áreas de atrito, como cotovelos, joelhos ou regiões pré-tibiais, a pele tem aspecto brilhante, por vezes hiperpigmentada, com frequentes cicatrizes de aspecto papiráceo ou de papel de fumar.

Articulares e ósseas

A hipermobilidade articular, característica da doença, predispõe a lesões ligamentosas e luxações recidivantes que poderão conduzir a artroses.

Tal hipermobilidade pode ser objectivada mediante a escala de Beighton, baseada em cinco manobras exploratórias: a) a extremidade do primeiro dedo da mão pode ser colocada de modo passivo sobre a face anterior do antebraço (1 ponto para cada lado); b) a dorsiflexão passiva do 5º dedo da mão é inferior a 90º (1 ponto para cada mão); c) o cotovelo hiperestende-se mais de 10º (1 ponto para cada cotovelo); d) o joelho hiperestende-se mais de 10º (1 ponto para cada joelho); e) a flexão do tronco com os joelhos em extensão permite que as palmas se estendam no solo (1 ponto).

Com base nestes parâmetros de avaliação, considera-se hipermobilidade nos casos com pontuações iguais ou superiores a 5/9.

Os pés planos e a escoliose fazem também parte das manifestações articulares das SED. Poderá verificar-se igualmente osteopénia.

Outras

A fragilidade das estruturas vasculares explica o frequente aparecimento de hematomas secundários a traumatismos mínimos, assim como o aumento do tempo de hemorragia e a tendência hemorrágica em intervenções cirúrgicas e extracções dentárias.

Classificação

Segundo a classificação actual, consideram-se os seguintes tipos de SED:

  • Clássico (incluindo os anteriores tipos I e II): caracteriza-se por hiperelasticidade e fragilidade cutâneas, prolapso mitral, assim como hipermobilidade articular.
    Outras manifestações cutâneas incluem pseudotumores moluscóides que resultam da acumulação de gordura no tecido conectivo; e, igualmente, as chamadas pápulas piezogénicas que traduzem herniação de gordura para a derme, observáveis designadamente nos pés e região calcaneana.
    Com transmissão autossómica dominante/AD, o defeito molecular resultante de mutações nos genes COL1A1, COL5A1 e COL5A2 traduz-se por alteração na estrutura nas cadeias alfa-1 e alfa-2 do colagénio V. A esperança de vida não está reduzida;
  • Com hipermobilidade (correspondendo ao anterior tipo III): caracteriza-se por hipermobilidade articular quase exclusivamente, tem uma fraca expressão dérmica, não se verificando fragilidade tecidual; também dor musculoesquelética e osteoartrite associadas desde a fase inicial. De transmissão AD ou AR, resultante de mutações no genes COL3A1, o defeito molecular, não completamente esclarecido, poderá relacionar-se com a formação duma molécula – tenascina-X (TNX) a partir do colagénio;
  • Vascular (correspondendo ao anterior tipo IV – arterial equimótico), de transmissão AD, resultante de mutações no genes COL3A1, levando à redução da síntese de colagénio III: corresponde à forma mais grave, com fragilidade vascular e tecidual importantes conduzindo a ruptura espontânea das grandes artérias, vísceras ocas, útero, o que diminui a esperança de vida. Nas mulheres grávidas um dos riscos é a ruptura uterina com consequente parto prematuro e elevada morbilidade.
    Ao contrário do que acontece nas formas clássicas, neste tipo a pele não é hiperelástica, mas sim hipotrófica (fina, frágil e translúcida), com elevada incidência de cicatrizes quelóides, e a hipermobilidade articular somente afecta as pequenas articulações;
  • Cifoscoliótico (correspondendo ao anterior tipo VI), de transmissão AR: caracteriza-se por hiperelasticidade cutânea, hipermobilidade articular, hipotonia muscular neonatal grave, cifoscoliose progressiva, (hábito semelhante ao da síndroma de Marfan), osteopénia com risco de fracturas. Por córnea frágil existe risco de ruptura do globo ocular. O defeito molecular, por mutação no gene PLOD, traduz-se em défice de lisil-hidroxilase que pode ser demonstrada por diagnóstico pré-natal através do doseamneto em amniócitos; no RN a actividade da lisil-hidroxilase pode ser avaliada em cultura de fibroblastos na derme;
  • Com artrocalázia (correspondendo aos anteriores tipos VII A e VII B), resultante de mutações no genes COL1A1-tipo A e COL1A2-tipo B, levando à não clivagem do amino terminal do procolagénio de tipo I.
    O tipo A, com transmissão AD, é caracterizado por baixa estatura, hiperextensibilidade articular marcada, tendência para luxações articulares, hiperelasticidade dérmica moderada e osteopénia.
    O tipo B também se transmite de forma AD, caracteriza-se por hiperelasticidade da pele e marcada hipermobilidade articular;
  • Com dermatosparaxis (anteriormente tipo VII C): caracteriza-se por ruptura prematura das membranas, restrição do crescimento, membros curtos, atraso no encerramento das fontanelas, fragilidade cutânea, pele frágil e redundante, hérnias de grandes dimensões, laxidão articular e sinais dismórficos craniofaciais (micrognatia e globos oculares proeminentes); transmite-se de modo AR. Resultante de défice de N-peptidase do colagénio tipo I, origina não clivagem do amino terminal do procolagénio de tipo I;
  • Não classificados (anteriormente tipos V, VIII, X, XI, IX, e de forma progeróide caracterizada por hiperlaxidão cutaneoarticular, atraso mental, estatura baixa, aspecto símile progéria e periodontite).

Actualmente debate-se a existência independente doutras variedades de SED: o tipo V de transmissão ligada ao sexo, a forma VIII ou periodontótica, a forma X associada a deficiência de fibronectina, e outras formas inespecíficas.

A síndroma de Menkes, anteriormente classificada como SED IX, já não se inclui hoje neste grupo.

Exames complementares

O diagnóstico baseia-se na clínica. Em casos especiais recorre-se à biópsia cutânea para análise da ultraestrutura do colagénio mediante microscopia electrónica, análise da produção de colagénio anómalo por cultura de fibroblastos para avaliação da actividade da lisil-hidroxilase, ou detecção de mutações genéticas. Como foi referido antes, pode proceder-se ao diagnóstico pré-natal, indicado em função dos antecedentes familiares: determinação da lisil-hidroxilase.

Em função do contexto clínico e perante suspeita de osteopénia poderá proceder-se a absorciometria DEXA.

No contexto de SED do tipo vascular deve proceder-se ao ecocardiograma com periodicidade para excluir aneurisma aórtico.

A arteriografia está contra-indicada.

Diagnóstico diferencial

As SED podem ser confundidas com cutis laxa, mas as características de ambas as situações são diferentes. Nos casos de cutis laxa as pregas da pele são redundantes, enquanto na SED a pele é hiperextensível, voltando rapidamente à posição anterior quando deixa de se pinçar.

Na SED, pela fragilidade da pele, formam-se equimoses ou escoriações e hemorragias ao mínimo trauma. Nos casos de intervenções cirúrgicas, o risco de deiscência de suturas é muito acentuado.

A hipermobilidade articular pode ser observada noutras doenças do tecido conectivo.

Sempre que a anamnese e exame objectivo sugiram SED, está indicada avaliação prioritária com análise de sangue para detecção de mutação no gene COL5A1 como forma de rastreio. Se for positiva, confirma-se o diagnóstico de SED. Se for negativa, deve continuar-se com a detecção da mutação no gene COL5A2 que, sendo positiva, também confirmará o diagnóstico; se negativa, está indicada a biópsia da pele.

O diagnóstico diferencial de SED faz-se ainda com a síndroma de Marfan e síndromas de hipermobilidade articular familiar, entre outras entidades. (ver capítulos seguintes)

Tratamento

Não existindo tratamento específico, as medidas exequíveis dizem respeito a tratamento de suporte e a tratamento das complicações. Nesta perspectiva recomenda-se: – protecção mecânica das áreas de atrito; – evicção de desportos de contacto e de actividades com risco de traumatismo; – promoção de exercícios de descarga (natação) para fortalecer a musculatura e melhorar a estabilidade articular, etc..

A reparação cirúrgica das lesões e distensões ligamentosas graves é difícil, uma vez que os ligamentos suturados cicatrizam com dificuldade, o que obriga a reter os pontos de sutura o dobro do tempo habitual.

Alguns autores preconizam o uso de desmopressina para o tratamento de hemorragias perioperatórias. Actualmente nalguns centros utiliza-se o celiprolol, um beta-1 antagonista e beta-2 agonista que contribui para reduzir os eventos vasculares.

Nos casos de osteopénia confirmada está indicada a administração de vitamina D.

Haverá que informar as mulheres grávidas e os médicos obstetras sobre o risco de ruptura uterina nos casos de SED do tipo vascular.

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CONDRODISPLASIAS

Sistematização e importância do problema

Um grupo importante de displasias esqueléticas integra entidades clínicas devidas a alterações dos receptores transmembrana, entre as quais se encontram as condrodisplasias associadas a defeitos do receptor 3 do factor de crescimento de fibroblastos (FGFR3) e a defeitos do receptor da PTH (ver atrás).

