Definição e importância do problema
A rinite alérgica é uma doença inflamatória crónica da mucosa nasal, resultante de uma reacção de hipersensibilidade imunologicamente mediada, em que se verifica rinorreia serosa, obstrução e prurido nasais, e crises esternutatórias; por vezes é acompanhada de irritação conjuntival.
A prevalência da rinite alérgica tem vindo a aumentar progressivamente nos últimos anos, a par do aumento da prevalência das outras patologias alérgicas. Estima-se que actualmente a rinite alérgica tenha uma prevalência global de 20 a 40% na população mundial, iniciando-se frequentemente as queixas nas primeiras décadas de vida. A avaliação do estudo epidemiológico ISAAC (International Study of Asthma and Allergies in Childhood) demonstrou que 24% das crianças com 6-7 anos e 27% dos adolescentes (13/14 anos) referiam queixas compatíveis com o diagnóstico de rinite alérgica nos últimos doze meses. Os estudos ARPA (Avaliação de Prevalência e Caracterização da Rinite em Portugal Continental) avaliaram a prevalência de rinite em diversos grupos etários, incluindo crianças de idade pré-escolar, adultos e idosos. Nos estudos ARPA-Kids foram avaliadas, por questionário, 5018 crianças entre os 3 e os 5 anos, tendo-se encontrado uma prevalência de rinite de 22%. O diagnóstico médico de rinite tinha sido efectuado em 36% das crianças com clínica e nos últimos 12 meses apenas 37% tinham sido medicadas.
Trata-se de uma doença bastante prevalente, mas frequentemente não diagnosticada e não tratada, com importantes repercussões na qualidade de vida e no desempenho escolar das crianças.
Classificação
A classificação da rinite mais aceite actualmente baseia-se nas características temporais da doença e nas repercussões na qualidade de vida do doente. Assim, a rinite é classificada em intermitente ou persistente, quanto à duração da doença; e em ligeira ou moderada a grave, quanto à intensidade dos sintomas e repercussão sobre a qualidade de vida e actividades diárias (Quadro 1).
QUADRO 1 – Classificação da rinite alérgica
1. Intermitente |
Sintomas < 4 dias por semana ou < 4 semanas |
2. Persistente |
Sintomas > 4 dias por semana e > 4 semanas |
3. Ligeira |
Sono normal e: – actividades diárias, desportivas e de tempos livres normais – actividades laborais e escolares normais – sem sintomas perturbadores |
4. Moderada-grave |
Uma ou mais situações: – sono anormal – repercussão nas actividades diárias, desportivas e tempos livres – problemas na escola |
Manifestações clínicas e diagnóstico
A história clínica é essencial para o diagnóstico preciso de rinite alérgica e avaliação da sua gravidade. Os sintomas incluem obstrução nasal, rinorreia, prurido nasal e crises esternutatórias, podendo cada doente apresentar predomínio de um ou mais sintomas. Podem surgir sintomas associados, nomeadamente roncopatia e/ou distúrbios do sono, cansaço e mau rendimento escolar, corrimento nasal posterior, tosse crónica e perda de olfacto. O perfil temporal, a relevância dos sintomas e a resposta à terapêutica deverão ser avaliados. É também importante investigar eventuais factores desencadeantes e avaliar o contexto ambiental da criança, incluindo exposição alergénica e tabagismo passivo. A existência de outras manifestações da doença alérgica, nomeadamente asma, conjuntivite, eczema e antecedentes familiares de alergia apoiam o diagnóstico de rinite alérgica.
O exame objectivo pode auxiliar no diagnóstico de rinite alérgica. Pode observar-se fácies característica, com obstrução nasal e respiração oral com a boca entreaberta, existência de prega atópica nasal e olheiras. Em situações de maior cronicidade poderá mesmo haver anomalias do desenvolvimento facial com má oclusão dentária.
A observação das fossas nasais com uma fonte de luz incidindo sobre o vestíbulo nasal permite observar rinorreia, habitualmente aquosa, hipertrofia e palidez da mucosa dos cornetos inferiores e desvios do septo nasal.
