Importância do problema

Para compreender a importância de patologia inflamatória da laringe há que salientar aspectos particulares de anátomo-fisiologia e semiologia.

  1. A laringe da criança não é uma laringe do adulto mais pequena; tem características particulares que são importantes: a região supraglótica é muito elástica e ampla; o espaço glótico é mais arredondado do que o do adulto; o espaço subglótico é muito pouco distensível, o mais estreito da laringe, sendo mesmo mais estreito que a traqueia e medindo 4 milímetros de diâmetro no recém-nascido (ao contrário do adulto em que a glote é o espaço mais estreito da laringe). Assim, um edema subglótico, aumentando em 1 milímetro a espessura, reduz a via aérea em cerca de 50%.
  2. A frequência respiratória no recém-nascido é cerca de 40 por minuto, na criança 30 por minuto e no adulto 20. A dispneia laríngea é definida como bradipneia inspiratória (o tempo inspiratório está prolongado) com sinais de tiragem ou retracção torácica (a inspiração torna-se um fenómeno activo com utilização dos músculos respiratórios acessórios, como os intercostais e os esterno-cleido-mastoideus). Nos recém-nascidos a dificuldade respiratória de causa laríngea traduz-se por taquipneia rapidamente ineficaz.
  3. A dispneia laríngea pode acompanhar-se de estridor*. Sistematizando, pode afirmar-se que o estridor inspiratório corresponde a lesões supraglóticas, ao passo que o inspiratório-expiratório (bifásico) corresponde a lesões glóticas e subglóticas.
  4. As doenças inflamatórias da laringe em idade pediátrica podem classificar-se em infecciosas (epiglotite, laringite espasmódica ou estridulosa, laringite subglótica e laringo-tráqueo-bronquite ou falso “croup”), químicas (refluxo gastresofágico , ingestão de caústico), traumáticas (entubação, corpo estranho) e alérgicas.
  5. Discute-se se a laringite, para além da etiologia infecciosa (vírica ou bacteriana) poderá traduzir hiperreactividade da via aérea.

*Estridulação: termo que significa ruído áspero, por vezes estridente e agudo, que se produz na via aérea superior , em geral na inspiração; é um sinal de estenose da laringe (por ex. devido a inflamação). Emprega-se, por analogia, o termo “laringite estridulosa ou espasmódica”. (ver adiante)

Neste capítulo são descritas três entidades clínicas representativas da patologia inflamatória aguda da laringe, salientando-se que na literatura médica existe variabilidade na terminologia, designadamente anglófona e francófona.

1. Epiglotite

Definição e importância do problema

O termo de epiglotite (ou processo inflamatório da epiglote surgindo entre os 1 e 4 anos) tem sido substituído por supraglotite por alguns autores. A sua incidência era cerca de 3 a 9 casos por 10.000 internamentos pediátricos antes do aparecimento da vacina anti Haemophilus influenzae tipo b. Após a generalização da vacina contra este microrganismo, a incidência diminuiu para cerca de 0,4 a 0,6 casos /10.000 internamentos.

Etiologia

Haemophilus influenzae tipo b era, até existir vacina, o agente mais frequentemente implicado em (> 90% dos casos).

Situação hoje mais rara, podem estar implicados menos frequentemente outros germes: Streptoccocus do grupo A, B, C, Staphylococcus aureus, Streptoccocus pneumoniae e, nos imunocomprometidos, Herpes simplex, Pseudomonas e Candida.

Manifestações clínicas

O início é agudo, com febre alta, odinofagia intensa e sialorreia (“baba-se”). A criança está pálida, com a boca aberta, ansiosa, irritável, dispneica com ou sem estridor (ruído inspiratório agudo por obstrução da laringe supraglótica), prefere estar sentada com hiperextensão do pescoço e inclinação do tronco para diante para melhorar a respiração, e tem uma voz “abafada” pelo edema supraglótico.

Tratamento

Havendo suspeita de epiglotite (emergência médica), há que adoptar a seguinte conduta:

  1. Medidas gerais
    1. Não tentar observar a faringe nem laringe com espátula nem executar manobras invasivas (tirar sangue por ex.) para não provocar choro e obstrução aguda respiratória.
    2. Transportar a criança com a mãe ao serviço de imagiologa para proceder ao estudo de perfil das partes moles cervicais, o qual evidenciará o aumento da epiglote.
    3. Se se confirmar o diagnóstico, levar a criança para o bloco operatório e induzir anestesia geral por máscara com criança sentada ao colo da mãe.
    4. Uma vez entubada e com a via aérea controlada, pode observar-se então a laringe que demonstra a epiglote edemaciada muito vermelha e exsudativa, quase “em carne viva”.
    5. Proceder a hemocultura iniciando antibioticoterapia endovenosa no bloco antes da transferência para a unidade de internamento.