Entre as displasias relacionadas com mutações em diferentes loci no gene FGFR3 (sendo que a localização da mutação se correlaciona com o fenótipo) incluem-se:

  1. A displasia tanatófora de tipo I e II – a condrodisplasia letal mais comum, com uma prevalência de 1/35.000 nascimentos;
  2. A acondroplasia, a displasia esquelética/condrodisplasia, não letal, mais frequente, evidenciando prevalência de 1/15.000 a 1/40.000 nascimentos; e
  3. A hipocondroplasia.

Neste capítulo procede-se a uma abordagem sucinta das referidas condrodisplasias (1., 2., e 3.) dando ênfase à acondroplasia e a aspectos do diagnóstico diferencial.

1. DISPLASIA TANATÓFORA

Trata-se duma displasia grave, em geral letal no pré-parto (geralmente pré-termo) ou nas primeiras horas de vida, tendo decorrido a gravidez com poli-hidrâmnio. No exame físico ressalta fenótipo peculiar caracterizado essencialmente por macrocefalia, por vezes deformação craniana em “folha de trevo”, hipoplasia média facial, pescoço curto, tórax longo e estreito “em sino”, e membros muito curtos.

A destrinça entre tipo I e tipo II decorre de padrões radiográficos esqueléticos específicos. Sob os pontos de vista genético e biomolecular, cabe referir que no tipo I a mutação se situa no códon 650, com substituição de lisina por ácido glutâmico, enquanto no tipo II se associa a deleção da porção terminal carboxílica do FGFR3.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial principal faz-se com a acondrogénese, especialmente na forma homozigótica.

Nesta última situação a cabeça é de maiores dimensões, a ossificação é mais deficiente nos corpos vertebrais, especialmente na região lombar, verificando-se ausência no sacro, púbis, ílio e ísquio.

2. ACONDROPLASIA

Etiopatogénese e genética

A acondroplasia é o protótipo das condrodisplasias.

Todos os doentes com a acondroplasia típica têm mutações no gene FGFR3, códon 380 (arginina substituída por glicina), sendo a transmissão do tipo autossómico dominante; na sua maioria, os casos decorrem de uma nova mutação de progenitores normais.

Uma vez que, entre a população adulta com nanismo a acondroplasia é relativamente frequente, e frequentes são os casamentos entre tais pacientes, existe o risco hereditário de transmitir a cada descendente a doença (risco de 50% para as formas heterozigóticas, e 25% para as formas homozigóticas, estas últimas geralmente letais no período neonatal).

Manifestações clínicas

Tipicamente, o recém-nascido tem membros curtos, tronco alongado e estreito, macrocefalia com fronte proeminente, fontanela grande e nariz curto e dentes apinhados.

As alterações vertebrais manifestam-se por estreitamento do canal medular ao nível da coluna cervical e lombar. A gibosidade lombar que se verifica nas primeiras idades é substituída, com o avançar dos anos, por lordose lombar.

As alterações cranianas podem acompanhar-se de hidrocefalia em 6% dos casos, e de compressão ao nível do buraco occipital (5-10% dos casos) com risco de apneia central e morte súbita. Por vezes tal patologia pode associar-se a instabilidade da coluna cervical.

São comuns os quadros de hipoacusia e otite média recorrente associados a estenose do cavum, o que por vezes poderá estabelecer indicação para amigdalectomia.

O encurtamento dos membros é mais acentuado nos segmentos proximais e os dedos exibem muitas vezes uma configuração em tridente. O encurvamento mais acentuado da tíbia é notório, ao mesmo tempo que se verifica que o comprimento do perónio é desproporcionalmente mais comprido do que a tíbia.

Verifica-se hiperextensibilidade articular, embora ao nível do cotovelo se verifique restrição na extensão. Geralmente o comprimento ao nascer é anormalmente reduzido ou, por vezes, está no limite inferior do normal. Em regra, na idade adulta, a estatura é cerca de 118-145 cm no sexo masculino, e 112-136 cm no sexo feminino.

A inteligência é normal, excepto nos casos complicados de lesões neurológicas graves.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial faz-se essencialmente com outras formas de displasia com membros curtos, tais como, as displasias tanatófora, acondrogénese, metatrópica, torácica asfixiante, diastrófica, hipocondroplasia e síndroma de Ellis-van Creveld.

Actuação prática

A prestação de cuidados a pacientes com a patologia em análise implica um apoio multidisciplinar. De acordo com determinada sintomatologia específica, e com a coordenação por pediatra ou médico de família, poderão estar indicadas certas intervenções invasivas no âmbito da ORL, ortopedia e neurocirurgia.

Em centros especializados, com o apoio do endocrinologista, têm sido utilizados (de forma não consensual entre especialistas) fármacos tais como a GH (hormona de crescimento recombinante) e um análogo do péptido natriurético do tipo C como medidas para estimular o crescimento ósseo.

3. HIPOCONDROPLASIA

A hipocondroplasia partilha características clínicas e radiológicas esqueléticas com a acondroplasia, mas em menor grau e é mais ligeira. As dismorfias faciais são mais suaves, sendo que por vezes apenas é notória a proeminência frontal. Na idade adulta, em média são atingidas estaturas da ordem de 140 cm no sexo masculino e de 135 cm no sexo feminino.

Caracterizando-se esta condrodisplasia por muita heterogeneidade genética, cabe referir que em cerca de 3/4 dos pacientes foram detectadas alterações no gene FGFR3, correspondendo a mutação mais comum a alteração no códon 470; contudo, segundo a literatura, foram também detectadas anomalias ao nível do códon 540.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial faz-se essencialmente com a acondroplasia, pela sua expressão clínica e radiológica menos marcada. Com efeito, o fenótipo facial é aparentemente normal na hipocondroplasia, o que não acontece naquela.

Actuação prática

Quanto a actuação terapêutica do foro médico, nalguns centros tem sido utilizada a GH recombinante, a exemplo do que foi referido a propósito da acondroplasia.

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OSTEOGÉNESE IMPERFEITA

Definição e importância do problema

O termo osteogénese imperfeita (OI) designa um grupo de displasias ósseas hereditárias, heterogéneas sob os pontos de vista clínico e genético, causadas por defeitos estruturais ou quantitativos do colagénio de tipo I, o componente principal da matriz extracelular do osso e pele.

Integrando diversos tipos (ver adiante), caracteriza-se por osteoporose (a OI é a causa genética mais frequente de osteoporose), fragilidade óssea, fracturas patológicas e outras anomalias do tecido conectivo tais como escleróticas azuis, dentinogénese imperfeita e surdez progressiva. Na infância a incidência da referida entidade oscila entre 1/10.000 e 1/20.000.

Etiopatogénese

  1. Os defeitos quantitativos ou estruturais do colagénio do tipo I originam o amplo espectro clínico da OI (sobretudo OI dos tipos I a IV – ver adiante), salientando-se que o colagénio do tipo I é o componente primário da matriz extracelular do osso e da pele.
    A grande maioria dos indivíduos afectados evidencia mutações nos genes COL1A1 ou COL1A2, localizados em 17q21.31-q22 e 7q22.1; os referidos genes codificam a síntese das duas cadeias alfa do colagénio de tipo I.
    A heterogeneidade clínica da OI explica-se possivelmente pela grande diversidade de mutações que se têm objectivado nos genes atrás referidos.
    As mutações resultantes numa diminuição de cadeias pró-alfa-(I) podem dar lugar a fenótipos ligeiros de OI de tipo I, enquanto as deleções com perda de exões ou as inserções, de que resulta alteração da estrutura proteica, podem ser responsáveis por fenótipos mais exuberantes.
    Refira-se, entretanto, que ainda não se conhece bem, nem a relação entre a mutação e o fenótipo do doente, nem a causa da variabilidade clínica dentro da mesma família.
  2. O colagénio de tipo I é um heterodímero composto por duas cadeias, alfa-1 e alfa-2. As cadeias sintetizam-se como procolagénio, com um domínio helicoidal central formado por sequências de Gly-X-Y, em que Gly é a glicina, X é com frequência prolina, e Y a hidroxiprolina. A presença de glicina é importante para a formação da hélice. Nos extremos carboxilo ligam-se pequenas cadeias laterais, e coincidindo com a ligação, produz-se hidroxilação dos resíduos de prolina e lisina da hélice.
    Na OI de tipo I ligeira observa-se um defeito quantitativo do colagénio que se origina porque, ainda que o alelo alfa-1 seja nulo, produzem-se pequenas quantidades de colagénio normal.
    Os defeitos estruturais são de dois tipos – em 80% dos casos trata-se de mutações pontuais com substituição dos resíduos de glicina, sendo que a substituição de glicina nas duas cadeias alfa dá origem a quadros de distinta gravidade (em 1/3 dos pacientes, quando ocorre na cadeia alfa-1, o quadro é letal, enquanto se ocorrer na cadeia alfa-2, tal poderá não acontecer); e – em 20% dos casos trata-se de defeitos da ligação atrás referida.
    Em duas regiões de união à cadeia alfa-1 a mutação é letal, assim como em oito regiões espaçadas regularmente na cadeia alfa-2 na zona de união a proteoglicanos.
    Entre os tipos clássicos de OI a mais frequente e ligeira é a do tipo I.

