NUTRIÇÃO PARENTÉRICA NO RECÉM-NASCIDO

Definição e importância do problema

Mesmo que as estratégias ventilatória e antimicrobiana praticadas numa unidade de cuidados intensivos neonatais sejam de excelência, a qualidade assistencial praticada nestas pode considerar-se deficitária se não for dada a devida atenção ao suporte nutricional.

Os recém-nascidos total ou parcialmente impossibilitados de utilizar a via entérica, requerem nutrição parentérica (NP), método em que os nutrientes são administrados por via intravenosa.

Apesar de haver, desde há muito, programas informatizados que auxiliam a prescrição de NP neonatal, as premissas em que assentam os critérios não são muitas vezes consensuais e estão em contínua mudança.

Este capítulo baseia-se nas actuais Recomendações da Sociedade Portuguesa de Neonatologia de 2019, publicadas em Port J Pediatr 2019;50:209-219 (parte I) e Port J Pediatr 2019;50:220-231 (parte II), por sua vez orientadas por recomendações conjuntas de quatro sociedades científicas, publicadas em 2018: European Society of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN), European Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ESPEN), European Society of Pediatric Research (ESPR) e Chinese Society of Parenteral and Enteral Nutrition (CSPEN). No final do mesmo é incluído um Anexo para consulta rápida de doses de nutrientes recomendadas por nutrição parentérica em recém-nascidos pré-termo.

GENERALIDADES

Normas de orientação e recomendações

As recomendações nacionais sobre NP neonatal revistas em 2008 (Acta Pediatr Port. 2008; 39: 125-34), reflectiram-se em assinalável adesão dos neonatologistas e melhoria da prática clínica. Um inquérito sobre as práticas de prescrição, respondido por 72% dos coordenadores de unidades neonatais portuguesas, revelou que 83% das unidades seguiam tais recomendações, 87% iniciavam aminoácidos no primeiro dia pós-natal e 95% iniciavam lípidos nos primeiros três dias pós-natais. Talvez por não haver recomendação nacional similar sobre a preparação de NP neonatal, foram detectados pontos débeis (por ex. controlo de qualidade) noutro inquérito nacional contemporâneo feito aos responsáveis pela sua preparação.

Particularmente para recém-nascidos muito e extremo pré-termo, são revistos aspectos fundamentais relacionados com os critérios de prescrição dos macro e micronutrientes, quer usando a prescrição individualizada com preparação em farmácia hospitalar, quer bolsas comerciais de composição fixa prontas a usar.

Indicações

A NP está indicada sempre que não é possível estabelecer uma nutrição entérica suficiente por período prolongado, nomeadamente nas seguintes situações:

  • Prematuridade, sobretudo < 33 semanas de gestação;
  • Anomalias congénitas principais do aparelho gastrintestinal ou que se reflictam no seu funcionamento, por ex., atrésia do esófago, atrésia intestinal, gastrosquise e hérnia diafragmática;
  • Doenças que atinjam gravemente o tubo digestivo, por ex., enterocolite necrosante e síndroma do intestino curto;
  • Restrição de crescimento intrauterino especialmente associado a prematuridade e a alterações nos achados Doppler;
  • Asfixia perinatal grave;
  • Cardiopatia congénita com compromisso da perfusão visceral e no pós-operatório precoce de cirurgia cardíaca.

Contraindicações e limitações

A NP não deve ser utilizada se houver: desidratação aguda, acidose metabólica mantida, desequilíbrios hidroeletrolíticos e metabólicos persistentes (acidose metabólica e alterações da natrémia, caliémia, glicémia e calcémia), insuficiências renal ou hepática agudas.

Em grande parte das situações associadas a estresse (por ex., cirurgia, sépsis), não está preconizado interromper a NP, mas sim proceder a ajustes individuais.

Formulação das misturas

Geralmente, são usadas misturas binárias de NP, isto é, duas misturas separadas, respectivamente:

  • Uma solução hidroeletrolítica contendo glicose, aminoácidos, eletrólitos e oligoelementos e, outra;
  • Uma emulsão de lípidos e vitaminas.

Por motivos económicos e de conveniência, há autores que propõem que as misturas preparadas em farmácia hospitalar sejam incluídas numa só bolsa (designada por mistura ternária ou “três-em-um”); contudo, tal estratégia está condicionada por alterações na estabilidade e compatibilidade físico-química de vários componentes.

Notas importantes:

    • As noções básicas, que integram este capítulo relacionam-se na sua generalidade com os tópicos anteriormente abordados noutros capítulos sobre balanço hidro-eletrolítico.
    • Todas as doses descritas neste capítulo, de preparados, compostos ou elementos diversos, referem-se a RN de termo ou pré-termo no contexto de nutrição parentérica.

Preparação individualizada e bolsas de composição fixa

Actualmente, na maioria das unidades neonatais portuguesas é usada a prescrição de NP individualizada e preparação em farmácia hospitalar (compounding). A prescrição é geralmente feita com auxílio de suporte informático, procedimento que comprovadamente melhora a eficiência da prescrição, reduz erros de prescrição e poupa muitos cálculos aos prescritores e preparadores. Tal preparação individualizada deve ser centralizada em farmácia hospitalar e preferida em recém-nascidos muito pré-termo com risco acrescido de desequilíbrios metabólicos, como hipo- e hiperglicémia, hipo- e hipernatrémia e hipo- e hipercaliémia.

Recentemente, passaram a ser comercializadas bolsas de NP neonatal de composição fixa, com as vantagens de estarem prontas a usar, serem de fácil armazenamento e terem garantida a estabilidade dos nutrientes.

Estimativa da osmolalidade

A osmolalidade é expressa em mOsm/Kg de água (solvente) e a osmolaridade em mOsm/L de solução (soluto + solvente).

Sendo a osmolalidade obtida por medição e a osmolaridade por cálculo, foi validada por osmometria uma equação simples para estimativa da osmolalidade de soluções de NP neonatal, baseada nas concentrações dos quatro componentes mais influentes: glicose, aminoácidos, fósforo e sódio; as concentrações de glicose e aminoácidos são expressas em g/L, a de fósforo em mg/L e a de sódio em mEq/L: Osmolaridade (mOsm/L) = (aminoácidos x 8) + (glicose x 7) + (sódio x 2) + (fósforo x 0,2) – 50; equação equivalente foi disponibilizada com as concentrações molares de azoto, glicose, sódio e fósforo. A referida equação, que pode ser incorporada em folha de cálculo e em programas informáticos, tem sido sugerida por vários autores, verificando-se boa correlação com as equações propostas pela American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN).

Vias de administração

Na NP binária, a solução aquosa com glicose e aminoácidos é geralmente perfundida utilizando linha individual, à qual se liga a perfusão lipídica por conexão em Y, o mais próximo do local de venopunção ou da inserção de cateter. A opção de administrar NP por via periférica ou por via central depende de vários factores, como a duração prevista da NP, a osmolalidade da solução e a facilidade de acesso de uma via central.

Via periférica

Está indicada quando é prevista NP por período inferior a 2 semanas, existem bons acessos periféricos e bom estado nutricional. São limitações as venopunções frequentes e o suprimento insuficiente de energia e nutrientes, dado que soluções com teor adequado de nutrientes facilmente excedem 900 mOsm/Kg.

Via central

Está indicada quando é prevista NP por período prolongado, utilizando osmolalidade dos componentes em mOsm/Kg: > 900, ou concentração de glicose > 12,5 g/dL na solução final. Mesmo por via central, a osmolalidade não deve ser > 1.700 mOsm/Kg, ou a concentração de glicose não ser > 15 g/dL.

Tipos de cateter mais usados:

  • venoso central, de inserção percutânea periférica (epicutâneo-cava); ou venoso de inserção percutânea central (por ex., na veia subclávia, tipo Arrow®) – se previsão de NP inferior a 2-3 semanas;
  • venoso central, com túnel (eg, tipo Broviac®) – se previsão de NP superior a 2-3 semanas.

Utilizando os vasos umbilicais:

  • veia umbilical, se via periférica não disponível, especialmente em recém-nascidos < 1.000 g e utilização por menos de 5 dias;
  • artéria umbilical, apenas se não houver outra alternativa e se a utilização for inferior a 48 horas.

Heparinização de cateteres

Existe controvérsia sobre a vantagem do uso de heparina para evitar a oclusão de cateteres centrais destinados à administração de NP neonatal. Actualmente, os peritos no âmbito da ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN não recomendam o seu uso profiláctico por rotina. No entanto, de acordo com uma revisão sistemática concluiu-se que havia vantagem da adição de heparina à solução hidroelectrolítica, na dose de 10-15 UI/kg/d.

Um procedimento preventivo alternativo ao uso de heparina por rotina, para promover a permeabilidade de cateteres aplicados intermitentemente, é a sua lavagem (flushing) semanal, com pequenos volumes de soro fisiológico heparinizado (5-10 UI/ml).

De salientar que a heparina não deve ser adicionada às emulsões lipídicas por poder alterar a sua estabilidade.

Armazenamento e filtros

Os dois principais factores que determinam a estabilidade de soluções de NP durante o armazenamento são a temperatura e a exposição à luz.

Segundo um estudo sobre a estabilidade físico-química de soluções binárias de NP neonatal comprovou-se que estas se mantêm estáveis por 4 meses à temperatura de 4-8 ºC.

Todas as soluções de NP devem ser protegidas da luz natural e artificial (incluindo fototerapia), durante o armazenamento e a administração, para reduzir a probabilidade de degradação de algumas vitaminas e a formação de peróxidos de hidrogénio e lipídicos.

