Definições e importância do problema

Antes da abordagem do tema relacionado com dor, importa recordar definições básicas relacionadas:

  • Analgesia significa perda da sensibilidade à dor, o que suprime ou atenua a mesma;
  • Anestesia significa genericamente perda de sensibilidade que pode dizer respeito a uma ou mais formas de sensibilidade (por ex. à dor, ao calor, ao toque, etc.); especificamente, anestesia significa supressão artificial da sensibilidade por meio de fármacos chamados anestésicos, numa parte do corpo (local ou regional), ou em todo o corpo (geral- estado farmacologicamente induzido de amnésia, analgesia, perda de consciência e perda de reflexos musculares esqueléticos), quase sempre com vista a uma intervenção cirúrgica;
  • Narcose é o estado de sono provocado por fármacos, na maior parte durante uma anestesia geral; por extensão designa a própria anestesia geral;
  • Hipnose é um estado próximo do sono provocado pelo hipnotismo; no sentido menos corrente é o sono provocado por hipnotismo;
  • Hipnótico (sonífero ou soporífero) é um medicamento que provoca o sono;
  • Sedação corresponde a estado de consciência diminuída, induzida farmacologicamente, com respiração espontânea; pode ser ligeira ou ansiolítica, moderada (doente despertável e ventilação espontânea) e profunda, de acordo com doses administradas;
  • Sedação profunda é um estado de depressão do nível de consciência: o doente não pode ser despertado com facilidade, responder aos estímulos dolorosos, mas existe perda dos reflexos protectores da via aérea, necessitando de suporte para a manutenção da permeabilidade das vias aéreas e/ou ventilatório.

A dor, experiência emocional e sensorial desagradável associada a uma lesão, pode desencadear uma resposta ao estresse com libertação de catecolaminas. A abordagem da dor (um dos sintomas mais frequentes na idade pediátrica), podendo ser avaliada de forma subjectiva ou através de escalas de quantificação adequadas ao grupo etário, deve ser feita fundamentalmente com duas perspectivas: – proporcionar conforto e sensação de segurança ao doente; – ter em conta que a libertação de catecolaminas contribui para a instabilidade do doente crítico. Assim, a supressão da dor frena a resposta neuroendócrina e permite uma maior estabilização clínica.

Na prática clínica em geral, e no contexto da terapia de urgência e emergência, designadamente em cuidados intensivos, a analgesia e a sedação são aplicados: – em casos de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos dolorosos; – para promover a adaptação à ventilação mecânica. Importa referir a propósito o fenómeno de amnésia durante o período de sedação.

Não existindo um modelo único de actuação, a abordagem da terapêutica em análise tem como base normas que garantam segurança e facilitem a aplicação clínica. (ver capítulo “Dor no Recém-Nascido) – Parte sobre Perinatologia/Neonatologia.

Avaliação da dor

As escalas de avaliação de dor são muito úteis, especialmente, em crianças pequenas. Existindo várias escalas, a Direcção Geral da Saúde (2010) recomenda algumas daquelas, não pormenorizadas neste capítulo, mas com especificação de idades em que estão indicadas:

Menores de 4 anos ou crianças sem capacidade para verbalizar

  FLACC (Face, Legs, Activity, Cry, Consolability).

Entre 4 e 6 anos

      1. FPS-R (Faces Pain Scale–Revised). Válida a partir dos 4 anos;
      2. Escala de faces de Wong-Baker. Válida a partir dos 3 anos.

