1. TROMBOCITOPÉNIA

Definição, patogénese e importância do problema

A trombocitopénia, independentemente da idade, define-se como uma redução da concentração plaquetária – mais de dois desvios-padrão (2DP) abaixo da média populacional, ou seja, < 150.000/μL (ou < 150 x 109/L).

Podendo ser congénita ou adquirida, ocorre por um ou mais dos seguintes mecanismos:

  1. Diminuição da produção (ex. infiltração neoplásica, infecção, fármacos, causas genéticas);
  2. Aumento da destruição periférica (ex. fenómenos imunológicos ou mecânicos angiopáticos);
  3. Retenção esplénica (ex. esplenomegália congestiva ou infiltrativa). Na sua grande maioria (mais de 95% dos casos) a trombocitopénia faz parte da entidade clínica designada por púrpura trombocitopénica idiopática (PTI) com uma incidência mundial de aproximadamente 4 a 6 em cada 100.000 crianças. (ver adiante)

As plaquetas, fragmentos celulares libertados pelos megacariócitos na medula óssea, são essenciais para a hemostase primária. A sua produção é regulada pela trombopoietina (TPO), e após circularem durante 8 a 10 dias, são fagocitadas pelos macrófagos do sistema reticuloendotelial (SRE).

O seu papel na hemostase primária baseia-se na adesão aos locais de lesão vascular; na secreção de mediadores de hemostase (ex: histamina e serotonina) com vasoconstrição local e na agregação entre si, através do fibrinogénio. Assim, a deficiência qualitativa e/ou quantitativa de plaquetas condiciona um potencial risco hemorrágico.

Habitualmente, o baço contém cerca de um terço do volume total de plaquetas, atuando como um reservatório. Na presença de um factor de estresse (ex. hemorragia aguda), ocorre libertação de adrenalina com consequente contracção esplénica e aumento temporário do número de plaquetas circulantes.

Factores etiológicos

No Quadro 1 encontram-se enumerados os principais factores etiológicos em idade pediátrica, após o período neonatal (neste último caso, a trombocitopénia é abordada em capítulo próprio, na Parte sobre Perinatologia/Neonatologia).

QUADRO 1 – Factores etiológicos da trombocitopénia

Diminuição de produção
Anemia aplásica
Infiltração medular
Lesão induzida por fármacos/radiação
Carências nutricionais (ferro, folato, vitamina B12)
Causas genéticas
Sequestro
Hiperesplenismo
Hipotermia
Diluição pós-transfusional
Diminuição da sobrevida
Trombocitopénia imune
Doença utoimune/linfoproliferativa
Pós-transfusional/pós-transplante
Alergia/anafilaxia
Infecção
Fármacos
Mecânica
Patologia cardiopulmonar
Cateteres/próteses vasculares
Vasculites
Coagulação intravascular disseminada
Síndroma hemolítica urémica
Púrpura trombocitopénica trombótica
Infecção
Síndroma de Kasabach-Merritt

Semiologia clínica e laboratorial

A trombocitopénia pode manifestar-se por diátese, mais frequentemente mucocutânea – petéquias, equimoses, epistaxe e gengivorragias (mais evidentes quando o valor da contagem é inferior a 20.000/μL). Os défices mais graves podem apresentar-se com bolhas hemorrágicas na mucosa oral, hemorragia gastrintestinal, hematúria, menorragias, o que comporta risco acrescido de hemorragia intracraniana. (Quadro 2)

QUADRO 2 – Relação entre o valor numérico de plaquetas e tipo hemorrágico

Plaquetas (x103/µL)Tipo de hemorragia
> 100Assintomática
50-100Mínima (após intervenção cirúrgica ou traumatismo major)
20-50Leve (cutânea)
2-20Moderada (mucocutânea)
< 5Grave (sistema nervoso central)

Ao contrário do que ocorre nas patologias da hemostase secundária (por ex. hemofilia), as hemorragias dos tecidos moles, músculos ou intrarticulares são muito mais raras.

Nas situações em que a trombocitopénia é um achado laboratorial (sem manifestações clínicas associadas), os valores devem ser confirmados numa segunda amostra.

Na presença de aglutininas frias ou de anticorpos (Ac.) em circulação, dependentes do anticoagulante (ácido etilenodiaminotetracético – EDTA), as plaquetas agregam-se e não são contabilizadas pelos sistemas automáticos; este fenómeno determina, pois, um quadro de pseudotrombocitopénia. Assim, em tal circunstância, a segunda amostra deverá ser colhida em tubo de citrato.