Durante a administração é recomendado o uso de filtros de 1,2 micras na administração de misturas ternárias e de 0,22 micras para misturas binárias, a fim de reter micropartículas ou precipitados.

Complicações

As complicações mais frequentemente associadas à NP neonatal incluem: sépsis relacionada com cateter central, oclusão trombótica do cateter central, assim como extravasamento, fractura do cateter central e migração deste.

A doença metabólica óssea e a colestase associada à NP são consequência de pausa alimentar prolongada com dependência de NP exclusiva.

Vigilância clínica e laboratorial

Antropometria: peso (diariamente), comprimento e perímetro cefálico (semanalmente).

Avaliação laboratorial:

  • Na primeira semana pós-natal, diariamente – glicemia, densidade urinária, glicosúria, gasometria no sangue, ionograma sérico e calcémia; e duas a três vezes por semana – hemograma, urémia (BUN) e creatininémia.
  • Após a primeira semana, para além das análises referidas, devem ser avaliadas semanalmente as transaminases, fosfatase alcalina, bilirrubinas total e conjugada, γ-glutamil transpeptidase, albuminémia e trigliceridémia.

Para evitar a espoliação excessiva em recém-nascidos muito pré-termo estáveis, a periodicidade do controlo analítico pode ser menos frequente.

PRESCRIÇÃO INDIVIDUALIZADA

Líquidos

QUADRO 1 – Suprimento diário de líquidos (mL/kg), desde a primeira semana pós-natal.

Dia pós-natalD1D2D3D4D5≥ D6
Termo40-6050-7060-8060-100100-140140-170
Pré-termo ≥ 1.500 g60-8080-100100-120120-140140-160140-160
Pré-termo < 1.500 g80-100100-120120 -140140-160160-180140-160


Considerações:

  • Nos primeiros dias pós-natais, os principais determinantes do balanço hídrico no recém-nascido muito pré-termo são a oligúria relativa e a perda transepidérmica de água. Para não exceder o suprimento hídrico recomendado, é necessário contrariar a perda transepidérmica providenciando humidade ambiente de 80-90% e ambiente de termoneutralidade, preferencialmente em incubadora de dupla parede.
  • A humidade deve ser diminuída rapidamente a partir dos 5 dias pós-natais, para evitar o risco de infecção. Uma estratégia complementar é utilizar cobertor de plástico. A seguir à fase de oligúria relativa, segue-se outra de diurese e natriurese, sendo desejável que o recém-nascido muito e extremo pré-termo perca 7-10% do peso de nascimento.
  • Embora seja controverso, poderá ser necessário aumentar o suprimento de líquidos (não mais do que 10% das necessidades basais) se for usada incubadora aberta ou fototerapia.
  • Parâmetros orientadores da prescrição:
    • Densidade urinária – é desejável que se situe entre 1005-1010;
    • Natrémia – na primeira semana pós-natal reflecte essencialmente o estado de hidratação (a hiponatrémia indica hiperidratação, e a hipernatrémia desidratação);
    • Diurese – é desejável que se situe entre 1-3 mL/kg/h, considerando oligúria o valor < 0,5-1 mL/kg/h e poliúria > 6-7 mL/kg/h;
    • Evolução ponderal – nos primeiros dias pós-natais, reflete o estado de hidratação.

Energia

QUADRO 2 – Suprimento diário (kcal/kg) de energia recomendado.

D <> Dia vida

Dias pós-nataisD 1D 2-6≥ D 7
Termo4060-8090-100
Pré-termo45-5560-8090-120

Considerações:

  • O suprimento energético excessivo aumenta o risco de acumulação exagerada de massa gorda; o suprimento insuficiente predispõe à restrição de crescimento, compromisso do neurodesenvolvimento e alteração da imunidade.
  • Idealmente, a glicose deve contribuir com 45-55% da energia total, os lípidos com 30-40% e os aminoácidos com 10-15%; os lípidos não devem exceder 40-60% da energia não-proteica.
  • Um grama (1 g) de glicose fornece 4 kcal; um grama (1 g) de aminoácidos fornece igualmente 4 kcal; e um grama (1 g) de lípidos fornece 9 kcal.

Glicose

QUADRO 3 – Suprimento diário (mg/kg/min) de glicose recomendado

    • Início: termo 2,5-5 mg/kg/min; pré-termo 4-8 mg/kg/min
    • Posteriormente, deve-se aumentar gradualmente 1-2 mg/kg/min, ajustando a dose para manter glicemia entre 45-120 mg/dL
    • Dose mínima: termo 2,5 mg/kg/min (3,6 g/kg/d) e pré-termo 4 mg/kg/min (5,8 g/kg/d)
    • Dose máxima 12 mg/kg/min (17,3 g/kg/d) no termo e pré-termo


Considerações:

  • A dose máxima recomendada de glicose é de 12 mg/kg/min (17,3 g/Kg/d). Um suprimento exagerado de glicose pode promover a lipogénese e excessivo armazenamento de gordura, aumento da susceptibilidade a infecções e retinopatia da prematuridade.
  • Situações como estresse, infecção e medicação com metilxantinas podem predispor a hiperglicemia. Na fase aguda de doença (por ex, sépsis), o suprimento de glicose não deve exceder 5-7 mg/kg/min no primeiro dia de doença.
  • Em caso de hiperglicemia (>145 mg/ dL), a dose de glicose deve ser diminuída; poderá também ser necessário diminuir a de lípidos pelo seu efeito hiperglicemiante mediado pela neoglicogénese.
  • O uso de insulina deve ser apenas considerado se a hiperglicemia persistir apesar de de o suprimento de glicose ser reduzido para 4 mg/kg/min, e/ou se a glicemia se mantiver >180 mg/dL.

Parâmetros orientadores da prescrição:

  • Glicemia venosa ou capilar: hiperglicemia se >145 mg/dL e hipoglicemia se <40 mg/dL.
  • Pesquisa de glicosúria (fitas reagentes).

Aminoácidos

QUADRO 4 – Suprimento diário (g/kg) de aminoácidos recomendado.

Dias pós-nataisD 1≥ D 2Máximo
Termo> 1,52,5-3,03,0
Pré-termo> 1,52,5-3,53,5


Considerações:

  • A administração parentérica de aminoácidos é considerada menos fisiológica que a entérica, por ser feita directamente para a circulação sistémica, sem passar pelo metabolismo hepático e esplâncnico.
  • O suprimento de energia não-proteica > 65 kcal/kg/d promove a retenção azotada; contudo, se tal suprimento for inferior não se deve limitar a dose de aminoácidos, uma vez que a quantidade que não é utilizada para a retenção azotada é oxidada para produção de energia.
  • Em recém-nascidos pré-termo, o início precoce de aminoácidos, estimulando a secreção endógena de insulina, poderá contribuir para prevenir a hiperglicé

Parâmetros orientadores da prescrição:

  • Urémia e azoto ureico (BUN): valores de referência 5,5-22 mg/dL. O valor da urémia equivale a 2,14 do valor de BUN (por ex., 20 mg/dL de urémia equivalem a 9,3 mg/dL de BUN). O azoto ureico constitui um bom indicador do suprimento proteico, exceptuando nos primeiros dias pós-natais, muito influenciados pelo estado de hidratação e função renal. Um valor baixo de BUN indica suprimento insuficiente; todavia, um valor no limiar superior poderá apenas reflectir uma eficiente oxidação dos aminoácidos e não sua intolerância.

Lípidos

QUADRO 5 – Suprimento diário (g/kg) de lípidos recomendado.

    • Início com 1-2 g/kg desde o primeiro dia pós-natal
    • Aumento diário de 0,5-1 g/kg até ao máximo de 4 g/kg
    • Administrar por perfusão contínua durante as 24 h

 

Considerações:

  • As emulsões lipídicas são uma boa fonte de energia, de ácidos gordos essenciais e de substracto para acréscimo de gordura em recém-nascidos muito pré-termo com escassa reserva adiposa fetal.
  • É necessária a dose mínima de 1 g/kg/d para evitar o défice de ácidos gordos essenciais que ocorre ao fim de 72 h sem suprimento exógeno, usando as actuais emulsões lipídicas. Idealmente, a emulsão lipídica deve conter ácidos gordos n-6 e n-3 (óleo de peixe), substâncias com boa capacidade antioxidante (por ex., α–tocoferol e ácidos gordos monoinsaturados) e, porventura, ácidos gordos de cadeia média (menos dependentes da carnitina).
  • Embora os recém-nascidos pré-termo sejam deficitários em carnitina (que facilita o transporte dos ácidos gordos para o interior da mitocôndria onde são oxidados), com a sua suplementação não foram verificadas vantagens.
  • Uma vez que as emulsões lipídicas são iso-osmolares, podem ser administradas por via periférica.
  • Especialmente em recém-nascidos pré-termo, todo o sistema de perfusão (seringa, tubos) da emulsão lipídica deve estar protegido da luz, em especial da fototerapia, para evitar a formação de peróxidos de lípidos e de hidrogénio e consequente lesão celular.
  • Receios não comprovados do uso parentérico de lípidos, não se aconselhando a limitação da sua administração: 1) Não está comprovado que predisponha à doença pulmonar crónica ou à retinopatia da prematuridade; 2) Na trombocitopénia, admite-se que outros cofactores são responsáveis pelos efeitos adversos atribuídos aos lípidos, como o défice de vitamina E (responsável pela redução do número de plaquetas) e a administração de heparina (interferindo com a função plaquetar); 3) Estudos in vitro e in vivo não demonstraram claramente que os lípidos endovenosos interferem negativamente no sistema imune, nomeadamente na actividade dos monócitos; e 4) A utilização de lípidos endovenosos pode predispor à sépsis por Staphylococcus coagulase negativo e Candida; contudo, as vantagens nutricionais da sua utilização são francamente superiores aos riscos.
  • Na hiperbilirrubinémia não conjugada, na fase aguda de sépsis, na hipertensão pulmonar e na trombocitopénia grave e não explicada, poderá ser necessário reduzir a dose dos lípidos, porventura para 1 g/Kg/d para evitar o défice de ácidos gordos essenciais.

