Definição e importância do problema

A onfalocele (sinónimo de exônfalo) é uma anomalia congénita na linha média da parede anterior do abdómen, caracterizada pelo alargamento do orifício umbilical e pela protusão, através do próprio defeito da parede (anel umbilical), de conteúdo intrabdominal, recoberto por saco ou película peritoneal (peritoneu e membrana amniótica), sem pele suprajacente. O cordão umbilical insere-se neste saco. O conteúdo intrabdominal pode ser constituído por vísceras maciças como o fígado, ou ocas, como estômago ou ansas intestinais. (Figura 1)

Considerando o diâmetro do orifício, a onfalocele classifica-se de major, se aquele for superior a 4 cm, e minor, se for inferior a tal valor.

A sua incidência é cerca de 1/3.000 a 1/10.000 nascimentos, sem predomínio de sexos.

Tratando-se de um erro da morfogénese, a onfalocele, ao contrário da gastrosquise (Capítulo 337), está mais frequentemente associada a outras anomalias congénitas (sobretudo na modalidade major: ~ 30-40%).

FIGURA 1. Aspecto de onfalocele com saco intacto. (URN-HDE)

Anomalias associadas

Estas anomalias associadas são de natureza muito lata abrangendo, desde alterações do tubo neural, a anomalias crânio-faciais, a atrésia intestinal, defeitos do diafragma, cardíacos e do aparelho génito-urinário. A má-rotação intestinal está, por definição, sempre presente.

A verificação de alterações graves da morfogénese dos sómitos laterais abdominais, pode concorrer para o surgimento de dois tipos de defeitos: por um lado, a onfalocele epigástrica, associada a hérnia diafragmática anterior, fenda esternal e anomalia cardíaca; e, por outro, a onfalocele hipogástrica, associada a extrofia da bexiga ou a fissura vésico-intestinal ou extrofia da cloaca.

Citam-se a seguir outros tipos de defeitos que costumam acompanhar a onfalocele: anomalias cromossómicas como trissomias 13, 18 e 21, síndroma de Beckwith-Wiedemann (macroglossia, gigantismo, hipoglicémia por hiperinsulinismo, microcefalia e nevus flameus congénito), e pentalogia de Cantrell (ectopia cordis, hérnia diafragmática, defeitos cardíacos, defeitos esternais e pericárdicos).

Manifestações clínicas e diagnóstico

No período pré-natal o diagnóstico de onfalocele pode ser obtido nos exames ecográficos endovaginais a partir das 10 semanas de gestação (diagnóstico pré-natal). A imagem de ausência de encerramento do orifício umbilical e a presença de exteriorização de ansas intestinais contidas num saco peritoneal é muito sugestiva.

Nos casos de ruptura do saco, observa-se o conteúdo abdominal flutuando na cavidade amniótica, tal como se verifica na gastrosquise (ver adiante); no entanto, no caso da onfalocele rota, o fígado pode estar exposto. O saco pode romper-se também durante ou após o parto.

Em função do contexto clínico, poderá realizar-se amniocentese para realização de cariótipo. A análise do líquido amniótico, tratando-se de onfalocele evidenciará valores normais de acetilcolinesterase, ao contrário do que acontece em situações de gastrosquise em que existe elevação de tal marcador biológico. De referir também que em 90% dos casos de onfalocele existe elevação dos valores de alfa-fetoproteína no soro materno.

Após o nascimento, o diagnóstico é óbvio: procidência (de grandes dimensões na modalidade major), em forma de saco esferóide de parede brilhante e transparente permitindo visualizar as vísceras, salientando-se que a cavidade abdominal aparenta ser de menores dimensões por conter menos vísceras.

Pelas razões apontadas, a entidade onfalocele, uma vez confirmada no RN, obriga à detecção doutras anomalias acompanhantes, nomeadamente cardíacas, independentemente de eventual estudo com tal objectivo realizado durante a gestação. Deverá ser realizado igualmente estudo citogenético na tentativa de detectar anomalias cromossómicas, ou identificar loci patológicos específicos. Esta metodologia deve ser levada a cabo após o nascimento nos casos em que não se tenha procedido ao estudo citogenético pré-natal por análise do líquido amniótico ou do sangue fetal.

Tratamento

Tratando-se duma situação clínica com indicação cirúrgica, importará abordar em primeiro lugar um conjunto de cuidados da responsabilidade da equipa de pediatria neonatal/perinatal, iniciados no bloco de partos e continuados na UCIN. Pressupõe-se que a criança nasce no hospital/maternidade dotado de equipa cirúrgica e UCIN, e que o diagnóstico pré-natal da situação determinou o transporte in utero. O transporte do bloco de partos à UCIN deve ser realizado em incubadora de transporte.

Os referidos cuidados, em ambiente de assépsia, têm como objectivo essencial promover a estabilização pré-operatória, com especial realce para a prevenção da hipotermia e da hipovolémia, garantindo função ventilatória eficaz, e evitando a infecção. Dependendo da clínica e dos resultados dos exames laboratoriais, poderá haver indicação para ventilação mecânica, mais provavelmente nos casos major.

