AMEBÍASE

Definição e importância do problema

A amebíase é uma doença parasitária provocada por diferentes espécies do género Entamoeba, com elevada prevalência a nível mundial. Trata-se dum protozoário flagelado não móvel, correspondendo a espécie E. histolytica o principal agente implicado.

Tal afecção constitui a terceira causa mundial de morte por infecções parasitárias.

Aspectos epidemiológicos

A E. histolytica é responsável a nível mundial por cerca de 50 milhões de infecções sintomáticas e de 100.000 mortes /ano.

As zonas do globo mais atingidas, com baixo nível socioeconómico e sanitário e prevalência superior a 50%, correspondem ao Sueste Asiático, Índia, América Central, América do Sul e África.

Etiopatogénese

O tracto intestinal é colonizado por diferentes espécies do género Entamoeba. Embora se considere classicamente que a E. histolytica é a única espécie patogénica, em estudos recentes foi admitida a possível comparticipação doutras como E. dispar e E. moshkowskii.

A infecção produz-se pela ingestão de quistos presentes na água, alimentos ou mãos contaminadas, ou por contacto fecal-oral. Na mucosa intestinal, a ruptura dos quistos leva à libertação de trofozoítos (formas intraluminais de trofozoítos). Não estão descritos casos de transmissão vertical.

Numa pequena proporção, pela lesão da mucosa intestinal, poderá verificar-se disseminação de trofozoítos por via hematogénica, atingindo o fígado e outros órgãos, ocasionando quadro de doença invasiva (formas invasoras de trofozoítos). A gravidade da situação depende sobretudo da susceptibilidade do hóspede e da virulência do parasita.

Manifestações clínicas

Salientando que, na sua maioria, as infecções amebianas são assintomáticas, a sintomatologia mais habitual é a de diarreia de intensidade moderada e de dor abdominal. Com base no esquema etiopatogénico atrás descrito, são descritas duas formas clínicas: amebíase intestinal e amebíase extraintestinal.

Amebíase intestinal

Após um período de incubação de 2 a 4 semanas, surge febre, tenesmo, dor abdominal e diarreia ligeira a grave, com muco e sangue, durando entre 1 e 3 semanas e levando a perda de peso. A desnutrição e a corticoterapia contribuem para incrementar a susceptibilidade.

Poderão surgir raramente complicações, descrevendo-se perfuração intestinal, colite fulminante e peritonite. No caso de surgir diarreia crónica, as características do quadro clínico aproximam-se das de doença inflamatória intestinal.

Amebíase extraintestinal

Forma clínica mais rara, as respectivas manifestações decorrem sobretudo de patologia hepática, pulmonar, cardíaca ou do SNC.

Exames complementares

Fundamentalmente, os métodos de diagnóstico incluem exame microscópico das fezes para detecção de quistos e trofozoítos, detecção antigénica para diferenciação morfológica das diversas espécies com especificidade > 90%, serologia para detecção de anticorpos e técnicas moleculares para detecção de ADN por PCR.

A colonoscopia tem indicação em situações selecionadas.

Os exames de imagem estão indicados no âmbito da amebíase extraintestinal. A ecografia tem grande utilidade para avaliar a resposta ao tratamento do abcesso amebiano.

Tratamento

Com o tratamento pretende-se a eliminação das formas invasoras de trofozoítos e das formas intraluminais intestinais.

Como regras gerais, importa salientar:

  • o metronidazol, o tratamento de primeira linha, deve associar-se sempre a fármaco amebicida com actividade intraluminal;
  • o regime terapêutico poderá variar em função da sintomatologia e não em função da espécie;
  • a infecção por E. histolytica deve tratar-se independentemente da sintomatologia.

Situações específicas

Infecção assintomática

O metronidazol não é efectivo contra os quistos de Entamoeba. Neste contexto, deve administrar-se um amebicida com actividade intraluminal como a paramomicina (25-35 mg/kg/dia em três doses, durante 7 dias) e o iodoquinol (30-40 mg/kg/dia em três doses, durante 20 dias) ou, em alternativa, o furoato de diloxanida (20 mg/kg/dia em três doses, durante 10 dias).

Amebíase invasiva (intestinal e extraintestinal)

O tratamento de eleição é o metronidazol (35-50 mg/kg/dia em três doses, durante 7-10 dias). Como alternativas, citam-se: o tinidazol, o ornidazol, o secnidazol, a cloroquina e a nitazoxanida. Como foi referido, ao metronidazol deve associar-se sempre um fármaco amebicida com actividade intraluminal.

O tratamento cruento/cirúrgico poderá estar indicado nos casos de ausência de resposta ao tratamento e nos casos de complicações. Verificando-se abcesso amebiano, está indicada punção e drenagem com o apoio ecográfico.

Prevenção

Não existindo ainda vacinas, são reforçadas as medidas gerais de higiene pessoal, de saneamento básico e de boa qualidade da água para consumo público.

Salienta-se que os quistos são resistentes às concentrações de cloro para o tratamento da água potável.

Os viajantes para zonas endémicas devem evitar o consumo de água não tratada, de comida não cozinhada e de verduras e frutos lavados com água não tratada.

BIBLIOGRAFIA

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Ximenes C, Cerritos R, Rojas L, et al. Human amebiasis: breaking the paradigm? Int J Environ Public Health 2010; 7: 1105-1120

MALÁRIA

Definição e importância do problema

A malária (palavra sinónima de paludismo ou sazonismo) é uma doença potencialmente fatal, causada pelo parasita protozoário Plasmodium spp. e transmitida ao ser humano pela picada de algumas espécies de mosquitos do género Anopheles. Existem cinco espécies de Plasmodium que infectam o ser humano: P. falciparum, P. vivax, P. ovale, P. malariae e P. knowlesi. Esta última espécie, causadora de malária em macacos, foi descrita como sendo causa de doença em humanos no Sueste Asiático.

A afecção que faz parte deste capítulo caracteriza-se fundamentalmente por paroxismos de febre, sudação, fadiga, anemia e esplenomegália. Pelo facto de anualmente ocorrerem em todo o mundo cerca de 216 milhões de casos com 445.000 mortes, e por ser endémica em aproximadamente 100 países, é considerada a doença parasitária com maior impacte a nível global.

Por fim, salientando que a África subsaariana continua a ser a região com mais casos de malária (88% dos casos), sendo responsável por 90% das mortes, e que cerca de 70% das mortes em termos globais ocorreu em crianças com menos de cinco anos de idade, é legítimo concluir que metade da população mundial vive exposta ao risco de a contrair.

Aspectos epidemiológicos

As principais áreas de transmissão correspondem a África, Ásia e América do Sul, entre latitudes de 40ºN e 30ºS.

A quase totalidade dos casos de malária grave relaciona-se com a espécie P. falciparum, a qual predomina na África ao sul do Saara; contudo, também é a espécie predominante no Bangladesh, Camboja, Filipinas, Haiti, Índia, Indonésia, Laos, Myanmar, Papua Nova Guiné e Timor-Leste.

Nas regiões temperadas, nomeadamente na América Central, Afeganistão e Paquistão predomina a espécie P. vivax. Em conjunto, P. vivax e P. falciparum predominam no Sueste da Ásia, América do Sul e Oceania. P. ovale, a espécie menos comum, ocorre quase exclusivamente em África. A transmissão é mais propícia durante a estação das chuvas nos climas tropicais; contudo, na região equatorial ocorre durante todo o ano.

A transmissão da malária foi praticamente eliminada nos EUA e Canadá, Europa, Austrália, Chile, Japão, Coreia, Israel, Líbano e Taiwan. (Figura 1)

Nos países ocidentais a doença tem surgido sobretudo em viajantes ou imigrantes de áreas endémicas. Em Portugal, a doença é de declaração obrigatória; de acordo com as estatísticas (que se referem a “malária importada”), no quadriénio 2009-2012 foram notificados 217 casos (média anual de 54,2), correspondendo quatro a idades < 14 anos, e doze a idades entre 15-24 anos. No Hospital de Dona Estefânia, Lisboa, foram observados 79 casos no decénio 1998- 2007, sem ocorrência de óbitos.

Etiopatogénese

O parasita é transmitido ao homem pela picada da fêmea do mosquito do género Anopheles. Na África subsaariana, o vector mais importante na transmissão pertence à espécie Anopheles gambiae. A malária pode também ser transmitida através da transfusão de sangue ou derivados, transplantes, agulhas de seringas com sangue contaminado, e de modo vertical, durante a gravidez via transplacentar mãe-feto (pré-natal), ou intraparto (perinatal).

FIGURA 1. Distribuição geográfica da malária e estádios evolutivos. (Tirada de OMS, Global Malaria Mapper, 2016)

O ciclo de vida do protozoário em análise é complexo, estando adaptado à sobrevivência em diferentes meios celulares, quer no hospedeiro humano (na fase assexuada), quer no mosquito vector (na fase sexuada, com produção de gâmetas). Em termos quantitativos, a reprodução traduz-se no incremento de número de protozoários no organismo humano, da ordem de ~102 para ~1014, em duas fases (1ª fase, nas células parenquimatosas hepáticas – fase exoeritrocitária; e 2ª fase, nos eritrócitos – fase eritrocitária).

A fase exoeritrocitária começa com a picada do mosquito (entre o anoitecer e amanhecer), o qual injecta pequena quantidade de saliva contendo esporozoítos. Em minutos, os esporozoítos veiculados pelo sangue entram nos hepatócitos, onde se multiplicam assexuadamente (esquizontes ou esporozoítos em fase de multiplicação assexuada); cerca de 1-2 semanas depois os esporozoítos, transformando-se em merozoítos, provocam rupturas nos hepatócitos, libertam-se e entram na circulação sanguínea. A invasão dos eritrócitos ocorre através de receptores de superfície dos eritrócitos, específicos para cada uma das espécies de Plasmodium.

A fase eritrocitária inicia-se com a entrada nos eritrócitos de merozoítos, provenientes do fígado. O crescimento dos parasitas nos eritrócitos leva ao consumo do conteúdo eritrocitário, fundamentalmente a hemoglobina. No caso de P. falciparum, este começa a exibir após algumas horas nos eritrócitos, a proteína Plasmodium falciparum erythrocyte membrane protein 1 (PfEMP1), no exterior da superfície dos eritrócitos infectados, que medeia a ligação dos eritrócitos ao endotélio vascular; este mecanismo está associado às formas mais graves.

Uma vez no interior dos eritrócitos, os parasitas assumem a forma em anel, o qual aumenta de dimensões – é a evolução para trofozoítos (trofozoítos em fase precoce). Por sua vez, os trofozoítos multiplicam-se assexuadamente nos eritrócitos para produzirem um pequeno número de merozoítos eritrocitários os quais são libertados para a corrente sanguínea com a ruptura da membrana eritrocitária; esta invasão do sangue é acompanhada de febre.

Com o tempo, alguns merozoítos libertados dos eritrócitos diferenciam-se sexualmente, com formação de microgâmetas (gametócitos macho/M) e macrogâmetas (gametócitos fêmea/F), que são ingeridos durante uma refeição de sangue, através da picada do hospedeiro humano pela fêmea do mosquito Anopheles. No estômago do mosquito os microgâmetas penetram os macrogâmetas, dando origem ao zigoto que, após transformações sucessivas, origina os esporozoítos que migram para as glândulas salivares. O mosquito está agora em condições de inocular esporozoítos no próximo hospedeiro aquando da picada para se alimentar de sangue deste, completando o ciclo de vida de Plasmodium spp. Como particularidades deste ciclo há a referir que algumas formas de P. vivax e P. ovale – os hipnozoítos – poderão permanecer no fígado durante longos períodos e provocar recidivas, meses ou anos mais tarde.

Este processo biológico complexo gera alterações patológicas (febre, anemia, distúrbios imunopatológicos e hipóxia tecidual), as quais permitem compreender as manifestações clínicas.

A febre – como atrás foi dito – surge quando se verifica ruptura eritrocitária e libertação de merozoítos na circulação. A anemia explica-se pela hemólise, sequestração de eritrócitos no baço e outros órgãos, assim como pela repercussão sobre as células progenitoras eritropoiéticas da medula óssea dos mediadores libertados inflamatórios. Os distúrbios imunopatológicos associados à malária incluem essencialmente activação policlonal com diversas consequências: hipergamaglobulinémia, formação de imunocomplexos, imunodepressão, e excessiva formação de citocinas pró-inflamatórias (especialmente o factor de necrose tumoral alfa (TNF-α), interferão gama (IFN-γ) e interleucina-1 (IL-1)) com efeito patogénico multiorgânico incluindo hipóxia tecidual.

A adesão dos eritrócitos infectados ao endotélio vascular – ocorrendo mais frequentemente com P. falciparum – pode levar a obstrução do lume vascular e diminuição do débito sanguíneo, assim como a ruptura capilar com extravasão de sangue/plasma, fuga proteica e hipóxia tecidual. Como resultado da hipóxia, o metabolismo em anaerobiose origina hipoglicémia e acidose láctica.

Em suma, o conjunto destas alterações fisiopatológicas repercute-se em vários territórios com risco elevado de disfunção multiorgânica (designadamente ao nível do cérebro, coração, intestino e fígado).

A imunidade para a malária pode ser inata (isto é, geneticamente determinada), ou adquirida. A imunidade inata contribui para a destruição dos parasitas, através do baço, dos macrófagos e monócitos, principalmente os macrófagos da zona marginal do baço, através:

  • de receptores de reconhecimento de padrões (PRR), como os Toll-like receptors (TLR) e NOD-like receptors (NLR), que reconhecem padrões moleculares associados ao patogénio altamente conservados;
  • do papel activo do sistema complemento.

A imunidade adquirida pode ser passiva ou activa; a passiva pode ser devida à passagem transplacentar (mãe-feto) de anticorpos IgG anti-plasmódio; a activa desenvolve-se lentamente como resposta à infecção por plasmódios.

Nos mecanismos de imunidade contra plasmódios intracelulares têm papel fundamental os mediados por células (linfócitos T, macrófagos, polimorfonuclares, sistema reticuloendotelial do baço, etc.), enquanto os relacionados com anticorpos IgM, IgG e IgA (imunidade humoral) actuam fundamentalmente nos plasmódios extracelulares.

A imunidade após infecção por Plasmodium é incompleta, possibilitando ao hospedeiro evitar, até certo ponto, formas graves de doença, mas não a eliminação do parasita ou prevenir futuras infecções. Nalguns casos, a circulação de parasitas em pequeno número, na ausência de multiplicação rápida durante tempo prolongado, poderá originar formas clínicas não graves. No entanto, é possível que surjam episódios repetidos de doença, quando o parasita cria respostas imunes invasivas, tais como replicação intracelular, adesão eritrocitária ao endotélio vascular impedindo a sua passagem pelo baço, rápida variação antigénica e supressão ou depressão da resposta imune do hospedeiro.