Parâmetro orientador da prescrição:

  • Trigliceridémia: não deve exceder 265 mg/dL.

Sódio

QUADRO 6 – Suprimento diário de sódio (mEq/kg) recomendado.

Pode vir a necessitar: a 3 mEq/kg/d; b 7 mEq/kg/d
Dias pós-nataisD 1-3D 4 e 5D ≥6
Termo0-21-32-3
Pré-termo ≥ 1.500 g0-2 a2-53-5
Pré-termo < 1.500 g0-2 a,b2-5 b3-5 b

Considerações:

  • Sódio (Na): 1 mmol = 1 mEq = 23 mg.
  • Em recém-nascidos pré-termo, nos primeiros dias pós-natais deve permitir-se o balanço negativo fisiológico de sódio, sob pena de predispor à morbilidade, nomeadamente persistência do canal arterial e displasia broncopulmonar. Embora alguns autores tenham descrito que a administração de sódio por NP desde o primeiro dia pós-natal não se associa a hipernatrémia, a maioria das sociedades científicas recomenda que se protele a sua administração ou não se exceda 2 mEq/Kg/d até que ocorra perda de > 6% do peso ao nascer, que indica o estabelecimento de natriurese suficiente. Tal interpretação pode ser enviesada se a diminuição de peso resultar da perda transepidérmica de água (e não da natriurese), por não ter sido providenciada a adequada de humidade ambiente.
  • Durante a primeira semana pós-natal, a natrémia reflecte o estado de hidratação; posteriormente, indica também a reserva de sódio. A hipernatrémia nos primeiros dias pós-natais pode resultar de desidratação por exagerada perda transepidérmica de água ou de inadequado suprimento de sódio. A hiponatrémia pode resultar de hemodiluição por oligúria, perda renal no caso de recém-nascidos muito pré-termo, ou do uso de diuréticos e cafeína.
  • Se as necessidades de sódio forem superiores às recomendadas, o suprimento basal deve ser fornecido por NP e o suplementar por perfusão independente em Y de solução com sódio, usando por exemplo NaCl 20% (1 ml = 3,4 mEq); este método permite ajustar de forma conveniente a dose em função da natrémia.

Parâmetro orientador da prescrição:

  • Natrémia: valores de referência 135-145 mEq/L.
  • Sódio urinário: uma amostra de urina com Na < 20 mEq/L associada a hiponatrémia ou uma excreção fraccionada de sódio (FENa) < 3% em recém-nascidos de termo ou < 4% em recém-nascidos pré-termo, indica depleção da volémia.

Cloro

QUADRO 7 – Suprimento diário de cloro (mEq/Kg) recomendado.

Dias pós-nataisD 1-3D 4-5D ≥ 6
Termo e Pré-termo0-32-52-5


Considerações:

  • Cloro (Cl): 1 mmol = 1 mEq = 35,5 mg.
  • O suprimento de cloro geralmente acompanha o de sódio e a dose não deve exceder a de sódio e de potássio para evitar a acidose metabólica hiperclorémica.
  • Em recém-nascidos muito e extremos pré-termo, o suprimento excessivo de cloro associa-se à acidose metabólica hiperclorémica (> 114 mEq/L). Isto pode ser prevenido ou resolvido substituindo parcialmente o cloro por acetato.

Parâmetros orientadores da prescrição:

  • Cloremia: valores de referência 96-106 mEq/L.
  • Gases no sangue: para vigilância de acidose.

Potássio

QUADRO 8 – Suprimento diário de potássio (mEq/Kg) recomendado.

Iniciar ≥ D2 se diurese ≥ 1 ml/kg/h
Necessidades de acordo com a maturidade e peso  

    • Termo: 1-3 mEq/kg
    • Pré-termo ≥ 1.500 g: 1-3 mEq/kg
    • Pré-termo < 1.500 g: 1-2 mEq/kg


Considerações:

  • Potássio (K): 1 mmol = 1 mEq = 39 mg.
  • Embora alguns autores refiram que a administração de potássio por rotina desde o primeiro dia pós-natal não se associa hipercaliémia, as sociedades científicas recomendam que seja iniciada a sua administração apenas quando se verificar diurese ≥ 1 ml/kg/h, na ausência de hipercaliémia.
  • Em recém-nascidos ventilados, as alterações súbitas da caliémia podem resultar de variações do equilíbrio ácido-base: a acidose metabólica com acidémia associa-se à hipercaliémia e a alcalose metabólica à hipocaliémia.
  • A hipercaliémia em particular pode ocorrer associada ou não a oligúria. A hipercaliémia não-oligúrica pode ocorrer na presença de hematoma, hemólise e falta de administração de corticóides pré-natais em recém-nascidos muito pré-termo. Nestes, a hipocaliémia pode resultar de suprimento insuficiente face à elevada demanda, perda renal ou uso de diuréticos e cafeína.
  • Se as necessidades de potássio forem superiores às recomendadas, o suprimento basal deve ser fornecido por NP e o suplementar por perfusão independente em Y de solução com potássio, usando por exemplo KCl 7,5% (1ml = 1 mEq); este método permite ajustar de forma conveniente a dose em função da caliémia.

Parâmetros orientadores da prescrição:

  • Caliémia: valores de referência 3,5-4,5 mEq/L.
  • Diurese.

Cálcio e Fósforo

Quadro 9 – Suprimento diário (mg/Kg) de cálcio e fósforo recomendado.

 TermoPré-termo
1ª semana pós-natal
Pré-termo
> 1ª semana pós-natal
Cálcio   
mg/kg30 – 6032 – 80100 – 140
mmol/kg0,8 – 1,50,8 – 2,02,5 – 3,5
Fósforo   
mg/kg20 – 4031 – 6277 – 108
mmol/kg0,7 – 1,31,0 – 2,02,5 – 3,5
Ratio Ca:P   
mg:mg1,3 – 1,71,31,3 – 1,7
molar1,0 – 1,31,01,0 – 1,3

 

Considerações:

  • Cálcio (Ca): 1 mmol = 2 mEq = 40 mg; Fósforo (P): 1 mmol = 31 mg; a valência do fósforo varia conforme esteja na forma de fosfato monobásico ou dibásico.
  • Utilizando a ratio Ca:P de mg:mg 1,7:1 (molar 1,3:1) antes recomendada em recém-nascidos muito pré-termo, era frequente ocorrer hipercalcémia, hipofosforémia e hipocaliémia em presença de doses recomendadas de aminoácidos (> 2,5 g/kg/d). Isto era devido ao crescimento celular induzido pelo adequado suprimento de aminoácidos, o que originava a mobilização intracelular de potássio e fósforo, consequente hipocaliémia e hipofosforémia, com mobilização óssea de cálcio em resposta à hipofosforé Mulla et al (2017) demonstraram que, em recém-nascidos muito pré-termo, a utilização da ratio Ca:P mg:mg de 1,3:1 (ou equimolar de 1:1), à custa do aumento da dose de fósforo, obvia o problema.
  • Na actual recomendação da ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEM são propostas doses muito elevadas de cálcio e fósforo em recém-nascidos pré-termo (Quadro 9), o que levanta preocupações quanto à sua compatibilidade, estabilidade e risco de precipitação. Para que a segurança esteja garantida, será necessário testar tais doses associadas a diferentes tipos e concentrações de soluções de aminoácidos, diferentes sais de fosfato e diferentes pH das soluções finais, o que parece não ter sido ainda totalmente analisado. São factores determinantes da boa compatibilidade de cálcio e fósforo nas soluções de NP a utilização de sais orgânicos de cálcio e fósforo e pH < 7,1 na solução final, que promove a formação de fosfato de cálcio dibásico (60 vezes mais compatível que o monobásico). Não estando provada cientificamente a garantia de compatibilidade e estabilidade mineral usando as tais doses elevadas (Quadro 9), será preferível adoptar, pelo menos de início, os valores descritos por Mulla et al (2017): cálcio 88-90 mg/kg/d, fósforo 68-70 mg/kg/d e ratio Ca:P molar de 1 (ou de 1,3:1 em mg).
  • Ao optar-se por administrar fósforo nos primeiros dias pós-natais, importa contabilizar a quantidade apreciável de sódio contida na maioria dos sais de fósforo, por ex. 2 mEq de sódio por 1 ml de glicerofosfato de sódio.
  • Soluções com elevada concentração de cálcio devem ser administradas por cateter central, pelo risco de necrose tecidual quando há extravasamento ao ser usada a via periférica.

Parâmetros orientadores da prescrição:

  • Fosforémia e fosfatase alcalina: não há marcadores bioquímicos precoces confiáveis de doença metabólica óssea da prematuridade. No entanto, de entre os marcadores bioquímicos mais usados, a hipofosforémia (< 5,5 mg/dL ou < 1,8 mmol/L) e a elevação da fosfatase alcalina (> 900 UI/L), particularmente a combinação de ambos, são os marcadores com maior sensibilidade e especificidade, sendo a calcémia um mau marcador.

Magnésio

QUADRO 10 – Suprimento diário de magnésio recomendado.