    O diagnóstico etiológico é feito com base no resultado da hemocultura, e não por colheitas faríngeas ou laríngeas.

  2. Terapêutica antimicrobiana
    Dada o aumento da resistência do Haemophilus às penicilinas, utilizam-se hoje as cefalosporinas de 2ª ou 3ª geração como tratamento de primeira linha durante 5 dias:
    1. Cefuroxima: 75-100 mg/Kg/dia excepto se se suspeitar de envolvimento meníngeo; ou
    2. Cefotaxima: 75-180 mg /Kg/dia se houver suspeita de envolvimento do sistema nervoso central; ou
    3. Ceftriaxona: 100 mg/Kg/dia em dose única diária.

    O tratamento pode ser continuado com amoxicilina e ácido clavulânico oral. A corticoterapia e a epinefrina não são eficazes; a primeira pode provocar complicações hemorrágicas gastrintestinais nestes casos.
    A data da extubação tem sido controversa porque o estado da epiglote não tem relação directa com a dificuldade respiratória, e a persistência da febre não constitui critério para se manter a entubação. Assim, em regra procede-se extubação ao fim de 48 horas do início da terapêutica.

2. Laringite espasmódica ou estridulosa

Etiologia

Os agentes etiológicos mais frequentes da laringite espasmódica ou estridulosa são vírus: rhinovirus e parainfluenza. No entanto, esta situação clínica pode fazer parte doutras afecções como gripe, papeira, varicela, sarampo, ou tosse convulsa. Independentemente do agente etiológico primário, poderá surgir sobreinfecção bacteriana por Streptococcus pneumoniae ou Haemophilusinfluenzae.

Manifestações clínicas

Pode verificar-se inicialmente mal estar geral, tosse iritativa, febrícula e pigarro, surgindo entre os 6 e 36 meses. O aparecimento de estridor agudo nocturno, rude, disfonia ou rouquidão e retracção torácica supraesternal permitem o diagnóstico. Se ao fim de dias ocorrer febre alta e expectoração purulenta, há que suspeitar de infecção bacteriana. Em geral a situação é mais benigna e de menor duração do que a descrita a seguir, na alínea 3.. Os pródromos pré-estridor são ligeiros ou inexistentes.

Tratamento

É sintomático com aerossolterapia com soro fisiologico, anti-inflamatórios e antipiréticos. Se se suspeitar de infecção bacteriana, deve utilizar-se amoxicilina com ácido clavulânico; como alternativa, cefalosporinas de primeira ou segunda geração, ou macrólidos.

3. Laringite subglótica e laringo-tráqueo-bronquite (falso croup)*

Etiologia

Trata-se duma situação de etiologia habitualmente vírica; os vírus mais frequentes são os parainfluenza virus tipos I e II. No entanto, podem também estar implicados os vírus respiratório sincicial e influenzae A e B. Ocorre sobretudo entre os 6 meses e os 3 anos, sendo raríssima antes dos 6 meses.

A designação “croup” deriva da língua inglesa (no tempo em que a situação era provocada na maioria das vezes pela difteria), significando no sentido estrito “garrotilho”. Hoje em Portugal fala-se vulgarmente em «falso croup» dado que em > 99% dos casos as crianças com tal sintomatologia estão imunizadas contra a difteria. Na literatura inglesa manteve-se a designação de croup significando laringotraqueobronquite de qualquer etiologia infecciosa glótica, supra ou subglótica e traqueal superior.

Manifestações clínicas

As duas situações são descritas em conjunto pela semelhança do quadro clínico, considerando-se fases diferentes do mesmo processo inflamatório, com tendência descendente.

A doença, frequente entre os 6 e 36 meses, inicia-se com uma infecção do tracto respiratório superior durante 1 a 3 dias com febrícula, mal estar geral e disfonia. A tosse aparece subitamente, conhecida como “tosse de cão” e a ocorrência do edema subglótico leva ao aparecimento da dispneia e do estridor bifásico rude (inspiratório e expiratório, de tonalidade grave) (laringite subglótica). Se a infecção atingir a árvore brônquica verifica-se aumento de secreções, respiração mais ruidosa e agravamento da obstrução respiratória (laringo-tráqueo-bronquite).

Diagnóstico

É feito essencialmente pela clínica. A radiografia ântero-posterior das partes moles cervicais mostra o fim proximal da traqueia em “bico de lápis” devido ao edema subglótico.

A entidade designada por traqueíte bacteriana não se distingue da laringotraqueobronquite. Surgindo em crianças mais velhas (4-5 anos) relativamente às situações anteriormente descritas, o estado geral é no entanto mais precário, apontando para etiologia bacteriana.