Os eritrócitos contendo Hb S, Hb F, os que não têm antigénios do sistema Duffy, assim como os ovalócitos, são mais resistentes à malária.

Manifestações clínicas

O período médio de incubação da malária, considerando as várias espécies, é respectivamente: P. falciparum: 9-14 dias; P. knowlesi: 1-12 dias; P. vivax: 12-17 dias; P. ovale: 16-18 dias; P. malariae: 18-40 dias. Contudo, estes períodos podem ser mais longos, por vezes meses ou mesmo anos. Os grupos populacionais de maior risco são: crianças com idade inferior a cinco anos, grávidas e viajantes provenientes de áreas não endémicas.

Nalguns doentes ocorre um período prodrómico de 2-3 dias antes de os parasitas serem detectados no sangue, constituído por cefaleias, mialgias, febre ligeira, dor torácica e abdominal, artralgias e mal-estar geral. As manifestações clínicas da malária não grave, comuns nas cinco espécies, dependem do estado imunitário prévio dos pacientes e da idade. A maioria dos casos graves de malária ocorre em crianças entre os seis meses e os três anos de idade. Os sintomas mais leves ocorrem em crianças mais velhas e adultos, cuja parasitémia é geralmente mais baixa.

Na sua forma clássica, a malária tem um quadro de apresentação que raramente é observado noutras doenças infecciosas: paroxismos (com febre alta, arrepios, sudação intensa, cefaleias, dificuldade respiratória, mialgias, dores lombares e abdominais, anorexia, náuseas, vómitos, diarreia, palidez e icterícia), alternando com períodos de relativo bem-estar, embora com certo grau de fadiga.

Os referidos paroxismos coincidem com a ruptura dos esquizontes que ocorre com intervalos de 48 horas nos casos de P. vivax e P. ovale, e de que resultam “picos febris” em dias alternados; nos casos de P. malariae a referida ruptura ocorre com intervalos de 72 horas, com consequentes “picos febris” de 3-3 ou de 4-4 dias. A periodicidade torna-se menos aparente com P. falciparum, P. knowlesi e infecções mistas.

Os doentes com infecção primária, tais como viajantes provenientes de regiões não endémicas, podem também ter episódios sintomáticos irregulares durante 2-3 dias antes do início dos paroxismos regulares. Nas crianças com mais de dois meses não imunes, as manifestações clínicas de malária podem variar muito, entre febrícula e cefaleia, e febre alta associada a vómitos, diarreia, palidez, cianose, anemia, hepatoesplenomegália, trombocitopénia, leucopénia, por vezes em combinação.

As manifestações mais frequentes de malária grave (em geral associadas a P. falciparum) são alterações do estado de consciência que podem culminar no coma, dificuldade respiratória e anemia. Outras manifestações de gravidade incluem acidose metabólica, desidratação e sinais neurológicos (convulsões focais, rigidez de descerebração ou de descorticação, opistótono, reflexos plantares anormais, reflexos abdominais ausentes, etc.).

Quando a alteração do estado de consciência nos casos de malária por P. falciparum não pode ser explicada por hipoglicémia, convulsões ou qualquer outra causa, utiliza-se o termo de malária cerebral.

Descreve-se hoje um quadro de retinopatia da malária, não observável noutras infecções: áreas discretas de “branqueamento” da retina e aspecto de pequenos vasos de cor prateada, alaranjada ou esbranquiçada, em pequenos focos dispersos.

Outro aspecto particular ligado à malária por P. falciparum é a chamada esplenomegália hiperreactiva (associada a elevação de IgM, títulos elevados de anticorpos antimaláricos e a linfocitose sinusal hepática).

O Quadro 1 descreve a frequência relativa das manifestações clínicas e laboratoriais associadas a valor prognóstico, segundo critérios da OMS.

A recrudescência após ataque primário pode ocorrer devido à sobrevivência de formas eritrocitárias na corrente sanguínea. A recaída a longo prazo é provocada pela libertação de merozoítos a partir de fonte exoeritrocitária no fígado (P. vivax e P. ovale), ou persistência eritrocitária (P. malariae). A verificação de sintomatologia típica várias semanas após retorno de viajante de zona endémica é a favor de infecção por P. vivax, P. ovale ou P. malariae.

A malária por P. falciparum associada a mais intensa parasitémia corresponde, como foi referido, à forma mais grave, implicando medidas médicas de emergência. Com efeito, nesta forma a parasitémia em termos quantitativos relativos pode ser > 60% (explicável por infectar eritrócitos maturos e imaturos); em comparação, a parasitémia considerando em conjunto P. ovale e P. vivax (infectando somente eritrócitos imaturos), e P. malariae, (infectando somente eritrócitos maturos), é muito menor: < 2%.

Quadro 1 – Frequência relativa das principais manifestações de malária grave em crianças e adultos (valor prognóstico).

Fonte: OMS 2000; *Escala de relevância; +→++→+++;+/- = achado pouco frequente
Valor prognóstico*

 

Manifestações clínicas e laboratoriais

Frequência*
criançasadultoscriançasadultos
+?prostração++++++
+++++alteração da consciência+++++
++++++dificuldade respiratória++++
+++convulsões++++
++++++colapso circulatório++
++++++edema pulmonar+/-+
+++++hemorragia+/-+
+++icterícia++++
++hemoglobinúria+/-+
++anemia grave++++
++++++hipoglicémia++++
++++++acidose+++++
++++++hiperlactacidémia+++++
+/-++hiperparasitémia+++
++++alteração da função renal++++

De salientar, ainda, as particularidades seguintes:

  1. A malária por P. vivax, embora menos grave do que a malária por P. falciparum, comporta maior risco de ruptura do baço;
  2. A malária por P. malariae tem como características fundamentais a maior benignidade, e também a maior tendência para a cronicidade, estando descritas formas com recrudescimento vários anos após ataque agudo;
  3. A malária por P. ovale é a forma mais rara, mais frequentemente associada a P. falciparum, e evidenciando-se de modo semelhante à provocada por P. vivax.

A passagem transplacentar de Plasmodium spp, com taxas de transmissão entre 10% e 54%, é comum em áreas endémicas.

Em mães não imunes, a malária congénita, mais comum, pode ser relacionada com qualquer espécie de Plasmodium. Os sinais surgem em geral entre os 10 e 30 dias de vida (com ampla variação entre 14 horas e vários meses): irritabilidade, febre, vómitos, dificuldade alimentar, diarreia, cianose e hepatoesplenomegália.

Surgindo a malária durante a gravidez, o quadro mórbido verificado na grávida poderá ter repercussões sobre o feto ou RN pela infecção da placenta, independentemente de haver, ou não, transmissão mãe🡪filho.

Diagnóstico

Como regra, pode presumir-se que qualquer caso de criança ou adolescente com febre e sinais de doença sistémica, e que tenha viajado para ou residido em zonas endémicas de malária há menos de um ano, possa estar afectada por malária, mesmo que tenha sido submetida a quimioprofilaxia. (ver adiante)

Nos casos com uma ou mais das seguintes condições, existe elevada probabilidade de etiologia pela espécie P. falciparum:

  1. Os sintomas ocorrendo < 1 mês após o regresso;
  2. Parasitémia > 2%;
  3. Parasitas em forma de anel (trofozoítos precoces);
  4. Eritrócitos infectados com mais de um parasita.

Para que haja maior probabilidade de detectar os parasitas, deve colher-se o sangue durante os ataques febris e antes da administração de qualquer agente terapêutico. Devem ser examinadas as preparações de sangue em gota espessa, em três ocasiões diferentes (por vezes, é necessário repetir o procedimento cada 4 horas/dia, sendo que o diagnóstico só deve ser excluído após um mínimo de três pesquisas negativas, com intervalo de 12 horas), procedendo-se à coloração pelo método de Giemsa (superior ao de Wright ou de Leishman). Os parasitas da malária apresentam-se como corpos corados de vermelho (material nuclear) e de azul (citoplasma) com grânulos negros ou castanhos, nas últimas fases de desenvolvimento, que ocorrem no interior dos eritrócitos.

Outros métodos (não dispensando o descrito exame microscópico, de primeira linha) que podem ser utilizados são:

  • Detecção de anticorpos da malária através da imunofluorescência indirecta (IFA) e do imunoensaio enzimático (ELISA);
  • Prova com anticorpo monoclonal;
  • Estudo molecular por PCR (reacção em cadeia da polimerase);
  • Detecção de antigénios da malária, sendo o mais significativo a imunocromatografia, que é a base dos testes de diagnóstico rápido comerciais disponíveis actualmente.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial da malária faz-se com larga série de doenças víricas ou bacterianas (sépsis, meningite, encefalite, endocardite, brucelose, febre recorrente, febre tifóide, etc.), doença de Hodgkin, colagenoses, entre outras.

Tratamento

O tratamento da malária consiste fundamentalmente em:

  • Medidas gerais de suporte;
  • Medidas específicas (farmacoterapia antimalárica); e
  • Tratamento das complicações, descritas adiante.

A base do tratamento da malária simples ou não complicada por P. falciparum, recomendada pela OMS, são as combinações dos derivados da artemisinina (ACT). Como alternativa, poderá ser utilizada a combinação atovoaquona/proguanil, a mefloquina ou o quinino. A cloroquina é o fármaco indicado para malária não falciparum. (Quadros 2 e 3)

O fármaco recomendado pela OMS no tratamento inicial da malária grave é o artesunato endovenoso ou intramuscular durante, pelo menos, 24 horas, até que haja tolerância oral.

As alternativas existentes são o artemeter e o quinino em associação à doxiciclina ou clindamicina, por via endovenosa, durante sete dias. O quinino, por via parentérica deve ser substituído, logo que possível, pela via oral. A doxiciclina não deverá ser utilizada em crianças com menos de oito anos de idade.

QUADRO 2 – Fármacos recomendados pela OMS para o tratamento da malária não complicada, 2015.

Fármaco Dose e número de tomas
1ª linha
Arteméter + lumefantrina  (1 comprimido <> 20 mg de arteméter + 120 mg de lumefantrina) Via oral: 5 e 15 kg – 1cp 12/12h, 3 dias; 15 e 25 kg – 2 cp 12/12h, 3 dias; 25 e 35 Kg – 3 cp 12/12h, 3 dias; > 35 kg – 4cp 12/12h 3 dias. Nota: existem esquemas alternativos para administração em 60 h
Artesunato + amodiaquina 4 mg/kg/dia de artesunato e 10 mg/kg/dia de amodiaquina, 1id, 3 dias
Artesunato + mefloquina 4 mg/kg/dia de artesunato, 1id, 3 dias e 25 mg/kg de mefloquina, que poderá ser divido em 2 dias em 15 mg/kg e 10 mg/kg ou em 3 dias com 8,3 mg/kg/dia, 1id, 3 dias
Artesunato + sulfadoxina-pirimetamina 4 mg/kg/dia de artesunato, 1id, 3 dias e uma administração única de 25/1,25 mg/kg sulfadoxina-pirimetamina em D1
Artenimol + piperaquina 5 e 7 kg: 10 mg de artenimol + 80 mg de piperaquina; 7 e 13 kg: 20 mg de artenimol + 160 mg de piperaquina; 13 e 24 kg: 1 comprimido (1 comprimido <> 40 mg de artenimol + 320 mg de piperaquina); 24 e 36 kg: 2 cp (1 cp <> 40 mg de artenimol + 320 mg de piperaquina); Administrar durante 3 dias consecutivos num total de 3 doses
2ª linha
Artesunato + tetraciclina ou doxiciclina ou clindamicina artesunato (2 mg/kg, 1id ) tetraciclina (4 mg/kg, 6/6h) doxiciclina (3,5 mg/kg, 1id) clindamicina (10 mg/kg, 2id) tempo de tratamento: 7 dias
Quinino + tetraciclina ou doxiciclina ou clindamicina tetraciclina (4 mg/kg, 6/6h) doxiciclina (3,5 mg/kg, 1id) clindamicina (10 mg/kg, 2id) tempo de tratamento: 7 dias

QUADRO 3 – Fármacos recomendados pela OMS para o tratamento da malária grave, 2015.

Fármaco Dose e número de tomas
Artesunato 2,4 mg/kg por via endovenosa ou intramuscular na admissão e depois às 12h e às 24h após a admissão, seguido de uma dose diária nos restantes dias de tratamento
Artemeter 3,2 mg/kg por via intramuscular na admissão e depois 1,6 mg/kg/dia
Quinino (associado à Clindamicina ou Doxiciclina) 20 mg do sal/kg na admissão por via endovenosa ou dividido em duas doses por via intramuscular, seguido de 10 mg/kg cada 8h

Complicações

Para além da referência já feita à malária cerebral, cabe referir de modo sucinto outras complicações, em geral sistematizadas como manifestações clínicas de malária grave:

  • Anemia, complicação frequente da malária grave em crianças, sendo a etiopatogénese de natureza multifactorial: – 1. destruição de eritrócitos parasitados e não parasitados e da redução da sua deformabilidade; – 2. diminuição de reticulocitose por disfunção da resposta da medula óssea por uma eritropoiese ineficaz e produção inadequada de eritropoietina; – 3. efeitos sistémicos da inflamação na eritropoiese; – 4. infecções bacterianas concomitants; e – anormalidades nutricionais prévias;
  • Insuficiência renal, complicação frequente no contexto de malária por falciparum, surge por hemoglobinúria maciça no contexto de hemólise grave com deposição de Hb nos túbulos renais, associada a diminuição do débito sanguíneo renal;
  • Edema pulmonar, complicação associada à doença (pelo aumento da permeabilidade capilar) e também iatrogénica em relação com fluidoterapia excessiva; no entanto, é mais comum nos adultos do que nas crianças;
  • Hipoglicémia, frequentemente associada à doença e ao tratamento com quinino;
  • Trombocitopénia, por vezes integrada no contexto de CIVD;
  • Ruptura esplénica, já referida; por vezes iatrogénica ao proceder-se a palpação intempestiva num quadro de esplenomegália importante;
  • Choque e síndroma de disfunção multiorgânica.

Prevenção

Os aspectos gerais da prevenção, incluindo os relacionados com a quimioprofilaxia e protecção contra insectos foram descritos no capítulo sobre Viagens, sugerindo-se a respectiva consulta. A este respeito é importante reforçar: 1 – o papel protector da roupa contra o mosquito, cobrindo a totalidade do corpo; 2 – a utilização, sempre que viável, de ambiente com ar condicionado, de mosquiteiros impregnados com permetrina durante a dormida, assim como de repelentes cujo composto padrão é DEET (N-N- dietil-m-toluamida), sendo considerados equivalentes os produtos contendo picaridina (icaridina) ou IR3535.