 TermoPré-termo
1ª semana pós-natal
Pré-termo
> 1ª semana pós-natal
Magnésio   
mg/kg2,4 – 5,02,0 – 5,05,0 – 7,5
mmol/kg0,1 – 0,20,1 – 0,20,2 – 0,3
mEq/kg0,2 – 0,40,2 – 0,40,4 – 0,6


Considerações:

  • Magnésio (Mg): 1 mmol = 2 mEq = 24 mg.
  • A suplementação parentérica de magnésio só deve ser iniciada se a magnesiémia estiver dentro dos limites normais, especialmente em recém-nascidos pré-termo nos primeiros dias pós-natais, quer pela baixa taxa de filtração glomerular e limitada capacidade da sua excreção renal, quer por possível exposição pré-natal a sulfato de magnésio usado como tocolítico.

Parâmetro orientador da prescrição:

  • Magnesiémia – valores de referência para recém-nascidos de termo e pré-termo 0,7-1,5 mEq/L.

Vitaminas hidrossolúveis

QUADRO 11 – Suprimento diário de vitaminas hidrossolúveis recomendado para recém-nascidos de termo e pré-termo.

VitaminaDose/kg
Vitamina C (ácido ascórbico), mg15 – 25
Tiamina (vitamina B1), mg0,35 – 0,5
Riboflavina (vitamina B2), mg0,15 – 0,2
Piridoxina (vitamina B6), mg0,15 – 0,2
Niacina (nicotinamida ou vitamina B3), mg4,0 – 6,8
Vitamina B12 (cobalamina), μg0,3
Ácido pantoténico (vitamina B5), mg2,5
Biotina (vitamina B7), μg5,0 – 8,0
Ácido fólico, μg56


Considerações:

  • Embora a dose parentérica ideal da maioria das vitaminas hidrossolúveis não tenha sido determinada em recém-nascidos, o Quadro 11 indica as doses recomendadas.
  • As vitaminas hidrossolúveis devem ser administradas diariamente e adicionadas à emulsão lipídica para aumentar a sua estabilidade.
  • Sugerido o produto Soluvit N® (Fresenius Kabi) na dose diária de 1 ml/kg, contendo cada 1 ml: vitamina C 10,0 mg, tiamina 0,25 mg, riboflavina 0,36 mg, niacina 4,0 mg, piridoxina 0,40 mg, vitamina B12 0,5 μg, ácido pantoténico 1,50 mg, biotina 6,0 μg e ácido fólico 40 μ

Vitaminas lipossolúveis

QUADRO 12 – Suprimento diário de vitaminas lipossolúveis recomendado em recém-nascidos de termo e pré-termo.

a máximo 11 mg/dia; b as soluções multivitamínicas actuais fornecem dose superior
VitaminaTermoPré-termo
Vitamina A (retinol)
UI150-300/kg ou 697/dia227-455 ou 700-1.500/kg/dia
μg2.300/dia227-455/kg
Vitamina D (calciferol)
UI40-150/kg ou 400/dia80-400/kg ou 200-1.000/dia
Vitamina E (a-tocoferol)
UI2,8-3,5/kg/dia2,8-3,5/kg/dia
mg2,8-3,5/kg/dia a2,8-3,5/kg/dia a
Vitamina K, (fitomenadiona)
μg10/kg/dia b10/kg/dia b

Considerações:

  • Vitamina A 1 μg = 3,33 UI; Vitamina D 1 μg = 40 UI; Vitamina E 1 mg = 1 UI.
  • As vitaminas lipossolúveis devem ser administradas diariamente e adicionadas à emulsão lipídica para aumentar a sua estabilidade.
  • A dose de vitamina K1 fornecida pela solução de vitaminas lipossolúveis pressupõe que esta tenha sido administrada no primeiro dia pós-natal para prevenção da doença hemorrágica do recém-nascido.
  • Sugerido o produto: Vitalipid N Infantil® (Fresenius Kabi): se peso < 2,5 kg, a dose diária é de 4 ml/kg; se peso ≥ 2,5 kg, a dose diária máxima é de 10 ml. Cada 1 ml de Vitalipid N Infantil® (Fresenius Kabi), contém: vitamina A 69 μg (230 UI), vitamina D2 1 μg (40 UI), vitamina E 0,64 mg (0,70 UI) e vitamina K1 20 μ

Oligoelementos

QUADRO 13 – Suprimento diário (μg/kg) de oligoelementos recomendado.

Oligoelemento Termo Pré-termo
Zinco 250 400 – 450
Cobre 20 40
Selénio 2 – 3 7
Crómio 0 0
Manganês 1 1
Molibdénio 0,25 1
Iodo 1 – 10 1
Ferro 50 – 100 200


Considerações:

  • A transferência mãe-feto quantitativamente mais elevada dos oligoelementos ocorre no terceiro trimestre. Embora a dose parentérica da maioria dos oligoelementos não tenha sido determinada em recém-nascidos pré-termo, o Quadro 13 indica as doses recomendadas.
  • O zinco deve ser administrado desde o início da NP exclusiva. As soluções correntes de oligoelementos incluem manganês e molibdénio, cuja suplementação parentérica só está recomendada se a NP for superior a duas semanas. As soluções de NP estão geralmente contaminadas com alumínio e crómio, o que perfaz as necessidades, não sendo necessária a sua suplementação parentérica.
  • Para evitar a toxicidade, na colestase e na insuficiência hepática, as doses de cobre e manganês devem ser reduzidas. Na insuficiência renal aguda, deve ser reduzida a dose de selénio.
  • Sugerido suplementar com gluconato de zinco 0,1% (1 ml = 1000 µg de zinco) desde o início da NP. A partir das 2 semanas de NP, pode usar-se a solução completa de oligoelementos, por ex., Peditrace® (Fresenius Kabi) 1 ml/kg, contendo cada 1 ml (μg): Zn 250, cobre 20, manganês 1, selénio 2, iodo 1 e flúor 57. Em recém-nascidos pré-termo, torna-se necessário adicionar gluconato de zinco 0,1% para perfazer a dose recomendada de zinco.

 BOLSAS COMERCIAIS PRONTAS A USAR 

Como alternativa à prescrição individualizada de NP com preparação em farmácia hospitalar (em condições de assepsia, aquando da mistura dos componentes, sob câmara de fluxo laminar), passaram a estar disponíveis bolsas comerciais de NP neonatal de composição fixa e prontas a usar. Entre as suas potenciais vantagens, incluem-se: – melhoria da estabilidade físico-química das soluções, – maior garantia quanto à mistura e suprimento de macro e micronutrientes, – melhor custo-efectividade, – redução dos erros de prescrição e da contaminação bacteriana, – e disponibilidade dum produto durante 24 horas, em qualquer dia da semana, sem a dependência dos serviços farmacêuticos.

Por estes motivos, as ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEM recomendam a utilização destas bolsas, preferindo-as relativamente à prescrição e preparação individualizada em farmácia hospitalar, inclusive para recém-nascidos pré-termo, desde que estes estejam em condições de estabilidade, e as referidas bolsas sejam usadas por períodos inferiores a 2-3 semanas, com a devida monitorização laboratorial.

Contudo, tal modalidade não deve ser usada em recém-nascidos muito e extremo pré-termo com risco de desequilíbrio metabólico, como hipo- e hiperglicémia, hipo- e hipernatrémia e hipo- e hipercaliémia, tendo em consideração, em tal contexto, a necessidade de serem ajustados, para correcção, os suprimentos de macro e micronutrientes até à estabilização metabólica.

Em Portugal, encontram-se comercializadas as bolsas de NP neonatal prontas a usar Numeta® (Baxter), tendo as Pediaven NN® (Fresenius Kabi) a autorização de introdução no mercado, cedida pelo INFARMED.

Bolsas Numeta® (Baxter)
Segundo o fabricante, a Numeta G13%E® (Baxter), está indicada em recém-nascidos pré-termo e a Numeta G16%E® (Baxter) nos de termo.

Trata-se de bolsas tricompartimentadas, contendo respectivamente solução de glicose, solução de aminoácidos com eletrólitos e emulsão de lípidos. No momento da administração, activa-se a remoção do selo entre os compartimentos de glicose e de aminoácidos/eletrólitos e, ao pretender administrar-se também lípidos, activa-se a remoção do selo do respectivo compartimento.

As soluções Numeta® (Baxter) não contêm vitaminas nem oligoelementos, os quais devem ser adicionados quando se decide a sua administração.

SITUAÇÕES PARTICULARES

Sépsis

Na fase aguda da sépsis pode ocorrer hiperglicémia por aumento da resistência à insulina e hipertrigliceridémia por elevação das catecolaminas e cortisol e diminuição da actividade da lipoproteína lípase.

Ao complicar-se com trombocitopénia, não há comprovação de que os lípidos endovenosos diminuam o número ou função das plaquetas; admite-se que tais factos sejam devidos respectivamente a défice de vitamina E e à perfusão de heparina.

Na fase aguda da sépsis, não está demonstrado que haja maior necessidade de aminoácidos, anotando-se que o excesso de nutrientes na fase catabólica pode ser contraproducente.

Actuação prática

  1. A glicose deve ser a fonte energética preferencial; se ocorrer hiperglicémia (> 145 mg/dL), o suprimento de glicose deve ser reduzido, se necessário até 2,5 mg/kg/min no recém-nascido de termo e 4 mg/kg/min no pré-termo.
  2. Se ocorrer hipertrigliceridémia (> 265 mg/dL), o suprimento de lípidos deve ser reduzido, se necessário para 1 g/kg/d para evitar o défice de ácidos gordos essenciais.
  3. Na fase aguda da sépsis deve ser garantido o suprimento de, pelo menos, 60 kcal/kg/d e 2,5 g/kg/d de aminoácidos.

Colestase

No recém-nascido, a colestase associada à NP é multifactorial, sendo factores independentes a duração da NP e a dose elevada de glicose, e não a dose de lípidos ou de aminoácidos.