Manifestações clínicas e classificação

Antes da abordagem dos diversos tipos de OI, faz-se uma referência geral às manifestações clássicas, sem especificação dos tipos da afecção.

1. Gerais

Esqueléticas

A fragilidade óssea e as fracturas patológicas de repetição condicionam um desenvolvimento anómalo do esqueleto, de gravidade muito variável em função do tipo de OI.

As fracturas ósseas recidivantes agravam ainda mais a fragilidade óssea por desmineralização subsequente, devida, esta, ao repouso que faz parte da actuação. As fracturas ósseas consolidam, no entanto, com normalidade. A verificação de extremidades inferiores curtas na idade adulta corresponde a sequela de fracturas diafisárias em idade pediátrica com consequente encurvamento das mesmas. (Figuras 1 e 2)

A face pode evidenciar conformação triangular, e verifica-se crânio de fronte proeminente, pavilhões auriculares de inserção baixa e de eixo oblíquo para trás.

FIGURA 1. Osteogénese imperfeita em RN: aspecto radiológico esquelético sendo notórios o encurvamento dos ossos do membro inferior e sinal de fractura femoral. (NIHDE)

FIGURA 2. Osteogénese imperfeita: sinal de fractura do úmero direito. (NIHDE)
Oculares

A cor das escleróticas oscila entre branca e azul nítida, admitindo-se que tal aspecto seja devido ao adelgaçamento da esclerótica por alteração das respectivas fibras de colagénio, permitindo a visualização da coroideia subjacente.

Por vezes, a esclerótica pericorneana tem cor mais esbranquiçada, sinal conhecido por anel de Saturno.

Salienta-se que estão descritos casos de escleróticas azuis familiares sem relação com OI.

Défice auditivo

A surdez deve-se a alterações do desenvolvimento e de ossificação dos ossículos do ouvido, assim como a calcificações anómalas.

Inicialmente pode haver hipoacusia de transmissão, habitualmente para altas frequências, surgindo mais tarde hipoacusia de percepção (componente neurossensorial).

Dentárias

No tipo IB da OI surgem alterações dentárias, integrando o conceito de dentinogénese imperfeita.

As manifestações clínicas relacionadas com a deficiência em dentina incluem alteração da cor dos dentes definitivos, exibindo aspecto amarelado ou castanho-azulado. Existe facilidade de fractura dentária pelo escasso suporte dentinário. Os dentes deciduais são frequentemente hipotróficos e opalescentes.

II. Classificação etiopatogénica e clínica

A classificação de Sillence agrupa os diferentes tipos de osteogénese imperfeita atendendo a critérios clínicos e radiológicos, e estabelece subtipos em função dos estudos genéticos e das características radiológicas. Os chamados tipos clássicos de Sillence são os I, II, II e IV, de hereditariedade dominante (AD), surgindo respectivamente com as seguintes frequências, respectivamente 50%, 5%, 20%, 20%.

Tipo I (ligeira)

As principais características da OI do tipo I são: fragilidade óssea (com 10% dos casos evidenciando fracturas ao nascer), escleróticas azuis e estatura média normal ou ligeiramente inferior à normal; mutação no gene COL1A1.

Estão descritos dois subtipos: IA, com dentes normais, e IB, com dentinogénese imperfeita (com a particularidade de haver com maior frequência fracturas ao nascer, deformidades esqueléticas mais acentuadas e estatura final mais baixa). Quanto ao subtipo IB admite-se que possa dever-se a uma mutação do gene da fosforina, uma glicoproteína implicada na mineralização da matriz da dentina.

Tipo II (letal perinatal)

A OI do tipo II é letal no período perinatal, sendo a sua manifestação fundamental a fragilidade óssea extrema. Aparece de forma esporádica. Escleróticas azuis. Mutação nos genes COL1A1 ou COL1A2.

Tipo III (deformante progressiva)

A OI do tipo III evidencia osteopénia marcada com frequentes fracturas e deformidades secundárias progressivas. Escleróticas brancas ou azuis claras. Muito frequente a presença de cifoscoliose deformante, do que pode resultar disfunção respiratória restritiva. Baixa estatura e diminuição da expectativa de vida. Mutação nos genes COL1A1 ou COL1A2.

Tipo IV (moderada a grave)

A OI do tipo IV é dum modo geral mais benigna, não se lhe associando escleróticas azuis. Encurvamento tibial mais marcado. Escleróticas brancas. Mutação nos genes COL1A1 ou COL1A2.

Tipos V (calosa hiperplásica) e VI (hiperosteóide com deficiente mineralização)

Estes tipos, evidenciando alterações esqueléticas semelhantes às do tipo IV e igual frequência (< 5%) na população global de OI, distinguem-se entre si quanto às alterações histológicas definidas nos subtítulos. Escleróticas brancas. Tipo V com transmissão AD e mutação no gene IFITM5; tipo VI com transmissão autossómica recessiva (AR) e mutação no gene SERPINF1.

Tipos VII, VIII e IX (autossómicos recessivos/AR)

A OI dos referidos tipos mostra características semelhantes às dos tipo II e III. A do tipo VII, com rizomélia, símile acondroplasia, produzida por uma mutação no gene CRTAP evidencia características semelhantes às do tipo III, e a do tipo VIII (também com rizomélia e símile acondroplasia) semelhantes às do tipo II, mas de modo mais ligeiro e com mutação no gene LEPRE. (Os genes CRTAP e LEPRE codificam dois dos componentes do colagénio no retículo endoplásmico: prolil 3 hidroxilase/P3H1 ou da sua proteína associada).

O tipo IX, semelhante ao VIII, decorre de mutação no gene PPIB (peptidilpropilisomerase B).

Tipos X e XI, XII e XIII (autossómicos recessivos/AR)

A OI do tipo X apresenta características intermédias entre as do tipo I e II, com mutação no gene SERPINH. A do tipo XI mostra características da do tipo III, com mutação no gene FKBP10. Quanto à OI dos tipos XII e XIII, respectivamente com mutações nos genes SP7 e PMO1 são verificadas características similares às do OI do tipo III.

De referir que existem algumas formas de OI não classificadas, com quadros clínicos variáveis (entre formas moderadas e formas graves), correspondentes a defeitos nos genes SP7, TMEM38B e WNT1.

Exames complementares

No âmbito da vigilância pré-natal, cabe referir que a ecografia fetal poderá não detectar as OI dos tipos I e IV.

Em situações de história familiar com casos recorrentes, a biópsia das vilosidades coriónicas poderá ser utilizada para estudos moleculares ou bioquímicos.

O exame radiográfico pode mostrar sinais de osteopénia, diminuição da espessura da cortical dos ossos longos, deformações vertebrais, deformação dos ossos longos e calos de fractura.

O aspecto radiográfico dentário característico, na forma de OI tipo IB (dentinogénese imperfeita) evidencia estreitamento das câmaras pulpares, adelgaçamento do esmalte e das raízes, o que confere um aspecto em “sino”.

A densitometria óssea mostra, nos ossos não fracturados, densidade mineral óssea diminuída.

A histopatologia óssea pode evidenciar um vasto leque de alterações da mineralização, aumento da porosidade cortical e adelgaçamento trabecular, assim como alterações da distribuição e organização das fibras de colagénio I; contudo, estes achados sendo inespecíficos, não são utilizados para a fundamentação diagnóstica.

Na prática, o diagnóstico é confirmado pelos estudos bioquímicos do colagénio, utilizando fibroblastos cultivados a partir de biópsia da pele. Com efeito, a realização de culturas de fibroblastos demonstra diminuição da síntese das cadeias pró-alfa-1 (I) do procolagénio de tipo I.

Quanto a estudos moleculares, por vezes, recorre-se à análise de ADN para identificar a mutação associada ao quadro clínico e, se necessário, uma prova de PCR em membros da família.

Nos casos de complicações neurológicas – designadamente invaginação basilar e risco de compressão do tronco cerebral – mais prováveis nos tipos III e IV, a TAC espiral poderá ser de grande utilidade.

Diagnóstico diferencial

A presença de fracturas ósseas no período neonatal implica estabelecer o diagnóstico diferencial com maus tratos físicos, acondroplasia, displasia tanatófora, ou distrofia torácica asfixiante; a verificação de valores de fosfatase alcalina normais ou elevados na OI neste período permite fazer a destrinça com hipofosfatasia.

Na primeira e segunda infância, em função dos antecedentes, poderá admitir-se a possibilidade de maus tratos físicos, escorbuto, sífilis congénita, hiperostose cortical infantil, osteopetrose, picnodisostose e outras síndromas em que se verifica densidade óssea aumentada (de facto a fragilidade óssea tanto pode aparecer, quer em situações de osteopénia, quer em situações de hiperostose).

