Definição e importância do problema
A pneumonia (ou pneumonite) define-se pela presença de inflamação envolvendo os pulmões, pleura, vias aéreas, alvéolos, estruturas vasculares e tecido conjuntivo.
Este quadro pode ser causado por agentes infecciosos (vírus ou bactérias), agentes químicos (alimentos aspirados, hidrocarbonetos ou substâncias lipóides) e agentes físicos (corpos estranhos, radiações).
A pneumonia classifica-se como:
- Adquirida na comunidade (PAC): surgindo na criança previamente saudável sem internamento nos 7 dias precedentes ao diagnóstico, sendo este efetuado nas primeiras 48 horas de internamento;
- Adquirida no hospital: surgindo a partir das primeiras 48 horas após o internamento; a pneumonia associada a ventilação mecânica é aquela que surge após, pelo menos, 48 horas do momento da entubação.
A Organização Mundial de Saúde estima que a PAC é diagnosticada na ordem de 156 milhões de novos casos por ano, o que corresponde a uma incidência anual de 14,5 por 10.000 nos países desenvolvidos. Nas crianças de idade inferior a 5 anos com o diagnóstico de PAC, 50% necessitam de internamento. A mortalidade é inferior a 1 para 1.000 nos países desenvolvidos.
Os principais factores de risco, aumentando a probabilidade de pneumonia e a sua gravidade, incluem: irmãos em idade escolar, sobreocupação da residência e doença crónica (doença cardíaca congénita, displasia broncopulmonar, fibrose quística, asma, doença de células falciformes, doença neuromuscular, doença do refluxo gastresofágico, fístula tráqueo-esofágica e imunodeficiências congénitas ou adquiridas).
Etiopatogénese
O agente microbiológico responsável pelo quadro de pneumonia é, geralmente, desconhecido, dado que a sua identificação exigiria utilização de técnicas invasivas.
O diagnóstico etiológico de presunção baseia-se em inúmeros pressupostos, tais como: a clínica; a epidemiologia local; aspectos radiológicos; variações sazonais; e idade do doente. Os vírus são responsáveis por cerca de 80 a 85% dos casos de pneumonia, sobretudo no grupo etário abaixo dos 5 anos, exceptuando o período neonatal. Entre tais agentes, os mais frequentes são os vírus respiratórios sincicial (VRS), parainfluenzae 1,2,3 e influenzae A e B.
Globalmente, Streptococcus pneumoniae é o agente bacteriano mais comum. Nas crianças a partir dos 5 anos estão frequentemente implicados Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae.
As causas infecciosas de pneumonia variam de acordo com o grupo etário e distribuem-se da seguinte forma:
- Período neonatal: o agente mais frequente é o Streptococcus do grupo B; outros agentes incluem Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae;
- 1 mês a 5 anos: os vírus são os agentes infecciosos mais comuns, sendo o mais frequente o vírus sincicial respiratório; outros vírus incluem o influenza A e B, parainfluenza (geralmente tipo 3), adenovírus, metapneumovírus humano, rinovírus e coronavírus; menos frequentes, mas levando a quadros clínicos de maior gravidade, são os agentes bacterianos, que incluem Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae tipo b, Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes (sobretudo associados a necrose e concomitantemente ou posteriormente a infecções por vírus influenza ou varicela); de referir ainda a prevalência crescente de Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae neste grupo etário;
- 5 a 18 anos: o Streptococcus pneumoniae é o agente mais frequente de pneumonia típica; Mycoplasma pneumoniae surge a partir dos 5 anos, sendo que a prevalência da infecção por Chlamydia pneumoniae tem vindo a aumentar neste grupo etário.
Entre as duas semanas e 3 a 4 meses de vida pode ocorrer a pneumonia afebril, mais frequentemente causada por Chlamydia trachomatis, sendo Mycoplasma hominis e Ureaplasma urealyticum agentes possíveis.