Quanto aos componentes das emulsões lipídicas, admite-se que o elevado teor em fitoesteróis e ácidos gordos n-6 e o baixo teor em a-tocoferol predispõem à colestase associada à NP, enquanto o elevado teor em óleo de peixe tem efeito de protecção.

Por outro lado, deve ter-se em conta a potencial toxicidade do cobre e manganês na colestase, pela dificuldade da sua excreção pela bílis.

Como forma de prevenir ou mitigar a colestase associada à NP (bilirrubina conjugada > 2 mg/dl), descreve-se a seguir a:

Actuação prática

  1. Reduzir a dose de glicose, porventura para níveis que não excedam a sua capacidade oxidativa (8,3 mg/kg/min).
  2. Aumentar a nutrição entérica e reduzir/suspender a NP logo que possível.
  3. Preferir emulsões lipídicas que contenham óleo de peixe e a-tocoferol.
  4. Conforme a gravidade da colestase, suspender ou reduzir a solução de oligoelementos por conterem cobre e manganês.

Hiperbilirrubinémia não conjugada

Em recém-nascidos pré-termo, há controvérsia sobre a possibilidade de os ácidos gordos livres resultantes da hidrólise dos triglicéridos deslocarem a bilirrubina ligada à albumina, elevando a fracção livre de bilirrubina para níveis neurotóxicos. Tal parece não ocorrer se a ratio molar ácidos gordos livres:albuminénia for < 6; ou seja, será menos provável se os níveis de albuminénia estiverem dentro dos limites de referência.

A actuação prática consiste em recém-nascidos pré-termo, reduzir a dose de lípidos se bilirrubinémia não-conjugada for > 10 mg/dL

Hipertensão pulmonar

Em recém-nascidos de termo e pré-termo, a perfusão endovenosa de lípidos pode agravar a hipertensão pulmonar, com efeito dependente da dose e do tempo.

A actuação prática consiste, dependendo da gravidade da hipertensão pulmonar, em suspender temporariamente os lípidos, ou diminuir o respectivo suprimento até 1 g/kg/d.

Grande cirurgia

Nos recém-nascidos submetidos a grande cirurgia, devidamente anestesiados e analgesiados, há necessidade de ligeiro acréscimo do suprimento energético (cerca de 15%) no pós-operatório imediato (cerca de 4 h após a cirurgia). Durante este período, também está comprovado que o turnover proteico não aumenta significativamente.

Como actuação prática refere-se que no pós-operatório, inclusive imediato, não há necessidade de aumentar o suprimento energético-proteico se a analgesia for adequada.

ANEXO: Consulta rápida – Doses diárias em recém-nascidos pré-termo.

 1º dia pós-natalIncremento diárioMáximo
* Enquanto não houver estudos suficientes que garantam a compatibilidade e estabilidade mineral usando doses superiores.
Líquidos (ml/kg/d)60 – 100
humidade 80-90%
10 – 15160 – 180
Energia (kcal/kg/d)45 – 5590 – 120
Glicose (mg/kg/min)4 – 8q.b. para glicémia
45-120 mg/dL
12
 Aminoácidos (g/kg/d)> 1,50,5 – 13,5
 Lípidos (g/kg/d)1 – 20,5 – 14
 Na (mEq/ kg/d)0 – 2
após perda > 6% peso nascimento
3 – 5
(até 7)
 Cl (mEq/kg/d)Idêntica ao NaIdêntica ao Na
 K (mEq/kg/d)1 – 3
após diurese > 1 mL/Kg/h
1 – 3
 Ca (mg/kg/d)32 – 80100 – 140
(*ou 88 – 90 mg/kg/d, máximo 68 mg/dL)
 P (mg/kg/d)Dividir dose Ca por 1,3Dividir dose Ca por 1,3Dividir dose Ca por 1,3
 Mg (mEq/kg/d)0,2 – 0,40,4 – 0,6
Vitaminas hidrossolúveis (ml/kg/d)
(Soluvit N Infantil ®)
11
Vitaminas lipossolúveis (ml/kg/d)
(Vitalipid N Infantil®)
1 – 214
 Oligoelementos
< 2 semanas NP
≥ 2 semanas NP


Zn 400 – 450 µg/kg/d




Zn 400 – 450 µg/kg/d
Peditrace® 1 ml/kg/d + Zn (para perfazer 400-450 µg/kg/d)

BIBLIOGRAFIA

Bolisetty S, Osborn D, Sinn J, Lui K, and the Australasian Neonatal Parenteral Nutrition Consensus Group. Standardised neonatal parenteral nutrition formulations – an Australasian group consensus 2012. BMC Pediatr 2014; 14: 48

Bonsante F, Iacobelli S, Latorre G, et al. Initial amino acid intake influences phosphorus and calcium homeostasis in preterm infants – It is time to change the composition of the early parenteral nutrition. PLoS One 2013; 8:1-9

Bronsky J, Campoy C, Braegger C; the ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN working group on pediatric parenteral nutrition. ESPGHAN/ESPEN/ESPR guidelines on pediatric parenteral nutrition: Vitamins. Clin Nutr 2018; 37: 2366-2378

Darmaun D, Lapillonne A, Simeoni U, et al.; Committee on Nutrition of the French Society of Pediatrics (CNSFP), and French Society of Neonatology (SFN). Parenteral nutrition for preterm infants: Issues and strategy. Arch Pediatr 2018; 25: 286-294

Domellöf M, Szitanyi P, Simchowitz V, et al.; the ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN working group on pediatric parenteral nutrition. ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN guidelines on pediatric parenteral nutrition: Iron and trace minerals. Clin Nutr 2018; 37: 2354-2359

Duesing LA, Fawley JA, Wagner AJ. Central venous access in the pediatric population with emphasis on complications and prevention strategies. Nutr Clin Pract 2016; 31: 490-501

ElHassan NO, Kaiser JR. Parenteral nutrition in the neonatal intensive care unit. NeoRev 2011; 12; e130-e140

Fu R-H. Selection of lipid emulsions for protection against parenteral nutrition-associated liver disease. Pediatrics & Neonatol 2019; 60: 355-356

Hartman C, Shamir R, Simchowitz V, et al. ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN guidelines on pediatric parenteral nutrition: Complications. Clin Nutr 2018; 37: 2418-2429

Jochum F, Moltu SJ, Senterre T, et al.; the ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN working group on pediatric parenteral nutrition. ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN guidelines on pediatric parenteral nutrition: Fluid and electrolytes. Clin Nutr 2018; 37: 2344-2353

Johnson PJ. Review of macronutrients in parenteral nutrition for neonatal intensive care population. Neonatal Netw 2014; 33: 29-34

Johnson PJ. Review of micronutrients in parenteral nutrition for the NICU population. Neonatal Netw 2014; 33: 155-161

Jolin-Dahel K, Ferretti E, Montiveros C, et al. Parenteral nutrition-induced cholestasis in neonates: where does the problem lie? Gastroenterol Res Pract 2013; 2013:163632

Joosten K, Embleton N, Yan W, et al. The ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN working group on pediatric parenteral nutrition. ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN guidelines on pediatric parenteral nutrition: Energy. Clin Nutr 2018; 37: 2309-2314

Kim SM, Lee EY, Chen J, et al. Improved care and growth outcomes by using hybrid humidified incubators in very preterm infants. Pediatrics 2010; 125: e137-45

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

Kolaček S, Puntis JWL, Hojsak I, et al. The ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN working group on pediatric parenteral nutrition. ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN guidelines on pediatric parenteral nutrition: Venous access. Clin Nutr 2018; 37: 2379-2391

Lapillonne A, Fidler Mis N, Goulet O, et al. The ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN working group on pediatric parenteral nutrition. ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN guidelines on pediatric parenteral nutrition: Lipids. Clin Nutr 2018; 37: 2324-2336

Long SS, Prober CG, Fischer M (eds). Principles and Practice of Pediatric Infectious Diseases. Philadelphia: Elsevier, 2018

MacKay M, Jackson D, Eggert L, et al. Practice-based validation of calcium and phosphorus solubility limits for pediatric parenteral nutrition solutions. Nutr Clin Pract 2011; 26: 708-713

Maruyama H, Saito J, Nagai M, et al. Maximization of calcium and phosphate in neonatal total parenteral nutrition. Pediatr Int 2018; 60: 634-638

Mesotten D, Joosten K, van Kempen AVS. The ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN working group on pediatric parenteral nutrition. ESPGHAN/ESPEN/ESPR guidelines on pediatric parenteral nutrition: Carbohydrates. Clin Nutr 2018; 37: 2337-2343

Mihatsch W, Fewtrell M, Goulet O, et al. The ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN working group on pediatric parenteral nutrition. ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN guidelines on pediatric parenteral nutrition: Calcium, phosphorus and magnesium. Clin Nutr 2018; 37: 2360-2365

Mihatsch W, Shamir R, van Goudoever JB, et al. The ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN working group on pediatric parenteral nutrition. ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN guidelines on pediatric parenteral nutrition: Guideline development process for the updated guidelines. Clin Nutr 2018; 37: 2306-2308

Mulla S, Stirling S, Cowey S, et al. Severe hypercalcaemia and hypophosphataemia with an optimised preterm parenteral nutrition formulation in two epochs of differing phosphate supplementation. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2017;102: F451-F455

Neves A, Pereira-da-Silva L, Fernandez-llimos F. Prácticas de prescripción de nutrición parenteral neonatal en Portugal. An Pediatr 2014; 80: 98-105

Neves A, Pereira-da-Silva L, Fernandez-Llimos F. Prácticas de preparación de nutrición parenteral neonatal en Portugal; comparación con las recomendaciones españolas. Nutr Hosp 2014; 29: 1372-1379