Na adolescência, a OI deve diferençar-se da osteoporose juvenil (entidade que parece dever-se a diminuição da formação do colagénio I nas vértebras), da homocistinúria, do hipercorticismo, da displasia fibrosa e da osteomalácia resultante de síndroma da má absorção.

Nos adultos, o diagnóstico de OI deve considerar-se sempre que se verique fractura patológica, osteopénia no sexo masculino ou em mulheres na pré-menopausa, ou ainda osteopénia grave em mulheres pós-menopáusicas; nos adultos ainda, o diagnóstico diferencial estabelece-se fundamentalmente com a osteoporose secundária a neoplasias hematológicas, endocrinopatias e osteomalácia. De salientar a probabilidade de casos descritos de osteoporose familiar constituírem, de facto, variantes ligeiras de OI.

Prevenção secundária e tratamento

Há que instruir a família e o doente sobre a necessidade de evitar traumatismos e actividades violentas, assim como sobre as medidas habituais de urgência (analgesia, imobilização, etc.) antes de observação por especialista de orto-traumatologia.

O tratamento ortopédico das fracturas, assim como as medidas de reabilitação incluindo fisioterapia, são fundamentais para reduzir o impacte da doença sobre a capacidade funcional.

As fracturas consolidam com facilidade, não se acompanhando, em geral, de angulações significativas dos topos; nos casos graves poderá ser necessário tratamento cirúrgico ortopédico.

Depois da puberdade há tendência para diminuir a probabilidade de fracturas, para voltar a aumentar nos períodos de gravidez e na pós-menopausa.

Tem-se preconizado o uso de bifosfonatos com o objectivo de aumentar a massa óssea e diminuir a taxa de fracturas; mas não existem ainda estudos controlados que permitam garantir a eficácia de tal medida. Estudos recentes sugerindo a utilização de pamidronato intravenoso nos casos de OI grave demonstraram diminuição da taxa de fracturas.

A hormona de crescimento (GH) tem sido utilizada com eficácia, sobretudo nos tipos I e IV.

A transplantação de células estaminais, contendo células de estroma com capacidade de diferenciação em osteoblastos, está a ser estudada em crianças com OI do tipo III grave.

A hipoacusia trata-se inicialmente com próteses auditivas sem dispensar, no entanto, em fase ulterior, tratamento cirúrgico do foro otorrinolaringológico.

O tratamento da dentinogénese é sintomático, preconizando-se a aplicação de selantes para reduzir a abrasão da superfície dentária.

Evolução e complicações

Os pacientes afectados pela forma I e alguns pela forma IV, dum modo geral têm marcha autónoma sem ajuda. Nas crianças com OI tipos II, V, VI, e XI necessitam de apoio mais ou menos complexo (canadianas, cadeira de rodas, etc.) beneficiando de fisioterapia e programa de natação.

As complicações mais frequentemente descritas são do foro cardiorrespiratório (pneumonias recorrentes, e cor pulmonale) e neurológico (invaginação basilar, compressão do tronco cerebral e hidrocefalia), entre outras.

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DISPLASIAS ESQUELÉTICAS E DOENÇAS AFINS – CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Definição e importância do problema      

As displasias esqueléticas, também designadas osteocondrodisplasias/OCD, integram um grupo, clínica e geneticamente  muito heterogéneo, de entidades caracterizadas por alterações do crescimento e desenvolvimento do esqueleto (osso e cartilagem – esta última com importância na formação óssea -, em cuja composição entra o tecido conectivo).

Com uma prevalência na data do nascimento cerca de 1/4.000, tal patologia é explicável por mutações em genes. De salientar que há formas clínicas que se manifestam durante o primeiro ano de vida ou, mais tarde, na segunda infância.

De acordo com a mais recente classificação de tais doenças (International Working Group on Bone Dysplasias, 2015 e The Nosology and Classification of Genetic Skeletal Disorders and Online Mendelian Inheritance in Man – OMIM; www.omim.org/), foram já identificadas cerca de 450 entidades, divididas em 42 grupos, relacionados com 364 genes conhecidos.

Embora as manifestações clínicas se relacionem com o esqueleto, na maioria dos casos, os tecidos não esqueléticos estão também envolvidos. Aquelas têm, pois, um largo espectro, oscilando entre ligeiras e por vezes não detectadas, e formas graves e letais in utero. A letalidade, num contexto de hipocrescimento desarmónico, resulta geralmente de tórax de reduzidas dimensões, de hipoplasia pulmonar e de disfunção respiratória.

Muitas displasias esqueléticas graves podem ser diagnosticadas no período pré-natal por ecografia a partir das 20 semanas de gestação, aspecto com implicações clínicas importantes no plano de actuação futura. O diagnóstico é também já possível através do estudo do ADN fetal em sangue da mãe, grávida.

Quanto à hereditariedade, são descritos diversos padrões principais: autossómico recessivo ou dominante (AR, AD), dominante ou recessivo ligado ao X, e ligado ao Y. A acondroplasia, produzida por alteração no gene FGFR3, é a displasia óssea mais frequente, apresentando-se com uma incidência em nados vivos de 1/10.000 a 1/30.000. (ver adiante)

Histopatologia fundamental

Relevando a importância da cartilagem na formação e desenvolvimento do esqueleto, a repercussão do osso e da cartilagem nos músculos, tendões e ligamentos, e o facto de o tecido conectivo fazer parte da composição do osso e cartilagem, importa referir esquematicamente que a patologia em análise pode ser consequência de alteração:

  • do tecido mesenquimatoso ou forma jovem do tecido conectivo (o qual tem como elemento constitutivo essencial fibrilhas da proteína principal – colagénio – que actuam como elemento de suporte dos tecidos de diversos órgãos e sistemas);
  • da actividade de osteoblastos e osteoclastos; ou ainda
  • de outras proteínas complexas da matriz extracelular.

Aspectos semiológicos 

A abordagem dos casos sugestivos de displasia esquelética implica um conjunto de procedimentos semiológicos, salientando sucintamente:

  1. Anamnese, a qual deverá inquirir sobre antecedentes familiares tendo em atenção aspectos somatométricos dos progenitores e doutros familiares;
  2. Somatometria rigorosa do paciente: peso, comprimento ou altura, perímetro cefálico, comprimento do braço, relação segmento superior (SS) do corpo/segmento inferior (SI) do corpo.
    • A relação SS/SI considerada normal até à adolescência oscila entre 1,6 e 0,93; se tal relação no recém-nascido for superior a 1,8 está-se em geral perante uma situação de baixa estatura desproporcionada associada a membros curtos; se a relação for inferior 0,93 está-se em geral perante uma situação de baixa estatura com tronco curto.
      Se as extremidades dos dedos das mãos (habitualmente atingindo a coxa no seu terço superior) estiverem ao nível da crista ilíaca ou acima desta, a desproporção torna-se evidente.
    • Importa igualmente averiguar qual a região do corpo com maior encurtamento (segmento do membro ou tronco).
      Se a porção proximal de um membro – respectivamente úmero ou fémur – constituir a parte mais curta, está-se perante um encurtamento chamado rizomélico (por ex. acondroplasia). Se o encurtamento afectar a parte medial do membro – respectivamente antebraço ou perna – o encurtamento é designado mesomélico. Se o encurtamento se verificar na parte distal do membro – respectivamente mãos e pés – o encurtamento é chamado acromélico.
      Se o tronco corresponder à área predominantemente mais curta, o mesmo é acompanhado de pescoço, tórax e coluna vertebral mais curtos.
  3. Detecção de eventuais anomalias associadas salientando-se a prioridade da observação, logo no período neonatal da laringe, traqueia e região cervical.
  4. Exame radiográfico do esqueleto com medições dos vários segmentos dos membros, tórax, coluna (salientando-se a elevada incidência de anomalias vertebrais cervicais, etc..
  5. Exames complementares vários a seleccionar em função do contexto clínico: estudo citogenético, exame da pele (histoquímico, cultura de fibroblastos para estudo do colagénio, etc.), bioquímico (balanço do cálcio/fósforo, fosfatase alcalina, etc.), genético, biomolecular, biópsia da cartilagem e do osso, etc..

Manifestações clínicas

As osteocondrodisplasias mais representativas e ou frequentes integram os seguintes grandes grupos:

I – Displasias esqueléticas propriamente ditas

  1. Relacionadas com o crescimento ósseo
    1. Osteodisplasias cujo exemplo prototípico é a osteogénese imperfeita, que se distingue das restantes pela fragilidade óssea, associada às características gerais atrás referidas;
    2. Condrodisplasias, associadas a genes que são essenciais para o crescimento e desenvolvimento do esqueleto, tendo em conta o papel da cartilagem na formação óssea; as mesmas englobam dois subgrupos:
      2.1) casos em que predominam membros curtos; e
      2.2) casos em que predomina tronco curto.
  2. Não relacionadas com o crescimento ósseo
    1. Disostoses, ou anomalias isoladas de determinado osso ou de ossos de determinada região anatómica não conduzindo em geral a encurtamento da estatura e ou dos membros, e cuja etiopatogénese pode ser diversa. Em geral, trata-se de alterações simétricas, deformações esqueléticas, mobilidade articular anormal, protuberâncias articulares ou periarticulares, deformações ósseas da base do crânio, costelas curtas, fenda palatina, etc., que, por sua vez, podem afectar os tecidos não esqueléticos.