A vacinação universal anti – Haemophilus influenzae tipo b virtualmente eliminou este agente como causador de pneumonia nos países desenvolvidos; a vacinação antipneumocócica diminuiu a frequência de pneumonia em 53% e, praticamente, a necessidade de internamento nas crianças de idade inferior a 2 anos. A vacina antipneumocócica diminuiu também o número de casos de sobreinfecção pneumocócica em contexto clínico de pneumonia de causa vírica, probabilidade a considerar seriamente.
O Quadro 1 sistematiza os agentes infecciosos causadores de pneumonia por grupo etário.
QUADRO 1 – Agentes infecciosos mais comuns causadores de PAC de acordo com o grupo etário
RN (< 1 M) | 1 – 3 M | > 3 M – 5 A | > 5 A |
Abreviaturas: RN = recém-nascido; M = meses; A = anos | |||
Streptococcus grupo B E. coli Staphylococcus aureus Streptococcus pneumoniae | Vírus sincicial respiratório Vírus influenza Vírus parainfluenza Adenovírus Streptococcus pneumoniae Staphylococcus aureus Streptococcus pyogenes Chlamydia trachomatis | Vírus sincicial respiratório Vírus influenza Vírus parainfluenza Adenovírus Streptococcus pneumoniae Mycoplasma pneumoniae Staphylococcus aureus | Streptococcus pneumoniae Mycoplasma pneumoniae Chlamydia pneumoniae Streptococcus pyogenes |
A pneumonia segue-se geralmente a uma infecção das vias respiratórias superiores seguida de invasão do aparelho respiratório inferior por agentes infecciosos, o que determina resposta imunitária e inflamação.
A transmissão dos agentes infecciosos é feita através de gotículas e a invasão ocorre por aspiração ou inalação (no caso dos agentes bacterianos) e contiguidade (no caso dos agentes víricos). Mais raramente pode ocorrer bacteriemia prévia à pneumonia e a disseminação será, neste caso, hematogénica. O período de incubação dura cerca de 1 a 3 dias.
O sistema de defesa do hospedeiro inclui barreiras anatómicas/mecânicas (filtração de partículas na nasofaringe, expulsão de partículas pelo epitélio ciliado, produção de muco, complemento e imunoglobulina A), imunidade humoral, resposta fagocitária e imunidade mediada por células.
O preenchimento alveolar por leucócitos e transudado origina diminuição da distensibilidade/compliance pulmonar, aumento da resistência, obstrução e colapso das vias aéreas de pequeno calibre; como consequência, surgimento de áreas de retenção de ar e alteração das relações de ventilação-perfusão. A infecção grave está associada a necrose do epitélio brônquico e parênquima pulmonar.
Sob o ponto de vista histológico, estão classicamente descritas quatro entidades para a pneumonia por pneumococo: ingurgitamento; hepatização vermelha; hepatização cinzenta e resolução. A primeira destas fases está associada a presença de bactérias nos alvéolos e ao exsudado seroso associado, o qual progride posteriormente para a hepatização vermelha por passagem de eritrócitos para os alvéolos. A fase seguinte, hepatização cinzenta, resulta da migração de leucócitos para a área afectada. Por fim, surge a fagocitose do micróbio, e a eliminação da fibrina e detritos conduz à resolução da pneumonia.
Os sintomas e sinais (designadamente os auscultatórios e imagiológicos), globalmente relacionam-se com o envolvimento parenquimatoso.
Manifestações clínicas
A apresentação clínica, dependente de vários factores (como o agente patogénico, a resposta do hospedeiro e a gravidade), é inespecífica, não existindo sinal patognomónico. Os sinais mais sugestivos são a febre e a tosse. Outros sinais como a taquipneia e aumento do esforço respiratório podem anteceder a tosse.
No lactente, sendo comum a verificação de antecedentes próximos de infecção das vias respiratórias superiores, a pneumonia pode manifestar-se apenas por irritabilidade, dificuldade na alimentação e vómitos.
Nas crianças de maior idade, para além dos sintomas comuns das crianças mais pequenas, pode surgir dor pleurítica. Outros sintomas possíveis são a dor abdominal, e a cefaleia por vezes associada a rigidez da nuca: tal quadro pode relacionar-se, respectivamente com o compromisso inflamatório dos lobos pulmonares inferiores e superiores.