A título de exemplo apresenta-se ainda a escala (OPS), adequada para avaliar crianças de todas as idades (0-18 anos), combinando indicadores comportamentais e fisiológicos com atribuição de pontuação 0-1-2. (Quadro 1)

QUADRO 1 – OPS – Escala objectiva da dor, até 18 anos

Sigla: OPS<> Objective Pain Scale. PA <> pressão arterial
Parâmetro012
PA sistólicaaumento < 20% PA basal20-30%> 30%
Choroausenteconsolávelinconsolável
Actividade motoratranquilamoderada/controlávelintensa/inconsolável
Expressão facialsorrisoneutraexpressiva
Avaliação verbal
(2-3 anos)
sem dorincómodo, não localizando a dorqueixa e localizando a dor
Linguagem corporal
(< 2 anos)
postura normalhipertoniaprotege ou toca zona dolorosa


Nesta escala, pontuações de 1-2 significam presença de dor ligeira; 3-5 dor moderada; 6-8 dor intensa que justificam a administração de opióides; 9-10 dor insuportável, com necessidade de opióides em perfusão.

Normas práticas importantes

1. O doente deve ser monitorizado durante todo o procedimento de analgesia e/ou sedação: frequência cardíaca, saturação em oxigénio por oximetria de pulso e pressão arterial.

2. Deve-se administrar oxigénio, se necessário.

3. Toda a equipa deve estar familiarizada com os procedimentos a efectuar, realçando-se a importância do cálculo das doses, das diluições usadas, do tempo de administração, do material e dos antídotos. Quanto à dose, recomenda-se iniciar por doses mais baixas e ir administrando bólus até atingir o efeito pretendido (sem ultrapassar a dose máxima). Excluir alergias

4. Recomenda-se dieta absoluta precedendo a analgesia e/ou sedação, com restrição de líquidos de duração variável: se líquidos à 2 h; se leite materno 4 h; se leite artificial ou restante alimentação à 6 h.

5. Conhecer factores de risco que possam alterar a susceptibilidade individual ao fármaco e que possam levar à necessidade de redução da dose, tais como idade inferior a 5 anos, antecedentes de apneia, risco de obstrução da via aérea (por ex. hipertrofia das adenóides), risco de doença crónica como displasia broncopulmonar e asma, insuficiência hepática, renal e doenças neurológicas. Na presença destes factores de risco, deve-se começar com doses mais baixas (25 a 50% de redução) até efeito desejado.

6. Outra forma de reduzir os efeitos secundários é utilizar sempre que possível, associação de fármacos, o que permite reduzir a dose total. O uso concomitante de fármacos adjuvantes também pode ser útil. Por exemplo, a hidroxizina (1-2 mg/kg/dose oral, dose máxima 25 mg), pode ser usada para aliviar a ansiedade e insónia, sem necessidade de incrementar as doses dos fármacos principais.

7. O conhecimento dos efeitos hemodinâmicos e respiratórios, da rapidez de actuação, da vida média do fármaco, de eventual interacção medicamentosa e da existência de antídoto específico contribuem para auxiliar o clínico na escolha dos fármacos a utilizar, com base na patologia de base, designadamente em contexto de insuficiência hepática ou renal.

ANALGESIA

1. Fármacos analgésicos mais utilizados

O Quadro 2 discrimina os fármacos analgésicos mais utilizados, seguindo-se a subdivisão de acordo com os diversos tipos de acção.

QUADRO 2 – Fármacos analgésicos mais utilizados

Não opióidesOpióides, doses de acordo com o efeito pretendido (ver adiante)
Paracetamol oral/rectal 10-15 mg/kg cada 4-6 h máx 30 mg/kg/dia (< 10 kg)
ev: < 10 kg 7,5 mg/kg/dose máx 30 mg/kg/dia > 10 kg 15 mg/kg cada 4-6 h máx 60 mg/kg
dose máx dia: 4 g/3 g se factores de risco
Morfina
Ibuprofeno: oral 5-10 mg/kg cada 6-8 h
(máx 40 mg/ kg/d)
Fentanil
Metamizol oral: 20-40 mg/kg cada 6-8 h
ev: 40 mg/kg cada 6-8 h
dose máx 2 g/dose
Alfentanil
Cetorolac ev/oral: 0,25-0,5 mg/kg cada 6 h
(> 3 anos) dose máx 30 mg/dose, durante 48-72 h
Remifentanil
Cetamina ev: 1-2 mg/kg/bólusCodeína oral: 0,5-1 mg/kg cada 4-6 h
1.1 Analgésicos não opióides – anti-inflamatórios não esteroides (AINE)

Estes analgésicos, com uma ação analgésica e anti-inflamatória, apresentam como efeitos secundários náuseas, vómitos, gastrite erosiva (pelo que se realça a importância da necessidade de gastroprotecção), e hepatoxicidade (paracetamol lesão/dose dependente).