O desenvolvimento duma vacina eficaz é o grande desafio para o controlo da doença. Como dificuldade na sua fabricação cita-se designadamente a grande variedade antigénica do parasita nas fases eritrocitária e exoeritrocitária.

De salientar a investigação levada a cabo no CISM (Centro de Investigação em Saúde de Manhiça, com o patrocínio da Fundação Bill Gates) em Moçambique (Vacina RTS.S/ASO2A). Com o composto, utilizando um antigénio da fase pré-eritrocitária – a proteína CSP – demonstrou-se um efeito protector de 35% contra a malária clínica em crianças entre 1 e 4 anos, prevendo-se uma redução em 40% das formas mais graves e em 65% da incidência em recém-nascidos.

Considerando os casos de mães que amamentam e submetidas a medicação com antimaláricos, cabe referir que o teor do fármaco transferido mãe-filho por esta via não envolve risco para o bébé, mas não permite neste último a profilaxia da malária.

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Doença de Chagas

Generalidades sobre tripanossomíases

As tripanossomíases (T) são doenças provocadas por tripanossomas, protozoários flagelados com corpo fusiforme alongado, parasitas do sangue de grande número de animais e do Homem, fáceis de identificar por terem diâmetro maior do que dos elementos constituintes do sangue.

São descritos dois grandes grupos de tripanossomíase (T):

  1. T. africana (doença do sono) causada pelas espécies: – Trypanosoma brucei gambiense, explicando 98% das T. africanas, relacionada com a Gâmbia e estendendo-se na África Central e Ocidental; – Trypanosoma brucei rhodesiense, relacionada com a antiga Rodésia e estendendo-se na África do Sul e Oriental. A região do Uganda é a única zona africana onde coexistem as duas espécies. A T. Africana é transmitida pela picada da mosca tsé-tsé e evolui após um estado febril com lesões cutâneas (tripanides), adenopatias generalizadas, lesões viscerais e meningoencefalite difusa associada a sonolência permanente. Daí, o nome da doença;
  2. T. americana (doença de Chagas) causada pela espécie: – Tyipanosoma cruzi. Esta tripanossomíase tem como principais vectores os insectos da família Reduviidae, subfamília Triatominae, incluindo Triatoma infestans, Rhodinius prolixus e Panstronylus megistus – genericamente chamados triatominas.

Neste capítulo é dada ênfase à doença de Chagas.

Definição e importância do problema

A doença de Chagas ou tripanossomíase americana é uma antropozoonose causada, como foi referido, pelo parasita protozoário Trypanosoma cruzi (T. cruzi). A transmissão ocorre geralmente através de vector (insecto hematófago), ou por via transplacentar (partindo de mulheres grávidas com infecção crónica por T. cruzi); outras modalidades são adiante discriminadas.

Esta patologia afecta mais de 120 milhões de pessoas na América Latina (~ 25%).

A primeira descrição desta doença emergente (com três fases clínicas: aguda, indeterminada e crónica) foi feita por Carlos Chagas em 1909, o qual identificou o vector e o parasita (agente etiológico) como uma causa da doença febril aguda de trabalhadores brasileiros de caminhos-de-ferro. A OMS coloca-a no grupo das 17 doenças tropicais negligenciadas porque:

– afecta preferencialmente populações vulneráveis, com baixos rendimentos;

– constitui uma das principais causas de morbilidade crónica e mortalidade nos países afectados.

Embora historicamente não tenha sido considerada prioritária na atribuição de recursos por governos e organizações, para a investigação e prevenção, na última década foi uma das doenças emergentes mais estudadas. Na ausência de tratamento eficaz, a infecção persiste toda a vida.

Aspectos epidemiológicos

A doença de Chagas estende-se desde o Sul dos Estados Unidos ao Chile e Argentina; a par da maior prevalência no Brasil, Argentina, Bolívia e Venezuela, regista-se inexistência de casos nas Caraíbas, Belize, Suriname e Guiana.

Considerando globalmente a América Latina, em 2010 foi estimada uma prevalência da infecção por T. cruzi de 5,7 milhões, na sequência de valores anteriores de 18 milhões de doentes em 1991.

No entanto, apesar dos progressos ao longo dos anos, a doença de Chagas mantém-se como a doença parasitária ocidental mais importante, sendo responsável pela perda de anos de vida ajustados à incapacidade, 7 vezes superior à malária.

Em cerca de 20%-30% dos doentes infectados existe a probabilidade de desenvolvimento de doença crónica com risco de vida, a qual pode ser tipificada por casos de miocardiopatia e distúrbios gastrintestinais graves.

Para melhor compreensão dos modos de transmissão, importa uma referência ao ciclo de vida do agente Trypanosoma cruzi, implicando eventualmente repetição de conceitos.

Ciclo de vida

O ciclo de vida do parasita T. cruzi* compreende duas fases: de vector e humana. Importa salientar que o vector (insecto hematófago) pode parasitar diferentes animais domésticos e selvagens.

(*) No hospedeiro mamífero, o agente T. cruzi evidencia 3 fases morfogenéticas: amastigotas, tripomastigotas e epimastigotas. Os amastigotas são formas intracelulares encontradas nos tecidos dos mamíferos, esféricas com um curto flagelo, assumindo a forma oval dentro dos tecidos infectados. Os tripomastigotas são formas extracelulares, fusiformes, encontrando-se no sangue e sendo responsáveis pela transmissão da infecção ao insecto vector e pela disseminação da infecção de célula a célula. Os epimastigotas encontram-se no intestino do insecto vector, multiplicando-se no intestino médio e recto dos artrópodes, diferenciando-se em formas metacíclicas. Os tripomastigotas metacíclicos são as formas infecciosas para os humanos, sendo libertados sobre a sua pele ao serem defecados na proximidade da zona da picada, entrando através da pele lesada ou das membranas mucosas. Os tripomastigotas no interior das células do hospedeiro diferenciam-se em amastigotas e replicam-se, diferenciando-se depois em tripomastigotas que, após lise celular, se difundem de novo para a corrente sanguínea.

 

A fase de vector inicia-se quando o vector ingere tripomastigotas no sangue de um hospedeiro mamífero infectado. Os tripomastigotas diferenciam-se em epimastigotas (estádio replicativo nos invertebrados) no intestino médio e migram para o intestino posterior, onde se diferenciam em tripomastigotas infecciosos metacíclicos para serem excretados nas fezes.

A fase humana ocorre quando os tripomastigotas entram através de um local de inoculação ou membrana mucosa intacta e invadem células nucleadas. No citoplasma diferenciam-se em amastigotas intracelulares e replicam-se (tempo de duplicação de 12 horas num período de quatro a cinco dias) até:

  • se transformarem em tripomastigotas e;
  • a lise celular provocar a sua libertação para a circulação sanguínea.

Os tripomastigotas circulantes, não só perpetuam o ciclo de invasão e replicação celular, como podem infectar vectores.

Modos de transmissão

Na fase aguda o parasita transmite-se de diversos modos.

  • Transmissão por vector (mais frequente)
    Trata-se de insectos hematófagos ingerindo tripomastigotas presentes no sangue de mamíferos infectados. De acordo com o ciclo de vida antes descrito, passando aqueles a tripomastigotas metacíclicos, são excretados com as fezes e urina, entrando ulteriormente no corpo humano através da pele, lesada com picada ou abrasão, ou mucosa.
    A transmissão por vector, limitada ao continente americano, é tipicamente rural. Os triatomídeos alimentam-se no período nocturno e podem viver numa variedade de ambientes próximos das habitações, incluindo fendas e buracos nas paredes, tectos e andares de estruturas habitacionais precárias.
    Sabe-se que a transmissão por fezes de um vector infectado não é muito eficaz; contudo, em contexto endémico, a transmissão contínua resulta num aumento significativo da prevalência ao longo do tempo. Tal facto, associado à persistência da infecção para toda a vida, explica que nalgumas regiões da América Central e do Sul, consideradas livres dos vectores domésticos, a seroprevalência de T. cruzi permaneça elevada em adultos.
  • Transmissão congénita/transplacentar (vertical)
    Este modo de transmissão, seguindo-se em frequência ao anterior, ocorre nos países da América Latina onde a doença de Chagas é prevalente em mulheres em idade reprodutiva. Apontam-se percentagens oscilando entre menos de 1% no Brasil e 7% ou mais na Bolívia, Chile e Paraguai.

A maioria das mulheres com infecção por T. cruzi não evidencia sintomas, sendo grande parte das infecções congénitas não diagnosticada com base na apresentação clínica.
O principal determinante biológico do risco de transmissão é a parasitémia materna; quanto maior a carga parasitária em circulação, maior o risco de transmissão materno-fetal. A idade jovem materna tem sido apontada como factor de alto risco segundo alguns estudos (embora outros não corroborem tal), assim como a proveniência de meio rural.
Existem dados limitados que sugerem uma taxa de transmissão superior em mulheres coinfectadas com VIH, o que pode estar relacionado com parasitémia mais elevada (habitual em doentes coinfectados), imunossupressão materna ou ambos. Também as crianças coinfectadas com VIH e T. cruzi têm maior probabilidade de apresentar sintomas, principalmente neurológicos.
Portanto, a determinação da verdadeira taxa de transmissão só é possível através de estudos prospectivos de grávidas infectadas. Em cerca de 20 estudos de coorte desde 1980, a prevalência de infecção por T. cruzi entre mulheres grávidas varia entre 0,7% e 54%. O risco global estimado de infecção por T. cruzi em crianças nascidas de mães infectadas ronda os 5%. A Organização de Saúde Pan-Americana estima mais de 15.000 casos de infecção congénita por ano na América Latina.

 

  • Transfusão de hemoderivados
    Nesta modalidade, o risco de transmissão é ~ 25%. Nesta perspectiva, a migração de pessoas infectadas para países onde não existe a patologia em análise, é uma ameaça. De acordo com a literatura, referem-se as seguintes seroprevalências avaliadas em dadores de sangue (anos de 2001 e 2002), quanto a positividade para T cruzi: Bolívia- 99/1000; Equador- 1,5/1000; USA- 0,01% a 0,20%.
  •  Ingestão de alimentos e bebidas contaminados (por ex. leite)
    De referir que existe a possibilidade (rara) de transmissão através do leite materno em lactantes infectadas. Na fase aguda da infecção materna, o aleitamento está contra-indicado até se verificar a cura pós-tratamento.

Na fase crónica, a interrupção do aleitamento materno não é recomendada na generalidade em mães; deverá, sim, ser ponderada perante parasitémia elevada (fase aguda ou reactivação) ou a presença de fissuras mamilares.

Nalguns casos, pode ser considerado o tratamento térmico do leite materno extraído antes da sua administração. A localização geográfica (e, consequentemente, a estirpe do parasita) foi apontada como factor de risco, dada a variação das taxas de transmissão. No entanto, os resultados de estudos ainda não demonstraram diferenças entre estirpes infectando mães que transmitem, ou não, a infecção.

 

  • Outras formas de transmissão
    Incluem: por transplantação de órgãos sólidos ou de medula óssea, e manipulação de animais infectados ou de material de laboratório, no contexto de doentes previamente infectados por VIH ou de imunossupressão.

Patogénese

No momento da infecção por T. cruzi, existe um período de parasitémia que, com oscilações, pode durar até 2 anos. Após este período, o parasita localiza-se nos tecidos, onde permanece toda a vida.

Existem períodos de parasitémia transitória coincidentes com situações de imunodepressão (por ex. alterações hormonais ao nível do eixo hipotálamo-suprarrenal, tratamentos com imunossupressores, gravidez, etc.).

Tal como foi referido anteriormente, quanto à história natural da doença, podemos distinguir três fases ou estádios evolutivos, os quais têm correspondência com a clínica: aguda, indeterminada e crónica.

Como resultado da resposta imunitária da fase aguda da infecção por T. cruzi, verifica-se o controlo da replicação parasitária, a resolução sintomática espontânea e o desaparecimento da parasitémia.

A sobrevivência na fase aguda depende, pois, da resposta inflamatória, a qual envolve as células imunes inatas e os macrófagos activados pelo interferão-gama e factor de necrose tumoral α.

Na fase crónica, existindo uma falha na contrarregulação da resposta inflamatória, influenciada por factores do parasita e do hospedeiro, a imunidade mediada por células T mantém a replicação parasitária.

Os resultados de estudos sugerem que a resposta imunitária inflamatória do hospedeiro constitui o maior determinante da progressão de doença, sendo a virulência de T. cruzi e o tropismo tecidual possíveis factores contribuintes.

O papel da resposta imunitária materna e neonatal também tem sido investigado, admitindo-se que a activação imune neonatal possa conferir protecção parcial de infecção congénita.

Assim, a patogénese da doença de Chagas, complexa e não totalmente compreendida, parece resultar da combinação de:

    • Lesão celular e neuronal, mediada directamente pelo parasita vivo e;
    • Lesão indirecta, causada pela resposta imunitária contra o parasita e antigénios do hospedeiro.

Outros factores, tais como os genéticos do hospedeiro e do parasita, a carga parasitária, o modo de transmissão, o número de reinfecções e a resposta imunitária inicial e tardia do hospedeiro, poderão influenciar o início, a gravidade e o espectro de manifestações clínicas.

Manifestações clínicas

A doença de Chagas integra diversas formas clínicas dependendo da fase evolutiva de tal patologia (aguda, indeterminada e crónica) e do modo de transmissão. Efectivamente, para um correcto planeamento diagnóstico e terapêutico, importa uma correcta classificação clínica de cada caso.

São esboçadas a seguir as particularidades de cada fase:

    • Fase aguda: pós-infecção, parasita no sangue, duração de 4-8 semanas, assintomática, geralmente evoluindo em 90%-95% dos casos para a fase seguinte, indeterminada e, em 5%-10% dos casos, para a fase crónica;
    • Fase indeterminada: entre 2 e 4 meses após a infecção, parasita quiescente nos tecidos, com parasitémias transitórias, duração de 10-30 anos, assintomática (excepto nos períodos de parasitémia), evoluindo em 30%-40% dos casos para a fase crónica, ou permanecendo nesta fase toda a vida, em 60%-70% dos casos;
    • Fase crónica: entre 4 meses e 30 anos pós-infecção, sintomatologia relacionada com a replicação tecidual crónica, salientando-se tipicamente sintomatologia cardíaca, esofágica e intestinal.

