São descritos a seguir determinados sinais e sintomas clínicos de suspeição em função de diferentes idades:
Período neonatal
- Cardíacos: cardiomiopatia;
- Digestivos: hepatopatia, hipoglicémia refractária, insuficiência hepatocelular grave;
- Multissistémicos: alterações multiorgânicas e acidose láctica, alterações hematológicas como anemia e pancitopénia;
- Neurológicos: dificuldade respiratória e acidose láctica marcadas, grave hipotonia isolada, verificação de lesões quísticas na imagiologia cerebral sem história de asfixia perinatal.
A causa mais frequente da sintomatologia neurológica é a depleção do DNAmit por mutações em DNAn.
Período pós-neonatal
- Metabólicos: coma com cetoacidose, crises de acidocetose e hiperlacticidémia em períodos febris, morte súbita, síndroma de Reye;
- Gastrintestinais: não progressão ponderal, vómitos recorrentes, diarreia crónica, atrofia das vilosidades intestinais, hipocrescimento, insuficiência hepática grave, hepatomegália progressiva, falência hepática devida ao valproato, disfunção pancreática exócrina, pseudo-obstrução intestinal;
- Cardíacos: cardiomiopatia, geralmente hipertrófica (concêntrica), síndroma de hiperexcitabilidade, bloqueios de condução;
- Hematológicos: anemia sideroblástica, pancitopénia com medula aplástica, neutropénia e trombocitopénia, anemia macrocítica refractária e dependente de múltiplas transfusões;
- Endócrinos: hipoglicémia recorrente, diabetes mellitus insulinodependente, diabetes insípida, hipocrescimento, atraso da idade óssea, hipotiroidismo, hipoparatiroidismo, deficiência de hormona de crescimento, insuficiência suprarrenal, hiperaldosteronismo, insuficiência ovárica ou disfunção hipotalâmica com infertilidade;
- Renais: raquitismo vitaminorresistente, hipercalciúria, insuficiência renal, nefrite tubulointersticial, síndroma de Toni-Debré-Fanconi, de Bartter, nefrótica, hemolítica-urémica;
- Musculares: hipotonia e fraqueza musculares, instabilidade cérvico-cefálica, hipomobilidade espontânea, atrofias musculares, fadiga fácil, miopatia, intolerância ao exercício com mialgias, mioglobinúria recorrente, distonia;
- Neurológicos: atraso ou paragem do desenvolvimento psicomotor, ataxia cerebelosa, epilepsia resistente ou que se agrava com valproato, epilepsia mioclónica, síndroma de West, polineuropatia sensitivo-motora, pés cavos, amiotrofia muscular, leucodistrofia;
- Oftalmológicos: ptose palpebral, atrofia óptica, retinite pigmentar, degenerescência retiniana, retinopatia “sal e pimenta”, motilidade ocular alterada, oftalmoplegia externa, cataratas, opacidades da córnea, diplopia;
- ORL: surdez neurossensorial progressiva, ototoxicidade provocada por aminoglicosídeos;
- Dermatológicos: pigmentação marmoreada, pigmentação de áreas expostas à luz, cabelo fraco, quebradiço, tricotilodistrofia, exantemas;
- Dismórficos: fácies simile síndroma alcoólica fetal, com ou sem agenésia do corpo caloso;
- Outros: lipomatose simétrica múltipla, paraganglioma hereditário.
Formas clínicas
Para além da vastidão do perfil clínico, destacam-se formas sindromáticas particulares (algumas designadas por siglas do inglês) que importa conhecer.
Síndroma de Leigh
Esta síndroma, com especial interesse na idade pediátrica, reflecte as consequências da alteração do metabolismo energético no desenvolvimento do cérebro. Demonstrou-se associação, quer a outras alterações relacionadas com DNAmit e DNAn, quer a defeitos do metabolismo do piruvato.
Também chamada encefalomielopatia necrosante subaguda, caracteriza-se por lesões bilaterais, simétricas, de espongiose, proliferação vascular e astrocitose, afectando os gânglios da base, tronco cerebral e medula.
A evolução faz-se por crises com regressão psicomotora, episódios frequentes de apneia e problemas de deglutição por alteração do tronco cerebral.
É frequente a verificação de: vómitos, recusa alimentar, paralisia oculomotora, atrofia óptica, nistagmo, movimentos involuntários (e/ou síndroma extrapiramidal), síndroma piramidal por vezes com reflexos osteotendinosos ausentes.
Menos frequentes: proteínas elevadas no LCR, diminuição da velocidade de condução nervosa, leucodistrofia.
Foram identificadas mutações em cerca de 75% dos genes nucleares com padrão de hereditariedade AR ou ligada ao X. Em cerca de 25% dos casos existem mutações do DNAmit.
A imagiologia cerebral é fundamental para documentar as alterações referidas.
Síndroma de Pearson
Surge habitualmente no primeiro ano de vida com compromisso multiorgânico variável, anemia macrocítica refractária, com ou sem neutropénia, e trombocitopénia.