1.2 Analgésicos opióides

Os analgésicos opióides, porque têm efeito analgésico e hipnótico, também são denominados narcóticos. São fármacos potentes com modulação no sistema nervoso autónomo, originando, entre outros efeitos, diminuição da sudorese; não produzem amnésia, e são frequentemente associados às benzodiazepinas. Produzem miose, o que permite titular o seu efeito. Têm eliminação hepática e renal, sendo necessário adaptar doses em caso de insuficiência orgânica.

Como efeitos secundários frequentes, descrevem-se: depressão respiratória (dose-dependente), náuseas, vómitos, íleo paralítico, espasmo do esfíncter Oddi, retenção urinária e bradicárdia. Como induzem a libertação de histamina, podem associar-se a prurido importante, broncospasmo e laringospasmo. A administração prolongada associa-se a tolerância e a dependência. A suspensão abrupta pode levar a síndroma de abstinência.

A Naloxona, é um antídoto que permite reverter a depressão respiratória em doentes com respiração espontânea (doses 0,01 mg/kg/dose, máx 2 mg). Pode repetir-se a dose e usar-se em perfusão ao ritmo de 2-10 mcg/kg/h. A reversão dos efeitos está contra-indicada quando existe dependência física.

Os opióides podem ser naturais, como a morfina e a codeína. Existem ainda várias substâncias sintéticas com acção semelhante aos opióides, como por exemplo a meperidina, o propoxifeno e a metadona.

Faz-se seguidamente referência aos analgésicos opióides mais representativos (Quadros 3, 4, 5, 6).

Morfina

A morfina está indicada no tratamento sintomático da dor moderada a severa (associada a cirurgia, doenças neoplásicas e dor crónica em geral), na sedação pré-operatória e como adjuvante da anestesia. É igualmente útil nas crises hipoxémicas na hipertensão pulmonar e edema pulmonar.

QUADRO 3 – Doses da Morfina

MORFINAVia EV/IM (idades em anos → A)Em perfusãoVia oral
Dose (respiração espontânea)0,1-0,2 mg/kg
cada 2-4 h
máx por dose
    • < 1 A – 2 mg
    • 1-6 A – 4 mg
    • 7-12A – 8 mg
    • > 12 A – 15 mg
10-15 mcg/kg/h0,2-0,5 mg/kg cada 4-6 h
Fentanil

É um fármaco muito utilizado para analgesia em procedimentos muito dolorosos, podendo ser usado em bólus (procedimentos curtos) ou em perfusão contínua (em situações de pós-operatório). É cem vezes mais potente do que a morfina, com início de acção após alguns minutos, e duração de 30-45 minutos. Doses repetidas podem prolongar os efeitos farmacológicos por acumulação.

A administração rápida pode produzir depressão respiratória, bradicardia e rigidez muscular. (Quadro 4)

QUADRO 4 – Doses de Fentanil (ev)

Nota → Diluir com soro fisiológico ou Dextrose a 5% para perfusão contínua, na concentração máxima 50 mcg/mL; reajuste de dose na insuficiência renal <> 75% da dose com TGF 10-50 ml/min/1,73m3; 50% da dose TGF < 10 ml/min/1,73 m3

Analgesia (respiração espontânea)Sedoanalgesia (doente ventilado)
Bólus 0,5 mcg/kg
(dose máx 25-50 mcg); repetir, se necessário, de 5-5 minutos
1-3 mcg/kg   bólus cada 2 a 4 h
Perfusão   0,5-1 mcg/kg/h1-5 mcg/kg/h

Uma das utilizações do fentanil diz respeito ao tratamento da dor crónica, como a dor oncológica; pode ser utilizado sob a forma transdérmica (adesivos), sublingual, ou oral através de chupa-chupas. O cálculo da dose necessária leva em conta a soma de todos os analgésicos usados, aplicando, posteriormente, uma conversão através de uma tabela que permite calcular a dose final de fentanil.