Transpondo os conceitos básicos da epidemiologia e patogénese para a clínica, distinguem-se dois grandes grupos fisiopatológicos de Doença de Chagas:

  • Forma aguda (vectorial, congénita, oral, transfusão e transplante, reactivação no caso de infecção prévia por VIH ou de imunossupressão); e
  • Forma crónica, traduzindo fundamentalmente as repercussões da infecção ao nível tecidual cardíacas, gastrintestinais e indeterminadas).

Pela importância epidemiológica e de saúde pública da modalidade aguda congénita, a mesma é individualizada, resultando, assim, três entidades:

Doença de Chagas Aguda

Após o período de incubação de uma a duas semanas (também referido na literatura entre 5 e 40 dias), inicia-se a fase aguda com a duração de quatro a oito semanas. A maioria dos doentes infectados apresenta sintomas e sinais moderados e inespecíficos, como febre, dor abdominal, anorexia, mal-estar geral, linfadenopatia, hepatoesplenomegália e linfocitose atípica. Contudo, poderá verificar-se ausência de sintomatologia, razão pela qual muitos infectados não são diagnosticados.

Nalguns doentes, poderá verificar-se exantema morbiliforme e ser visível o local de inoculação: uma lesão edematosa, pouco dolorosa, eritematoviolácea, de consistência elástica com adenomegália satélite, designada chagoma. Surge habitualmente na face e extremidades; por vezes, podem ser observados parasitas na lesão.

A inoculação na conjuntiva origina o chamado sinal de Romana (constituído por constelação de achados: edema indolor unilateral característico das pálpebras superior e inferior de coloração violácea, com hiperemia conjuntival e frequentemente associado a linfadenopatia pré-auricular).

O coração, SNC, gânglios periféricos e SRE poderão ser parasitados, determinando gravidade do quadro clínico; o coração é o órgão afectado em primeiro lugar, com inflamação e dilatação das quatro câmaras traduzindo miocardite difusa, a que se associa alteração na condução e sequela de fibrose. Tal pode acontecer em 30% dos casos nesta fase aguda. Pode igualmente verificar-se anemia, linfocitose e trombocitopénia.

Em menos de 1% dos infectados poderá ocorrer derrame pericárdico ou meningoencefalite. A taxa de mortalidade é de 5%-10% na fase aguda, particularmente em crianças pequenas.

Doença de Chagas Congénita

A transmissão de T. cruzi materno-fetal transplacentar pode ocorrer em 0,7%-10% dos casos de grávidas infectadas em qualquer fase da gestação, mais provavelmente no terceiro trimestre.

Da infecção congénita poderá resultar abortamento espontâneo, morte fetal e parto prematuro. No RN vivo com este tipo de infecção congénita, poderá verificar-se anemia, hepatoesplenomegália, púrpura petequial, diátese hemorrágica, icterícia, cardiomegália associada a diminuição da espessura da parede ventricular e mionecrose, e convulsões relacionadas com menigoencefalite. O prognóstico deste quadro é altamente reservado, com sequelas neurológicas diversas, com sobrevivência que raramente ultrapassa a puberdade. O esófago e o cólon, também frequentemente afectados, evidenciam sinais de dilatação e disfunção na motilidade em relação com destruição das células gangliónicas do músculo. Não existe indicação para parto por cesariana nas grávidas com infecção por T. cruzi.

Doença de Chagas Crónica

A manifestação mais frequente de doença de Chagas crónica é a cardiomiopatia crónica, ocorrendo em 30%-40% dos doentes, sobretudo após a puberdade. Os respectivos sinais e sintomas são secundários a insuficiência cardíaca, arritmia, alterações endomiocárdicas e complicações embólicas por arteriolite necrosante da microvasculatura. Os aneurismas apicais ventriculares esquerdos são patognomónicos da doença de Chagas.

As alterações ao nível do sistema gastrintestinal, ocorrendo com mais baixa frequência (8%-10%), envolvem, designadamente, lesão nos neurónios da cadeia parassimpática do plexo intramural da musculatura lisa. Na prática, verificam-se disfunções várias e, mais frequentemente, a existência de megaesófago e megacólon, disfagia, obstipação crónica, odinofagia, tosse, pneumonia de aspiração, entre outra sintomatologia do foro digestivo e respiratório.

Diagnóstico

Na fase aguda, o elevado nível de parasitémia permite a detecção de tripomastigotas móveis por exame microscópico de sangue fresco não coagulado ou em camada leucoplaquetária. Podem também ser visualizados em esfregaços de sangue corados com Giemsa e, em meios específicos, proceder-se a hemocultura.

O nível de parasitémia diminui após 90 dias, mesmo na ausência de tratamento. A reacção em cadeia da polimerase (PCR), evidenciando elevada sensibilidade na fase aguda, é o melhor método para a detecção precoce de infecção num receptor de órgão transplantado de dador infectado, ou após exposição acidental. Os resultados positivos por PCR surgem dias a semanas antes da detecção de tripomastigotas por microscopia.

O diagnóstico da infecção crónica assenta nos testes serológicos IgG, por técnicas ELISA de imunofluorescência indirecta (IFA). Nenhum teste isolado na fase crónica tem sensibilidade e especificidade suficientes; assim, a confirmação diagnóstica exige resultados positivos em dois testes distintos, de preferência de antigénios diferentes (lisado de parasita completo e antigénio recombinante).

A PCR tem sido usada em investigação e monitorização. A sua sensibilidade é muito variável, dependendo designadamente da carga parasitária, do processamento da amostra, das características da população, dos primers e dos métodos de PCR. Por outro lado, um resultado negativo não exclui a infecção.

Os testes quantitativos são úteis na monitorização da reactivação, uma vez que o aumento da carga parasitária ao longo do tempo é o indicador mais precoce e sensível.

No contexto de infecção congénita, o diagnóstico assume aspectos particulares, conforme ocorra antes ou após os nove meses de vida. Nos primeiros seis a nove meses de vida, a demonstração dos parasitas em sangue venoso periférico ou do cordão umbilical por microscopia directa tem elevada especificidade.

Por outro lado, os métodos de concentração revelam maior sensibilidade; entre eles, situa-se o método de micro-hematócrito, amplamente usado na América Latina. Embora tais métodos requeiram uma pequena quantidade de sangue (0,5 mL) e menor processamento, são, no entanto, necessárias amostras repetidas para obter melhoria da sensibilidade (limiar de detecção de 40 parasitas/mL). Esta limitação, em parte explicada pelo aumento progressivo dos níveis de parasitémia nos doentes infectados após o nascimento, com um pico máximo aos 30-60 dias de vida, nem sempre é aceite pelos pais e dificulta um rastreio em larga escala.

As técnicas de biologia molecular apresentam maior sensibilidade, permitindo o diagnóstico de infecções congénitas mais precocemente.

Admite-se que a PCR (reacção em cadeia da polimerase) venha a ser o método padrão para o diagnóstico da doença congénita, logo que a técnica esteja mais disponível, nomeadamente, com o desenvolvimento de kits comerciais.

Nos recém-nascidos sintomáticos, outros exames complementares de diagnóstico recomendados são: hemograma completo, parâmetros de bioquímica, análise sumária de urina, radiografia de tórax, electrocardiograma, ecocardiograma, ecografias abdominal e transfontanelar, fundoscopia e potenciais evocados.

Na ausência de diagnóstico na data do nascimento, recomenda-se o diagnóstico por serologia IgG após os seis a nove meses de idade, período em que se verifica o desaparecimento dos anticorpos maternos em circulação e a passagem à fase crónica.

Segundo as recomendações espanholas, após o primeiro ano de vida, deve pesquisar-se doença de Chagas em qualquer criança proveniente de área endémica ou recém-nascido de mãe com doença de Chagas, em que não se verificou seguimento no período neonatal.

Tratamento

Os únicos fármacos aprovados com eficácia comprovada na doença de Chagas são o benznidazol e o nifurtimox. (Quadro 1)

Na fase aguda e nos casos de infecção congénita diagnosticada precocemente, ambos reduzem a gravidade dos sintomas, diminuem o curso clínico da doença e reduzem a duração da parasitémia detectável.

Na referida fase aguda, estima-se uma taxa de cura de 80% a 90% (e de 90% a 100% nos casos de infecção congénita), antes do primeiro ano de vida. Após o primeiro ano, e até aos 15 anos, a eficácia ronda os 60%. Quanto mais precoce for a instituição de terapêutica na criança, maior será a taxa de seroconversão.

Na fase crónica sintomática, a taxa de sucesso é de 10%-20%; contudo, continua por esclarecer se existe benefício no tratamento para a forma indeterminada.

Os estudos observacionais confirmaram que nas mulheres infectadas, tratadas antes da gravidez, existe um risco significativamente menor de transmitir a infecção por T. cruzi à descendência do que nas mulheres não tratadas. O paradigma actual assenta essencialmente no diagnóstico precoce e no tratamento de crianças, assim como no tratamento de adolescentes e mulheres em idade reprodutiva.

Os referidos fármacos estão contraindicados na gravidez, com base em estudos de animais que apontam para teratogenicidade. Contudo, a exposição acidental não constitui critério para interrupção da gravidez.

Em relação ao aleitamento materno, os dados são limitados para ambos os fármacos (discutido adiante). Habitualmente, o tratamento de mulheres em fase crónica é protelado até ao final da lactação.

QUADRO 1 – Esquema posológico para o tratamento da Doença de Chagas em crianças e adolescentes.

Benznidazol (2x dia, per os, 60 dias)
Idade < 12 anos5-7,5 mg/kg/dia
Idade 12 anos ou >5-7 mg/kg/dia
Nifurtimox (3 a 4 tomas, per os, 90 dias)
Idade < 12 anos15-20 mg/kg/dia
Idade 12 – 17 anos12,5-15 mg/kg por dia
Idade > 17 anos8-10 mg/kg por dia

 

Benznidazol

Derivado nitroimidazol, constitui o tratamento de primeira linha pelas suas propriedades tripanossomicidas superiores ao nifurtimox e pelo perfil de efeitos secundários.

A dosagem recomendada para crianças encontra-se descrita no Quadro 1. Em relação ao tratamento da infecção congénita, num ensaio aleatorizado de tratamento de curta duração com benznidazol (7,5 mg/kg em dose única, durante 30 dias, versus a posologia padrão) confirmou-se a eficácia de ambas as estratégias terapêuticas.

Benznidazol encontra-se disponível apenas sob a forma de comprimidos de 50 ou 100 mg. A sua fraca solubilidade impede a obtenção de formulação de solução oral; assim, para uso na população pediátrica, habitualmente os comprimidos são divididos, esmagados e dispensados em pacotes para dispersão em sumo de fruta ou leite; contudo estes procedimentos podem condicionar erros de dosagem, dissolução incompleta e risco de efeitos adversos.

Recentemente foi desenvolvida uma suspensão líquida oral, com 1% de benznidazol, a partir dos comprimidos, com excipientes seguros e passível de ser preparada em farmácia hospitalar: trata-se, pois, duma alternativa que garante a eficácia, segurança e confiança do tratamento.

Os efeitos secundários mais frequentes são os dermatológicos, em especial a erupção cutânea que regride com administração de anti-histamínico. No entanto, pode progredir para dermatite grave, ou esfoliativa, ou associada a febre e linfadenopatia.

A neuropatia periférica é dose-dependente e ocorre após tratamento prolongado, enquanto a supressão de medula óssea é rara.

Todos os efeitos graves descritos devem motivar a suspensão da terapêutica. Dados recentes sugerem que o benznidazol poderá ser compatível com o aleitamento devido à limitada transferência para o leite materno.

Nifurtimox

Este fármaco é um nitrofurano que inibe a síntese de ácido pirúvico e interrompe o metabolismo glucídico de T. cruzi. A dosagem varia com a idade, conforme foi referido no Quadro 1. Por vezes, são utilizadas doses mais elevadas nas crianças mais pequenas; a tolerância na idade pediátrica é superior à que se verifica nos adultos.

Os efeitos secundários são sobretudo gastrintestinais e neurológicos (sobretudo, anorexia, perda ponderal, tremores, irritabilidade e insónia). Poderão também ocorrer reacções graves, como neuropatia periférica, psicose e anemia hemolítica associada a deficiência de glicose 6-fosfato desidrogenase; tais reacções são dose-dependentes, surgem na fase final do tratamento; habitualmente há reversão interrompendo o fármaco.

Num estudo incidindo sobre série de casos de crianças com infecção congénita, os efeitos adversos foram comuns, na sua maioria, moderados (recusa alimentar em 24%, irritabilidade em 14,5% e vómitos em 6,5% dos casos); em cerca de 5% verificou-se leucopénia e trombocitopénia reversíveis.

A exposição da criança ao nifurtimox parece ser baixa durante o aleitamento materno, embora o risco não esteja bem estabelecido na espécie humana.

Avaliação do tratamento

Durante o tratamento, e quatro semanas após a interrupção terapêutica, a criança deverá ser monitorizada clínica e laboratorialmente, apresentando-se o Quadro 2.

QUADRO 2 – Monitorização clínica e analítica durante a terapêutica.*

*Adaptado de MI González-Tomé et al. Enferm Infecc Microbiol Clin 2013;31(8):535-542
Dias de tratamento15 3045607590
Clínica
Geral: peso, adenopatias, mialgias, artralgias, cansaçoXXXX  
Gastrintestinais: vómitos, anorexia, dor abdominal, diarreiaXXX   
SNC: cefaleia, insónia, alucinações, parestesias, polineuropatiaXXXXXX
Dermatológicas: dermatite, vesículas, erupção cutânea, púrpura, edemaXX    
Análises
Hemograma: anemia, leucopénia, trombocitopéniaXXXXXX
Bioquímica: hipoglicémia, perfil hepático e renalXXXXX 

 

A resposta à terapêutica traduz-se na diminuição dos títulos de anticorpos específicos, a qual se deverá manter após o tratamento. Para demonstração de seroconversão negativa devem ser realizados dois testes com antigénios diferentes. Quer se trate de recém-nascidos tratados, quer de lactentes com início de terapêutica após os nove meses, a seroconversão negativa deve manter-se em, pelo menos, dois resultados negativos, com intervalos de 6 a 12 meses.

Em paralelo, deve ser realizada a detecção de parasitémia por exame parasitológico ou por micro-hematócrito, assim como por testes moleculares. Habitualmente, na primeira semana após o tratamento, desaparece a parasitémia; um resultado positivo indica a persistência do parasita, o que implica o prolongamento ou substituição da terapêutica.

Um mês após o final do tratamento, a obtenção de resultado positivo (testes parasitológicos ou PCR positivos) relaciona-se com falência terapêutica.

