Definição e importância do problema

A epidermólise bolhosa (EB) engloba um grupo heterogéneo de situações hereditárias de gravidade variável caracterizadas pela formação de bolhas dérmicas em resposta a traumatismos mínimos. A fragilidade da pele está relacionada com mutações em genes que codificam diversas proteínas estruturais, intra ou extracelulares, as quais são responsáveis pela resistência mecânica do tecido dérmico. A incidência é cerca de 1/50.000 recém-nascidos vivos, salientando-se que ambos os sexos e todas as raças são afectados por igual.

Manifestações clínicas

A EB compreende três subtipos fundamentais, com diversas variantes, de acordo com a expressão clínica e o local da união dermoepidérmica onde se forma a lesão típica: a bolha. (Figura 1)

FIGURA 1. Epidermólise bolhosa em RN

EB simples

Este subtipo, associado a mutações nos genes das queratinas (5 e 14) e da plectina originando bolhas, consequência da citólise dos queratinócitos, engloba três variantes:

  • Generalizada (anteriormente designada EB de Koebner) com as seguintes características: transmissão hereditária AD, bolha formada a partir da camada basal e suprabasal, aparecendo no 1º ano de vida, não afectando unhas, pêlos, nem provocando cicatrizes, mutilações ou restrição do crescimento;
  • Localizada/palmo-plantar (anteriormente designada EB de Weber-Cockayne): transmissão AD, mais frequente no sexo masculino, bolha formada a partir da camada subgranulosa, localização predominante palmo-plantar, podendo surgir quando a criança inicia a marcha ou, mais tarde, na pré-adolescência, não afectando unhas, pêlos, mucosas, nem provocando cicatrizes, mutilações ou restrição do crescimento;
  • Herpetiforme: AD, bolhas semelhantes às do herpes simplex, por vezes generalizadas, descamação e distrofia das unhas; por vezes hiperqueratose e hiper-hidrose e discreta pigmentação.

O prognóstico é bom, observando-se diminuição da formação de bolhas com a idade.

EB da junção

Trata-se dum subtipo muito heterogéneo pela grande variabilidade de manifestações clínicas em que as bolhas se formam na lamina lucida; de transmissão AR, é explicável por mutações nos genes da laminina 5, a 6 e b 4-integrina, e colagénio XVII; distinguem-se:

  • A variante Herlitz, letal antes dos 2 anos de vida, associada a atingimento generalizado das mucosas, designadamente do tracto respiratório (podendo originar obstrução laríngea grave), digestivo, e obstrução vésico-ureteral;
  • A variante não Herlitz de progressão muito lenta, manifestada na idade escolar, com cura sem formação de cicatrizes; pode haver associação a atrésia pilórica, anomalias dentárias, ungueais e a alopécia.

EB distrófica

Neste subtipo de gravidade variável, associado a mutações no gene COL7A1,

as bolhas de conteúdo sero-hemorrágico formam-se sob a membrana basal; são explicáveis, por anomalias das fibrilhas do colagénio VII e doutras estruturas.

Este subtipo engloba duas variantes:

  • Dominante (AD), surgindo no RN ou no lactente, com aspecto bolhoso ligeiro ou moderado, atingindo a pele e mucosas, não afectando os cabelos nem unhas, deixando no entanto cicatrizes e mutilações e associada a restrição do crescimento;
  • Recessiva (AR), anteriormente designada por EB de Hallopeau-Siemens, surgindo no RN, com aspecto bolhoso grave deixando cicatrizes; associada a distrofia das unhas e com atingimento grave das mucosas designadamente ao nível do tracto digestivo e urinário, é acompanhada de restrição do crescimento.

Em suma, em todos os subtipos e variantes existem manifestações extradérmicas já descritas, salientando-se que as bolhas e cicatrizes oro e laringofaríngeas, e gastresofágicas podem associar-se a complicações graves e causar infecções secundárias, anemia e desnutrição.

Diagnóstico

O diagnóstico baseia-se nos antecedentes familiares, na clínica, na biópsia da pele para detecção de achados por microscopia óptica e electrónica, estudo de antigénios por métodos de imunofluorescência e imuno-histoquímica, e na análise genética para detecção de mutações.

O diagnóstico diferencial estabelece-se com outras dermatoses vésico-bolhosas: pênfigo, dermatite herpetiforme, penfigóide, varicela bolhosa, pênfigo estafilocócico, etc..

Tratamento

Não existe tratamento específico. Recomenda-se higiene da pele, evicção de traumatismos e de infecções, para além de protecção mecânica das zonas de pressão.

Existem protocolos que incluem a administração de ferro, transfusões de concentrado eritrocitário e eritropoietina.

Quando se verifica a existência de bolhas ou feridas, deve proceder-se à limpeza da pele em condições de antissépsia (clorexidina a 0,2%, povidona iodada e, em certos casos, unguento de antibiótico).

Para minorar as deformações poderão estar indicadas, fisioterapia e eventual cirurgia plástica reconstrutiva. Actualmente nalguns centros procede-se a técnicas de engenharia biomédica utilizando enxertos com pele artificial incorporando fibroblastos e queratinócitos.

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