Existem alguns dados que nos poderão indicar a possível etiologia da trombocitopénia. Nas situações de disfunção medular (síndromas de falência medular – ver capítulo próprio) existe, frequentemente, um atingimento concomitante das outras linhagens sanguíneas bem como macrocitose.

Nas situações em que a trombocitopénia é isolada (sem outras citopénias) importa considerar as causas imunes (trombocitopénia imune) e as congénitas (trombocitopénias hereditárias – TH).

Os exames complementares devem ser ponderados após anamnese e exame objectivo tendo em conta, para além da idade de apresentação e do estado geral, a presença de defeitos congénitos, assim como o padrão do crescimento e do neurodesenvolvimento.

Formas clínicas

Discriminam-se a seguir as principais entidades clínicas em que se verifica trombocitopénia.

1. Trombocitopénia imune aguda

Esta forma clínica é causada pela produção de autoanticorpos inespecíficos, habitualmente IgG que se ligam à superfície das plaquetas, amplificando a sua fagocitose pelos macrófagos (SRE) através de um receptor Fc e interferindo na trombopoiese.

Apresenta dois picos de incidência, entre os 2-5 anos de idade, mais frequente no sexo masculino (1,7:1) e outro na adolescência, predominantemente no sexo feminino. A taxa de incidência anual situa-se entre 1 e 6 casos/100.000 crianças.

Em cerca de 50% dos casos surge entre 1-4 semanas após uma infecção vírica inespecífica ou após infecção por vírus Epstein Barr (VEB), varicela-zóster (VZV) ou VIH. Na varicela, para além da trombocitopénia imune, pode verificar-se formação de anticorpos contra as proteínas S e/ou C, levando a alterações mais complexas da hemostase. Estima-se também que as imunizações (por ex. com vacina anti-sarampo-parotidite-rubéola – VASPR) possam estar relacionadas com a produção de imunoglobulinas antiplaquetárias em cerca de 2,6/100.000 crianças, nas 6 semanas seguintes à inoculação. Nestas situações deve proceder-se ao estudo serológico e, no caso de ausência de imunidade, recomenda-se uma segunda dose da vacina.

As manifestações clínicas clássicas traduzem-se pelo aparecimento súbito de exantema petequial generalizado sem outras alterações. O baço é palpável em cerca de 10% dos casos. Ocasionalmente, podem ser observadas linfadenopatia e/ou hepatomegália ligeiras, habitualmente secundárias à infecção vírica desencadeante. No entanto, a sua presença deverá alertar para outras situações mais graves. Na trombocitopénia imune, apesar dos baixos níveis de plaquetas, o risco hemorrágico é inferior ao descrito na trombocitopénia decorrente doutra etiopatogénese.

Através de exames laboratoriais verifica-se trombocitopénia isolada, mais frequentemente com valores entre < 30.000/μL e < 20.000/μL (80% dos casos), e < 10.000/μL (em 10%). O aumento da actividade medular traduz-se num aumento do volume plaquetar médio (VPM). Habitualmente, os valores da hemoglobina (Hb) e do volume globular médio (VGM) são normais, excepto em situações de hemorragia moderada a grave, em que podem estar diminuídos.

Mesmo na ausência de anemia deve realizar-se a prova da antiglobulina directa (Coombs directa) para excluir existência de anticorpos antieritrócito e, designadamente, síndroma de Evans (anemia hemolítica e trombocitopénia imunes).

Os valores das contagens total e diferencial de leucócitos, o estudo da coagulação e as provas de função plaquetária também se encontram dentro de parâmetros normais. Através da observação do esfregaço sanguíneo comprova-se apenas escassez de trombócitos e ausência de agregados plaquetares.

A presença do anticorpo antinuclear (ANA) é mais frequente no adolescente, podendo indicar uma maior predisposição para a evolução para a cronicidade.

Em situações que cumprem os critérios supracitados, em crianças estáveis, não está indicada a realização de mielograma desde que a morfologia de sangue periférico tenha sido avaliada por patologista clínico experiente (salientando-se a necessidade de excluir a presença de blastos). Pelo contrário, é obrigatória a sua realização na presença de situações atípicas, antes da instituição de corticoterapia e na ausência de resposta à terapêutica.

A PTI é um diagnóstico de exclusão, devendo ser afastadas todas as situações de trombocitopénia em que é preservado o estado geral, concretamente as decorrentes de exposição farmacológica, patologia autoimune, hiperesplenismo e anemia de Fanconi.