 Alfentanil

Os derivados do fentanil (sulfentanil, alfentanil, remifentanil) vieram reduzir alguns dos efeitos secundários, nomeadamente alterações hemodinâmicas associadas ao uso da morfina, tendo níveis de potência de acção superiores em relação à morfina. São fármacos com maior estabilidade hemodinâmica e por isso são utilizados durante procedimentos ou mesmo durante cirurgia.

O alfentanil é um opióide sintético, de curta duração, indicado para analgesia, isolado ou em associação com outros anestésicos ou sedativos. Deve-se administrar em bólus lento, de forma a evitar rigidez muscular, em particular da caixa torácica que interfere com a ventilação. Tem uma acção de curta duração, sendo um fármaco de eleição para procedimentos breves e quando se pretende rápida recuperação da consciência, até cerca de 15 minutos. Tem acção mais rápida do que o fentanil, com 25% da sua potência. Vigilância acrescida nos doentes com bradicardia e sinais de hipertensão intracraniana. (Quadro 5)

QUADRO 5 – Doses de Alfentanil (ev)

Nota Diluir com soro fisiológico ou com Dextrose a 5% para perfusão contínua, atendendo à concentração máxima permitida de 80 mcg/mL

AnalgesiaSedoanalgesia (doente ventilado)
Bólus 2-5 mcg/kgBólus  5-10 mcg/kg
Perfusão 2-5 mcg/kgPerfusão  2,5-30 mcg/kg/h
Remifentanil        

O remifentanil tem uma vida ultracurta (3-5 minutos); com eliminação rápida, permite recuperação imediata da consciência, muito útil quando é necessário proceder a monitorização neurológica. Tratando-se dum fármaco muito seguro no caso de insuficiência renal e hepática, é considerado um fármaco de eleição. O efeito analgésico é obtido ao fim de 1-3 minutos, não se acumula nos tecidos, permitindo a extubação após intervenção; também é adequado em contexto de se proceder a entubação (dose 1-3 mcg/kg/dose). (Quadro 6)

QUADRO 6 – Doses de Remifentanil (ev)

AnalgesiaSedoanalgesia
Bólus 0,1 mcg/kg, em procedimentos rápidosBólus sem interesse por acção curta
Perfusão 0,025-0,1 mcg/kg/minPerfusão 0,05-1 mcg/kg/min

 

2. Fármacos sedativos mais utilizados

O Quadro 7 discrimina os fármacos sedativos mais utilizados, divididos em dois grupos terapêuticos: os anestésicos e os ansiolíticos-hipnóticos.

QUADRO 7 – Fármacos sedativos mais utilizados: anestésicos e ansiolíticos-hipnóticos

ANESTÉSICOSANSIOLÍTICOS – HIPNÓTICOS
TiopentalHidrato cloral
EtomidatoDiazepam
PropofolMidazolam
Cetamina 
Protóxido de azoto 

 

2.1 Ansiolíticos-hipnóticos
Hidrato de cloral

O hidrato de cloral é um fármaco sedativo não analgésico que não provoca depressão respiratória nas doses de sedação. É utilizado frequentemente nos procedimentos não dolorosos, como por exemplo nos exames de Imagem. Com metabolismo hepático e eliminação renal, o seu efeito é mantido por 6-8 h. (Quadro 8)