Patel P, Bhatia J. Total parenteral nutrition for the very low birth weight infant. Semin Fetal Neonatal Med 2017; 22: 2-7

Pedrón Giner C, Cuervas-Mons Vendrell M, Galera Martínez R, et al. Grupo de Estandarización de la SENPE. Guía de práctica clínica SENPE/SEGHNP/SEFH sobre nutrición parenteral pediátrica. Nutr Hosp 2017; 34: 745-758

Pereira-da-Silva L, Castela J, Malheiro L, et al.; em representação da Secção de Neonatologia da SPP. Nutrição parentérica no recém-nascido: 1ª revisão do consenso nacional, 2008. Acta Pediatr Port 2008; 39: 125-134

Pereira-da-Silva L, Costa A, Pereira L, et al. Early high calcium and phosphorus intake by parenteral nutrition prevents short-term bone strength decline in preterm infants. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2011; 52: 203-209

Pereira-da-Silva L, Henriques G, Amaral JMV, et al. Osmolality of solutions, emulsions and drugs that may have a high osmolality. Aspects of their use in neonatal care. J Matern Fetal Neonatal Med 2002; 11: 333-338

Pereira-da-Silva L, Macedo I, Rosa ML, et al.. Calcium and phosphorus intake by parenteral nutrition in preterm infants. In: Rajendran R, Preedy VR, Patel VB (eds). Diet and Nutrition in Critical Care. New York: Springer Science+Business Media, 2015; 1817-1829

Pereira-da-Silva L, Nóbrega S, Rosa ML, et al. Parenteral nutrition-associated cholestasis and triglyceridemia in surgical term and near-term neonates: A pilot randomized controlled trial of two mixed intravenous lipid emulsions. Clin Nutr ESPEN 2017; 22: 7-12

Pereira-da-Silva L, Nurmamodo A, Amaral JMV, et al. Compatibility of calcium and phosphate in four parenteral nutrition solutions for preterm neonates. Am J Health Syst Pharm 2003; 60: 1041-1044

Pereira-da-Silva L, Pissarra S, Alexandrino AM, et al. On behalf of the Portuguese Neonatal Society. Guidelines for neonatal parenteral nutrition: 2019 Update by the Portuguese Neonatal Society. Part I. General aspects, energy, and macronutrients. Port J Pediatr 2019; 50: 209-219

Pereira-da-Silva L, Pissarra S, Alexandrino AM, et al.; on behalf of the Portuguese Neonatal Society. Guidelines for neonatal parenteral nutrition: 2019 Update by the Portuguese Neonatal Society. Part II. Micronutrients, ready-to-use solutions, and particular conditions. Port J Pediatr 2019; 50: 220-231

Pereira-da-Silva L, Virella D, Henriques G, et al. A simple equation to estimate the osmolarity of neonatal parenteral nutrition solutions. J Parenter Enteral Nutr 2004; 28: 34-37

Puntis J, Hojsak I, Ksiazyk J, et al. The ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN working group on pediatric parenteral nutrition. ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN guidelines on pediatric parenteral nutrition: Organisational aspects. Clin Nutr 2018; 37: 2392-2400

Ramel SE, Brown LD, Georgieff MK. The impact of neonatal illness on nutritional requirements – one size does not fit all. Curr Pediatr Rep 2014; 2: 248-254

Riskin A, Picaud J-C, Shamir R. The ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN working group on pediatric parenteral nutrition. ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN guidelines on pediatric parenteral nutrition: Standard versus individualized parenteral nutrition. Clin Nutr 2018; 37: 2409-2417

Salama GS, Kaabneh MA, Almasaeed MN, et al. Intravenous lipids for preterm infants: a review. Clin Med Insights Pediatr 2015; 9: 25-36

Van Aerde JE. In preterm infants, does the supplementation of carnitine to parenteral nutrition improve the following clinical outcomes: Growth, lipid metabolism and apneic spells? Part B: Clinical commentary. Paediatr Child Health 2004; 9: 573

van Goudoever JB, Carnielli V, Darmaun D, et al. The ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN working group on pediatric parenteral nutrition. ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN guidelines on pediatric parenteral nutrition: Amino acids. Clin Nutr 2018; 37: 2315-2323

Wong JC, McDougal AR, Tofan M, et al. Doubling calcium and phosphate concentrations in neonatal parenteral nutrition solutions using monobasic potassium phosphate. J Am Coll Nutr 2006; 25: 70-77

Working Group of Pediatrics Chinese Society of Parenteral and Enteral Nutrition, Working Group of Neonatology Chinese Society of Pediatrics, Working Group of Neonatal Surgery Chinese Society of Pediatric Surgery. CSPEN guidelines for nutrition support in neonates. Asia Pac J Clin Nutr 2013; 22: 655-663

Yailian AL, Serre C, Fayard J, et al. Production and stability study of a hospital parenteral nutrition solution for neonates. J Pharm Anal 2019; 9: 83-90

Yildizdas HY, Poyraz B, Atli G, et al. Effects of two different lipid emulsions on antioxidant status, lipid peroxidation and parenteral nutrition- related cholestasis in premature babies, a randomized-controlled study. Pediatrics & Neonatol 2019; 60: 359-36

Zanuy MAV, Bravo SP, Cebas AL, et al. Agreement between different equations to estimate osmolarity of parenteral nutrition solutions. Nutr Hosp 2015; 32: 2757-2762

ALIMENTAÇÃO ENTÉRICA NO RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO

Importância do problema

A alimentação do RN pré-termo (RN PT) pode considerar-se uma urgência nutricional tendo em consideração a escassez de reservas de nutrientes acumuladas durante a gestação. Pode deduzir-se que quanto menor a idade gestacional e o peso de nascimento, menor a quantidade de reservas; este aspecto tem, pois, maior acuidade nos RN de muito baixo peso (RN MBP) – inferior a 1.500 gramas, pois o período de maior acumulação de reservas de nutrientes e de energia corresponde ao terceiro trimestre da gestação.

Com efeito, é no período compreendido entre a 26ª e 36ª semanas pós-concepcionais que se verificam maior velocidade de ganho de peso e de crescimento longitudinal por hiperplasia e hipertrofia celulares (maior que em qualquer outro momento da vida humana incluindo o período da puberdade). Contudo, a esta fase corresponde também grande vulnerabilidade (trata-se do conceito de período crítico) pela maior possibilidade de efeitos adversos caso surjam carência ou inadequação de suprimento em energia e nutrientes, com repercussões futuras; este aspecto tem maior relevância ao nível do sistema nervoso pela possibilidade de alterações irreversíveis no campo da cognição e comportamento.

No RN com antecedentes de gravidez encurtada (isto é, nascido prematuramente) esta fase a que corresponde grande velocidade de crescimento in utero ocorre em ambiente extrauterino. Por isso, o suprimento nutricional adequado ao RNPT constitui um verdadeiro desafio para os pediatras-neonatologistas tendo em conta diversos factores tais como as particularidades ou limitações anatomofisiológicas inerentes, designadamente no que respeita à imaturidade do tubo digestivo.

Neste capítulo são abordados aspectos fundamentais e algumas especificidades da alimentação no RN pré-termo, em complemento do que foi referido nos primeiros três capítulos da Parte XI, sobre Nutrição.

Salienta-se que este tópico corresponde a uma área do conhecimento científico em que existem controvérsias e dúvidas pela falta de estudos aleatórios e controlados.

 Objectivo da nutrição do RNPT

A Academia Americana de Pediatria (AAP) recomenda que o regime nutricional considerado “ideal” para os RNPT proporcione taxas de crescimento e desenvolvimento semelhantes às observadas no período pré-natal sem, no entanto, conduzir a sobrecarga das funções metabólica e excretora ainda imaturas, com vista ao desenvolvimento neurológico normal.

Diversos estudos recentes têm chamado a atenção para os riscos inerentes a uma estratégia nutricional dita “mais generosa mas agressiva” que, embora produzindo melhores taxas de crescimento a curto prazo, podem conduzir a problemas metabólicos e cardiovasculares tardios; é o chamado dilema nutricional que é colocado ao neonatologista.

Na prática, o crescimento considerado adequado para um lactente com antecedentes de prematuridade deverá ser semelhante ao crescimento que teria in utero, o que corresponde ao incremento de cerca de 10-15 gramas/kg/dia. Todavia, tal nem sempre é possível tendo em conta a multiplicidade de problemas clínicos associados à prematuridade, que comprometem as possibilidades de suprimento de nutrientes; de tal situação poderão resultar défices nutricionais impondo eventualmente necessidades suplementares, o que deverá ser tido em conta na fase de recuperação.

Métodos de alimentação

O suprimento de nutrientes e energia pode realizar-se de dois modos: por via entérica e por via parentérica.

No sentido lato, a chamada alimentação entérica (AE) é um método em que é utilizada a via fisiológica – a digestiva – para suprimento alimentar incluindo a alimentação natural “ao peito” (leite materno), por biberão contendo fórmula ou alimentos especiais, ou por sonda gástrica; no sentido restrito ela diz respeito à administração de leite materno, de fórmula, ou de alimentos especiais substitutivos, por sonda gástrica (consultar Glossário).

Para nutrição inicial ou temporária (até máximo de 2-3 meses) são utilizados tubos nasogástricos (NG), ou nasojejunais (NJ) por fluoroscopia.