No pós-parto imediato, na criança colocada em decúbito lateral, são realizados os seguintes procedimentos:

  • Aplicação de sonda nasogástrica (para drenagem do conteúdo gastrintestinal, facilitando a função respiratória) e de sonda de enteróclise (para diminuir a distensão abdominal);
  • Venoclise para fluidoterapia (para garantir o equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base);
  • Detecção de anomalias associadas;
  • Prevenção e detecção de hipoglicémia e correcção da mesma, caso se verifique;
  • Antibioticoterapia profiláctica com ampicilina e gentamicina.

Quanto a cuidados locais:

  • Na onfalocele rota: aplicação de compressas esterilizadas molhadas em soro fisiológico aquecido, por sua vez envolvendo as vísceras com compressas num saco de plástico esterilizado, ou de celofane esterilizado; não é aplicado qualquer desinfectante tópico (procedimento igual ao aplicado à gastrosquise;
  • Na onfalocele intacta: os cuidados são os mesmos que se aplicam ao coto do cordão umbilical normal, caso esteja prevista a cirurgia a curto prazo; se a cirurgia correctiva não for possível a curto prazo, promove-se a epitelização do cordão herniado com aplicação de solução alcoólica iodada.

Sempre que possível, dá-se preferência à modalidade de tratamento cirúrgico designada por encerramento primário da parede abdominal (desde que o mesmo não provoque elevação excessiva da pressão intrabdominal), utilizando várias técnicas cuja descrição ultrapassa o âmbito deste livro.

Nos casos de saco roto, a intervenção é considerada urgente; e electiva (nas primeiras 24 horas, uma vez garantida a estabilização hemodinâmica) em situação inversa.

Se o defeito não permitir, pela sua dimensão, o encerramento primário, deverá ser realizada a contenção do conteúdo da onfalocele por meio de um saco de polímero de silastic (designado, na gíria cirúrgica como silo), promovendo o encerramento ulterior (diferido, por fases – técnica de Schuster). Também poderão ser utilizados agentes escarificantes ou pensos biológicos até haver possibilidade de realizar com segurança a reintrodução do referido conteúdo, e de corrigir o defeito da parede abdominal, sem tensão pronunciada.

O encerramento forçado da parede não deverá ser tentado pelo risco de compressão da veia cava inferior (diminuição do retorno venoso, do débito cardíaco, hipotensão), de compressão da emergência das artérias renais (comprometendo a perfusão parenquimatosa renal, originando oligúria), e do aumento da pressão intrabdominal (comprometendo a motilidade diafragmática); trata-se da chamada síndroma compartimental que importa prevenir. Por outro lado, o encerramento sob extrema tensão pode originar deiscência da sutura da parede abdominal ou compromisso isquémico da ansa intestinal subjacente.

Complicações pós-operatórias

As complicações pós-operatórias são decorrentes de aumento de pressão intrabdominal associadas ao encerramento primário forçado (já descritas anteriormente), ou decorrentes de complicações sépticas locais associadas à utilização de materiais heterólogos para o encerramento primário ou secundário por fases de onfaloceles muito volumosas.

Em ambos os casos, é necessário efectuar uma revisão cirúrgica da situação com extracção do material heterólogo infectado ou promover a diminuição da pressão intrabdominal. O internamento poderá durar > 3 meses.

Seguimento

O período pós-operatório não é, em geral, problemático. Na ausência doutras anomalias ou de complicações cirúrgicas a evolução clínica é rápida e não acidentada.

O seguimento pós-operatório a médio ou longo prazo, não coloca problemas ao pediatra, uma vez que não há compromisso da permeabilidade do tracto digestivo, salientando-se que o início e a progressão da diversificação alimentar decorrem, em geral, sem problemas.

Prognóstico

O prognóstico destes doentes depende directamente da existência de anomalias associadas, nomeadamente cardíacas, assim como das complicações resultantes de infecção, oclusão, isquémia e perfuração intestinais. A longo prazo, pela repercussão anátomo-funcional (sequelas) no tubo digestivo, poderá surgir quadro de oclusão intestinal. A taxa de sobrevivência varia entre 75-80%.

BIBLIOGRAFIA

Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008

Christison – Lagay ER, Kelleher CM, Langer JC. Neonatal abdominal wall defects. Seminars in Fetal & Neonatal Medicine 2011; 16: 164-172

Coran AG. Pediatric Surgery. Philadelphia:Elsevier, 2013

Garcia JJ, Cruz O, Mintegi S, Moreno JM (eds). M Cruz Manual de Pediatria. Madrid: Ergon, 2020

Holland AJ, Ford WD, Linke RJ, et al. Influence of antenatal ultrasound on the management of fetal exomphalos. Fetal Diagn Ther 1999; 14: 223-228

Hijkoop A, Peters N, Lechner RL, et al. Omphalocele: from diagnosis to growth and development at 2 years of age. Arch Dis Child Fetal & Neonatal Ed. 2019; 104: F18-F23

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

MacDonald MG, Seshia MMK (eds). Avery’s Neonatology: Pathophysiology and Management of the Newborn. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 2015

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2005

O´Neill Jr JA, Rowe MI, Grosfeld JL, et al (eds). Pediatric Surgery. Philadelphia: Elsevier, 2017

Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. New York: Cambridge University Press, 2008

Waklu A. Management of exomphalos. J Pediatr Surg 2000; 35: 73-77

Walker K, Holland A. Physical growth, neurodevelopment and cognition outcomes in children with abdominal wall defects: a tale with two endings? Arch Dis Child Fetal & Neonatal Ed 2019; 104: F2-F3