QUADRO 8 – Hidrato cloral: doses e vias de administração

Vias de administração Doses
(Nota – Dose máxima: 2 g/24 h)
Oral (1 mL <> 50 mg)Sedação: 25 mg/kg/dia
Rectal (1 mL <> 100 mg)Hipnose: 50-100 mg /kg/dia
Dose máxima 2 g/24 h
Benzodiazepinas

O grupo das benzodiazepinas tem efeito dependente da dose, com acção inicial ansiolítica e, gradualmente, anticonvulsante, sedativa, e relaxante muscular, até à fase anestésica. Tem metabolismo hepático com eliminação renal e biliar. Este grupo terapêutico produz sedação, mas não analgesia.

Como efeitos secundários citam-se: depressão respiratória, depressão miocárdio, hipotensão, náuseas e vómitos.

O antídoto específico é o flumazenil (anexato); dose: 0,01 mg/kg até 0,2 mg/dose, podendo repetir-se bólus até máximo 1 mg. Dose para perfusão: 5-10 mcg/kg/h. Deve usar-se flumazenil só depois de reverter efeito do bloqueio neuromuscular (até o doente ter movimentos respiratórios espontâneos) e tendo-se em atenção o mal convulsivo: ao anular efeito farmacológico das benzodiazepinas, perde-se também acção terapêutica dirigida ao status convulsivo.

Entre as benzodiazepinas citam-se de modo sucinto, como os mais frequentemente utilizados, o midazolam e o diazepam. Nos Quadros 9 e 10 são descritas respectivamente as doses e as vias de administração

QUADRO 9 – Midazolam: doses e vias de administração

Nota – Diluir com soro fisiológico ou D5% para perfusão contínua, concentração máxima 1-5 mg/mL. Se sedação insuficiente: administrar bólus extra de 0,05 mg/kg
MidazolamEVSublingual/intranasalOral
Dose0,05-0,1 mg/kg
(máx <> 5 mg)
0,2-0,5 mg/kg0,5-0,7 mg/kg;
(máx <> 20 mg)
Início de acção1-3 min10 min10-20 min
Efeito máximo5-7 min10 min 
Duração20-30 min (bólus)60 min 
Perfusão1-15 mcg/kg/min  

QUADRO 10 – Diazepam: doses e vias de administração

Nota – Menor potência do que o midazolam, mas acção mais prolongada. Concentração máxima de 5 mg/mL, não ultrapassando o ritmo de 5 mg/min
 >EVRectalOral
Dose
    • 0,05-0,1 mg/kg (pode ser repetido até 10 mg/dose)
    • 2-4 h (máx 0,6 mg/kg em 8 h)
    • 0,5 mg/kg/dose (até 5 anos)
    • 0,3 mg/kg/dose (6-11 anos)
    • 0,2 mg/kg (> 12 anos máx 10 mg)
0,2-0,8 mg/kg/dia (a: 6-8 h)
Início de acção3 min5 min10-20 min
Duração60-120 min  
2.2 Anestésicos
Cetamina

É um anestésico dissociativo que bloqueia selectivamente as vias de associação cerebral e deprime o sistema talâmico-cortical, o sistema activador reticular e límbico, produzindo analgesia e sedação.

Tem efeito anti-inflamatório e diminui as citocinas pró-inflamatórias, propriedades muito úteis em situações de estresse importante como cirurgia, sépsis e no trauma. Embora tenha efeito inotrópico negativo intrínseco e propriedades vasodilatadoras, a cetamina preserva a estabilidade hemodinâmica pelo efeito simpático secundário ao induzir a libertação de catecolaminas, (atenção, por isso, aos casos de hipertensão e/ou aneurisma), acabando por ser um estimulante cardiovascular: incrementa a pressão arterial, o cronotropismo e a resistência dos vasos periféricos. Por estas propriedades é um fármaco de primeira eleição nos casos cursando com hipotensão, (sépsis), broncospasmo (efeito broncodilatador) e nos queimados. Garante uma associação segura com propofol (ver adiante) por manter estabilidade hemodinâmica. Tem metabolismo hepático e excreção renal. (Quadro 11)

Como efeitos secundários indesejáveis regista-se o aumento das secreções orais e brônquicas.