A chamada nutrição parentérica (NP) é um método em que os nutrientes e energia são administrados por via IV nos casos em que a situação clínica do RN não permite a utilização da via digestiva; pode ser total (administração exclusiva) ou parcial (associada à alimentação por via digestiva). Embora seja dada ênfase neste capítulo à nutrição do RNPT, cabe referir que, em função do estado clínico do RN, a alimentação entérica por sonda gástrica e a nutrição parentérica também são utilizadas em RN de termo. A NP no RN, quer seja ou não PT, é abordada no capítulo seguinte.

Necessidades nutricionais

Fluidos

As necessidades em fluidos do RN variam em função da idade gestacional, peso de nascimento, idade pós-natal e respectiva situação clínica e ambiental. Como complemento do que foi explanado no Quadro 1 do capítulo sobre Nutrientes (Parte XI).  

Salienta-se que os RN em incubadora em berço aquecido com aquecimento radiante superior requerem maior suprimento em líquidos do que os RN em incubadora em ambiente de humidade controlada. Os RN com peso < 1.000 gramas nas primeiras 24 horas de vida poderão necessitar de > 100-150 mL/kg/dia, obrigando a vigilância rigorosa da diurese, peso e doseamento de electrólitos no sangue.

Como valores médios no RN pré-termo em geral, oscilando em função das perdas, idade gestacional e idade pós-natal, são estabelecidas as necessidades em fluidos da ordem de 140-160 mL/kg/dia (em situações específicas, podendo ultrapassar 160 mL/kg/dia).

Energia

De acordo com a ESPGHAN e AAP tem sido recomendado para RNPT em alimentação entérica, a partir da primeira semana de vida, o suprimento energético, respectivamente, de 110-150 kcal/kg/dia, e de 120 kcal/kg/dia. Suprimentos superiores a 150 kcal/kg/dia estão indicados se o crescimento não for satisfatório.

Quer se trate de AE, quer de NP, os macronutrientes são distribuídos do seguinte modo em termos de percentagem (%) relativa do valor calórico total (VCT):

    • Proteínas: ~ 15% VCT <> 3,5 g/kg/dia;
    • Hidratos de carbono: ~ 55-65% VCT<> 16 g/kg/dia;
    • Gorduras: ~ 35-50% VCT<> 7 g/kg/dia.

O Quadro 1 discrimina a energia consumida que justifica tais necessidades no RNMBP.

QUADRO 1 – Necessidades energéticas (kcal/kg/dia) em função do consumo.

Energia para a manutenção 40-70
Dispêndio metabólico em repouso40-60
Dispêndio com a actividade0-5
Dispêndio com a termorregulação0-5
Energia para o crescimento 35-55
Dispêndio com a síntese15-20
Energia proveniente das reservas20-35
Energia para digestão/ absorção e perdida nas fezes 15
 

Salienta-se que no RN submetido a nutrição parentérica, as necessidades energéticas são menores uma vez que não é consumida energia com a digestão e absorção intestinais, nem se verifica perda energética pelas fezes. Com efeito, verificam-se incremento ponderal e taxas de retenção de azoto com suprimento energético da ordem de 80-100 kcal/kg/dia.

Pelo contrário, as necessidades em energia podem ser superiores em RN com actividade aumentada, hipotermia, SDR, infecção, situações submetidas a intervenção cirúrgica, RCIU, etc..

Proteínas e aminoácidos

No RN PT as necessidades de proteínas e aminoácidos devem ser individualizadas em função da idade gestacional, idade pós-natal e condição clínica, tendo em vista garantir a sua utilização. Por outro lado, deve haver uma relação adequada entre suprimento de proteínas e aminoácidos e suprimento energético. Suprimento excessivo pode levar a alterações metabólicas com efeito deletério ao nível do SNC, enquanto suprimento deficitário poderá conduzir a défice de mielinização e de crescimento dos órgãos.

Recorda-se que para além dos aminoácidos essenciais “clássicos” para o adulto da espécie humana e também para a criança, acrescentam-se para o RNPT: arginina, cistina, taurina, glicina e tirosina.

Uma limitação no RN PT é a imaturidade enzimática (por ex. das vias de degradação, das vias do ciclo da ureia, da fenilalanina-hidroxilase, etc.), sendo que o suprimento excessivo de aminoácidos poderá dar origem a alterações metabólicas tais como hiperamoniémia, urémia, hipertirosinémia, com riscos vários incluindo o de toxicidade neurológica.

Para evitar o catabolismo torna-se necessário o suprimento mínimo de 1,2 a 2 gramas/kg/dia (para a alimentação entérica) e 1 a 1,5 gramas/kg/dia (para a nutrição parentérica, no pressuposto de suprimento energético de 30 kcal/kg/dia).

Um aspecto importante a reter é o seguinte: o suprimento de aminoácidos, mesmo com baixo suprimento energético, poupa as proteínas endógenas por aumentar a síntese proteica.

Hidratos de carbono

Os hidratos de carbono constituem uma fonte energética de rápida utilização, o que contribui para evitar o catabolismo tecidual. Em condições de estabilidade clínica, e em obediência à %VCT, foi estabelecida a necessidade de suprimento médio ~ 16 gramas/kg/dia. O principal hidrato de carbono como fonte energética é a glicose armazenada sob a forma de glicogénio cujo acréscimo (tal como as gorduras) se verifica sobretudo no terceiro trimestre.

Gorduras

As gorduras são nutrientes importantes para o crescimento e desenvolvimento do SNC, salientando-se o seu papel fundamental na sinaptogénese, mielinização, assim como no desenvolvimento da retina e da membrana celular; da composição estrutural desta última cabe salientar os ácidos gordos poli-insaturados de longa cadeia (LCPUFA): o ácido docosa-hexanóico (DHA) e o ácido araquidónico (ARA). Uma vez que somente a partir do terceiro trimestre da gestação se verifica o maior acréscimo dos referidos nutrientes, torna-se fácil compreender a especial vulnerabilidade do RNPT ao défice de suprimento daqueles, sendo que a incorporação de LCPUFA nas membranas neurais depende da transferência transplacentar dos referidos ácidos gordos e do suprimento pós-natal.

Tratando-se de AE, o suprimento de gorduras, deve corresponder a 7 gramas/kg/dia; para evitar a deficiência em ácidos gordos essenciais (designadamente ácido linoleico e linolénico) torna-se necessário o suprimento mínimo de 0,5-1 grama/kg/dia (~ 2-4% do VCT); as gorduras na totalidade não deverão ultrapassar 50% do VCT.

Minerais, oligoelementos e vitaminas

As necessidades em minerais, oligoelementos e vitaminas, abordadas de modo genérico no capítulo sobre nutrientes (volume 1- parte XI), são especificadas para o RN no capítulo seguinte.

Estimando-se uma prevalência de 1/530 de carência em vitamina B12 na mãe grávida e RN, certas escolas preconizam o rastreio de tal carência na grávida e/ou no RN.

Esquemas de alimentação entérica (AE)

Vias de administração

Nos RN com idade gestacional igual ou superior a 34 semanas e/ou sucção-deglutição estabelecida, a administração de leite deve ser iniciada por via oral e ao peito da mãe (por conseguinte, em condições ideais, com leite materno); caso tal não seja possível, poderá administrar-se leite de fórmula adequado à condição clínica do RN PT através de biberão/tetina.

Nos RN com idade gestacional inferior a 34 semanas, ou naqueles em que a situação clínica não permite a sucção, a alimentação entérica é propiciada através de técnicas utilizando, dum modo geral, sondas:

  • Nasogástrica (de mais fácil fixação do que a orogástrica, mas aumentando a resistência da via aérea);
  • Orogástrica (preferida nos casos de SDR e/ou com risco de apneia);
  • Transpilórica (com uma oliva de tungsténio na extremidade, “mais pesada”, para facilitar a passagem desta para o duodeno enquanto se verifica peristaltismo); está indicada nos casos de refluxo gastresofágico importante ou intolerância gástrica; com tal sonda não é possível beneficiar das enzimas gástricas que promovem a digestão das gorduras).

Em situações específicas o leite ou alimento líquido pode ser administrado através de acessos cirúrgicos (gastrostomia ou jejunostomia).

As sondas convencionais, fabricadas com polietileno ou cloreto de polivinil, devem ser substituídas cada 3-4 dias. Actualmente são utilizadas sondas de poliuretano ou silicone, mais flexíveis, de maior diâmetro interno, e menos susceptíveis de originarem lesão traumática da mucosa.

Técnicas

O objectivo principal da alimentação no RN PT (após período fisiológico inicial de perda e de recuperação do peso de nascimento) é propiciar um crescimento aproximado ao verificado in utero para idêntica idade gestacional (~ 10-25 gramas/kg/dia). Menor acréscimo de peso indicará, em princípio, suprimento energético deficitário, enquanto acréscimo superior poderá estar relacionado com sobrecarga de fluidos. Na prática, tal objectivo é em geral conseguido com suprimento de volume de leite entre 150-160 mL/kg/dia.

Tratando-se de alimentação com fórmula, poderá haver, de facto, variação do volume dentro de pequenos limites tendo em conta a concentração calórica utilizada (por ex. 80 kcal/100 mL ou 70 kcal/100 mL).