A verificação, em lactentes de idade inferior a 20 semanas, de sinais respiratórios (tosse, retracções costais, adejo nasal, sinais auscultatórios – fervores crepitantes, ou outros) associados a conjuntivite, sugere o diagnóstico de pneumonia por Chlamydia trachomatis.
Na criança de maior idade, a presença de febre, tosse, odinofagia, otalgia, broncospasmo, vómitos e diarreia deve levantar a hipótese de por Mycoplasma pneumoniae.
Para além de dados positivos da semiologia do foro respiratório, a presença de sinais de infecção cutânea, nomeadamente abcessos, pode estar em consonância com os agentes etiopatogénicos Staphylococcus aureus e Streptococcus do grupo A. A associação de sinais de pneumonia a otite média aguda, sinusite e meningite pode ter como agentes etiológicos microbianos Streptococcus pneumoniae ou Haemophilus influenzae.
O exame físico deverá compreender obrigatoriamente:
- Avaliação do estado geral: grau de actividade, vitalidade, prostração, estado de hidratação, capacidade de alimentação ou recusa, vocalização, temperatura, palidez, cianose, etc.. Geralmente as crianças com quadro de pneumonia confirmada radiologicamente têm uma aparência tóxica; a febre, apesar de inespecífica, geralmente é elevada e pode apresentar-se isoladamente em cerca de 25% das crianças com menos de 5 anos com pneumonia revelada radiologicamente (casos estes em que geralmente se acompanham de leucocitose- leucócitos > 20.000/μL).
- Valorização da semiologia do sistema respiratório: a presença de taquipneia é o sinal mais sensível e específico, apesar de ter menos utilidade nos primeiros 3 dias de doença (definindo-se em excursões respiratórias por minuto ou rpm, em função da idade: < 2 meses -> 60 rpm; 2-12 meses -> 50 rpm;1-5 anos -> 40 rpm; ≥ 5 anos -> 20 rpm); outros sinais associados a dificuldade respiratória e a hipoxemia, incluem: tiragem, gemido e adejo nasal, cianose; podem ser notórios a presença de fervores crepitantes, diminuição do murmúrio vesicular, sopro tubário, egofonia, broncofonia, pectorilóquia áfona, frémito e macicez à percussão; também, expiração prolongada e sibilante; a presença de sinais de atrito pleural associados a diminuição do murmúrio vesicular e macicez à percussão pode estar associada a derrame pleural;
A presença de determinados sinais e sintomas pode apontar para determinado agente patogénico, conforme explícito no Quadro 2. Contudo, é importante referir a dificuldade na distinção entre infecção por bactérias e vírus com base em parâmetros clínicos, sendo que poderá haver coinfecção em 10-40% dos casos.
QUADRO 2 – Manifestações clínicas mais prováveis de acordo com o agente etiopatogénico
Pneumonia bacteriana clássica | Pneumonia atípica | Pneumonia vírica | |
Febre | Presente | Presente (excepto na pneumonia afebril da infância) | Presente |
Início | Súbito | + ou – Súbito | Gradual |
Infecção precedente das vias respiratórias superiores | Frequente | Ausente | Constante |
Estado geral | Aparência de doente | Conservado | Conservado |
Sintomas associados | Tosse Taquipneia Letargia Vómitos Hipoxemia | Mialgias Cefaleias Fotofobia Odinofagia Tosse seca | Mialgias Cefaleias Odinofagia |
Sintomas extra-respiratórios | Exantema Anemia hemolítica Poliartrite Conjuntivite | Conjuntivite Amigdalite Gastroenterite | |
Auscultação pulmonar | Diminuição do murmúrio vesicular Fervores crepitantes | Sibilos | Sibilos Fervores subcrepitantes Alterações difusas e bilaterais |
Outro aspecto que é determinante na abordagem destes doentes é a avaliação da gravidade da pneumonia, conforme se explicita no Quadro 3.