Na medula óssea: vacuolização dos precursores eritróides e mielóides, hemossiderose, sideroblastos em anel. É frequente observar-se disfunção pancreática exócrina.
Trata-se de síndroma geralmente fatal durante a infância; nos sobreviventes regista-se evolução para síndroma de Kearn-Sayre.
Através da genética molecular são identificadas grandes deleções simples do DNAmit de novo.
Síndroma de Kearns-Sayre (KSS)
Esta síndroma integra um qaudro multissistémico definido pela tríade: início habitual antes dos 20 anos, oftalmoplegia externa progressiva e retinite pigmentar; por outro lado, os doentes afectados têm pelo menos um dos seguintes sinais: bloqueio cardíaco, ataxia cerebelosa ou proteínas no LCR > 100 mg/dL.
Outras manifestações incluem: demência, diabetes, hipoparatiroidismo, baixa estatura por défice da hormona de crescimento, presença de RRF (tradução de Red Rough Fibres, fibras vermelhas rasgadas ou defeituosas) no músculo.
A nível genético foram identificadas mais de 150 deleções simples diferentes no DNAmit.
Síndroma de Barth
Nesta afecção, com hereditariedade ligada ao cromossoma X, salientam-se cardiomiopatia dilatada, neutropénia crónica grave, miopatia e acidúria 3-metilglutacónica (tipo II).
Síndroma de Alpers ou Alpers-Huttenlocher
Ocorrendo habitualmente entre 1-4 anos de idade, tem as seguintes manifestações: regressão psicomotora e crises mioclónicas refractárias, microcefalia, poliodistrofia rapidamente progressiva com perda neuronal, astrocitose, espongiose e hepatopatia (insuficiência hepatocelular).
Síndroma de depleção do DNAmit
São descritas várias formas:
- Encefalopática com hepatopatia: ocorrendo desde o período de RN até aos 2 anos de vida, com hipotonia generalizada, grave encefalopatia, acidose láctica, hipocrescimento, morte precoce e hepatopatia fatal. Pode verificar-se epilepsia mioclónica e cardiomiopatia;
- Miopática: no RN e lactente jovem, com hipotonia generalizada, miopatia progressiva, acidose láctica, tubulopatia frequente, distrofia e atrofia musculares progressivas. A histologia do músculo pode ser normal ou evidenciar RRF (ver atrás). O EMG evidencia padrão miopático.
MELAS (Mitochondrial Encephalomyopathy, Lactic Acidosis, Stroke-like episodes)
Esta síndroma caracteriza-se pela seguinte tríade: episódios simile AVC, encefalopatia com convulsões e/ou demência e acidose láctica ou presença de RRF evidenciadas em biópsia muscular (ver atrás) geralmente antes dos 40 anos.
Outras manifestações incluem crises epilépticas focais ou generalizadas, cefaleias recorrentes (tipo enxaqueca), vómitos, hipocrescimento/ baixa estatura, surdez neurossensorial, oftalmoplegia externa progressiva, diabetes não insulinodependente, polineuropatia. Pelo exame do LCR: proteinorráquia (~50% dos casos). Pela imagiologia: calcificações nos gânglios. A mutação mais comum é a A3243G.
MERRF (Myoclonic Epilepsy Ragged Red Fibres)
Síndroma multissistémica (com nome derivado de abreviaturas em inglês: evidenciando mioclonias, por vezes o primeiro sinal de epilepsia mioclónica com presença de RRF. Por vezes, demência, surdez neurossensorial, atrofia óptica, e neuropatia sensitiva. Mutação mais típica: A8344G.
NARP (Neuropathy, Ataxia, Retinitis Pigmentosa)
Síndroma caracterizada essencialmente por neuropatia, ataxia, retinite pigmentar e fraqueza muscular proximal, em combinações variáveis. Também, atraso psicomotor, epilepsia e atraso mental.
LHON ou neuropatia óptica de Leber
Mais frequente no sexo masculino (4 a 5 vezes), o quadro clínico inclui: perda de visão aguda ou subaguda devida a atrofia óptica bilateral, neuropatia retrobulbar, tortuosidade dos vasos retinianos e edema do disco óptico, síndroma cerebelosa, piramidal, neuropatia periférica e alterações da condução cardíaca.
MNGIE (Mitochondrial Neuro-Gastro-Intestinal Encephalopathy)
Encefalopatia mio-neuro-gastrintestinal que ocorre com diarreia intermitente alternando com períodos de pseudobstrução intestinal, miopatia com RRF, oftalmoplegia externa progressiva, neuropatia periférica, leucodistrofia e caquexia.
Síndroma de Wolfram (DIDMOAD)
Esta forma clínica, muito rara (prevalência global de 1/770.000 nados vivos), é conhecida também pelo acrónimo assinalado (em inglês ) significando combinação de sinais e sintomas, respectivamente: diabetes insípida, diabetes mellitus, atrofia óptica (optical atrophy) e surdez neurossensorial (deafness).
Trata-se de patologia progressiva, década a década da vida: na idade adulta, surgimento de complicações renais e neurológicas (ataxia cerebelosa e mioclonias).