Os testes cutâneos por picada, úteis a partir dos primeiros anos de vida, são largamente utilizados para confirmar o diagnóstico de rinite alérgica-IgE mediada, permitindo identificar os alergénios implicados. Na impossibilidade da sua realização por problemas de pele (eczema ou urticária) ou quando a criança está medicada com anti-histamínicos que anulam o resultado dos testes, poderão efectuar-se análises sanguíneas, com doseamento de IgE específica.
A radiografia dos seios perinasais não está indicada no diagnóstico de rinite alérgica. A radiografia do cavum, de perfil, permite demonstrar a existência de hipertrofia das adenóides. A tomografia axial computadorizada (TAC) dos seios perinasais é um exame radiológico importante para avaliar complicações ou patologias associadas.
Doenças associadas e complicações
A rinite alérgica ocorre muito frequentemente associada à asma brônquica, embora a natureza desta ligação não esteja totalmente esclarecida. Discute-se actualmente as relações entre a patologia alérgica das vias aéreas superiores e inferiores, partilhando aspectos relacionados com a inflamação numa mucosa respiratória contígua. Por outro lado, quando o nariz está obstruído, a respiração faz-se pela boca, o que aumenta a entrada de poluentes e alergénios directamente para os brônquios, sem serem filtrados no nariz.
Num estudo prospectivo nacional, com a duração de oito anos, onde foram incluídas crianças com hiperreactividade brônquica em idade pré-escolar, a rinite foi identificada como o principal factor de risco independente da persistência dos sintomas, mesmo nas crianças que não eram atópicas na data da inclusão.
As queixas nasais devem ser sempre valorizadas. Salienta-se, a propósito, que quem tem rinite tem maior probabilidade de ter asma, e que a rinite não controlada contribui para um pior controlo da asma e para a persistência dos sintomas na idade adulta. O tratamento adequado da rinite reduz a ocorrência de crises de asma e pode também diminuir o número de internamentos motivados por esta doença.
Outras doenças alérgicas estão frequentemente presentes, devendo ser investigadas e tratadas, nomeadamente conjuntivite alérgica e eczema.
A inflamação crónica subjacente à rinite alérgica estende-se à mucosa de revestimento dos seios perinasais predispondo à ocorrência de quadros de rinossinusite. O bloqueio funcional dos ostiae dos seios perinasais inicia as alterações fisiopatológicas que levam ao aparecimento de rinossinusite. Alguns factores mecânicos podem contribuir para quadros prolongados ou recorrentes de rinossinusite, dos quais o mais frequente, nas crianças pequenas, é a hipertrofia das adenóides, mas o desvio do septo nasal também pode ser uma causa. Importa, no entanto, referir que a maioria dos quadros agudos de rinossinusite na criança é causada por infecções víricas, com possibilidade de sobreinfecção bacteriana. A rinossinusite é também uma das causas mais frequentes de tosse crónica na criança.
A obstrução nasal pode provocar alterações no ritmo do sono, sonolência diurna e dificuldades de concentração e de aprendizagem. A ocorrência de otite seromucosa e défice auditivo contribui para os problemas de aprendizagem e mau rendimento escolar, com implicações a nível psíquico e social.
Tratamento
O tratamento da rinite inclui medidas gerais e de controlo ambiental, os medicamentos e as vacinas antialérgicas.
O primeiro passo consiste na evicção alergénica, devendo ser recomendada desde os primeiros sintomas da doença. As medidas de evicção deverão incidir sobre os ácaros do pó, animais domésticos, baratas, fungos e poluentes. É fundamental a evicção de tabagismo passivo, importante factor de risco do aparecimento e gravidade da doença alérgica.
Habitualmente o controlo ambiental não é suficiente e existe necessidade de instituir terapêutica médica. O tipo de fármacos a utilizar depende da gravidade da doença e também dos sintomas mais importantes em cada doente.