No caso de imunodepressão, os resultados dos testes parasitológicos são os únicos relevantes para o seguimento após o tratamento.

Seguimento

Na forma congénita está recomendado um seguimento mínimo de 12 meses para o diagnóstico de transmissão de T. cruzi. Na maioria dos estudos em países endémicos realça-se:

  • Uma diminuição de seguimento da ordem de 80% após os seis meses;
  • Que em menos de 50% dos casos de infecção congénita o diagnóstico e tratamento são correctos.

O seguimento clínico após o tratamento depende da fase da doença, aquando do início da terapêutica. No caso de doença na forma indeterminada, recomenda-se a realização de electrocardiograma e radiografia de tórax, anualmente, até à cura. Quando existe lesão orgânica ou imunodepressão, o seguimento deverá ser individualizado.

Prognóstico

O prognóstico depende da fase clínica e das suas complicações. Na fase aguda, em crianças com menos de 2 anos, é mais reservado, e fatal perante quadro de meningoencefalite, cardiomiopatia e insuficiência cardíaca. A infecção simultânea com VIH agrava ambas as situações.

Os critérios de cura são a eliminação do parasita em circulação, o desaparecimento de anticorpos e a evolução clínica favorável. Em indivíduos com infecção em fase crónica recente (adolescentes) e em adultos, após tratamento, o critério de cura recai sobretudo sobre a seroconversão negativa, com diminuição de, pelo menos, três vezes o título de anticorpos.

Prevenção

Em 2010, a OMS recomendou a promoção do desenvolvimento de medidas de saúde pública em países endémicos e não-endémicos, com especial enfoque nas áreas endémicas, para a prevenção da transmissão por transfusão sanguínea e por transplantação de órgãos, e para a detecção precoce da transmissão congénita.

As medidas de saúde pública para controlo da doença de Chagas congénita assentam em três pilares: prevenção primária, secundária e terciária.

A prevenção primária incide na prevenção da infecção materna, pelo que os programas de controlo de vectores são essenciais. Além disso, o rastreio e tratamento de crianças do género feminino com infecção por T. cruzi pode diminuir o risco de transmissão congénita na idade adulta.

A prevenção secundária baseia-se no rastreio pré-natal para identificação de mulheres seropositivas e respectivo tratamento. De acordo com as recomendações espanholas (país não endémico), deve ser realizado o rastreio:

  • Às grávidas de origem latino-americana (à excepção das Caraíbas);
  • Às grávidas que residiram em zonas endémicas (sobretudo áreas rurais) durante um período prolongado; e
  • Às grávidas nascidas de mães da América do Sul, mesmo que o parto tenha ocorrido numa região não-endémica.

Caso a grávida seja seropositiva, deve ser realizado um exame completo para avaliação de envolvimento visceral (alguns exames poderão ter de ser protelados para o período pós-parto).

No caso de doença materna, o seguimento deverá ser efectuado em consulta de alto risco. Também deve ser realizado o rastreio aos restantes filhos da mãe infectada.

A prevenção terciária, mais promissora, é consubstanciada pelo diagnóstico e tratamento de recém-nascidos infectados, considerando as elevadas taxas de cura. Porém, a inexistência de um teste sensível, específico e prático de rastreio dos recém-nascidos constitui um obstáculo.

A abordagem actual para o rastreio baseia-se na identificação de grávidas seropositivas e no exame parasitológico directo dos recém-nascidos ou lactentes por técnica do micro-hematócrito no cordão umbilical; e, nos casos não diagnosticados, na serologia convencional após os nove meses de idade. Desta abordagem decorrem vários obstáculos, como a sensibilidade do método de micro-hematócrito e a perda de seguimento no primeiro ano de vida, o que dificulta o rastreio sistemático em países endémicos.

Torna-se necessário desenvolver:

    • Melhores testes diagnósticos para permitir o rastreio da infecção congénita;
    • Uma vacina eficaz;
    • Fármacos mais eficazes, seguros e com posologias mais adequadas para o tratamento, em especial na fase crónica.

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CALAZAR (Leishmaniose visceral)

Generalidades sobre leishmanioses

As leishmanioses constituem um grupo heterogéneo de doenças causadas por protozoários do género Leishmania, parasitas intracelulares das células endoteliais ou dos leucócitos do sangue. Existem múltiplas espécies provocando doença no Homem, com expressão clínica na pele, mucosas e sistema reticuloendotelial de diversos órgãos.

Cada forma clínica tem particularidades em relação com: a distribuição geográfica, a espécie do agente implicado, a ecologia, os mamíferos como reservatórios e os insectos hematófagos como vectores, e o estado imunitário do paciente. Assim, o agente Leishmania pode provocar infecção numa larga gama de vertebrados e, em particular, em canídeos, roedores, e primatas, incluindo humanos.

São descritas as seguintes formas clínicas de Leishmaniose: Cutânea localizada, Cutânea difusa, Disseminada no contexto de imunodeficiência, Mucosa e Sistémica visceral.

A doença cutânea é ligeira, podendo originar sequelas com repercussão cosmética. As formas de leishmaniose mucosa e visceral, pelo contrário, comportam maior grau de morbilidade.

Neste capítulo é abordada apenas a forma clínica visceral, a qual predomina na idade pediátrica.

Definição e aspectos epidemiológicos

A forma de Leishmaniose Visceral, designada classicamente como Calazar ou Kala-azar é uma doença infecciosa sistémica não contagiosa que afecta sobretudo crianças com < 5 anos de idade. O termo calazar significa “febre negra” de acordo com a descrição da doença na Índia em 1903 pelos investigadores Leishman e Donovan.

A leishmaniose visceral é considerada uma zoonose na maior parte das zonas do globo, uma vez que a doença também afecta diversas espécies animais como cães e raposas; com efeito, há que referir que nalgumas zonas como a Índia e África Oriental o Homem também poderá ser o reservatório do protozoário. Os vectores de Leishmania são insectos hematófagos com escassa autonomia de voo, Phlebotomus ou Lutzomyia. O contágio inter-humano é possível mas raro, podendo ocorrer por transfusões de sangue, partilha de seringas e transmissão materno-fetal.

Em Portugal, o cão é o principal reservatório; o protozoário transmite-se de cão a cão, ou de cão ao Homem (hospedeiro final). Ou seja, o cão tem um papel relevante na disseminação e manutenção da infecção humana.

De acordo com a OMS, surgem em todo o mundo cerca de 300.000 novos casos anuais, dos quais resultam 20.000 mortes; cerca de 90% dos casos fatais ocorrem em apenas seis países, incluindo Índia, Bangladesh, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia e Brasil.

Assim, a leishmaniose é considerada a terceira doença parasitária mais frequente a seguir à toxoplasmose a criptosporidiose. A distribuição da doença coincide com a distribuição do vector acometendo populações pobres, vulneráveis, subnutridas e habitando em zonas sem saneamento básico e sem acesso a cuidados preventivos de saúde.

Em Portugal Continental, com base em estudos de seroprevalência, podem ser consideradas zonas endémicas Trás-os-Montes e Alto Douro, Cova da Beira (entre as serras da Estrela e da Gardunha), regiões de Lisboa e Vale do Tejo (onde actualmente existe o maior número de casos) e Alto Alentejo.

Há décadas, o calazar era considerado tradicionalmente uma doença das zonas rurais, de ocorrência endémica e esporádica. Actualmente este panorama modificou-se à mercê de um conjunto de circunstâncias tais como:

  • Fenómenos migratórios de populações não imunes para áreas em que o vector está presente;
  • A urbanização/domesticação dos focos zoonóticos naturai

Segundo dados do INSA e da DGS, em Portugal entre 2008 e 2013 foram notificados 42 casos de leishmaniose, na sua maioria afectando crianças entre 1 e 4 anos de idade e do sexo masculino. A incidência real deverá ser superior, dada a subnotificação desta doença. Actualmente, têm sido relatados casos de coinfecção com o VIH em zonas de elevada prevalência das duas situações.

Etiopatogénese

São descritas três espécies de Leishmania que causam leishmaniose visceral:

  • donovani, prevalente sobretudo na Ásia;
  • infantum, prevalente sobretudo na Europa (incluindo Portugal), Ásia e África;
  • chagasi, prevalente nas Américas.

Após inoculação do protozoário no organismo verifica-se disseminação hematogénica, salientando-se o viscerotropismo do agente etiológico; ou seja, a doença comporta-se como doença sistémica afectando as células do sistema reticuloendotelial (SRE) de todos os órgãos, com especial relevância para fígado, baço, medula óssea, e gânglios linfáticos.

A infecção por Leishmania, no ciclo evolutivo, pode assumir duas formas: uma, arredondada ou ovóide, de escassa mobilidade, sem flagelo, designada amastigota, residente no interior das células do SRE/fagócitos mononucleares dos vertebrados, onde se replica; e outra, alongada, com flagelo e grande mobilidade, designada promastigota, e presente no tubo digestivo dos insectos vectores; isto é, a forma promastigota, ao entrar no macrófago, transforma-se em amastigota.

A transmissão da leishmaniose visceral dá-se quando o flebótomo/vector adquire o protozoário ao picar um reservatório infectado (como se referiu atrás, na maioria dos casos um animal) e, após completado o ciclo parasitário no vector, transmite o referido protozoário (formas promastigotas na saliva) ao hospedeiro definitivo humano através de picada. As formas promastigotas são fagocitadas pelos macrófagos do referido hospedeiro, onde resistem ao estresse oxidativo dentro de vacúolos. Isto condiciona uma activação do sistema imunitário, nomeadamente através do eixo IL12-IFN gama numa tentativa de aumentar a capacidade oxidativa dos fagócitos.

A ineficácia e hiperactivação do sistema imunitário conduz a:

  • Redução progressiva da produção de eritrócitos, granulócitos e plaquetas;
  • Aumento de dimensões do fígado e baço com áreas de inflamação, necrose e ulterior fibrose, explicável pela própria proliferação dos macrófagos.

Nas formas graves verifica-se a presença de histiócitos (o elemento fundamental do tecido reticuloendotelial, dotado de grande poder fagocitário), contendo Leishmanias em todos os órgãos (miocárdio, rim, pulmões, etc.).

As características genéticas do hospedeiro influenciam o desenvolvimento da doença. Em particular, mutações no gene NRAMP1 desempenham um papel fundamental na susceptibilidade para doença visceral. Outros factores que determinam o grau de expressão clínica são a virulência e magnitude do inóculo do parasita, assim como o genótipo do vector.

Manifestações clínicas

As manifestações clínicas de leishmaniose visceral são, de um modo geral, semelhantes nas zonas endémicas, independentemente da área geográfica.

O período de incubação do calazar varia entre 10 dias e 2 anos, com um período médio de 2 a 6 meses. Em regra, o início da sintomatologia é abrupto nas crianças pequenas, e insidioso nas crianças maiores; acompanha-se de sinais inespecíficos como adinamia, anorexia, mal-estar geral, perda de peso e palidez. A febre prolongada, oscilando entre 37,5ºC e 40ºC, pode evidenciar diversos padrões em termos de periodicidade e intermitência, os quais não são característicos da doença.

À medida que a doença evolui são notórios os seguintes sinais, evoluindo progressivamente: palidez, emagrecimento, adenomegálias e aumento do volume abdominal. Este aumento do volume abdominal explica-se sobretudo por esplenomegália indolor de consistência elástica ou ligeiramente dura, a qual pode atingir proporções enormes ultrapassando por vezes a cicatriz umbilical; acompanha-se em geral de hepatomegália importante, embora mais discreta. Uma pequena minoria pode apresentar uma úlcera no local da picada do insecto (Leishmanioma). (Figura 1)

Outras manifestações associadas incluem insuficiência renal, diarreia, vómitos, obstipação, hemorragias (epistaxe, petéquias, gengivorragias), sinais respiratórios sobreponíveis aos verificados em infecções víricas comuns, dificuldade respiratória, artralgias, mialgias, etc.. Existem por vezes manifestações neurológicas, como neuropatia periférica ou de pares cranianos em relação com degenerescência axonal e desmielinização.

Dado que as alterações provocadas por Leishmania são de natureza sistémica, em zona endémica, perante quadro de febre prolongada, anemia, espleno-hepatomegália e manifestações hemorrágicas, deverá ser evocada a hipótese diagnóstica de calazar.

Estão descritas, no entanto, formas assintomáticas, oligossintomáticas ou subclínicas, que se poderão traduzir fundamentalmente por febre, ou tosse, ou diarreia, hipersudorese, adinamia, ou hepatomegália e esplenomegália ligeiras, etc..

Este quadro, se não tratado, poderá persistir durante 3 a 6 meses evoluindo, ou no sentido de regressão espontânea, ou de calazar dito clássico, atrás referido.

Duas notas importantes acerca da leishmaniose visceral surgindo em situações de imunodeficiência:

  • Em doentes infectados com o VIH/SIDA, salientam-se esplenomegália e envolvimento do tracto gastrintestinal, pulmão, esófago menos frequentes;
  • Nos casos de doença granulomatosa crónica ou de defeitos do eixo interferão gama–IL 12, evolução mais grave e prolongada, com frequentes recaídas e compromisso multiorgânico.

No que respeita a complicações, cabe uma referência especial a dois quadros clínicos:

FIGURA 1. Calazar: Hepatoesplenomegália. (NIHDE)

Síndroma hemofagocítica

Trata-se duma das complicações mais graves desta doença, sobretudo em lactentes, consideradas como o reflexo de uma resposta imunológica ineficaz. A “explosão” de citocinas conduz a um quadro sistémico com as seguintes características: febre alta, agravamento da esplenomegália e da pancitopénia, ferritina elevada, hipertrigliceridémia, hipofibrinogenémia, muitas vezes em associação a instabilidade hemodinâmica e insuficiência renal. Apesar de habitualmente se verificar resposta à terapêutica dirigida para a parasitose, por vezes é necessário frenar a resposta imune com fármacos imunossupressores ou imunomoduladores.

Dermatose por Leishmania pós-calazar

Esta complicação pode surgir até 3 anos após o calazar, consistindo em máculas hipopigmentadas e/ou pápulas/nódulos generalizados. Não se associam a morbilidade ou mortalidade mais elevadas, mas podem ter um importante impacte cosmético. Ocorre muito mais frequentemente após infecção com L. donovani.

Exames complementares

Existe frequentemente pancitopénia, citólise hepática, elevação da gama-GT, da fosfatase alcalina, e hipergamaglobulinémia policlonal, evidente na electroforese de proteínas. As alterações nefrológicas podem traduzir-se por hematúria e proteinúria.

Quanto ao contributo dos vários exames complementares para o diagnóstico, procedeu-se à sistematização que se segue, e à elaboração do Quadro 1.