II – Displasias não esqueléticas (ou do tecido conectivo)

Estas afecções, em geral designadas por não esqueléticas (mais propriamente, predominatemente não esqueléticas), partilham características comuns com as displasias esqueléticas no que se refere à etiopatogénese (mutação de determinados genes com papel especial no referido tecido conectivo) e têm uma expressão clínica mais relevante ao nível de tecidos não esqueléticos (exceptuando na síndroma de Marfan e aracnodactilia congénita). Como exemplos, citam-se: defeitos cardíacos na síndroma de Ellis-van-Creveld, descolamento da retina na displasia espondiloepifisária, disfunção renal na distrofia torácica asfixiante, imunodeficiência na hipoplasia cartilagem-cabelo, etc..

Notas importantes:

    • Algumas destas entidades mais representativas deste grupo de displasias, consideradas por alguns autores separadamente das osteocondrodisplasias, são descritas em capítulos ulteriores.
    • Para além dos grandes grupos atrás referidos existe ainda uma multiplicidade de situações (metabólicas, nutricionais, etc.) com expressão esquelética, cuja etiopatogénese é extrínseca aos ossos ou ainda não está completamente esclarecida.

Etiopatogénese e nosologia

Actualmente, quer as displasias predominantemente esqueléticas, quer as predominantemente não esqueléticas, são classificadas e agrupadas tendo em conta determinados critérios etiopatogénicos interligados e baseados na genética, na biologia molecular, e nas manifestações clínicas e radiográficas.

Aspectos da patogénese

Conhecem-se mais de 360 genes que expressam de forma específica as proteínas do colagénio, dando lugar a diferentes tipos de colagénio tri-helicoidal. As mutações nos genes destes tipos de colagénio e nos genes que sintetizam outras proteínas da matriz extracelular dão lugar a diferentes fenótipos.

O atingimento ósseo pode dever-se à alteração do crescimento e da diferenciação das diversas células que fazem parte do tecido ósseo (condroblastos, condrócitos, osteoblastos, osteócitos, osteoclastos), assim como às alterações das proteínas que constituem a matriz extracelular, sobretudo o colagénio, com implicação nas alterações, quer ósseas, quer do tecido conectivo.

Considerando os diferentes tipos de colagénio (29 tipos), são os colagénios fibrilhares e, em especial, do tipo I, II, IX, e XI os mais implicados nas displasias ósseas.

Também as alterações de outras moléculas proteicas complexas, como a proteína oligomérica da matriz do colagénio – POMC ou proopiomelanocortina, a matrilina 3, e os proteoglicanos (decorina, betaglicano, etc.) são causa de displasias esqueléticas.

As alterações dos proteoglicanos e outras moléculas, como as glucoproteínas de adesão, permitindo que a matriz extracelular (perlecano, filamina, fibronectina, tenascina, laminina, entactina, condronectina e osteonectina) adira às células, estão também implicadas neste grupo de doenças.

De referir que os iões sulfato são fundamentais para a célula cartilagínea e para a síntese de proteoglicanos destinados à formação da matriz extracelular; do défice de sulfato nos proteoglicanos da cartilagem resultam as manifestações clínicas e o fenótipo.

Todos estes processos são regulados por distintas hormonas que actuam no crescimento e mineralização ósseos:

  • Hormona paratiroideia ou paratormona (PTH), calcitonina, vitamina D e seus metabólitos.
  • Hormona de crescimento (GH) e factor de crescimento análogo da insulina (IGF-1), tri-iodotironina (T3). Existem receptores para a IGF-1 ao nível da zona de proliferação da cartilagem de conjugação. T3 actua na maturação óssea mediante efeito directo sobre a diferenciação do condrócito, e indirecto, ao estimular GH e IGF-1.
  • Androgénios e estrogénios que aumentam a produção de osteoblastos e favorecem a fusão metáfise-epífise.
  • Hormonas do córtex suprarrenal inibindo o crescimento através do seu efeito anti-GH.

Aspectos genéticos e moleculares

Os progressos da biologia molecular e da genética permitiram concluir que diversos quadros clínicos de displasias esqueléticas e não esqueléticas resultam de mutações de genes que codificam proteínas colagénicas e não colagénicas, as quais fazem parte da matriz extracelular da cartilagem e do osso, essenciais para o crescimento e desenvolvimento do esqueleto; são exemplo o factor de crescimento dos fibroblastos E-3, o colagénio dos tipos II e I, este último o principal colagénio do osso.

As anomalias do tecido conjuntivo, esporádicas ou hereditárias, derivam, em princípio, de mutações de um só gene. Admite-se que na grande maioria se trata de mutações de novo, não se tendo identificado qualquer situação de risco epidemiológico associado a agentes externos indutores.

Salienta-se, a propósito, que as mutações conhecidas na actualidade são de dois tipos fundamentais: mutações pontuais (que afectam apenas um nucleótido) ou deleções/grandes inserções (que afectam vários nucleótidos).

O efeito da mutação sobre a função duma proteína também é muito variável: pode produzir diminuição, anulação ou transformação da referida função. Em muitos destes transtornos, a detecção de portadores da anomalia somente é possível analisando os polimorfismos do ADN no indivíduo e na sua família.

Nas doenças com gene conhecido podem empregar-se técnicas de diagnóstico directo mediante amplificação por PCR (polymerase chain reaction ou reacção em cadeia da polimerase).

Actualmente investiga-se a hipótese de determinado fenótipo poder corresponder a dois ou mais genes. Neste tipo de patologia, a transmissão hereditária (complexa, como foi referido no início) pode evidenciar um tipo de transmissão autossómica dominante muito marcado. Em certos casos, a descendência de um indivíduo normal pode levar ao aparecimento de dois ou mais indivíduos gravemente afectados; este último padrão, sugestivo de transmissão autossómica de modo recessivo, pode corresponder a mosaicismos germinais no progenitor.

Como resultado da investigação em biologia molecular, foram identificados seis mecanismos – cada mecanismo numerado e identificado com dígitos entre parêntesis, de (1)… a (6), a que correspondem outros tantos grupos de entidades clínicas, servindo de base à já referida classificação e nosologia OMIM:

(1) Alterações dos receptores transmembranares
(2) Alterações do colagénio e das proteínas da matriz da cartilagem
(3) Alterações do sistema de transporte transmembranar do sulfato
(4) Alterações dos factores de transcrição do ADN
(5) Alterações da densidade óssea (excesso ou defeito de reabsorção óssea)
(6) Anomalias de etiopatogénese desconhecida/não completamente esclarecida.

Nosologia

O Quadro 1 discrimina os grupos de displasias esqueléticas (numeração romana de I a XXI correspondendo às características clínicas mais marcantes) e identificados no período neonatal, com especificação do mecanismo patogénico de base atrás explicado, de (1) a (6), e ou do tipo de hereditariedade, e do gene ou genes implicados.