  1. Nos RN alimentados por via oral (excluindo RN com aleitamento materno exclusivo) pode ser utilizada a seguinte estratégia:
    • RN com peso de nascimento entre 1.500-2.000 gramas: 3-4 mL cada 3 horas com incrementos diários por refeição de 3-4 mL;
    • RN com peso de nascimento superior a 2.000 gramas: 5 mL cada 3 horas com incrementos diários por refeição de 5 mL.
  1. Nos RN alimentados por sonda nasogástrica duas técnicas podem ser utilizadas: intermitente (com seringa, injectando o leite em bolus, ou com seringa vertical sem êmbolo- método gravitacional), contínua empregando bomba de perfusão, ou combinação das duas:
    1. 2.1 Intermitente A administração do leite materno ou fórmula pela via gástrica intermitente (cada 2 ou 3 horas) é considerada mais fisiológica relativamente à contínua pelo facto de favorecer o processo cíclico de secreção das hormonas intestinais e do sistema biliar, propiciando melhor tolerância; por outro lado, não exige o emprego de bombas de perfusão e comporta menor risco de precipitação dos nutrientes no sistema de administração. Utiliza-se em geral o seguinte esquema (versátil em função da tolerância), considerando volumes por refeição de 2-2 ou de 3-3 horas):
      • RN de peso < 1.000 gramas: volume inicial: 10-20 mL/kg/dia; incremento de + 10 mL/kg/dia nos RN com peso < 750 gramas, e de + 20 mL/kg/dia nos RN com peso entre 750-999 gramas;
      • RN de peso 1.000-1.499 gramas: volume inicial: 20-30 mL/kg/dia; incremento de + 20 mL/kg/dia;
      • RN de peso 1.500-2.499 gramas: volume inicial: 30-40 mL/kg/dia; incremento de + 30-40 mL/kg/dia;
      • RN de peso igual ou superior a 2.500 gramas: volume inicial: 50 mL/kg/dia; incremento de + 50 mL/kg/dia.
      O objectivo desta progressão em volume (que deve ser individualizado em função do estado clínico) é atingir 140-160 mL/kg/dia, salientando-se que este esquema não se aplica aos RN alimentados PO.
    2. 2.2 Contínua Aplicam-se neste caso as regras respeitantes aos volumes a administrar atrás mencionadas. A alimentação gástrica contínua está especialmente indicada nos casos de prematuridade extrema (RN de peso inferior a 1.000 gramas), SDR e intolerância à técnica intermitente.
  1. Intermitente/contínua Trata-se duma variante que combina as técnicas de administração intermitente e contínua: por ex. alimentação contínua durante uma hora seguida de pausa de 2-3 horas.

Alimentação entérica mínima ou trófica

Está provado que o jejum prolongado, originando atrofia da mucosa intestinal, compromete a integridade anatomofisiológica da mesma e facilita, entre outros efeitos adversos, a passagem de bactérias para a corrente sanguínea. Por outro lado, demonstrou-se que a utilização de pequeno volume de leite (idealmente materno) sem objectivos de cumprimento das necessidades nutricionais, constitui importante estímulo para garantir a referida integridade anatomofisiológica e imunológica do tracto intestinal, uma vez que o mesmo conduz à libertação de factores de crescimento, de secreções exócrinas várias (pancreáticas, biliares, etc.), à secreção de hormonas intestinais com efeitos trófico, maturativo, e de estímulo da motilidade intestinal, ao desenvolvimento do microbioma, etc.. Os resultados a curto e médio prazo são, fundamentalmente, menor incidência de intolerância alimentar e de colestase, menor tempo de NP, mais fácil transição para a AE “plena”, etc..

Na prática, a partir da fase de estabilização hemodinâmica, e desde o 1º dia, administra-se leite (0,5-10 mL/kg/dia, sendo o volume total dividido em várias parcelas nas 24 horas, cada 3, 4, 6 ou 8 horas, por ex. em função do contexto clínico e tolerância); é a chamada alimentação entérica não nutricional ou trófica. O volume de leite deve ser incrementado em função da situação clínica do RNPT, podendo eventualmente haver necessidade de o reduzir se se verificar intolerância.

Por outro lado, a chamada “sucção não nutricional” ou não acompanhada de suprimento de leite, deve ser estimulada nos RN PT o mais precocemente possível (inicialmente com chupeta, dedo com luva esterilizada, e, se houver condições clínicas, com o mamilo-aréola da mãe mesmo antes da chamada “subida do leite”), não só como “habituação” para a fase de autonomia de sucção/deglutição de leite, mas igualmente pela razão de a referida sucção constituir um estímulo para a secreção láctea e da lipase salivar.

Preparados de reforço nutricional do leite materno

Está provado que o leite da própria mãe do RN pré-termo (leite materno pré-termo) é o preferido para o mesmo, especialmente se se tratar de RNMBP. Tal se explica pela maior biodisponibilidade de nutrientes, propriedades imunológicas, presença de enzimas, hormonas e factores de crescimento.

Relativamente ao leite humano de termo (maturo), o de pré-termo possui maior carga calórica e maior concentração de proteínas, sódio e cloro; por outro lado, possui mais baixa concentração de lactose do que o leite humano maturo. Estas diferenças em composição, que persistem durante o 1º mês de lactação, são consideradas benéficas para o RN pré-termo.

Apesar destas diferenças, diversos estudos sugerem que o leite humano pré-termo não satisfaz as necessidades para o crescimento de RN pré-termo quanto a proteínas, cálcio, fósforo, sódio, ferro, cobre, zinco e algumas vitaminas. Nesta perspectiva, tem sido recomendada a suplementação ou enriquecimento do leite materno a administrar a RN pré-termo com preparados em pó (comercializados em pacotes), reforçando o conteúdo do mesmo em energia, proteínas, hidratos de carbono, cálcio e fosfato. No Quadro 2 mostra-se o incremento obtido com a referida suplementação.

QUADRO 2 – Incremento nutricional do leite materno após suplementação (por 100 mL de leite materno).
[incremento <> diferença do valor antes e depois da seta →]

Energia (kcal): 10 →14
Proteínas (g): 0,6 →1g
Hidratos de carbono (g): 2 →2,4
Gordura (g): vestigial 
Sódio (mmol): 0,3 →0,9
Cálcio (mmol): 1 →2,2
Fósforo (mmol): 0,7 →1,2


A adjunção do reforço ao leite humano nas circunstâncias referidas é iniciada a partir do suprimento ≥ 100 mL/dia.

Noutros tipos de suplementação podem ser utilizados polímeros de glucose (3,8 kcal/grama de pó), ou triglicéridos de média cadeia, [requerendo mínima digestão por serem absorvidos directamente para o sistema porta (7,7 kcal/mL)].

Fórmulas para pré-termo

Na ausência de leite humano, as fórmulas para pré-termo constituem o substituto mais apropriado. Como alternativa, em função do contexto clínico, hidrolisados de proteínas ou fórmulas elementares. Em comparação com as fórmulas para bebés de termo, as primeiras possuem mais elevada concentração de proteínas (2,5 g/100 mL contra 1,8 g/100 mL), maior carga calórica (75 kcal/100 mL contra 90 kcal/100 mL), e mais elevada concentração de minerais, vitaminas e oligoelementos.

Regras práticas da AE

  • O resíduo gástrico – a verificar antes de cada refeição – não deverá exceder o volume de 2-4 mL/kg; caso tal se verifique, o referido volume residual deve ser reintroduzido (com o objectivo de manter o balanço electrolítico); ou seja, o volume da refeição próxima deve ser subtraído do volume correspondente ao referido resíduo.
  • A alimentação entérica deve ser suspensa – por período variável em função do contexto clínico – nos casos de distensão abdominal, vómitos ou dificuldade respiratória.
  • A presença de resíduo gástrico > 10 mL/kg poderá dever-se a alteração funcional da motilidade em relação com a prematuridade, ou a patologia oclusiva diversa: ECN, esquema alimentar inadequado, alterações metabólicas, infecção sistémica, hipotermia, hipoxémia, etc..
  • Após a refeição o RN (monitorizado) deve ser colocado em decúbito ventral com a cabeça e tronco elevados.
  • As crianças necessitando de AE prolongada durante vários meses poderão ser candidatas à gastrostomia.

Transição da via entérica para a via oral

Dum modo geral esta transição deve ser gradual e ter início quando a situação clínica o permitir: coordenação da sucção – deglutição, estabilidade clínica, idade corrigida superior a 34 semanas e peso superior a 1500 gramas. No caso de crianças com antecedentes de gastrostomia, tal transição poderá ser mais difícil implicando eventualmente a necessidade de colaboração da equipa de fisiatria tendo em vista a estimulação motora.

BIBLIOGRAFIA

Birch EE, Garfield S, Castañeda Y, et al. Visual acuity, and cognitive outcomes at 4 years of age in a double-blind, randomized trial of long-chain polyunsaturated fatty acid –supplemented infant formula. Early Hum Develop 2007; 83: 279-284

Cloherty JP, Stark AR (eds). Manual of Neonatal Care. Philadelphia; Wolters & Kluwer, 2017

Delange FM, West KP (eds). Micronutrient Deficiencies in the First Months of life. Basel: Karger/Nestlé Nutrition Institute, 2003

Garcia JJ, Cruz O, Mintegi S, Moreno JM (eds). M Cruz Manual de Pediatria. Madrid: Ergon, 2020

Gramer G, Fang-Hoffmann J, Feyh P, et al. Newborn screening for vitamin B12 deficiency in Germany—strategies, results, and public health implications. J Pediatr 2020; 216:165-72

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

Koletzko B. Pediatric Nutrition in Practice. Basel: Karger, 2008

MacDonald MG, Seshia MMK (eds). Avery’s Neonatology: Pathophysiology and Management of the Newborn. Philadephia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 2015

Modi N. Management of fluid balance in the very immature neonate. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2004; 89: F108-111

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Ng YY, Su PH, Chen JY, et al. Efficacy of intermediate – dose oral erythromycin in very low birth weight infants with feeding intolerance. Pediatr Neonatol 2012; 53: 34-40

Polin RA, Abman SH, Rowitch DH, Benitz WE, Fox WW (eds). Fetal and Neonatal Physiology. Philadelphia: Elsevier, 2017

Polin RA, Yoder MC. Workbook in Practical Neonatology. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2015