Em cerca de 75% das situações ocorre um aumento plaquetário progressivo nas 2 a 3 semanas seguintes, com paralela diminuição da tendência hemorrágica e resolução espontânea completa dentro de 6 meses.

De referir que não está completamente esclarecido o mecanismo que regula a produção de anticorpos anti-plaquetas quando se verifica remissão espontânea da PTI.

No que respeita ao tratamento, importa atender aos seguintes procedimentos:

  • Os cuidados gerais (em geral aplicáveis a todas as formas clínicas de trombocitopénia) podem ser realizados em ambulatório, com repouso relativo adequado à criança. Devem ser dadas orientações aos pais/familiares e prestadores de cuidados (esclarecimento quanto à benignidade da situação e alerta para os sinais de alarme – ver Quadro 2), evitadas actividades de risco (ex. desportos de contacto), estimulado o uso adequado de protecções, evitadas injecções intramusculares e fármacos que interfiram na função das plaquetas – por ex. ácido acetilsalicílico, determinados anti-histamínicos e anti-inflamatórios não esteróides (ibuprofeno) – durante o período agudo da doença;
  • A frequência escolar pode ser mantida, com os cuidados referidos anteriormente. Nas adolescentes que já tiveram menarca pode ser considerada supressão hormonal;
  • Vigilância clínica e laboratorial frequentes;
  • Dado que a terapêutica farmacológica não parece influenciar o curso da doença, a mesma deverá ser ponderada caso a caso, e baseada fundamentalmente: nos sinais de alarme e na gravidade das manifestações de diátese (por ex. presença de hemorragia de mucosas ou doutra hemorragia activa); e no valor da contagem de plaquetas (mais frequentemente indicada se inferior a 10.0000 /μL.

Relativamente aos fármacos mais frequentemente utilizados, citam-se:

  • Imunoglobulina endovenosa (IGIV) – actuando por bloqueio dos receptores Fc, reduz a destruição das plaquetas no SRE. Indicada quando se pretende um aumento rápido dos níveis de plaquetas, na dose única de 0,8-1 g/Kg. Com uma eficácia que ronda 80%, permite um incremento plaquetário muito mais acelerado (> 20.000/μL ao 3ºdia; > 50.000/μL entre o 5º e o 7º dias). Por vezes a sua administração associa-se a cefaleia intensa, náuseas, vómitos e, mais raramente, a reações alérgicas e meningite asséptica;
  • Prednisolona oral – existem diversos esquemas possíveis: a) 1-2 mg/kg/dia durante 2 semanas, seguindo-se diminuição lenta; b) 4 mg/kg/dia durante 4 dias (esquema curto de alta dose). À medida que é feito o desmame da corticoterapia poderá ocorrer recaída;
  • Imunoglobulina anti-D – podendo ser utilizada em indivíduos Rh+ (50-75 mg/kg), não esplenectomizados, produz um incremento do número plaquetário sobreponível ao conseguido com IGIV. A principal desvantagem consiste na possibilidade de se desencadear anemia hemolítica transitória. Apresenta em relação à IGIV, a vantagem de poder ser administrada em minutos e com menos efeitos adversos relacionados com a perfusão;
  • Transfusão plaquetária – só deve ser utilizada em contexto de hemorragia muito grave (com risco de vida ou na necessidade iminente de procedimento invasivo). Concomitantemente deve ser realizada corticoterapia (bolus de metilprednisolona) e IGIV.

2. Trombocitopénia imune crónica

Por definição, considera-se trombocitopenia imune (TI) crónica a condição clínica com diminuição do valor do valor das plaquetas persistindo mais de 6-12 meses, na ausência de outras causas de trombocitopénia. Cerca de 20-25% dos casos de início agudo evoluem para cronicidade. Não é possível prever esta evolução embora existam alguns factores aparentemente relacionados – sexo feminino, idade mais avançada na data do diagnóstico, início de sintomas mais insidioso e ausência de infecção ou de antecedentes de vacinação.

No caso de não terem sido pesquisadas na fase inicial, devem ser excluídas outras citopenias imunes (designadamente LES, e síndroma de Evans), imunodeficiência primária, infecção por VIH ou VHC. A infecção por Helicobacter pilory poderá ter um papel na patogênese da TI crónica, pelo que aquela deve ser pesquisada e, se presente, erradicada.

Na maioria dos casos não existe necessidade de tratamento específico, excepto episodicamente (traumatismo grave, cirurgia ou extracção dentária). Nestas situações a prednisolona ou a IGIV, poderão ser utilizadas.