QUADRO 1 – Displasias esqueléticas identificadas no período neonatal

Grupo ou Nome da DoençaMecanismoModo de HereditariedadeGene
I. Alteração do receptor 3 do factor do crescimento do fibroblasto (FGFR3)
Displasia tanatófora (letal no RN)(1)ADFGFR3
Acondroplasia(1)ADFGFR3
Hipo/pseudo/acondroplasia(1)ADFGFR3
Acondroplasia grave com atraso do desenvolvimento e acanthosis nigricans(1)ADFGFR3
II.Doenças do colagénio tipo II
Acondrogénese II (letal) ADCOL2A1
Hipocondrogénese (letal) ADCOL2A1
Displasia espondiloepifisária(2)ADCOL2A1
Displasia de Kniest(2)ADCOL2A1
Displasia de Stickler (osteoartro-oftalmopatia)(2)ADCOL2A1
Displasia de Strudwick(2)ADCOL2A1
III.Doenças do colagénio tipo X1
Fibrocondrogénese ARCOL11A1
Fibrocondrogénese ADCOL11A1, COL11A2
Displasia otoespondilomegaepifisária ARCOL11A2
IV.Doenças do sistema de transporte do sulfato
Acondrogénese IB(3)ARSLC26A2
Atelosteogenénese II(3)ARSLC26A2
Displasia diastrófica(3)ARSLC26A2
Condrodisplasia com luxações articulares congénitas ARCHST3
V.Doenças do perlecano
Displasia dissegmentar ARPLC
Displasia dissegmentar, tipo Silverman-Handmaker ARPLC
Displasia dissegmentar, tipo Rolland Desbuquois ARPLC
VI.Doenças das filaminas e similares
Síndroma otopalatodigital I and II(6)XLDFLNA
Displasia fronto-metafisária, síndroma de Melnick-Needles XLDFLNA
Atelosteogénese tipos I e III ADFLNB
Síndroma de Larsen ADFLNB
Displasia de Boomerang (espondilo-cárpico-társica) ARFLNB
Síndroma com rim poliquístico e fibula em serpentina ADNOTCH2
VII. Doenças TRPV4
Displasia metatrópica(6)ADTRPV4
Displasia espondilometafisária, tipo Kozlowski(6)ADTRPV4
VIII.Displasias de costela curta (com ou sem polidactilia)
Displasia condroectodérmica (Ellis-van Creveld)(6)AREVC1, EVC2
Síndroma de costela curta e polidactilia I, II, III, e IV incluindo distrofia torácica asfixiante (Jeune)(6)ARDYNC2H1, IFT80, NEK, WDR35, WDR19, WDR34
Displasia toracolaríngea AD?
IX.Displasias metafisárias
Hipoplasia cartilagem-cabelo (McKusik)(6)ARRMRP
Displasia metafisária, tipo Jansen(1)ADPTHR1
X.Displasia espondilo-epi-(meta)-fisária    
Síndroma de membro curto e calcificação anormal ARDDR2
XI.Displasias espondilodisplásicas
Acondrogénese 1A ARGMAP210
Displasia de Schneckenbecken ARSLC35D1
Opsismodisplasia ARINPPL1
XII.Doenças acromesomélicas
Displasia acromesomélica, tipo Maroteaux ARNPR2
XIII.Displasias mesomélicas e rizo-mesomélicas
Discondrosteose homozigótica tipo Langer Pseudo-AR/XLDSHOX
Omodisplasia ARGPC6
Síndroma de Robinow, recessiva ARROR2
Síndroma de Robinow, dominante ADWNT5
XIV.Displasias de osso arqueado
Displasia campomélica(4)ADSOX9
Displasia de Stuve-Wiedemann ARLIFR
Displasia de osso arqueado tipo FGFR2 ADFGFR2
Nanismo osteodisplásico microcefálico primordial 1 ARRNU4ATAC
Nanismo osteodisplásico microcefálico primordial 2 ARPCNT
Osteocraniostenose ?FAM111A
XV.Displasias de osso delgado
Nanismo osteodisplásico microcefálico primordial 1 ARRNU4ATAC
Nanismo osteodisplásico microcefálico primordial 2 ARPCNT
Osteocraniostenose ?FAM111A
XVI.Displasias com múltiplas luxações
Displasia de Desbuquois ARCANT1, XYLT1
Displasia pseudodiatrófica AR?
XVII.Grupo da condrodisplasia punctata  (CDP)
CDP, ligada ao X, dominante XLDEBP
Tipo Conradi-Hunermann (CDPX2) XLRARSE
Tipo braqui-tele-falângica (CDPX1) XLDNSDHL
Hemidisplasia congénita com eritrodermia ictiosiforme e defeitos dos membros –síndroma CHILD XLDEBP
Displasia de Greenberg ARLBR
CDP rizomélica tipo 1 ARPEX7
CDP rizomélica tipo 2 ARDHPAT
CDP rizomélica tipo 3 ARAGPS
XVIII.Displasias  osteoscleróticas neonatais
Displasia de Bloomstrand ARPTHR1
Desmosterolose ARDHCR24
Doença de Caffey (infantil)(6)ADCOL1A1
Displasia de Raine ARFAM20C
XIX.Grupo de densidade óssea aumentada
Osteopetrose (formas neonatais ou infantis graves)(5)ARTCIRG1
Osteopetrose (formas neonatais ou infantis graves)(5)AR e ADCLCN7
Disosteosclerose /picnodisostose(5)ARSLC29A3
Displasia hiperostótica de Lenz-Majewski SPPTDSS
XX.Osteogénese imperfeita e grupo de densidade óssea diminuída
Osteogénese imperfeita (OI), moderada, grave e perinatal letal(5)ADCOL1A1, COL1A2, IFITM5
OI moderada, grave e perinatal letal(5)ARCRTAP, P3H1,PPBI, FKBP10, HSP47, SP7, WNT1, TMEM33B
Síndroma de Bruck ?PLOD2, FKBP10
Síndroma de osteoporose-pseudoglioma ARLRP5
Displasia de Cole-Carpenter SPSEC24D, P4HB, CRTAP
XXI.Grupo com mineralização anormal
Hipofosfatasia, formas perinatal e infantil(5)AR e ADTNSALP

Reportando-nos ao Quadro 1 e tendo em consideração os objectivos pedagógicos do livro, optou-se por uma selecção das entidades clínicas de maior prevalência e ou fazendo parte da iconografia dos autores, e mais conhecidas pelo médico de família e pelo pediatra geral (respectivamente grupos I, II, IV, VI, VII, VIII, IX, XIV, XVII, XVIII, XIX, XX e XXI.

I.

  • Displasia tanatófora, habitualmente letal, caracterizada por hipocrescimento micromélico, macrocefalia (Figuras 1 e 2).

FIGURA 1 – Displasia tanatófora (fenótipo) (NIHDE)

FIGURA 2 – Displasia tanatófora. Radiografia do esqueleto evidenciando sinais de situs inversus, encurtamento e encurvamento dos ossos longos (NIHDE).

  • Acondroplasia, como foi referido, a displasia esquelética mais frequente, verificando-se hipocrescimento rizomélico, macrocefalia, fronte proeminente, ponte nasal plana ou deprimida, e mãos curtas com dedos “em tridente” na extensão. Atingimento precoce do desenvolvimento motor, cifose toracolombar e sintomatologia da via respiratória superior, incluindo apneia do sono, e otites de repetição (Figuras 3 e 4).

FIGURA 3 – Acondroplasia (NIHDE).

FIGURA 4 – Mão de criança com acondroplasia (NIHDE).

  • Hipocondroplasia ou pseudoacondroplasia, cerca de vinte vezes mais rara do que a acondroplasia (~1/200.000): hipocrescimento, normocefalia, mãos e pés pequenos. Forma semelhante à acondroplasia, embora mais ligeira. Casos descritos submetidos a tratamento com hormona do crescimento e melhoria do crescimento e da desproporção corporal.
Nota: A abordagem das entidades clínicas que integram a alínea I é retomada noutro capítulo.

II.

  • Acondrogénese tipo II / hipocondrogénese, letais: hipocrescimento, extremidades curtas, normocefalia.
  • Displasia congénita espondiloepifisisária: displasia rara (~1/300.000), caracterizada por hipocrescimento de tronco curto, artropatia, achatamento facial, palato fendido, miopia, degenerescência retiniana, descolamento da retina, mielopatia cervical e hipotonia. Formas evidenciando traqueomalácia e insuficiência respiratória. Atraso da ossificação epifisária, coxa vara progressiva. Instabilidade atlanto-axial, com compromisso neurológico. 
  • Displasia de Kniest: estatura baixa, extremidades curtas, pés botos, artropatia dolorosa, rigidez e contracturas em flexão, palato fendido, défice auditivo, miopia, descolamento da retina. Imagem radiológica de irregularidades epifisárias e de alargamento metafisário. 
  • Displasia de Strudwick: hipocrescimento, pectus carinatum, escoliose, palato fendido, miopia, degenerescência retiniana, mielopatia cervical.
  • Síndroma de Stickler (Osteoartro-oftalmopatia): pelas manifestações articulares e oculares, assemelha-se à displasia espondiloepifisária. A mesma evidencia fenda palatina, alterações orofaciais/ micrognatia, hipoacúsia, exoftalmo, epicanto, miopia grave, cataratas, descolamento retiniano, pés equinovarus, encurtamento rizomélico, atraso mental, hipotonia, prolapso mitral.
    Ao contrário das restantes entidades que fazem parte do grupo II, com o mecanismo (2), nesta displasia não existe baixa estatura.
Notas importantes:
    • Nas entidades que integram o grupo II e o mecanismo (2), a alteração da síntese do procolagénio de tipo II, que existe principalmente na cartilagem hialina e no humor vítreo, explica que se verifiquem repercussões fundamentalmente em estruturas oculares, coluna vertebral e epífises dos ossos longos.
    • Reitera-se que em todas as referidas entidades clínicas é característica marcante a baixa estatura, exceptuando no caso da displasia de Stickler.
    • Esta última, pelo compromisso articular e ocular assemelha-se à displasia espondiloepifisária.
    • No recém-nascido, pela micrognatia e fenda palatina, assemelha-se à anomalia de Pierre Robin.

IV.