Exames complementares
O diagnóstico de pneumonia é essencialmente clínico; com efeito, não há necessidade de realização de exames complementares no contexto de infecção ligeira das vias respiratórias inferiores, não complicada, sem indicação para internamento.
A radiografia de tórax confirma o diagnóstico, embora com algumas limitações: – fraco indicador da etiologia; – atraso do aparecimento das alterações radiológicas em relação às alterações clínicas; – possibilidade de inexistência de alterações no doente hipovolémico até à reposição hídrica; – variabilidade provável de interpretação entre observadores; e – ausência de associação com o prognóstico.
Em suma, poderá não existir relação entre os aspectos radiográficos e a clínica, sobretudo nos lactentes e crianças mais pequenas. Também é possível encontrarmos sinais imagiológicos de pneumonia significativa na ausência ou com escassez de sintomatologia.
As indicações para se proceder a radiografia de tórax são:
- Doença com critérios de gravidade (ver Quadro 3);
- Confirmação do diagnóstico quando a apresentação clínica suscita dúvida;
- Indicação de internamento (para documentar a presença, dimensão e características do infiltrado parenquimatoso e avaliar potenciais complicações);
- Diagnóstico de complicações (particularmente na criança com doença prolongada e sem resposta à antibioticoterapia);
- Exclusão de pneumonia em crianças de idades entre 3 e 36 meses, com febre (temperatura axilar > 39 ºC) e valor de leucócitos ≥ 20.000/mm3; e em crianças com idade entre 3 e 10 anos, com febre (temperatura axilar> 38 ºC), tosse e valor de leucócitos ≥ 15.000/mm3).
QUADRO 3 – Avaliação de gravidade de acordo com as características clínicas na pneumonia
Pneumonia ligeira | Pneumonia grave |
Temperatura axilar < 38,5 ºC | Temperatura axilar ≥ 38.5 ºC |
Esforço respiratório ligeiro ou ausente:
| Esforço respiratório moderado a grave:
|
Coloração rosada | Cianose |
Estado de consciência conservado | Alteração do estado de consciência |
Normoxemia | Hipoxemia |
Ingestão alimentar conservada; ausência de emese | Ausência de ingestão alimentar e/ou sinais de Desidratação |
Frequência cardíaca normal | Taquicárdia |
Tempo de reperfusão capilar < 2 segundos | Tempo de reperfusão capilar ≥ 2 segundos |
Tendo em conta as limitações atrás descritas relativamente aos achados radiológicos do tórax, há um certo número de orientações que poderão ser úteis para o clínico, valorizando sempre a anamnese e o exame físico.
- Dum modo geral pode dizer-se que a consolidação lobar se associa às infecções por pneumococo e os infiltrados intersticiais às infecções por vírus, embora estes diferentes padrões possam surgir associados a qualquer etiologia.
- Classicamente estão descritos três padrões de densidades pulmonares: o padrão alveolar (associado mais frequentemente ao pneumococo e outras bactérias), que se caracteriza por consolidação lobar ou segmentar e broncograma aéreo; o padrão de pneumonia intersticial (causada habitualmente por vírus e Mycoplasma) que se apresenta como um aumento reticulonodular e hiperinsuflação, com possível progressão para pequenas consolidações dispersas devido a atelectasias; por último descreve-se o padrão de broncopneumonia, mais frequentemente associada a Staphylococcus aureus e outros agentes (por ex. Streptococcus pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae ou vírus ), que se apresenta como um padrão bilateral difuso, reforço peribrônquico e pequenos infitrados nodulares que se estendem até à periferia. No caso da pneumonia estafilocócica podem ainda existir sinais de necrose parenquimatosa (abcessos, pneumatoceles) e derrame pleural.
- As pneumonias “bolhosas” (acompanhadas de pneumatoceles) podem igual relacionar-se com S pyogenes (grupo A), S pneumoniae (raramente) e com Klebsiella pneumoniae (formas complicadas especiais).