Diagnóstico parasitológico

Decorre da demonstração de formas amastigotas em esfregaços de tecido (gânglio linfático, medula óssea ou baço, com sensibilidades crescentes, 55%, 70% e 95%) obtidos por punção aspirativa e coloração pelo método de Giemsa.

Continua a ser o método “padrão de ouro”, embora evidenciando uma sensibilidade baixa.

Diagnóstico serológico

Baseia-se na detecção de antigénios do parasita ou de anticorpos contra a Leishmania. Existem vários testes com diferentes sensibilidades e especificidades.

Diagnóstico molecular

Actualmente, as técnicas de biologia molecular como a da reacção em cadeia da polimerase (PCR), com especificidade e sensibilidade elevadas, permitem a identificação do material genético de parasitas em amostras de punção biópsia, e também de sangue periférico. A sensibilidade é maior nos tecidos (por exemplo, baço ou medula óssea); e é variável no sangue periférico, provavelmente porque a carga de parasitas no sangue varia com a gravidade da doença. Não estão disponíveis na maior parte dos países com doença endémica.

Teste cutâneo (Leishmania Skin Test)

Este teste, também conhecido como prova de Montenegro, testa a hipersensibilidade tardia. Sendo positivo somente ~ 2-4 meses após a cura, não tem qualquer interesse diagnóstico.

Relativamente aos exames complementares, importa destacar:

  • Teste de aglutinação directa, onde é feita a incubação do soro do doente contra o antigénio do promastigota. Ao final de 18 horas existe aglutinação visível no caso de existirem anticorpos no soro. A possibilidade de leitura a “olho nu” promove a sua utilização em países em vias de desenvolvimento;
  • ELISA: detecta a presença de anticorpos, salientando-se que a sua sensibilidade depende do antigénio usado. A utilização de antigénios solúveis tem sido insatisfatória, sendo que actualmente se usam antigénios recombinantes, de que o antigénio K28 é o mais utilizado. Os maiores problemas do teste são a possibilidade de, em zonas endémicas, pessoas com infecção assintomática evidenciarem teste positivo e o facto de os títulos, permanecendo positivos após o tratamento, não poderem ser utilizados como monitorização da resposta à terapêutica;
  • Testes rápidos: apesar de usados de forma generalizada nos países endémicos, a sensibilidade varia muito de acordo com a localização e com os antigénios usados. A sua elevada sensibilidade permite a sua utilização como teste de rastreio, apesar de se dever sempre confirmar a doença com outro método;
  • Aglutinação em látex: permite a detecção do antigénio na urina. Tem uma elevada especificidade (desde que a urina seja fervida durante 5 minutos), mas a sensibilidade é baixa, limitando a sua utilização.

Nota Importante – Dado que os testes serológicos evidenciam menor sensibilidade, deverá ser dada preferência aos métodos de diagnóstico parasitológico ou de biologia molecular.


O Quadro 1 permite elucidar com pormenor sobre um largo espectro de exames complementares.

Quadro 1 – Leishmaniose visceral e exames complementares.

 MétodosAmostra utilizadaTempo exigidoDificuldade

Sensibilidade

(%)

Especificidade

(%)

Diagnóstico parasitológico

 

Biópsia aspirativa esplénicaTecido de baçoHorasAlta93-99100
Biópsia aspirativa medularMedula ósseaHorasAlta53-86100
Biópsia ganglionarGânglio linfáticoHorasAlta53-65100
CulturaBaço ou medula ósseaDiasMédia97-100100
Diagnóstico serológicoIFATSoro/plasmaHorasAlta80-10096-100
Teste de aglutinação directaSoro/plasmaDiasMédia94,8097,10
ELISASoro/plasmaHorasMédia93-10097-98
SalivaHorasMédia83,3088,6-100
Tira de teste rápidoSoroMinutosBaixa96,3-10090,1-100
SangueMinutosBaixa96-10090,8-100
SalivaMinutosBaixa82,5084,6-91,48
UrinaMinutosBaixa96,4066,2-100
Ensaio de immunoblottingSoro/plasmaHorasMédia83-9490
IFN- 𝛾 release assay (IGRA)Sangue totalDiasMédia80-85100
Aglutinação em látexUrinaHorasMédia48-8789-100
Diagnóstico molecularPCRSangue totalHorasAlta70-10085-99
Zaragatoa bucalHorasAlta8390,56
UrinaHorasAlta88100
Medula ósseaHorasAlta95,3092,60
PCR ELISASangue totalHorasAlta83,90100
qPCRSangue totalHorasAlta91,3-10095-100
Oligo C-testSangue totalHorasAlta96,290
Gânglio linfáticoHorasAlta96,8NA
Medula ósseaHorasAlta96,9NA
LAMPSangue totalHorasMédia8398
Buffy coatHorasMédia90,7100
Diagnóstico imunológico IFAT
Teste de aglutinação directa
ELISA
Tira de teste rápido
Ensaio de immunoblotting
IFN- 𝛾 release assay (IGRA)
Aglutinação em látex

Tratamento

Aplicam-se as medidas gerais de suporte em casos de doenças febris com compromisso do estado geral (anemia, síndroma hemorrágica, leucopénia, etc.). Neste capítulo é dada ênfase ao tratamento farmacológico específico anti-Leishmania;

As alternativas terapêuticas disponíveis incluem a anfotericina B, os antimoniais pentavalentes, a paromomicina e o miltefosine. A sensibilidade a cada um deles varia de região para região em todo o globo.

Anfotericina B

A anfotericina B convencional, apesar de eficaz, deixou de ser utilizada pelo melhor perfil de segurança da anfotericina B lipossómica.

Pode ser usada em diversos esquemas mas a dose cumulativa preconizada pela OMS é de 20 mg/Kg. A grande diversidade de esquemas terapêuticos reflecte provavelmente o facto de o fármaco se acumular nas vísceras e ser depois libertado progressivamente.

Antimoniais pentavalentes

Em todo o mundo os fármacos mais utilizados são os antimoniais pentavalentes (Sb v) cujo mecanismo de acção se relaciona provavelmente com o efeito leishmanicida intramacrófago. Os dois sais mais frequentemente disponíveis e empregues são o estibogluconato de sódio (Pentostam®) e o antimoniato de N-metil-glucamina (Glucantime®), este último o mais utilizado em Portugal. A eficácia e perfil de segurança são comparáveis.

Ambos os compostos podem ser administrados por via IM ou IV. De acordo com recomendações da OMS, deverá ser administrada a dose de 20 mg/kg/dia numa ou duas doses diárias durante 28-30 dias seguidos. Se, após esta série, se verificar a existência de sinais clínicos ou a presença de parasitas na medula óssea, deverá proceder-se a novo curso terapêutico com igual duração.

Dados os efeitos adversos do tratamento (cardiotoxicidade, hepatotoxicidade, pancreatite, artralgias etc.), o mesmo deverá ser acompanhado de vigilância clínica rigorosa, laboratorial e electrocardiográfica (para detecção de possíveis alterações da repolarização, inversão da onda T e aumento do intervalo Q-T).

Está descrita resistência aos antimoniais em cerca de 1% a 2% dos casos.

Miltefosine

É o único componente oral aprovado para o tratamento da doença em adolescentes e adultos com peso mínimo de 30 kg. A dose é de 2,5 mg/kg/dia durante 28 dias.

Apesar de ter um perfil de segurança aceitável, não pode ser utilizado na grávida; por outro lado, em percentagem significativa de doentes (20% a 65%) pode surgir diarreia e vómitos. As transaminases surgem com valores alterados.

A semivida prolongada e a potencial baixa adesão ao tratamento, levanta questões relativamente à possível emergência de resistências.

Paromomicina

Este aminoglicosídeo apresenta actividade contra o parasita, mas os esquemas posológicos variam de acordo com a região (e respectiva Leishmania prevalente). Mais frequentemente a dose usada é de 15 mg/kg/dia durante 21 dias.

Todos os doentes deverão ser seguidos clinicamente durante 1 ano para detecção de eventuais recorrências que poderão surgir, em geral, até 6 meses após conclusão da terapêutica.

Prognóstico

Excluindo as formas subclínicas e assintomáticas, na ausência de tratamento o calazar tem evolução fatal em cerca de 80% dos casos, sendo o risco mais elevado em crianças com menos de 5 anos (síndroma de disfunção multiorgânica traduzido fundamentalmente por edema, síndroma hemorrágica, anemia, insuficiência hepática, pancitopénia e infecções associadas).

Prevenção

As medidas preventivas correspondem, afinal, à intervenção em vários pontos do elo protozoário🡪 reservatório🡪 vector: tratamento dos casos identificados, diminuindo o contacto do homem com o vector, e destruindo os reservatórios e os vectores. Este desiderato é concretizado através de medidas de saneamento e de educação para a saúde coordenadas, identificando as zonas de risco. Na prática, os repelentes e os insecticidas têm papel importante. A vacina aplicada a humanos ainda não está disponível, mas já existe para administração a caninos.

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PARASITOSES. ABORDAGEM GLOBAL

Definições

Considera-se parasita o organismo que, durante uma parte ou a totalidade da sua existência, se nutre permanente ou temporariamente com substâncias produzidas por outro ser vivo, excepto nos casos relativamente raros em que os parasitas são excessivamente numerosos. Parasitismo pode definir-se genericamente de três modos: 1) condição de um organismo que vive como parasita de outro organismo; 2) estado de um organismo infestado por parasitas; 3) presença de parasitas num ser vivo ou em certos órgãos (parasitismo intestinal, hepático, sanguíneo, etc.).

Noutra perspectiva, mais específica, surge o termo de simbiose, ligado à relação íntima e obrigatória entre dois organismos. Esta associação pode ser benéfica para ambos (mutualismo), benéfica para um e quase indiferente para o outro (comensalismo) ou benéfica para um em detrimento do outro (parasitismo). O organismo em que o parasita vive chama-se hospedeiro (definitivo ou intermediário), sendo o parasita, habitualmente, dependente deste. Por vezes, para manter o ciclo de vida do parasita, é necessária a acção de um vector (transportando o parasita de um hospedeiro para outro).

Parasitose é, pois, qualquer afecção devida a parasitas e o conjunto de manifestações patológicas que aqueles provocam. Na natureza, praticamente todos os animais estão parasitados.

A este respeito convém uma referência ao termo infestação por contraposição a infecção. Infestação corresponde a parasitose externa (pele e faneras), enquanto no termo infecção estão abrangidas as parasitoses internas (por ex. ascaridiose, filariose, esquistossomose, etc.).

Os parasitas constituem uma enorme variedade de organismos, com ciclos de vida mais ou menos complexos e com tamanhos que podem variar entre 5 μm a mais de 20 metros. Ao longo dos séculos, adaptando-se a todos os tipos de ambientes e de hospedeiros, podem viver fora das células do hospedeiro como no intestino, sangue, linfa ou no seu interior, como glóbulos vermelhos, músculo, etc..

Aspectos epidemiológicos e importância do problema

A distribuição geográfica das parasitoses é muito heterogénea salientando-se que as regiões mais afectadas são as tropicais e subtropicais. Globalmente, a mais importante é a malária que será descrita noutro capítulo. As estimativas para outras parasitoses não são, no entanto, mais optimistas. No mundo deverão existir 230 milhões de pessoas infestadas com Schistosoma, 120 milhões com filariose linfática, seis milhões com tripanossomose americana e dois biliões com nemátodos intestinais. No ocidente, ao longo dos últimos anos, a prevalência de parasitoses na população pediátrica diminuiu de forma muito acentuada.

Em Portugal, apesar da ausência de estudos epidemiológicos recentes em larga escala, as parasitoses mais frequentes são devidas ao protozoário Giardia lamblia e aos helmintas Enterobius vermicularis, Ascaris lumbricoides e Trichuris trichiura. Mais raramente poderão ser encontrados Strongyloides stercoralis, Ancylostoma duodenale, Taenia solium e Taenia saginata. Num estudo datado de 2001 na região de Lisboa, num grupo de crianças entre os 5 e 14 anos foi encontrada uma taxa de parasitismo intestinal por helmintas de 5,1%, excluindo Enterobius vermicularis. Os helmintas identificados foram: Trichuris trichiura (3,3%), Ascaris lumbricoides (1,9%), ancilostomídeos (1,4%), Strongyloides stercoralis (0,9%) e céstodes (0,5%); a taxa de poliparasitismo foi de 2,8%. As crianças filhas de emigrantes foram a população mais afectada.

Na região de Coimbra, mais recentemente (2008), excluindo também Enterobius vermicularis, a taxa de parasitismo intestinal em idade pediátrica foi inferior a 4%, exclusivamente por Giardia lamblia.

No entanto, a prevalência das parasitoses poderá ser muito diferente de umas regiões para outras, podendo existir focos endémicos e/ou epidémicos em determinadas zonas do país. Por outro lado, o incremento das viagens transcontinentais poderá levar à importação de parasitoses próprias de outras regiões do mundo e, eventualmente, à (re)introdução de algumas delas no País.

Em Portugal, apenas duas parasitoses são doenças de declaração obrigatória: leishmaniose visceral (provocada por protozoário) e equinococose (provocada por helminta). No período de 2008 a 2012, foram registados em Portugal até aos 15 anos de idade, 17 casos de leishmaniose visceral e nenhum caso de equinococose.

O objectivo deste capítulo é abordar, de modo integrado e sucinto, aspectos clínicos de doenças provocadas por protozoários e helmintas.

1. PROTOZOÁRIOS

Nomenclatura e características biológicas

Os protozoários são um tipo muito heterogéneo de organismos unicelulares, com morfologia mais diversificada do que as bactérias, com formas de replicação sexuada ou assexuada, possuindo organelos destinados a funções determinadas; citam-se como exemplos: os pseudópodos, flagelos, cílios ou membranas ondulantes para a locomoção; e pseudópodos ou sistemas pinocitóticos para a ingestão de alimentos. Podem apresentar duas formas: trofozoíto (forma adulta) e latente (quisto). Compreendem seis classes, havendo em todas elas membros que são patogénicos para o Homem. Muitos são saprófitas e, por vezes isolados das fezes humanas (por ex. Entamoeba coli, Endolimax nana). No Quadro 1 são descritas as classes de protozoários patogénicos, com exemplos.

QUADRO 1 – Classificação dos protozoários patogénicos (Classe: alguns exemplos).