No diagnóstico diferencial do estridor há que atender à importância da anamnese, equacionando as possíveis causas: infecciosa (abordada antes), mecânica (aspiração de corpo estranho, laringomalácia, estenose congénita, compressão extrínseca por angioedema ou outras causas), metabólica (laringospasmo por hipocalcémia), neurológica (paralisia das cordas vocais), etc..

Tratamento

Para obter humidificação eficaz estão indicadas nebulizações com aparelhos ultrassónicos. Em regime hospitalar poderá proceder-se à inalação de adrenalina racémica (0,5 mL/kg – até máximo de 3 mL – de soluto a 1/1000) diluída em soro fisiológico até perfazer no máximo, 10 mL, quer através de nebulizador, quer através de ventilador de pressão positiva intermitente; o efeito pode verificar-se ao cabo de 20-30 minutos.

Os corticóides (hidrocortisona por via endovenosa: 100mg 6-6 h; ou prednisolona por via oral: 1-2 mg/Kg/dia) durante cerca de 3 dias estão também indicados pela acção anti-inflamatória, embora o seu efeito seja mais lento. Em função do estado clínico poderá haver necessidade de entubação traqueal.

Pode também utilizar-se budesonido nebulizado (dose de 2 mg) associado a O2 ou ar a um fluxo de 5 L/minuto, em geral com efeito rápido.

A mistura de hélio e O2 = Heliox (com 20% de O2) pelo método de inspiração por fluxo laminar diminui a resistência da via aérea e poderá evitar a entubação traqueal.

BIBLIOGRAFIA

Baum ED. Tonsilectomy and adenoidectomy and myringotomy with tube insertion. Pediatr Rev 2010; 31: 417-426

Bjornson Cl, Klassen TP, Williamson J, et al. A randomized Trial of a single dose of oral dexametasone for mild croup. NEJM 2004; 351: 1306-1313

Cunill-De Sautu B, Gereige R. Throat infections. Pediatr Rev 2011; 32:459-469

Discolo C M, Darrow D H, Koltai PJ, Infectious indications for tonsillectomy. Pediatr Clin North Am 2003; 50: 445-458

Fairbanks D N, Pocket Guide to Antimicrobial Therapy in Otolaryngology Head nad Neck Surgery. New York: The American Academy of Otolaryngology Head and Neck Surgery Foundation, 2003

Goldman L, Schafer AI (eds). Goldman-Cecil Medicine. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2016

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Kunnamo A, Korppi M, Helminen M. Tonsillitis in children: unnecessary laboratory studies and antibiotic use. World J Pediatr 2016; 12: 114 – 117

Langlois DM, Andreae M. Group A streptococcal infections. Pediatr Rev 2011; 32:423-429

Magalhães M. Laringites. In Ruah S, Ruah C, Manual de Otorrinolaringologia. Lisboa: edições Laboratórios Roche vol. V, 2001; 95-99

McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010

Melo-Cristino J, Serrano N, et al. Estudo Viriato: Actualização dos dados de susceptibilidade aos antimicrobianos de bactérias responsáveis por infecções respiratórias adquiridas na comunidade em Portugal em 2001 e 2002. Rev Port Pneumol 2003; (IX): 293-310

Monteiro L, Subtil J (eds). Otorrinolaringologia Pediátrica. Lisboa: Círculo Médico/Bial, 2016

Moreno S, Garcia Altozano J, Pinilla B, Lopez J C, et al. Lemierre’s disease: postanginal bacteriemia and pulmonary involvement caused by Fusobacterium necrophorum. Rev Infect Dis 1989; 11: 319-324

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Reis LM, Rego C, Marinheiro JL. Classificação clínica das amigdalites segundo a etiopatogenia. In Pathos Monografias de Patologia Geral Ano XI 1995; 11: 23-28

Ruah S, Ruah C. O complexo faríngeo. In Ruah S, Ruah C, Manual de Otorrinolaringologia vol. V Lisboa: edições Laboratórios Roche, 2001

Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA (eds). Rudolph´s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011

Scolnik D, Coates A, Stephens D et al. Controlled delivery of high vs low humidity vs mist therapy for croup in emergency departments. JAMA 2006; 1274-1280

Swedo S E, Leonard H L, Garvey M, Mittleman B, et al. Pediatric autoimmune neuropsychiatric disorders associated (PANDA) with streptococcal infections. Am J Psychiatry, 1998; 155: 264-271

Tiballs J, Watson TJ. Symptoms and signs differentiating croup and epiglotitis. J Paediatr Child Health 2011; 47: 77-82

Zorob R, Sidani M, Murray J. Croup: an overview. J Am Fam Physician 2011; 83: 1067 -1073