Os anti-histamínicos são considerados, por alguns autores, os fármacos de primeira linha no tratamento da rinite alérgica. Actuam como antagonistas dos receptores H1 reduzindo o prurido nasal, os espirros e a rinorreia, sendo, no entanto, pouco eficazes na redução da obstrução nasal. Os anti-histamínicos de 1ª geração não devem ser utilizados pelos seus efeitos secundários, podendo diminuir as capacidades intelectuais das crianças em idade escolar. Os anti-histamínicos de 2ª geração atravessam pouco a barreira hematoencefálica pelo que são bem tolerados, provocando menos sonolência e efeitos acessórios. São habitualmente administrados por via oral, apenas uma vez ao dia, aliviando os sintomas nasais, mas também oculares e cutâneos, caso existam outras doenças alérgicas. Os anti-histamínicos tópicos, aplicados no nariz e nos olhos, têm um rápido início de acção e são habitualmente bem tolerados. Necessitam, no entanto, de ser aplicados duas vezes ao dia para manter a eficácia.
Os corticosteróides têm um papel central no tratamento da rinite alérgica, actuando pelo seu potente efeito anti-inflamatório. São usados geralmente sob a forma tópica, mas nas situações graves podem ser usados por via sistémica, por períodos de 3 a 5 dias. As formas depot de administração sistémica não devem ser utilizadas. Os corticosteróides tópicos reduzem a obstrução nasal, a rinorreia, os espirros e o prurido nasal, sendo mais eficazes do que os anti-histamínicos no controle da obstrução nasal. As doses são variáveis de acordo com a idade, a gravidade da patologia e o corticosteróide seleccionado. Com a posologia correcta são habitualmente fármacos seguros, nomeadamente no que respeita ao crescimento da criança, mesmo em terapêuticas prolongadas. Um aspecto importante é o seu início de acção lento, podendo recorrer-se aos descongestionantes nasais, nos primeiros dias de tratamento, para se obter um efeito mais rápido sobre a obstrução nasal.
As cromonas são seguras, mas apresentam menor eficácia que os anti-histamínicos e os corticosteróides nasais. Pela frequência de administração diária (três a quatro vezes) colocam problemas de adesão à terapêutica.
Os antileucotrienos inibem a acção dos leucotrienos C4 e D4 que são importantes mediadores da inflamação. São usados particularmente em crianças que apresentam também asma brônquica ou sibilância relacionada com infecções virais.
As vacinas antialérgicas são um tratamento dirigido especificamente à causa das alergias de cada doente. Podem ser administradas por injecção ou em gotas que se colocam debaixo da língua. Estão recomendadas em crianças, geralmente acima dos 5 anos. É um tratamento que para além de melhorar os sintomas da doença, pode alterar o curso da doença alérgica a longo prazo, incluindo evitar o aparecimento de asma em crianças com rinite. Deve ser sempre indicada e monitorizada por imunoalergologistas.
De acordo com a actual classificação da rinite alérgica, a abordagem terapêutica desta doença baseia-se na sua periodicidade e gravidade.
Nas formas ligeiras de rinite intermitente podem usar-se os anti-histamínicos orais ou nasais ou os descongestionantes nasais, estes últimos durante um curto período de tempo. Nas formas moderadas/graves usam-se os anti-histamínicos associados a corticosteróides nasais e, eventualmente, um curto período de vasoconstritores. Nas fases agudas pode ser necessário recorrer a corticosteróides orais. O doente deverá ser reavaliado após 2 a 4 semanas, e a terapêutica reajustada.
Na rinite persistente existe habitualmente inflamação permanente da mucosa, pelo que a terapêutica medicamentosa deverá ser mantida por períodos prolongados. Nas formas ligeiras podem ser utilizados anti-histamínicos ou corticosteróides nasais. Uma possível abordagem é a utilização de anti-histamínicos por um período de 2 a 4 semanas; e, se não ocorrer melhoria, deverá proceder-se ao início de corticosteróides nasais. Nas formas moderadas/graves os corticosteróides nasais são a terapêutica de primeira linha. Quando necessário, deve efectuar-se terapêutica com corticosteróides orais ou descongestionantes por um curto período de tempo. Associam-se anti-histamínicos se estiverem presentes prurido nasal, crises esternutatórias e rinorreia importantes. Os antileucotrienos poderão ser alternativa em crianças com rinite e asma, particularmente asma de esforço ou em crianças com sibilância recorrente associada a infecções. Poderão também ser associados em situações de rinite de difícil controlo.
Os doentes deverão ser reavaliados regularmente, mantendo a mínima terapêutica necessária para controlar os sintomas.
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