Amebae: Entamoeba histolytica, Naegleria, Acanthamoeba, Blastocystis hominis

Ciliados: Balantidium coli

Flagelados: Giardia lamblia, Chilomastix mesnili, Leishmania spp, Trypanosoma spp, Trichomonas vaginalis

Coccidia: Cryptosporidium, Cyclospora, Isospora, Toxoplasma gondii

Sporozoa: Plasmodium spp, Babesia spp

Microsporidia: Enterocytozoon bieneusi, Encephalitozoon spp

Etiopatogénese, síntese clínica e tratamento

No que respeita à localização no organismo, são considerados dois grupos: os protozoários intestinais e os protozoários sanguíneos e teciduais. Nos primeiros, a transmissão faz-se pela via fecal-oral, e nos segundos, através da picada de um insecto vector. A excepção é a tripanossomose americana, cuja transmissão ocorre pela exposição a fezes contaminadas do insecto vector.

Os protozoários mais importantes para a espécie humana estão sistematizados no Quadro 2. A leishmaniose visceral (calazar), a malária, a giardiose, a tripanossomose americana (doença de Chagas) e a pneumocistose são descritas com mais pormenor em capítulos próprios.

QUADRO 2 – Protozoários que parasitam o Homem.

Doença/Parasita Distribuição Transmissão Clínica Tratamento
Amebiose E. histolytica Mundial (endémica em África, América Latina e Índia) Fecal-oral Intestinal: assintomática, diarreia com muco e sangue, tenesmo. Hepática: febre, dor abdominal, hepatomegália dolorosa. Paromomicina, furoato de diloxanida, metronidazol, tinidazol.
Meningoencefalite amebiana Naegleria, Acanthamoeba, Balamuthia Mundial Inalação/aspiração Aguda: cefaleias, náuseas, vómitos, meningite e encefalite. Granulomatosa: défices focais, convulsões, alteração de comportamento e do estado de consciência. Anfotericina B. pentamidina, cetoconazol, flucitosina.
Criptosporidiose Cryptosporidium spp. Mundial Fecal-oral, interpessoal, animal-homem Assintomática, diarreia aquosa, cólicas, fadiga, anorexia, perda de peso. Diarreia crónica em imunodeprimidos. Nitazoxanida, paromomicina com azitromicina.
Giardiose G. lamblia Mundial Fecal-oral Assintomática, diarreia aguda ou crónica, dor abdominal, anorexia, malabsorção, perda de peso, atraso de crescimento. Metronidazol, tinidazol, albendazol, paromomicina.
Leishmaniose visceral Leishmania donovani, Leishmania spp. Regiões tropicais, subtropicais e temperadas Phlebotumus Febre, anorexia, perda de peso, hepatoesplenomegália, anemia, leucopénia, trombocitopénia, hipergamaglobulinémia. Anfotericina B lipossómica, antimoniais pentavalentes, miltefosina.
Leishmaniose cutânea Leishmania spp. Bacia mediterrânica, América do Sul Phlebotumus Mácula, nódulo, úlcera indolor em áreas expostas da pele. Leishmaniose cutânea difusa: rara.
Leishmaniose mucosa Leishmania spp. América do Sul Lutzomya Eritema, edema, epistaxe, úlcera com mutilação do septo nasal, palato, lábios, faringe e laringe.
Malária Plasmodium spp. Região intertropical Anopheles spp. Febre, anemia, disfunção respiratória, alterações do estado de consciência. Derivados da artemisinina, quinino, atovaquona-proguanil cloroquina, primaquina.
Pneumocistose Pneumocystis Mundial Respiratória Febre, tosse, taquipneia, dispneia, hipóxia. TMP-SMX, primaquina + clindamicina.
Toxoplasmose Toxoplasma gondii Mundial Oral Assintomática. Febre, adenopatias, exantema, hepatomegália, coriorretinite. Infecção congénita: assintomática, SGA, prematuridade, icterícia exantema, adenopatias, hepatoesplenomegália, trombocitopénia, convulsões, microcefalia, hidrocefalia, coriorretinite, calcificações cerebrais. Pirimetamina-sulfadiazina, espiramicina, leucovirina.
Tripanossomose africana (Doença do sono) T. b. gambiense T. b. rhodesiense África ocidental Glossina palpalis Cancro de inoculação. Fase hemolinfática: febre, cefaleias, adenopatia cervical posterior, exantema. Fase neurológica: irritabilidade, sonolência e insónia, alterações de comportamento, alucinações, tremor, rigidez, ataxia, caquexia. Pentamidina, suramina, eflornitina, melarsoprol.
África oriental Glossina morsitans
Tripanossomose americana (Doença de Chagas) T. cruzi América do Sul e Central Triatoma, Rhodnius, Panstrongylus Doença aguda: cancro de inoculação (chagoma), febre, adenopatias, hepatoesplenomegália, miocardite, meningoencefalite. Doença crónica: cardiomiopatia, megaesófago, megacólon. Benznidazol, nifurtimox.

2. HELMINTAS

Nomenclatura e características biológicas

A palavra helminta (derivada do Grego helmins significando verme) representa uma classe de parasitas muito complexos. Os helmintas são organismos cujo tamanho varia, de menos de um milímetro (Taenia canis) a vários metros (T. saginata).

Os dois principais grupos de helmintas são: nemátodos (vermes cilíndricos) e platelmintas (vermes achatados). Os nemátodos são parasitas que possuem aparelho digestivo completo e cujos sexos são separados. Na sua maioria, parasitam vertebrados e, alguns deles, o Homem. Como exemplos de nemátodos parasitas de animais (cão, gato, etc.) que acidentalmente infectam o Homem, citam-se Ancylostoma braziliense, Toxocara canis, Toxocara cati. Os platelmintas compreendem duas classes: 1) céstodes; com a forma de fita, são segmentados (segmentos ou proglótides) no estado adulto, desprovidos de tubo digestivo e munidos de órgãos de fixação (ventosas e ganchos) na sua extremidade cefálica (escólex). Cada segmento ou anel é hermafrodita e contém órgãos genitais dos dois sexos. 2) tremátodos; com corpo não segmentado, provido de tubo digestivo sem ânus, têm uma ou mais ventosas. Incluem-se nesta ordem os distómios (fascíolas).

Etiopatogénese, síntese clínica e aspectos gerais do diagnóstico

Os nemátodos, céstodes e tremátodos mais importantes para o Homem estão sistematizados nos Quadros 3, 4, 5, 6 e 7, com referência a aspectos essenciais da etiopatogénese, clínica e tratamento. Duma forma geral não se reproduzem no hospedeiro e a sua transmissão pode ser por via oral, penetração através da pele ou pela picada de um vector.

Sendo os nemátodos os parasitas que mais frequentemente infectam a espécie humana, designadamente os intestinais, é dada ênfase nesta alínea ao referido grupo, descrevendo nas alíneas seguintes aspectos específicos do diagnóstico e tratamento de algumas parasitoses referidas em quadros anteriores.

O verme adulto localiza-se no intestino; no seu ciclo de vida, alguns deles limitam-se ao tubo digestivo (Enterobius vermicularis, Trichuris trichiura), enquanto outros migram através do pulmão (Ascaris lumbricoides, Toxocara), ou através da pele (Ancylostoma duodenale, Necator americanus, Strongyloides stercoralis).

QUADRO 3 – Nemátodos cujo verme adulto reside no intestino.

Doença/Parasita Distribuição Transmissão Clínica Tratamento
Ascaridiose A. lumbricoides Mundial Fecal-oral Assintomática. Pneumonite, febre e eosinofilia (Síndroma de Loffler), obstrução intestinal. Albendazol, mebendazol, pamoato de pirantel.
Ancilostomose A. duodenale, N. americanus Ásia, África, América, Sul da Europa Larva penetra a pele sã Dor e prurido no local da penetração pela pele, dor abdominal, diarreia, anemia, malnutrição.
Enterobiose E. vermicularis Mundial Fecal-oral Assintomática. Prurido anal.
Strongiloidose S. stercoralis Regiões tropicais e subtropicais Fecal-oral, autoinfecção Pápulas pruriginosas, pneumonite, dor abdominal, diarreia, malabsorção, perda de peso, lesões perianais, eosinofilia. Pode ocorrer disseminação em imunodeprimidos. Ivermectina, albendazol, tiabendazol.
Trichuris Trichuris thrichiura Mundial Fecal-oral Dor abdominal, tenesmo, diarreia sanguinolenta, prolapso rectal, anemia, má progressão ponderal. Albendazol, mebendazol, ivermectina.


As filárias são nemátodos que sobrevivem no Homem durante muitos anos produzindo uma enorme quantidade de microfilárias que infectam o mosquito vector aquando da picada. As horas do dia em que estas se encontram no sangue ou em determinadas áreas da pele é diferente nas várias regiões, denotando uma adaptação positiva aos hábitos de picada do vector. O verme adulto não se multiplica no Homem.

Dracunculus medinensis transmite-se pela ingestão do hospedeiro intermediário; a sua erradicação seria possível se fosse utilizada água potável. O Quadro 4 refere-se aos nemátodos cujo verme adulto reside no sangue, sistema linfático ou tecido subcutâneo.

QUADRO 4 – Nemátodos cujo verme adulto reside no sangue, sistema linfático ou tecido celular subcutâneo.

Doença/Parasita Distribuição Transmissão Clínica Tratamento
Filariose linfática Wuchereria bancrofti Brugia malayi Brugia timori Regiões tropicais e subtropicais Culex, Aedes, Anopheles Febre, cefaleias, mialgias, linfadenite recorrente, linfadenopatias, edema progressivo dos membros e genitais (elefantíase). Síndroma da hipereosinofilia pulmonar tropical. Dietilcarbamazina.
Sudoeste da Ásia e Índia
Indonésia, Timor
Loose Loa loa África Central e Ocidental Chrysops spp. Edema migratório (Edema de Calabar), doloroso e pruriginoso, conjuntivite com edema palpebral. Dietilcarbamazina
Oncocercose Onchcerca volvulus África e América Simulium Nódulos subcutâneos, dermatite pruriginosa crónica e generalizada, ceratite, uveíte, coriorretinite e cegueira. Ivermectina
Dracunculose Dracunculus medinensis África Central e Ocidental e subcontinente Indiano Oral (água contaminada com Cyclops) Úlcera dolorosa no pé ou perna provocada pela saída do verme adulto. Extracção do verme, metronidazol, mebendazol.

 

Nalguns casos são as larvas, e não os parasitas adultos, que causam doença no Homem. Este é hospedeiro intermediário e a sua infestação não interfere com o ciclo de vida do parasita. (Quadro 5)

QUADRO 5 – Formas larvares de nemátodos que causam doença no Homem.

Doença/Parasita Distribuição Transmissão Clínica Tratamento
Toxocarose
Toxocara canis,
Toxocara catis
Mundial Fecal-oral Assintomática. Larva migrans visceral: febre, pieira, hepatomegália, anemia, leucocitose, eosinofilia. Larva migrans ocular: perda de visão unilateral, dor ocular, estrabismo, endoftalmite, leucocoria. Albendazol, mebendazol.
Triquinose
Trichinella spiralis
Ásia, África e América Oral (carne crua ou mal cozida) Diarreia, dor abdominal, febre, edema periorbitário, urticária, mialgias, fadiga, dispneia, miocardite. Albendazol, mebendazol.
Larva migrans cutânea
Ancylostoma braziliense,
Ancylostoma caninum
Regiões tropicais e subtropicais Larva penetra na pele sã Pápula no local da penetração e erupção pruriginosa causada pela migração do parasita. Tiabendazol, Mebendazol.

A Figura 1 mostra aspecto de Ascaris lumbricoides eliminada por via rectal.

A Figura 2 mostra um aspecto de dermatite pruriginosa ao nível da nádega numa criança de 6 anos contactando com cães – lesão cutânea de larva migrans provocada por Ancylostoma caninum – edema, rubor e lesão filiforme e serpiginosa provocada pelo avanço subcutâneo da respectiva larva penetrando na pele, proveniente do intestino.

Os tremátodos necessitam dum caracol específico (hospedeiro intermediário) para o seu desenvolvimento, sendo este a principal condicionante da sua distribuição geográfica. As larvas penetram através da pele ou são ingeridas com alimentos migrando até aos locais onde se encontram os parasitas adultos (sangue venoso, intestino, sistema biliar e pulmão). (Quadro 6)

QUADRO 6 – Tremátodos mais importantes que parasitam o Homem.

Doença/Parasita Distribuição Transmissão Clínica Tratamento
Esquistossomose ou Bilharziose Schistosoma mansoni, S. intercalatum, S. japonicum, S. mekongi, S. hematobium Regiões tropicais Larva penetra através da pele sã Dermatite pruriginosa. Forma aguda: febre, arrepios, adenopatias, hepatoesplenomegália, eosinofilia. Forma crónica: disúria, hematúria, uropatia obstrutiva (S. hematobium), dor abdominal, diarreia, hepatoesplenomegália, fibrose hepática com hipertensão portal, hematemeses. Praziquantel, oxamniquina.
Fasciolose Fasciola hepatica Mundial Oral Febre, dor no hipocôndrio direito, icterícia, eosinofilia, hepatomegália, fibrose e cirrose. Triclabendazol.
Paragonimiose Paragonimus spp. Ásia, África, América Central e do Sul Oral Tosse, dispneia, dor torácica, suores nocturnos, hemoptises, fibrose pulmonar. Praziquantel, triclabendazol.

FIGURA 1. Ascaris lumbricoides. (NIHDE)

FIGURA 2. Larva migrans. (NIHDE)

Os céstodes no estado adulto são parasitas do tubo digestivo, vivendo no respectivo lume; no estado larvar fixam-se às vísceras (Quadro 7). Trata-se de parasitas prevalentes em todos os continentes, excepto na zona Antárctica, salientando-se que não existem sinais nem sintomas que se possam atribuir de modo distintivo a qualquer das formas no estádio de adulto, excepto no que toca ao Diphyllobothrium latum. Os estádios intermédios de alguns céstodos tais como Taenia solium e Echinococcus são invasivos e formam estruturas quísticas que produzem lesões em diversos tecidos por efeito de massa ou por reacção inflamatória.

Assim, as formas adultas podem ser facilmente diagnosticadas pelo achado de ovos ou de segmentos destacados nas fezes; para o diagnóstico das formas intermediárias/larvares, dada a sua localização em diversos tecidos, recorre-se a técnicas imagiológicas ou serológicas. (ver adiante)

De modo sucinto, e sem pormenorizar os respectivos ciclos evolutivos, para melhor compreensão das manifestações clínicas (com implicações no tratamento), recordam-se algumas noções fundamentais (cisticercose, hidátide e hidatidose ou doença hidática).

QUADRO 7 – Principais céstodes que parasitam o Homem.