- As pneumonias “redondas” (hipotransparências arredondadas de limites relativamente bem definidos) usualmente são solitárias, de diâmetro superior a 3 cm e localizadas posteriormente; o agente mais frequentemente implicado nestes casos é o Streptococcus pneumoniae.
- A hiperinsuflação com processo inflamatório intersticial nos lactentes de idade inferior a 20 semanas é característica da pneumonia afebril da infância, geralmente causada por Chlamydia trachomatis.
- A presença de adenopatia mediastínica ou hilar pode ser sugestiva de pneumonia por Mycobacterium tuberculosis.
- Como regra geral, pode estabelecer-se que a presença de pneumatoceles, cavitações ou derrame pleural extenso é sugestiva de etiologia bacteriana.
Em circunstâncias especiais poderá utilizar-se a ecografia (por ex. quando há suspeita de derrame pleural), a TAC e a RM.
FIGURA 1. Pneumonia por Mycoplasma pneumoniae. (NIHDE)
FIGURA 2. Padrão radiográfico de tipo intersticial acompanhado de enfisema importante (por vírus sincicial respiratório) – PA e perfil. (NIHDE)
FIGURA 3. Caso de pneumonia do lobo superior direito (1), visualizando-se sinais de broncograma aéreo (2); concomitância de derrame pleural direito-obliteração do seio costofrénico direito (3). Relativamente ao derrame há a assinalar: linha da pleura visceral (4); e linha de Damoiseau (5). (Cortesia do Dr. Mário Coelho)
FIGURA 4. Pneumonia estafilocócica. Imagens de pneumatoceles (PA e perfil). (NIHDE)
FIGURA 5. Padrão radiográfico de pneumonia lobar (identificada etiologia pneumocócica) – (PA e perfil). (NIHDE)
FIGURA 6. Padrão radiográfico de pneumonia “redonda” (opacidades arredondadas observáveis em ambos os campos pulmonares). (NIHDE)
FIGURA 7. Pneumonia estafilocócica. Sinais de derrame pleural à esquerda. (NIHDE)
FIGURA 8. Pneumonia estafilocócica. Radiografia do tórax (perfil); sinais de piopneumotórax. (NIHDE)
As figuras 1 a 8 mostram diversos padrões radiológicos torácicos de pneumonia correspondentes a crianças assistidas no Hospital Dona Estefânia, Lisboa, quer em ambulatório, quer em internamento.
A Figura 9 integra o esquema de projecção radiográfica do tórax que facilita a compreensão das opacidades detectadas conforme a localização.
FIGURA 9. Esquema da projecção radiográfica do tórax (de frente e de perfil)
Os exames laboratoriais têm indicação na doença que cumpre critérios de gravidade (ver Quadro 3), nos casos em que ocorreu uma potencial complicação e ou que necessitam de internamento.
O hemograma, a proteína C reactiva (PCR), a procalcitonina (PCT) e a velocidade de sedimentação são pouco específicos e de escassa utilidade na orientação terapêutica do doente. Contudo, no que respeita à tentativa de destrinça entre causa bacteriana versus vírica, os seguintes achados poderão orientar respectivamente do seguinte modo:
- leucócitos > 15.000/mm3 versus < 10.000/mm3;
- PCR < 2 mg/dL versus > 6 mg/dL;
- PCT < 0,01 mcg/L versus > 0,5 mcg/L;
- eosinofilia sugere pneumonia por Chlamydia trachomatis.
O ionograma sérico pode ter um papel na determinação do estado de hidratação e em situações de hiponatremia estará presente associação a síndroma de secreção inapropriada de hormona antidiurética.
Os testes serológicos para determinação dos títulos de IgM e IgG para o Mycoplasma e Chlamydia, são também úteis no estudo destas pneumonias, embora apenas permitam confirmar a etiologia a posteriori.
A prova tuberculínica deve ser ponderada em casos especiais, dependendo do contexto epidemiológico. (Ver Parte sobre Infecciologia).