A maioria dos doentes melhora progressivamente, verificando-se um aumento gradual do valor da contagem plaquetária. Desta forma, a esplenectomia está cada vez menos indicada reservando-se para as emergências hemorrágicas e nos doentes com doença imune grave, persistente (> 12 a 24 meses), com diminuição muito significativa da qualidade de vida. Pelo risco de infecção por microrganismos capsulados associado à esplenectomia, esta deve ser evitada antes dos 6 anos de idade, precedida de imunização antipneumocócica e antimeningocócica, e seguida de quimioprofilaxia com amoxicilina durante, pelo menos, 2 anos após a referida intervenção cirúrgica. De destacar que em cerca de 25% das situações a esplenectomia é ineficaz, não sendo conhecidos factores preditivos desta ausência de resposta.

Actualmente existem disponíveis factores estimulantes da trombopoiese (agonistas rTPO – eltrombopag e romiplostin) com resultados encorajadores nos doentes refractários. Como terapêutica de recurso poderão ser utilizados imunossupressores (ciclofosfamida, azatioprina, ciclosporina e/ou o anticorpo monoclonal rituximab).

3. Trombocitopénias hereditárias

Deve suspeitar-se de trombocitopénia hereditária (TH) quando a trombocitopénia não é claramente adquirida ou não responde à terapêutica instituída (as anomalias funcionais das plaquetas são abordadas noutro capítulo).

Muitos casos são diagnosticados apenas em idade adulta, de forma acidental, em análises de rotina (as formas ligeiras a moderadas na maioria dos casos não comportam tendência hemorrágica acrescida).

O diagnóstico requer um elevado grau de suspeição sendo que, na maioria dos doentes na ausência de sinais dismórficos major o primeiro diagnóstico é, erradamente, trombocitopénia imune.

A história clínica é essencial devendo pesquisar-se, para além de alterações esqueléticas (nomeadamente nos membros) e outros defeitos congénitos, a presença de surdez neurossensorial, nefropatia, cataratas, imunodeficiência e alterações do neurodesenvolvimento.

Existem várias classificações de trombocitopénias hereditárias.
Sob o ponto de vista da prática clínica e da orientação diagnóstica afigura-se de maior utilidade a seguinte:

  • Formas sindrómicas: salientando-se a trombocitopénia relacionada com o MYH9 (MYH9-RD), a trombocitopénia ligada ao X (XLT), a síndroma de Wiskott-Aldrich (WAS), a sinostose radiocubital, a síndroma associada a aplasia do rádio (TAR)/de Paris-Trousseau e Jacobsen, e a trombocitopénia associada a sitosterolémia e ao GATA1;
  • Formas não sindrómicas: a síndroma de Bernard Soulier, a trombocitopénia amegacariocítica congénita, a trombocitopénia relacionada com o ANKRD26 e ACTN1, e a trombocitopénia familiar com predisposição para leucemia mielóide aguda, entre outras.

A presença de determinados achados laboratoriais de primeira linha poderá contribuir para o diagnóstico: plaquetas gigantes e corpos de Dohle na MYH9-RD, plaquetas pequenas na XLT/WAS, hemólise/diseritropoiese na trombocitopénia associada ao GATA1, e estomatocitose na sitosterolémia.

4. Outras situações

  1. A presença de febre, palidez, equimoses, adenopatia e/ou hepatosplenomegália sugerem compromisso medular primário, orientando o clínico para a necessidade de realização de aspirado/biópsia medular. A diminuição dos megacariócitos deve-se essencialmente à falência da medula óssea ou leucemia aguda.
  2. Na criança gravemente doente com petéquias, febre, letargia e/ou instabilidade hemodinâmica, a coagulação intravascular disseminada associada a sépsis é o diagnóstico mais provável. Os respectivos achados laboratoriais incluem a leucocitose ou leucopénia, sinais de hemólise, prolongamento dos tempos de protrombina (TP) e de tromboplastina parcial (aPTT) e diminuição dos níveis de fibrinogénio.
  3. Duas entidades relacionadas resultam da lesão vascular endotelial, com consequente anemia microangiopática e consumo plaquetário.

Trata-se da síndroma hemolítica urémica (SHU) e da púrpura trombocitopénica trombótica (PTT). (ver capítulos próprios)

Na SHU, na sua forma típica, muito mais frequente na infância, a lesão é provocada por toxinas produzidas por determinadas estirpes de bactérias, nomeadamente Escherichia coli O157:H7. Esta situação envolve primariamente o rim (oligúria, edema e hipertensão arterial) e a mucosa do cólon (diarreia hemática). Inicialmente a trombocitopénia é ligeira, podendo diminuir rapidamente para valores < 20-30.000/µL, com alguma activação da cascata da coagulação. Todavia, a hemorragia é pouco frequente.