QUADRO 11 – Cetamina: doses e vias de administração

Nota – Diluir com soro fisiológico ou D5% para perfusão contínua; concentração de 5-10 mg/mL
Cetamina
Sedação para procedimentos 1 mg/kg/dose, pode-se repetir bólus (lento)
Anestésico 2 mg/kg/dose
Perfusão 5-20 mcg/kg/min
Intramuscular 2-3 mg/kg/dose

Uma dose endovenosa 1-2 mg/kg é normalmente adequada para induzir sedação com preservação da via aérea e de ventilação espontânea; por isso, permite realizar procedimentos dolorosos (suturas, colocação de catéteres centrais, redução de fracturas) em doentes não ventilados.

Tiopental

É um barbitúrico de acção ultracurta, início de acção imediata, com duração de 5 minutos. Produz sedação profunda e apneia em 15-30 segundos. Diminui o fluxo cerebral, o consumo de oxigénio cerebral e a pressão intracraniana. Indicado para procedimentos rápidos como a entubação. Indicado, também, na hipertensão intracraniana, e ainda na abordagem do estado mal convulsivo; as crises convulsivas podem ser controladas com tiopental enquanto os agentes anticonvulsantes não atingirem os níveis terapêuticos ideais. O uso de tiopental em perfusão já pressupõe ventilação assistida e possível suporte vasopressor. Tem eliminação hepática e excreção renal.

As doses em diferentes situações constam do Quadro 12.

QUADRO 12 – Doses do Tiopental (ev)

Nota – Diluir com soro fisiológico ou D5% para perfusão contínua; concentração máxima de 50 mg/mL
TIOPENTAL ev SEDAÇÃO curta ENTUBAÇÃO MAL CONVULSIVO
DOSE 1-3 mg/kg 3-5 mg/kg 1-5 mg/kg/h
Propofol

O propofol pertence ao grupo de anestésicos gerais; tem início de acção muito rápida (15-45s), e despertar também rápido. É metabolizado no fígado e eliminado pelo rim. Pode ser utilizado na sedação de jovens e adultos em ventilação mecânica, nas crianças com mais de um mês de idade (de acordo com o INFARMED, 2014) e adultos durante procedimentos de diagnóstico e cirúrgicos.

A administração rápida produz vasodilatação com diminuição das resistências periféricas e do inotropismo, pelo que deverá ser evitado em doentes hipovolémicos ou hemodinamicamente instáveis. Em perfusão contínua e prolongada (>10 mg/k/h) por mais de 48 horas, associa-se a acidose metabólica. Assim, a perfusão contínua e prolongada, não está recomendado em crianças pequenas, pela probabilidade de surgimento da chamada síndroma de perfusão do propofol (acidose metabólica, hipercaliémia, hiperlipémia, hepatomegália, insuficiência renal, disritmia, e insuficiência cardíaca. (Quadro 13)

Este fármaco está contra-indicado em casos de alergia ao ovo, à soja e ao amendoim.

QUADRO 13 – Doses de administração do Propofol (ev) e respectivos efeitos

PROPOFOL
Indução anestésica 2,5-3,5 mg/kg
Sedação 1-2 mg/kg
Perfusão 1-4 mg/kg/h
Etomidato

É um anestésico com início de acção imediata, indicado na indução de anestesia para procedimentos de curta duração, procedimentos de diagnóstico ou intervenções rápidas que exigem uma recuperação rápida sem sintomas residuais. O seu tempo de actuação é mais curto do que o do midazolam. A dose em bólus por via ev é 0,2-0,3 mg/kg.