Os exames microbiológicos estão indicados na doença grave, na presença de complicações e nos casos que cumprem critérios de internamento. A hemocultura, positiva em apenas 10 a 12% dos casos de pneumonia (embora aumente para 30 a 40% nos casos em que surge derrame parapneumónico ou empiema) e deve ser feita antes do início da antibioticoterapia.
A aplicação de técnicas de imunofluorescência nas secreções nasofaríngeas é relevante para o diagnóstico de pneumonia vírica e, nas secreções oculares, para o diagnóstico de pneumonia por Chlamydia trachomatis. Esta pesquisa deve ser considerada nas crianças internadas, podendo auxiliar na decisão terapêutica e quanto à necessidade de isolamento de doentes.
A o exame cultural das secreções nasofaríngeas e da expectoração não está indicado tendo em conta a frequência elevada de colonização por bactérias a esse nível.
Técnicas microbiológicas como broncoscopia com lavado broncoalveolar, aspiração por punção e biopsia pulmonar, por serem invasivas, estão reservadas para casos graves e com fraca resposta à terapêutica.
Em síntese, a utilidade principal dos exames laboratoriais diz respeito sobretudo à fase de seguimento e à avaliação da resposta à terapêutica.
Tratamento
A decisão terapêutica inicial depende da necessidade de internamento. Os critérios para internamento são:
- Idade ≤ 3 meses;
- Hipoxemia avaliada de modo rápido e não invasivo por oximetria transcutânea;
- Desidratação ou intolerância oral;
- Sinais de dificuldade respiratória moderada a grave (taquipneia, tiragem, adejo nasal, apneia; cianose, gemido);
- Aparência tóxica;
- Doença crónica subjacente (doença cárdio-pulmonar, patologia genética, doença neurológica, metabólica ou imunodeficiência);
- Complicações (derrame parapneumónico ou empiema);
- Falência de terapêutica em ambulatório (agravamento ou ausência de resposta em 48 a 72 horas).
Numa fase inicial deverá ser instituída terapêutica de suporte, incluindo fluidoterapia, antipiréticos e oxigénio suplementar (se houver hipoxémia) com o objectivo de obter saturação em O2 ≥ 92%. Na suspeita de pneumonia bacteriana a terapêutica antibiótica dita empírica (antes do eventual isolamento de agente) deve ser prontamente instituída.
Recém-nascidos e lactentes com menos de 3 meses devem ser internados para terapêutica endovenosa com ampicilina e ceftriaxona, ou cefotaxima, ou gentamicina. No caso de suspeita de pneumonia por Chlamydia trachomatis ou pneumonia afebril do lactente deve ser usado ummacrólido (eritromicina, azitromicina ou claritromicina).
O antibiótico de eleição de uma pneumonia não complicada, entre os 3 meses e os 5 anos, é a amoxicilina, mesmo considerando que 15% a 40% dos pneumococos são resistentes à penicilina; trata-se, no entanto de uma resistência intermédia (MIC 0.06-2.0mcg/ml), o que implica o uso de doses altas de amoxicilina (de 80mg/Kg/dia a 90mg/Kg/dia). As alternativas são a cefuroxima – axetil e a amoxicilina + ácido clavulânico.
Quando a suspeita diagnóstica recai sobre Mycoplasma e Chlamydia pneumoniae, sobretudo nas crianças em idade escolar e adolescentes, devem ser usados macrólidos (azitromicina ou claritromicina).
Nas formas de pneumonia presumivelmente bacteriana exigindo internamento hospitalar, a terapêutica empírica inclui ampicilina IV ou penicilina G como 1ª linha e em 2ª linha, cefuroxima (150mg/kg/dia) ou cefotaxima, ou ceftriaxona IV. Se as manifestações clínicas entretanto sugerirem etiologia estafilocócica (empiema, pneumatoceles, etc.), à terapêutica inicial deve acrescentar-se vancomicina ou clindamicina.