A PTT engloba cinco componentes: anemia hemolítica microangiopática, febre, disfunção renal, trombocitopénia, e anomalias neurológicas (cefaleias, convulsões, hemiparésia e/ou coma). Surge quando multímeros de grandes dimensões do factor de von Willebrand são libertados a partir das células endoteliais vasculares para a circulação, estando ausente a protease ADAMTS13 cuja função é cindir as referidas moléculas em moléculas de menor peso molecular. As grandes moléculas provocam microangiopatia em diversos órgãos, especialmente rim e cérebro.

A PTT pode ser congénita e recorrente (explicada por mutações no gene da ADAMTS13), ou adquirida (em geral no contexto de lúpus eritematoso disseminado, em que surge um autoanticorpo inibidor, neutralizando a protease ADAMTS13. A forma adquirida poderá implicar tratamento com plasmaférese (para remoção do inibidor) e corticoterapia, para além da terapêutica com imunomoduladores.

Na SHU a transfusão plaquetária raramente é necessária. Na maioria dos casos associados a verotoxina, a resolução é espontânea, constando o respectivo tratamento, essencialmente, do suporte das complicações. Nos casos de SHU atípica o tratamento inicial é a plasmaferese; poderá estar indicada a administração de anticorpo monoclonal anti C5 (eculizumab).

Na PTT, o tratamento de eleição é a plasmaférese; a transfusão plaquetária pode exacerbar a situação, devendo ser realizada apenas na presença de hemorragia grave. (ver capítulos das Partes sobre Oncologia, Nefro-Urologia e Hematologia)

2. TROMBOCITOSE

A trombocitose define-se como um valor absoluto de plaquetas superior a 2DP da média populacional, considerando-se um limiar de 500 x103/µL.

A classificação considera duas formas clínicas: primária e secundária (ou reactiva). Na idade pediátrica, a maioria dos casos integra a forma reactiva, transitória, a qual pode ocorrer em até 15% das crianças hospitalizadas. É mais comum no recém-nascido (particularmente no pré-termo) e na criança até aos 2 anos.

Os factores etiológicos são variados, salientando-se a infecção e a ferropénia.

Em geral, trata-se de situações com elevação moderada do número de plaquetas, por vezes assintomáticas, e respondendo ao tratamento da doença de base.

A trombocitose primária é uma entidade muito rara em idade pediátrica (~1/10 milhões). Resulta de uma desregulação dos mecanismos de controlo da produção plaquetária. Pode ocorrer em situação de trombocitémia essencial (TE), policitémia vera (PV) ou outras doenças mieloproliferativas. (Quadro 3)

A TE é uma causa de trombocitose primária, devendo ser considerada quando esta é persistente e não explicada por causas secundárias. O diagnóstico é feito pela pesquisa de mutações patogénicas nos genes JAK2 ou MPL e exclusão de outras doenças mieloproliferativas. As manifestações clínicas quando presentes são habitualmente neurológicas (tonturas, cefaleia, síncope e acidente isquémico transitório), microcirculatórias (eritromelalgia, acroparestesias, isquemia digital e alterações visuais) e gastrintestinais (dor abdominal, náuseas/vómitos). Salienta-se, contudo, a grande maioria de casos assintomáticos.

As complicações podem ser trombóticas ou hemorrágicas.

As opções terapêuticas, reservadas para os casos sintomáticos ou com valores muito elevados de plaquetas, incluem a utilização de ácido acetilsalicílico, anagrelide e, mais raramente neste grupo etário, citorredutores (hidroxicarbamida).

QUADRO 3 – Factores etiológicos de trombocitose

Nota: A presença de microesferócitos, assim como de fragmentos eritrocitários, leucocitários ou de bactérias, podem originar uma situação designada por pseudotrombocitose ou trombocitose espúria.

Primária

Trombocitémia essencial e outras síndromas mieloproliferativas

Secundária ou reactiva

Infecção (aguda ou crónica); Doença inflamatória (intestinal, reumatológica); Doença de Kawasaki; Doença hematológica (ferropénia; anemia hemolítica crónica); hemorragia aguda; neoplasia (linfoma, neuroblastoma, outros tumores sólidos); após exercício e trauma/cirurgia; induzida por drogas (corticoesteróides, alcalóides vinca)

Diminuição da capacidade de reserva esplénica

Asplenia (pós-esplenectomia, congénita, funcional); Induzida por drogas (epinefrina)

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