Definição
Otomastoidite aguda é definida como processo inflamatório agudo da mastóide, num doente sem história de otite média crónica purulenta simples ou colesteatomatosa.
Aspectos epidemiológicos
A referida situação é mais frequente em crianças com idade inferior a 8 anos podendo, contudo, ocorrer em qualquer idade. Um terço dos doentes com o diagnóstico de otomastoidite aguda apresenta história prévia de otite média aguda (OMA) de repetição.
A incidência de otomastoidite aguda diminuiu com a introdução da antibioticoterapia na terapêutica da OMA (de uma incidência de 0,4% dos episódios de OMA a desenvolverem otomastoidite na década de 60, para 0,004% na passada década de 90). Nos últimos anos, contudo, tem-se verificado um aumento do número de internamentos por otomastoidite aguda. A explicação para este facto parece ser, por um lado, o aumento de resistências aos antibióticos pelo abuso destes fármacos e, por outro lado, a redução do número de miringotomias durante os episódios de OMA.
Etiopatogénese
Todos os doentes com OMA apresentam inflamação da mucosa da mastóide, com ou sem derrame. Quando o processo inflamatório, a nível da mastóide, ultrapassa o mucoperiósteo e envolve o osso, verifica-se desmineralização e erosão dos septos das células mastoideias, com a formação de empiema intramastoideu. Esta fase é descrita como otomastoidite coalescente, com a mastóide a ser transformada numa grande cavidade abcedada, cerca de 2 semanas após OMA.
A dificuldade de drenagem do pus acumulado pode levar à exteriorização da infecção pela área cribiforme ou pela fissura timpanomastoideia, com sinais inflamatórios cutâneos da região mastoideia, apagamento do sulco retroauricular e empurramento para diante do pavilhão auricular, tradução semiológica de otomastoidite aguda. Se o processo se estender ao periósteo forma-se um abcesso do subperiósteo e periostite.
Nas últimas duas décadas foram realizados vários estudos para identificação dos agentes implicados nos casos de otomastoidite aguda. Ao contrário do que se poderia esperar os resultados não foram sobreponíveis aos dos estudos dos agentes implicados na OMA. Os microrganismos mais frequentemente isolados foram Streptococcus pneumoniae, Streptococcus pyogenes, Staphylococcus aureus e Staphylococcus aureus coagulase negativo.
Estes resultados têm implicações práticas importantes: o antibiótico escolhido na terapêutica inicial da otomastoidite aguda, enquanto se aguarda o resultado dos exames culturais, deverá ter uma potente acção anti-estafilocócica, para além de dever incluir no seu espectro terapêutico os agentes mais frequentemente implicados na OMA (Haemophilus influenzae e M. catarrhalis).
Manifestações clínicas
O quadro clínico da otomastoidite aguda é caracterizado por sintomas otológicos sugestivos de OMA, seguidos pelo aparecimento de sinais inflamatórios sobre a mastóide (dor, eritema e edema retroauricular, apagamento do sulco retroauricular com deslocamento do pavilhão para a frente e para baixo, e abaulamento da parede póstero-superior do canal auditivo externo). Os sinais inflamatórios surgem habitualmente entre o 4º e o 10º dia após o início das queixas otológicas, podendo esse período variar de 1 a 60 dias. A febre faz geralmente parte do quadro clínico, apesar de a sua ausência não excluir o diagnóstico.
Para a confirmação diagnóstica e detecção precoce de complicações intracranianas, a maioria dos autores defende a utilização, por norma, de tomografia computadorizada (TC) do ouvido e crânio-encefálica. Para o diagnóstico radiológico de mastoidite coalescente não basta a presença de níveis hidro-aéreos ou espessamento da mucosa das células pneumatizadas da mastóide; é necessária a demonstração de erosão dos septos ósseos das células mastoideias ou do cortéx mastoideu.
Dado que, na maioria dos casos, a realização de TC em crianças exige sedação ou anestesia geral, deve, sob a mesma anestesia, proceder-se à colheita de material para estudo microbiológico.
QUADRO 1 – Complicações da otomastoidite aguda
*Tríade: OMA supurada, dor na órbita ipsilateral, paralisia do recto externo |
Extracranianas – Propagação da infecção |
• Região retroauricular (Abcesso retroauricular) • Região pré-auricular (Abcesso zigomático) • Região inferior (pescoço) (Abcesso de Bezold) • Região retroauricular (Abcesso retroauricular) • Ouvido interno (Labirintite) • Apex petroso (Síndroma de Gradenigo)* • Seio sigmoideu (Trombose do seio sigmoideu) • Seio longitudinal (Hidrocefalia otítica) |
Intracranianas |
• Meningite • Abcesso subdural • Abcesso epidural • Abcesso cerebral • Abcesso cerebeloso |
Tratamento
É consensual, entre os diferentes autores, que o tratamento dos casos de otomastoidite aguda não complicada, implica miringocentese, com ou sem colocação de tubo transtimpânico, associada a antibioticoterapia endovenosa, instituída precocemente (amoxicilina + ácido clavulânico: (80 mg/ kg/dia de amoxicilina) ou cefalosporina de 3ª geração (cefotaxima: 50-100 mg/kg/dia; ou ceftriaxona: 50-80 mg/kg/dia) em regime de internamento.
Se não houver melhoria em 24 a 48 horas, ou se se suspeitar de complicação, deve instituir-se medidas cirúrgicas adequadas, e ser alterada a antibioticoterapia, segundo os resultados do exame cultural.
A terapêutica deverá durar 3 semanas.
Complicações
Embora a incidência de otomastoidite aguda tenha diminuído significativamente com o aparecimento dos antibióticos, a prevalência de complicações graves continua elevada.
As complicações desta situação clínica dependem da zona para a qual o processo infeccioso se estende; podem ser classificadas em extracranianas e intracranianas. (Quadro 1)
Consideram-se grupos de risco para o desenvolvimento de complicações os doentes com perfuração espontânea da membrana timpânica e otorreia no momento do diagnóstico, e aqueles em que os agentes etiológicos são Streptococcus pyogenes ou Staphylococcus aureus.
Os doentes em que foi realizada miringocentese antes do diagnóstico clínico de otomastoidite aguda parecem ter menor risco de desenvolvimento de complicações graves.
Prognóstico
O prognóstico de otomastoidite aguda é habitualmente bom e tem melhorado graças a vários factores, nomeadamente, melhor compreensão da fisiopatologia da doença, antibioticoterapia específica, disponibilidade de exames complementares de diagnóstico e possibilidade de intervenção cirúrgica atempada. No entanto, quando o diagnóstico se acompanha de complicações intracranianas graves, pode ser reservado.
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