Da família ou grupo IV (doenças do sistema de transporte do sulfato), a que corresponde o mecanismo (3), destacamos:

  • Acondrogénese do tipo IB – hipocrescimento rizomélico neonatal grave, escassa ou ausente ossificação vertebral, pélvica e craniana, crânio mole, fémures curtos; frequentemente letal.
  • Atelosteogénese do tipo II – frequente morte in utero ou prematuridade, hipocrescimento micromélico grave, hipoplasia dos corpos vertebrais, hipoplasia dos úmeros e fémures, escassa ossificação do cúbito e perónio.
  • Displasia diastrófica – hipocrescimento micromélico, indicador curto, polegar implantado mais proximalmente, afastado dos dedos restantes e perpendicular ao eixo do membro superior, 1º metacárpico ovóide, pé equinovaro, cifoscoliose, anomalias dos pavilhões auriculares, palato fendido, micrognatia. A radiografia da mão evidencia ossos das falanges e metacárpicos irregulares e curtos (Figura 5).

FIGURA 5 Displasia diastrófica. (NIHDE)

Nota importante: tal como nas duas entidades anteriores (desta alínea IV), a displasia diastrófica associa-se à presença de mutações heterozigóticas do gene transportador de iões sulfato (SLC26A2) localizado em 5q31-q34. O modo de transmissão é autossómico recessivo em todas estas afecções; para a manifestação da doença é condição fundamental a presença de dois alelos mutantes, sendo que o fenótipo é determinado pela combinação de alelos mutantes. 

VI.

As filaminas A e B estabelecem conexão funcional das proteínas estruturais extracelulares com as intracelulares; tal é fundamental para o crescimento e desenvolvimento esquelético.

Mutações nos genes codificando as proteínas filaminas A foram detectadas em diversas alterações do desenvolvimento esquelético:

  • Síndroma otopalatodigital tipos I e II e
  • Displasia fronto-metafisária e, ainda
  • Síndroma de Melnick-Needles.

Quanto a mutações nos genes relacionados com as filaminas B, citam-se:

  • Síndroma de Larsen
  • Atelosteogénese tipos I e II, perinatais letais e,
  • Displasia de Boomerang (espôndilo-cárpico-társica).

VII.

  • Displasia metatrópica – entidade com nome derivado da palavra grega metatropos significando” mudança de padrão”; neste caso, modificação das proporções corporais com a idade. O fenótipo no RN chama a atenção por tronco estreito e longo, a par de extremidades curtas. Por vezes nota-se apêndice ou pequena “cauda” ao nível da região sagrada. Outros achados incluem: hipoplasia odontoide, por vezes associada a instabilidade cervical; cifoescoliose acentuando-se com a idade e conduzindo a alterações da postura e a insuficiência respiratória; articulações proeminentes levando a restrição da mobilidade, exceptuando nas mãos; rigidez articular progressiva, notória sobretudo nas ancas e joelhos; platispondilia com alargamento dos espaços intervertebrais; epífises inferiores do fémur em sino, com alargamento das respectivas metáfises; hipoplasia dos ossos ilíacos. Atingindo a idade adulta (com estatura baixa, de 110-120 cm), pode agravar-se a função respiratória, levando a morte prematura.
  • Displasia espondilometafisária, tipo Kozlowski. O fenótipo desta displasia é dominado por escoliose e platispondilia progressivas. Manifesta-se na primeira infância, com baixa estatura envolvendo sobretudo o tronco, e mãos e pés curtos; alargamento e mineralização irregular das metáfises, especialmente no fémur proximal. As manifestações limitam-se ao esqueleto. Na idade adulta, a estatura ronda os 130-150 cm.

VIII.

  • Displasia condroectodérmica (síndroma de Ellis-van Creveld) – Hipocrescimento, membros curtos (segmentos médio e distal), polidactilia pós-axial, dente congénito, tórax estreito e comprido, displasia das unhas, defeitos cardíacos, genu valgum, ilíacos curtos e quadrangulares, disfunção renal, disfunção hepática, cabelos escassos; adultos baixos (119-161 cm); problemas respiratórios ou cardíacos em 30% dos casos. 
  • Síndromas de costela curta e polidactilia – Letal no RN por estreitamento da caixa torácica, levando a insuficiência respiratória; polidactilia, extremidades curtas e outras anomalias associadas. 
  • Distrofia torácica asfixiante (síndroma de Jeune) – Fácies aparentemente normal; fenótipo semelhante ao da síndroma de Ellis –Van Creveld; caixa torácica longa e estreita associada a hipoplasia pulmonar, membros curtos, polidactilia; casos descritos evidenciando má-absorção intestinal e disfunção hepática.

IX.

  • Hipoplasia cartilagem cabelo (condrodisplasia metafisária – tipo McKusick) – Esta displasia, rara, surge com incidência compreendida entre 1/700 (nos EUA) a 1/ 18.000 nascimentos (na Finlândia). Para além das manifestações esqueléticas (baixa estatura, arqueamento femoral, alargamento das metáfises, perónio mais comprido que a tíbia, hipoplasia das cartilagens, platispondilia, encurtamento das falanges associado a alargamento da região metacárpica), evidencia sinais não esqueléticos (cabelo escasso e frágil, neutropénia, défice imunitário (anomalias das células T, neutropenia, leucopenia, e susceptibilidade a infecções por vírus da varicela); igualmente estão descritos casos associados a doença de Hirschprung, doença celíaca e a susceptibilidade a neoplasias como tumores cutâneos e linfomas. A altura na idade adulta é ~107-157 cm. 
  • Displasia metafisária, tipo Jansen – Trata-se duma condrodistrofia primária muito rara. É causada por uma mutação no gene PTHrP localizado em 3p21-p22, o qual codifica o receptor peptídico relacionado com a paratormona.
    Associada a baixa estatura, é caracterizada por metáfises alargadas e concavas, inicialmente com acentuado grau de osteólise (zonas com lacunas /”ratamento” de densidade óssea diminuída, em”mapa geográfico”); com o tempo, a esse nível, surge calcificação nas extremidades distais dos ossos longos dos membros inferiores (tíbia, perónio e fémur). Vértebras igualmente afectadas, com irregularidades no crescimento. Surge hipercalcémia (13-15 mg/dL).
    O diagnóstico diferencial faz-se com a condrodisplasia metafisária tipo Schmid, com manifestações mais ligeiras, embora as alterações ao nível da anca sejam mais debilitantes que na de tipo Jansen; a displasia tipo Schmid está relacionada com defeitos no colagénio tipo X, alfa 1 relacionados com mutações no gene COL10A1, localizado em 6q21-q22.3.

 XIV.

  • Displasia campomélica – No âmbito das displasias que têm como mecanismo básico as alterações dos factores de transcrição do ADN-mecanismo designado por (4), ressalta a displasia campomélica, considerada historicamente uma condrodisplasia. Aparente na data de nascimento, chama a atenção a baixa estatura, o arqueamento dos membros, sobretudo dos inferiores (fémur e tíbia arqeuados); o exame radiográfico do esqueleto evidencia conformação de crânio grande e pequena face, micrognatismo, tórax pequeno, hipoplasia ou ausência das omoplatas, ossos da bacia hipoplásicos e extremidades inferiores curtas. A par de sinais esqueléticos, verificam-se manifestações não esqueléticas, como dificuldade respiratória, sintomatologia neurológica, cardíaca e renal. (Figuras 6 e 7).
    Cumpre anotar que alguns autores incluem neste grupo, cujo mecanismo é o assinalado por (4), certas disostoses (anomalias apenas de certos ossos), como a displasia cleidocraniana (ausência de clavículas e ombros descidos e estreitos, fronte proeminente, escafocefalia, paralisia facial, etc.), e a síndroma nail-patella ou da unha rótula (osteo-onicodisostose), caracterizada essencialmente por displasia das unhas e ausência ou hipoplasia da rótula.

FIGURA 6 – Displasia campomélica. Pormenor do encurtamento da coxa direita.

FIGURA 7 – Displasia campomélica. Hemissoma direito. Pormenor do aspecto radiográfico do encurvamento do fémur direito.

XVII.

  • Condrodisplasia punctata (CDP) – Este termo refere-se a uma entidade, clínica e geneticamente heterogénea, integrando diversos tipos. A síndroma designada por CDP tipo Conradi-Hunermann, de transmissão dominante ligada ao X (XLD), mais bem caracterizada, é a forma mais típica, pela abundância de manifestações.
    O fenótipo é, em geral, semelhante ao da acondroplasia, com encurtamento dos membros. Descrevem-se calcificações punctiformes transitórias (até ~3-4 anos) nas epífises e nas áreas de formação óssea encondral (ao longo das vértebras e região pélvica), microcefalia, cataratas, atrofia do nervo óptico, defeitos cardíacos. Na quase totalidade das formas XLD, e em cerca de 25% das formas de transmissão recessiva, verificam-se lesões cutâneas ictiosiformes, com hiperqueratose, eritema e descamação. (Figura 8)
    Como nota importante, importa referir que a sintomatologia que engloba a entidade CDP poderá estar associada a antecedentes maternos de défice em vitamina K, a efeito teratogénico da warfarina, assim como a certas doenças hereditárias do metabolismo, como doenças do peroxisoma e da biossíntese do colesterol.

FIGURA 8 – Condrodisplasia calcificante congénita (Doença de Conradi). Aspecto radiológico das epífises com calcificações punctiformes.