Trata-se do anestésico com menor repercussão hemodinâmica, diminuindo a pressão intracraniana através da diminuição do fluxo cerebral e diminuição do consumo de oxigénio. Não recomendado para uso de rotina em doentes críticos ou sujeitos a estresse grave pelos efeitos de supressão da função da suprarrenal (inibe a 11-beta hidroxilase). Em tais circunstâncias deve proceder-se sempre à administração duma dose de reposição de prednisolona (1-2 mg/kg) de forma a acautelar a disfunção adrenocortical. Pode ocorrer supressão prolongada de cortisol e aldosterona quando administrado em perfusão contínua; por isso, este modo de administração não é aconselhado. Não possuindo efeito analgésico, recomenda-se a administração simultânea de um opióide como o alfentanil.

Protóxido de azoto

O protóxido de azoto é um gás anestésico, que associa propriedades analgésicas e amnésicas. É usado por via inalatória com máscara, permitindo diminuir a ansiedade e o medo, aumentando o limiar da dor e melhorando a cooperação da criança. Pode ser usado através de uma mistura equimolar de 50% de protóxido de azoto e pelo menos 50% de oxigénio (MEOPA). A via inalatória é feita através de uma máscara (com fluxo de 4 l/min) e durante pelo menos 3-4 minutos antes do início do procedimento.

A criança deve permanecer sempre comunicativa, já que o nível de sedação pretendido é mínimo. Verifica-se uma resposta normal a comandos verbais, sendo que, por outro lado, a função cardiovascular e respiratória permanece inalterada. Se a criança adormecer durante a administração, deve suspender-se o fornecimento do gás, passando a oxigénio unicamente. O procedimento pode manter-se desde que o paciente responda ao estímulo táctil. No fim de cada procedimento deve administrar-se oxigénio a 100%.

A sedação consciente mantém intactos os reflexos protectores da via aérea. O início rápido de acção e eliminação rápida (3-5 min), associados a ausência de nefrotoxicidade ou hepatotoxicidade são características que tornam o protóxido de azoto uma opção válida em pediatria, proporcionando segurança no seu uso, designadamente sem depressão do centro respiratório.

As suas limitações relacionam-se com dificuldades na adaptação da máscara, seja por falta de aderência, seja por alterações anatómicas faciais: distúrbios psiquiátricos, traumatismo craniano com alteração do estado de consciência, e associação de patologia com risco de expansão das cavidades com ar sob tensão, como pneumotórax. Também, tratando-se de procedimentos mais cruentos, esta abordagem poderá não ser suficiente.

A utilização desta técnica está indicada em procedimentos de curta duração, em casos de dor de intensidade ligeira ou moderada, mas associada a um elevado nível de ansiedade. Muito útil em pequenos procedimentos como punção venosa, punção lombar, cateterismo para uretrocistografia, suturas de pele, correcção de fractura, tratamento dentário e procedimentos endoscópicos.

Esquemas terapêuticos

Depois de avaliada a condição clínica do doente e os potenciais efeitos secundários dos fármacos, a escolha deve ser baseada no efeito pretendido, escolhendo para isso fármacos com menor risco, com doses mais baixas, e com possibilidade de existir antídoto. (ver Quadros seguintes)

A aplicação de escalas de dor é, mais uma vez, muito útil para decisão terapêutica.

QUADRO 14 – Analgesia de acordo com situação clínica e grau da dor

Dor Leve Dor moderada Dor intensa
Paracetamol Associação de 2 AINE Opióide em bólus
Metamizol AINE + Opióide Opióide em perfusão
Cetorolac Opióide + Midazolam