Nos casos de pneumonia lobar sugerindo etiologia por S. pneumoniae ou por S. pyogenes (grupo A) os antibióticos de primeira escolha para os doentes internados são a penicilina G 200.000 – 400.000 U/kg/dia ou ampicilina IV. Como alternativas: ceftriaxona ou cefotaxima (adicionar vancomicina se suspeita de S. pneumoniae de resistência elevada à penicilina); ou penicilina G e clindamicina (se suspeita de S. pyogenes).
Nos casos de pneumonia “bolhosa” detectada de início, os antibióticos de escolha são flucloxacilina e aminoglicosídeo.
A duração do tratamento antimicrobiano é em geral 7-10 dias, salientando-se a duração entre 14 e 21 dias nas pneumonias bolhosas.
O Quadro 4 especifica as doses de alguns antimicrobianos utilizados no tratamento das pneumonias adquiridas na comunidade, não referidas no texto. A via endovenosa, se estabelecida de início, deverá manter-se por 24 – 48 horas após desaparecimento da febre.
Quando não se verificar resposta à terapêutica antibiótica, a causa mais provável é vírica. Outros agentes bacterianos devem, no entanto, ser considerados (S. aureus; pneumococos multirresistentes, H. influenzae resistente à ampicilina, e anaeróbios) tendo em conta contextos clínicos especiais.
QUADRO 4 – Posologia e via de administração de alguns antimicrobianos utilizados em casos de pneumonia
Antimicrobiano | Via de administração | Dose (mg/kg/dia) | Intervalo |
Amoxicilina | Oral | 80-100 | 8/8 h |
Ampicilina | Endovenosa | 150-200 | 6/6 h |
Amoxicilina-ácido clavulânico | Oral | 80-100 (14:1) | 8/8 h |
Azitromicina | Oral | 10 mg/kg no 1º dia seguido de 5 mg/kg 2º- 5º dias | 24/24 h |
Cefotaxima | Endovenosa | 200 | 8/8 h |
Ceftriaxona | Endovenosa | 50-100 | 24/24 h |
Claritromicina | Oral ou endovenosa | 15 | 12/12 h |
Eritromicina | Oral ou endovenosa | 40 | 6/6 h |
Flucloxacilina | Oral | 50 | 8/8 h |
Endovenosa | 100-200 |
A antibioticoterapia inicial deverá ser revista se houver identificação do agente etiológico e do seu perfil de sensibilidade aos antimicrobianos. A identificação de Streptococcus peumoniae com concentrações inibitórias mínimas para penicilina ≤ 2 mcg/mL (estirpes sensíveis e com sensibilidade intermédia) não justifica a mudança de antibiótico quando a opção inicial foi a ampicilina ou amoxicilina em dose adequada; nos restantes casos a terapêutica deverá ser alterada para cefotaxima ou ceftriaxona. Salienta-se o número crescente de S. pneumoniae resistentes à penicilina.
Prognóstico e Seguimento
De uma maneira geral o prognóstico é excelente com a recuperação sem complicações na maior parte dos casos. A tosse é o principal sintoma que pode persistir (3 a 4 meses), principalmente após uma pneumonia vírica ou pneumonia por Bordetella perstussis. A grande maioria das pneumonias por bactérias patogénicas comuns e por microrganismos atípicos responde à terapêutica antimicrobiana.
Cerca de 80% dos infiltrados regridem em 3 semanas e os restantes em 3 meses. As complicações mais frequentes das pneumonias bacterianas são os derrames pleurais incluindo empiemas.
A radiografia de tórax deverá ser repetida 3 semanas após o diagnóstico apenas em casos em que ocorrem complicações, pneumonia recorrente, sintomas persistentes, atelectasia grave ou na pneumonia redonda.
Prevenção
A imunização de rotina da criança tem tido um papel preponderante na prevenção de pneumonia em idades pediátricas em geral; e, em especial, reduzindo drasticamente a fequência de pneumonias associadas à rubéola, tosse convulsa, e à infecção por H. influenzae tipo B. A vacina antipneumocócica 13- valente induz imunidade contra os serótipos do S. pneumoniae que mais frequentemente provocam doença na criança, pelo que o seu uso generalizado levará necessariamente à diminuição da incidência de doença pneumocócica invasiva de forma significativa. A vacinação contra o vírus influenza poderá também prevenir uma das complicações desta infecção, a pneumonia.