XVIII.

  • Doença de Caffey (Hiperostose cortical infantil) – Trata-se duma doença rara que tem como base o mecanismo designado por (6), pertencendo ao grupo de displasias osteoscleróticas neonatais; caracteriza-se por hiperostose cortical com inflamação da fascia e músculos contíguos à estrutura óssea. Início de sintomas antes dos 6 meses de idade, com tumefacção dos tecidos moles contíguos aos ossos, precedendo as alterações ósseas. Citam-se a seguir alguns aspectos das manifestações clínicas, do diagnóstico diferencial e do tratamento : a) início súbito com irritabilidade e tumefacção dolorosa dos tecidos moles (esta última nem sempre evidente) suprajacente aos ossos em que se verifica hiperostose cortical (aspecto imagiológico), a qual se verifica ulteriormente à sintomatologia referida; ao nível da face, uma tumefacção da região geniana ou do maxilar inferior, unilateralmente, é suspeita; b) febre e anorexia; c) os ossos mais afectados são a clavícula, maxilar inferior, rádio e cúbito; d) remissões e recaídas com duração variável(~2 semanas -3 meses); e) elevação da velocidade de sedimentação, da fosfatase alcalina e, por vezes, da PGE; f) o diagnóstico diferencial faz-se com intoxicação crónica com vitamina A, infusão IV com PGE em casos de cardiopatia dependente de PDA, tumores ósseos e escorbuto; g) o tratamento inclui, entre outras medidas, indometacina e prednisolona.

XIX.

  • Osteopetrose – A afecção mais representativa do grupo de densidade óssea aumentada em relação com o mecanismo (5), em que se verifica defeito na reabsorção óssea por disfunção dos osteoclastos, é a osteopetrose, com vários subtipos, e a picnodisostose. A raridade desta patologia traduz-se por incidências de 1/250.000 nascimentos (nas formas graves) e de 1/20.000 nascimentos (nas formas ligeiras).
    A forma grave, geralmente detectada na primeira infância, evidencia macrocefalia, hepatosplenomegalia (por eritropoiese extramedular compensatória), alterações dentárias, surdez, cegueira, anemia, hipocrescimento, atraso do neurodesenvolvimento e fracturas patológicas; e sinais radiográficos ósseos de osteosclerose difusa, aumento da densidade óssea, alargamento das metáfises e surgimento de bandas com densidades variáveis, perpendiculares ao eixo do rádio e cúbito, sobrepostas, em sanduíche, justa metafisárias. Do estreitamento dos foramina dos ossos do crânio, resultam diversos tipos de neuropatia dos nervos cranianos, designadamente do nervo facial.
    Como dados laboratoriais, valores séricos baixos de cálcio e fósforo, normais de 25-OH-vitamina D, e elevados de PTH.
    Na forma de manifestação tardia (adolescência e adultícia) – doença de Albers-Schonberg) as manifestações são mais ligeiras.
    O tratamento inclui, para além de medidas sintomáticas (cuidados dentários, transfusões de sangue e derivados no contexto de anemia, antibioticoterapia para infecções, etc.), o transplante de células estaminais hematopoiéticas, assim como a administração de calcitriol e interferão-gama.

XX.

No grupo caracterizado essencialmente por densidade óssea diminuída, sobressai a Osteogénese imperfeita, entidade que é abordada ulteriormente, em capítulo especial.

 XXI.

Hipofosfatasia

Esta entidade clínica, caracterizada essencialmente por mineralização anormal, é rara (incidência de 1/100.000 nascimentos) e heterogénea. A mesma resulta de mutações no gene que codifica a fosfatase alcalina não específica dos tecidos hepático, ósseo e renal (tissue non-specific alkaline phosphatase ou TNSALP), essencial para a normal mineralização óssea. Como consequência das mutações, verifica-se redução da actividade de TNSALP.

A heterogeneidade clínica traduz-se essencialmente por seis formas de apresentação, salientando-se como mais frequentes:

  • a neonatal ou perinatal (hipofosfatasia congénita letal), mais grave, e
  • a infantil (hipofosfatasia tarda), mais ligeira, ocorrendo na infância ou adolescência.

Na forma congénita, no feto ou RN surge: – ausência de ossificação dos arcos neurais, e ausência de visualização da maioria dos corpos vertebrais; – deformidades das extremidades com, arqueamento bizarro e encurtamento dos ossos longos; -hipercalcémia; e – esqueleto em geral, e designadamente o crânio, deficientemente ossificados.

Na forma mais ligeira salientam-se: – defeitos de ossificação ao nível das metáfises, surgindo o aspecto em “taça”; – arqueamento dos membros inferiores; – radiografia do crânio evidenciando alguns “ilhéus” de ossificação irregular; – encurtamento estatural; – deformação do tórax simile raquítico.

Na forma mais tardia incluem-se: – craniossinostose; – perda precoce dos dentes decíduos ou permanentes por hipoplasia do cimento; – dores e fracturas ósseas; – sinais semelhantes aos do raquitismo.

Considerando as formas de transmissão AR, ambos os progenitores são geralmente portadores.

Como dados laboratoriais próprios da hipofosfatasia citam-se: hipercalcémia nas formas neonatais e infantis (por não incorporação do cálcio nos condrócitos maduros), o que poderá originar nefrocalcinose; diminuição do nível sérico da fosfatase alacalina (dado importante para o diagnóstico diferencial com raquitismo, em que existe aumentado); elevação do nível sérico de vitamina B6; e elevação urinária da fosfoetanolamina. Os exames de genética molecular são evidentemente importantes para o diagnóstico (ver atrás).

No que respeita ao tratamento, cabe uma referência especial ao fármaco asfotase-alfa.

Actuação prática e seguimento – generalidades

A actuação prática nas displasias esqueléticas incide em diversas vertentes, tendo em conta a multiplicidade de problemas associados tais como:

  • problemas médicos associados (por ex. dificuldade respiratória decorrente de deformações torácicas), ou cardiopatias congénitas, estando indicado em tais circunstâncias o suporte ventilatório;
  • problemas do foro ORL e oftalmológico;
  • problemas ósseos em relação com a etiopatogénese de cada situação, por ex. tratamento de diversas formas de raquitismo obrigando aos respectivos tratamentos etiológicos;
  • problemas ortopédicos e cirúrgicos obrigando a diversas modalidades de intervenção, com algumas limitações quanto a resultados finais.

Deduz-se, pois, que a abordagem de pacientes com a patologia descrita terá que ser necessariamente multidisciplinar, incluindo perinatologistas, pediatras gerais, geneticistas, endocrinologistas, neurocirurgiões, otorrinolaringologistas, cirurgiões pediátricos e neurocirurgiões.

Salienta-se que tal abordagem torna indispensável a prestação de cuidados centrados na família em ligação estreita ao médico de família e pediatra geral, e que na ausência de formas clínicas não letais é possível obter uma qualidade de vida boa.

O fluxograma que integra a figura 9 sintetiza a actuação recomendada para os casos de suspeita de displasia esquelética no recém-nascido.

Actuação prática e seguimento – generalidades

A actuação prática nas displasias esqueléticas incide em diversas vertentes, tendo em conta a multiplicidade de problemas associados tais como:

  • problemas médicos associados (por ex. dificuldade respiratória decorrente de deformações torácicas), ou cardiopatias congénitas, estando indicado em tais circunstâncias o suporte ventilatório;
  • problemas do foro ORL e oftalmológico;
  • problemas ósseos em relação com a etiopatogénese de cada situação, por ex. tratamento de diversas formas de raquitismo obrigando aos respectivos tratamentos etiológicos;
  • problemas ortopédicos e cirúrgicos obrigando a diversas modalidades de intervenção, com algumas limitações quanto a resultados finais.

Deduz-se, pois, que a abordagem de pacientes com a patologia descrita terá que ser necessariamente multidisciplinar, incluindo perinatologistas, pediatras gerais, geneticistas, endocrinologistas, neurocirurgiões, otorrinolaringologistas, cirurgiões pediátricos e neurocirurgiões.

Salienta-se que tal abordagem torna indispensável a prestação de cuidados centrados na família em ligação estreita ao médico de família e pediatra geral, e que na ausência de formas clínicas não letais é possível obter uma qualidade de vida boa.

(Adaptado de Krakow D, 2015)

FIGURA 9 – Actuação perante a suspeita de Displasia Esquelética no Recém-Nascido

O fluxograma que integra a figura 9 sintetiza a actuação recomendada para os casos de suspeita de displasia esquelética no recém-nascido.

No que respeita às displasias do tecido conectivo (não esqueléticas), em capítulos seguintes é dada ênfase às síndromas de Ehlers – Danlos, de Alport, epidermólise bolhosa, síndroma de Marfan, cutis laxa, pseudoxantoma elástico e síndroma de Williams.

GLOSSÁRIO

Platispondilia > Achatamento do corpo vertebral de várias vértebras da região dorsolombar que pode conduzir a cifose.

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