QUADRO 15 – Terapêutica em função do tipo de procedimento

Procedimentos não dolorosos Ecografia, Tomografia, Ressonância Magnética
Colaborante Sem necessidade
Não colaborante e sem via Hidrato de cloral, Hidroxizina oral Midazolam oral (0,5-0,75 mg/kg), 20 min antes
Não colaborante e com via Midazolam ev 0,05-0,1 mg/kg, lento, no local
Procedimentos dolorosos
Canalização venosa, punção lombar EMLA, ponderar de acordo com idade, clínica e colaboração restante sedação
Pensos, queimaduras, drenos torácicos em doentes não ventilados Cetamina+Midazolam Alfentanil+Midazolam Alfentanil+Propofol
Pensos, queimaduras, drenos torácicos em doentes ventilados Fentanil/Alfentanil+Midazolam (sedação profunda) Fentanil/Alfentanil+Midazolam+Vecurónio ou Rocurónio
Procedimentos muito dolorosos Doses até sedação profunda
Biópsia medula, hepática, renal, desbridamento de feridas, queimaduras Canalização de vias centrais Fentanil/Alfentanil+Midazolam Fentanil/Alfentanil+Propofol Cetamina+Midazolam

 

Esquemas terapêuticos segundo a patologia

O quadro 16 esquematiza as noções anteriormente expostas.

QUADRO 16 – Terapêutica segundo patologia

TRAUMA
Sem traumatismo cranianoCom traumatismo craniano e estabilidade hemodinâmicaSem estabilidade hemodinâmica
Midazolam+AlfentanilPropofol+RemifentanilMidazolam+Cetamina
Midazolam+CetaminaMidazolam+RemifentanilMidazolam+Alfentanil
 Midazolam+Alfentanil 
QUEIMADO
AlfentanilUso preferencial pelo seu efeito sobre a dor
HIPERTENSÃO INTRACRANIANA
Midazolam/Propofol+RemifentanilPonderar Tiopental (Coma Barbitúrico)
Ponderar Vecurónio/Rocurónio 
ENTUBAÇÃO
SedaçãoMidazolam
Cetamina (asma, hipotensão, choque)
Propofol
Nota – Com instabilidade hemodinâmica deve-se evitar o Propofol.
VENTILAÇÃO MECÂNICA
Midazolam+Fentanil/AlfentanilBólus e perfusão
Propafol+Fentanil/AlfentanilBólus e perfusão
Adicionar relaxante muscularQuando há transporte do doente
Risco de auto-extubação
Assistência respiratória agressiva


O Quadro 17 descreve aspectos sucintos do tratamento dos efeitos secundários dos opióides.        

QUADRO 17 – Tratamento dos efeitos secundários dos opióides

Digestivos
(náuseas, vómitos, dor abdominal)
Cutâneos
(prurido)
Urinários
(retenção urinária)
Metoclopramida
0,1-0,2 mg/kg/dose cada 6-8 h IV
Diminuição da dose opióidesAlgaliação
Ondasetron
0,1-0,2 mg/kg/dose 6-6 h IV
Compressas friasDiminuir dose de opióide
Difen-hidramina
1,25 mg/kg/dose 6-6 h IV
Difen-hidraminaBetanecol 0,05 mg/kg/dose de 8-8 h
PO SC
Droperidol
10-30 mcg/kg dose IV
  
Naloxona
0,01 mg/kg IV
Mudar para Cetamina 

Tolerância, dependência e abstinência

O uso de opióides, benzadiazepinas, barbitúricos e de cetamina por períodos curtos e em baixa dose, raramente induzem abstinência. O risco de abstinência é de 50% com o uso de fentanil por mais de 5 dias ou numa dose cumulativa maior que 1,5 mg/kg enquanto, para o midazolam, este risco ocorre com uma dose cumulativa total superior a 60 mg/kg.

Existem vários esquemas de redução da dose destes fármacos cuja descrição ultrapassa os objectivos deste livro.

Escalas de sedação

Os níveis de sedação dos doentes devem ser avaliados, a fim de evitar uma sedação mais profunda do que a necessária, reduzindo tempo de ventilação mecânica e de internamento, e não agravar o prognóstico pela associação de complicações e maior mobilidade. Para a descrição das referidas escalas, sugere-se ao leitor a consulta da bibliografia.

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