Glossário
Pneumonite > inflamação do pulmão envolvendo a pleura, tecido conjuntivo, vias aéreas, alvéolos e estruturas vasculares.
Broncopneumonia > pneumonia com envolvimento primário das vias aéreas e interstício, com infiltração parenquimatosa secundária envolvendo vários lóbulos, o que ocorre em associação a infecção por Streptococcus pyogenes e Staphylococcus aureus.
Pneumonia lobar > pneumonia com envolvimento de um lobo ou de um segmento de um lobo o que corresponde à apresentação clássica da pneumonia por Streptococcus pneumoniae.
Pneumonite intersticial > inflamação primária do interstício e peribrônquica, com infiltração parenquimatosa secundaria; resulta geralmente de infecção por vírus.
BIBLIOGRAFIA
Angoulvant F, Levy C, Grimpel E, et al. Early impact of 13-valent pneumococcal conjugate vaccine on community-acquired pneumonia in children. Clin Infect Dis 2014; 58:918-924
Baltimore RS. Pneumonia. In: Pediatric Infectious Diseases: Principles and Practice, 2nd ed, Jenson HB, Baltimore RS (eds), Philadelphia: Saunders, 2002; 794
Barsam F, Borges G, Severino AB, Mello L, Silva A, et al. Factors associated with community-acquired pneumonia in hospitalized children and adolescents aged 6 months to 13 years old. Eur J Pediatr 2013; 172: 493-499
Breuer O, Blich O, Cohen-Cymberknoh M, Averbuch D, et al. Antibiotic treatment for children hospitalized with community-acquired pneumonia after oral therapy. Pediatr Pulmonol 2015; 50: 495 – 502
Chen AE. Point-of-care lung ultrasonography for pneumonia in children: does size really matter?. Arch Dis Child 2019; 104:2-3
Cherry JD, Harrison GJ, Kaplan SL, et al. (eds). Feigin and Cherry’s Textbook of Pediatric Infectious Diseases. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2014
Chiappini E, Venturini E, Galli L, Novelli V, Martino M. Diagnostic features of community-acquired pneumonias in children: what’s new? Acta Paediatrica 2013; 102:17-24
Cvitkovic Spik V, Beovic B, Pokom M, et al. Improvement of pneumococcal pneumonia diagnostics by the use of rt-PCR on plasma and respiratpry samples. Scand J Infect Dis 2013; 45:731
François P, Desrumaux A, Cans C, Pin I. Pavese P, et al. Prevalence and risk factors of suppurative complications in children with pneumonia. Acta Paediatrica 2010; 99:861-866
Goldman L, Schafer AI (eds). Goldman-Cecil Medicine. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2016
Greenberg D, Givon-Lavi N, Sadaka Y, Ben-Shimol, et al. Pediatr Infect Dis J 2014; 33: 136-142
Hirsch AW, Monuteaux MC, Neuman MI. Estimating risk of pneumonia in a prospective emergency department cohort. J Pediatr 2019; 204: 172-176
Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015
Korppi M. Diagnosis and treatment of community-acquired pneumonia in children. Acta Paediatrica 2012; 101:702-704
McIntosh K. Community-acquired pneumonia in children. N Engl J Med 2002; 346:429
Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015
Osowicki J, Steer AC. International survey of paediatric infectious diseases consultants on the management of community-acquired pneumonia complicated by pleural empyema. J Paediatr Child Health 2019; 55: 66-73
Thomas MF, Wort A, Spencer DA. Management and complications of pneumonia. Paediatr Child Health 2014; 25: 172-177
Tracy MC, Mathew R. Complicated pneumonia: current concepts and state of the art. Curr Opin Pediatr 2018; 30: 384-392
Wilmott R, Bush A, Deterding R, Ratjen F, Sly P, Zar H, Li A (eds). Kendig’s Disorders of the Respiratory Tract in Children. Philadelphia: Elsevier, 2019