Doença/Parasita Distribuição Transmissão Clínica Tratamento
Teniose Taenia solium, T. saginata, Diphyllobothrium latum, Hymenolepis nana Mundial Oral (porco, vaca, peixe) Assintomática. Astenia, dor abdominal, diarreia, perda de peso, deficiência em vitamina B12 (D. latum).   Praziquantel, niclosamida, nitazoxanida.
Cisticercose T. solium Mundial Fecal-oral Neurocisticercose: cefaleias, mialgias, eosinofilia, “encefalite”, convulsões, hidrocefalia, sinais de hipertensão intracraniana. Medular: radiculopatia, mielite transversa. Ocular: dor, escotomas, visão turva, descolamento da retina. Albendazol, praziquantel.
Hidatidose Echinococcus granulosus, Echinococcus multilocularis Mundial Hemisfério Norte Oral Assintomáticos, desconforto abdominal, náuseas, vómitos, hepatomegália, massa abdominal. Tosse, hemoptises, pleurisia. Hipertensão intracraniana, convulsões, hidrocefalia. Pode ocorrer ruptura ou sobreinfecção bacteriana do cisto. Cada escólex pode originar um novo quisto. Albendazol. Remoção cirúrgica.
  • Cisticercose → Infecção causada por cisticercos (larvas de vermes do género Taenia), que sobrevém após ingestão de ovos embrionados presentes nos alimentos crus (nomeadamente nos legumes contaminados por matérias fecais), cujos embriões, libertados no tubo digestivo, penetram em diversos tecidos e órgãos (olho, cérebro, coração, etc.), provocando lesões graves. Trata-se da forma parasitária mais comum e mais grave do SNC como resultado da infecção com a forma intermediária de solium, o céstode do porco. Este parasita, ao contrário de T. saginata, infecta a espécie humana e invade preferencialmente o SNC. T. solium pode existir também em água ou alimentos contaminados, não necessariamente carne de porco.
  • Hidátide → Fase larvar dos céstodos Echinococcus granulosus ou Echinococcus multilocularis que tem a forma de uma vesícula mais ou menos volumosa, com forma esférica, cheia de líquido incolor, e que contém cabeças/proto-escólexes dos mesmos. (Figura 3)
  • Hidatidose, equinococose ou doença hidática → Zoonose transmitida através de ovos de granulosus ou E. multilocularis existentes no intestino/fezes de animais domésticos/cães, gado, ou selvagens diversos. O Homem é contaminado ingerindo água ou alimentos contaminados com ovos, ou por contacto directo com cães infectados.

Existem duas formas clínicas de doença hidática:

  1. Doença quística hidática por E. granulosus;
  2. Doença alveolar, mais maligna, por E. multilocularis.

Após ingestão, as formas intermediárias penetram no tubo digestivo e, por via sanguínea ou linfática, atingem o fígado, pulmões e, menos frequentemente, outros tecidos. (Figs. 4, 5 e 6)

Nestes tecidos formam-se hidátides durante anos, sendo que o hospedeiro delimita a formação inicial que, entretanto, vai crescendo, formando-se, no caso de E. granulosus, um invólucro fibroso. Interiormente, o parasita produz uma camada celular germinal que produz milhares de parasitas ligados à parede interior da estrutura quística ou flutuando em líquido incolor, aquoso, no seu interior.

Tratando-se de E. multilocularis, a estrutura inicial não é tão delimitada, o que permite que os parasitas cresçam para o exterior, se disseminem nas estruturas vizinhas, tecidos e vasos, e metastizem, conferindo a esta forma clínica, características de malignidade.

Diagnóstico de algumas parasitoses intestinais

Exceptuando nos casos em que o parasita é visualizado, poderá ser necessário recorrer a exames complementares, designadamente laboratoriais, incluindo técnicas de biologia molecular. São referidos aspectos práticos relativamente a alguns parasitas (protozoários e helmintas).

  1. A observação microscópica das fezes permitirá a detecção de ovos, quistos ou trofozoítos. A colheita deve ser feita em três dias consecutivos, idealmente com intervalo de 48 horas, conservando-se as amostras no frigorífico a 4ºC até serem entregues no laboratório. Havendo diarreia, haverá maior probabilidade de detecção de trofozoítos. No caso de suspeita de Ascaris lumbricoides bastará uma amostra.
  2. Enterobius vermicularis pode ser detectado ocasionalmente nas fezes, mas os respectivos ovos em apenas ~ 5% dos casos. A forma mais simples de fazer o diagnóstico é identificar os ovos colocando uma fita-cola sobre a região anal durante a noite (período em que as fêmeas fazem a postura dos ovos); sendo retirada a fita-cola pela manhã, a mesma é colada a uma lâmina de microscópio para se proceder à visualização em microscópio.
  3. Tendo em conta distinguir entre Entamoeba histolytica e E. dispar (esta última mais frequente, mas não invasiva), podem ser utilizadas técnicas PCR ou enzimáticas.
  4. Cryptosporidium: os oócistos podem ser visualizados nas fezes ou na superfície de tecido de biópsia; contudo torna-se necessário proceder a técnicas específicas de coloração (por ex. Ziehl-Neelsen). Há também a possibilidade de utilizar técnicas de imunofluorescência (IFA), imunoenzimáticas (EIA) e de biologia molecular.
  5. Ténias: a visualização das proglótides é sinal patognomónico.
  6. Strongyloides stercoralis: as larvas poderão ser procuradas nas fezes (cultura de larvas durante 1 a 7 dias), no conteúdo duodenal e na expectoração.
  7. A colheita de sangue tem escassa utilidade, sendo clássica a eosinofilia (> 500 eosinófilos/mmc) ou hipereosinofilia (> 1.500 eosinófilos/mmc) associada a helmintíases com envolvimento tecidual. Pode verificar-se anemia por espoliação (por ex. nos casos de ancilostomose, ou por carência de vitamina B12 e folato (por ex. em parasitação por Strongyloides stercoralis).

Tratamento de situações específicas

Nesta alínea, em relação com o tratamento antiparasitário, é dada ênfase às parasitoses adiante discriminadas; de salientar que a giardiose, a doença de Chagas, a leishmaniose visceral e a malária integram capítulos próprios.

Amebiose

Quer se trate de doença invasiva (colite ou abcesso hepático), quer de colonização intestinal assintomática, utiliza-se o seguinte esquema: de início, metronidazol ou tinidazol, seguido de paromomicina ou iodoquinol.

– metronidazol → 35-50 mg/kg/dia, em 3 doses, durante 7-10 dias; – tinidazol → 50 mg/kg/dia, 1 dose, durante 3 dias (na colite), ou 5 dias (no abcesso hepático); – paromomicina → 25-35 mg/kg/dia, em 3 doses, durante 7 dias; – iodoquinol → 30-40 mg/kg/dia, em 3 doses, durante 20 dias.

Criptosporidiose (Cryptosporidium spp)

– nitazoxanida → 100 mg PO, duas doses diárias, (se 1-3 anos de idade), ou 200 mg (se 4-11 anos), ou 500 mg (se > 11 anos), durante período de diarreia; ou

– paromomicina → 25-35 mg/kg/dia, em 3 doses + azitromicina → 10 mg/kg/dia, 1 dose diária, durante 4 semanas, seguindo-se monoterapia com paromomicina durante mais 8 semanas (no contexto de infecção por VIH).

Toxoplasmose adquirida (Toxoplasma gondii)

– pirimetamina → 2 mg/kg/dia (dose de impregnação: 2 dias), seguindo-se 1 mg/kg/dia, (dose máxima de 50 mg/dia) + sulfadiazina (se > 1 ano de idade) → 100 mg/kg/dia (dose máxima de 4 g/dia) + leucovirina → 5-20 mg, 3 vezes/semana, durante 4-6 semanas.

Notas importantes:

    • as formas clínicas tendo como única manifestação linfadenopatias, sem compromisso de órgãos, como globo ocular/coriorretinite, miocárdio/miocardite, não necessitam de tratamento específico;
    • a toxoplasmose congénita é abordada na Parte referente a Perinatologia.

Ascaridiose (Ascaris lumbricoides)

– albendazol → 400 mg PO, dose única; ou
– mebendazol → 100 mg PO, duas doses diárias, durante 3 dias.

FIGURA 3. Aspecto de hidátide. (NIHDE)

FIGURA 4. Hidatidose pulmonar. Opacidade redonda ocupando o ⅓ superior do campo pulmonar esquerdo (Radiografia póstero-anterior). (NIHDE)

FIGURA 5. Hidatidose hepática. Observação de frente (A) e perfil direito (B) do hipocôndrico direito e epigastro permitindo visualizar procidência da parede abdominal por estrutura quística subjacente com superfície lisa palpável. (NIHDE)

FIGURA 6. Imagens redondas de limites bem definidos (estruturas quísticas) no parênquima hepático relacionadas com hidatidose. A) TAC; B) Ecografia. (NIHDE)

Enterobiose (Enterobius vermicularis)

– albendazol → 400 mg PO, dose única (repetir 2 semanas depois); ou
– mebendazol → 100 mg PO, dose única (repetir 2 semanas depois).

Ancilostomose (Ancylostoma duodenale, Necator americanus)

– albendazol → 400 mg PO, dose única; ou
– mebendazol → 100 mg PO, duas doses diárias, durante 3 dias.

Estrongiloidose (Strongyloides stercoralis)

– ivermectina → 200 mcg/kg/dia PO, 1 dose diária, durante 1-2 dias; ou
– tiabendazol → 25 mg/kg/dia PO, 2 doses diárias, até dose máxima de 3 g/dia na síndroma de hiperinfecção durante 7-10 dias.

Tricuriose (Trichuris thrichiura)

– albendazol → 400 mg PO, durante 1-3 dias ; ou
– mebendazol → 100 mg PO, duas doses diárias, durante 3 dias, ou 500 mg PO em dose única; ou
– nitazoxanida → 100 mg PO, duas doses diárias, (se 1-3 anos de idade), ou 200 mg (se 4-11 anos), ou 500 mg (se > 11 anos), durante 3 dias.

Toxocarose (Toxocara canis e Toxocara catis)

– albendazol → 400 mg duas vezes por dia PO, durante 5 dias; ou
– mebendazol → 100-200 mg duas vezes por dia PO, durante 5 dias;
– corticosteróide associado (prednisolona → 1 mg/kg/dia durante 2-4 semanas).

Triquinose (Trichinella spiralis)

– albendazol → 400 mg duas vezes por dia PO, durante 8-14 dias; ou
– mebendazol → 200-400 mg três vezes por dia PO, durante 3 dias, seguindo-se → 400-500 mg três vezes por dia, durante 10 dias.

Larva migrans cutânea (Ancylostoma braziliense e Ancylostoma caninum)

– albendazol → 400 mg PO, durante 1-3 dias; ou
– ivermectina → 200 mcg/kg/dia PO, 1 dose diária, durante 1-2 dias.

Esquistossomose (Schistosoma)

– praziquantel → 40 mg/kg/dia PO, em duas doses diárias, durante 1 dia para S. heamatobium, S. mansoni e S. intercalatum; 60 mg/kg/dia para S. japonicum e S. mekongi.

Fasciolose (Fasciola hepatica)

– triclabendazol → 10-20 mg/kg/dia PO, 1 ou 2 doses diárias até total de 10-15 doses; ou
– bitionol → 30-50 mg/kg/dia PO, dose diária única, em dias alternados, até 10-15 doses.

Paragonimiose (Paragonimus spp)

– praziquantel → 75 mg/kg/dia PO, em três doses diárias, durante 2 dias.

Teniose (Taenia solium, T. saginata, Diphyllobothrium latum, Hymenolepis nana)

– praziquantel → 5-10 mg/kg PO, dose única; ou
– niclosamida → 50 mg/kg PO, dose única.

Cisticercose (Taenia solium)

– albendazol → 15 mg/kg/dia PO em duas doses diárias durante 28 dias, até dose máxima de 800 mg/dia; ou
– praziquantel → 50-100 mg/kg/dia PO em três doses diárias durante 28 dias; poderá equacionar-se a associação a corticóides, iniciados 2-3 dias antes da 1ª dose de praziquantel, e a cimetidina – inibidor do sistema citocrómio P450 – o que poderá contribuir para a eficácia do tratamento.

Hidatidose ou Equinococose (E. granulosus, E. multilocularis)

– albendazol → 15 mg/kg/dia PO, em duas doses diárias, durante 1-6 meses;
– como alternativa ao tratamento cirúrgico de remoção do quisto hidático, e em associação ao tratamento com albendazol, alguns centros aplicam a estratégia, conhecida pela sigla PAIR, nos casos de quistos mais acessíveis (aspiração percutânea, instilação de soro salino hipertónico ou outro agente que provoque destruição do escólex, e re-aspiração).

Notas importantes:

De salientar, que nem todos os parasitas intestinais são patogénicos: 1) Amibas: Entamoeba dispar, Entamoeba coli, Entamoeba hartmani, Entamoeba moshkoushii, E chattoni, Endolimax nana, Iodamoeba buetschilii, Entamoeba gingivalis, Entamoeba polecki; 2) Protozoários flagelados: Trichomonas hominis, Chilomastix mesnili, Embadomonas intestinalis, Enteromonas hominis, Dientamoeba fragilis, Trichomonas tena; 3) Nemátodes: Capillaria hepatica, Dioctophima enale, Dipatelonema streptocerca, Mansonella ozzardi, Syngamus larnygeus, Ternides deminutus.

Prevenção

  1. Os aspectos da prevenção de infecções e infestações descritos noutros capítulos e, designadamente, no Capítulo sobre Viagens, fundamentam-se na interrupção do ciclo epidemiológico; tal é conseguido, essencialmente, através de: medidas de higiene individual, saneamento público básico, controlo de vectores, quimioprofilaxia e uso de vacinas.
  2. No caso especial de crianças imigrantes, provenientes de áreas endémicas para certos parasitas, está indicado o exame parasitológico das fezes, mesmo na ausência de sintomas.
  3. De acordo com recomendações da OMS, apenas nos países com taxas de prevalência de parasitismo intestinal superiores a 20% está indicada a administração profiláctica de rotina com anti-helmínticos (albendazol ou mebendazol). Salienta-se que em Portugal não se justificam as “desparasitações de rotina” se não estiver provado o estado de parasitação do paciente.
  4. A quimioterapia em massa é também uma importante medida de prevenção para parasitoses como a filariose linfática (dietilcarbamazina) e a oncocercose (ivermectina).
  5. Vacinas. Nos últimos anos têm sido feitos progressos no sentido de desenvolver vacinas contra algumas das parasitoses mais importantes (nomeadamente para malária, esquistossomose, leishmaniose, giardiose e helmintíases intestinais). No entanto, com excepção da malária, vacinas eficazes não deverão estar disponíveis nos próximos anos.

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