Importância do problema e sistematização

Durante a observação de uma criança com patologia cutânea, e provável etiologia alérgica devem de imediato ser avaliadas, não só as características das lesões e sua distribuição, mas também a presença de prurido. Considerando a etiologia alérgica é necessário avaliar a sua gravidade, tendo em conta, não só cada episódio, mas também a probabilidade da sua recorrência e o risco de eventuais reacções graves. Entre as situações consideradas do foro alérgico com expresão cutânea há que distinguir as que comportam ou não um risco subsequente de desenvolvimento de outras doenças alérgicas, nomeadamente respiratórias. No âmbito das situações de alergia de expressão cutânea, são descritas as entidades clínicas dermatite atópica, urticária e prurigo-estrófulo. Relativamente à primeira, neste capítulo foca-se essencialmente a fisiopatologia e o diagnóstico diferencial, abordando-se os restantes aspectos na parte referente à Dermatologia Pediátrica. No que respeita à anafilaxia, que tem a mesma base fisiopatológica que a urticária e angioedema, recorda-se que foi abordada sucintamente noutro capítulo, sendo dada ênfase ao respectivo tratamento neste.

1. Síndroma de eczema / dermatite atópica

Definição e fisiopatologia

A dermatite atópica (DA) é uma doença inflamatória crónica da pele, muito pruriginosa, que com frequência ocorre em associação com problemas respiratórios, para a patogenia dos quais contribuem mecanismos imunológicos de hipersensibilidade imediata e retardada; esta heterogeneidade de respostas tem levado à substituição do termo dermatite atópica por um mais abrangente: síndroma eczema / dermatite atópica (SEDA), podendo ainda dividir-se em não alérgica e alérgica; esta última, por sua vez, pode estar ou não associada à presença de IgE específica (atópica ou não atópica).

Na SEDA existe uma resposta inflamatória, traduzida por um infiltrado linfo-histiocitário circundando os vasos da derme superficial, mesmo ao nível da pele sem lesões.

Na fase aguda o infiltrado linfocitário acentua-se e associa-se a fenómenos de espongiose ao nível da epiderme, a qual, se muito intensa, condicionará a ruptura das ligações entre queratinocitos com a consequente formação de vesículas. Os linfócitos associados aos processos crónicos de inflamação cutânea são portadores de um antigénio à sua superfície (antigénio do linfócito cutâneo), o qual, funcionando como receptor, se ligará ao contra receptor (E-selectina) existente no endotélio vascular.

Na fase crónica, ao nível da epiderme o infiltrado de células T e a espongiose são substituídos por hiperplasia e hiperqueratose, com concomitante aumento do número de células de Langherans com IgE à superfície. Também na derme o infiltrado linfocitário tem uma expressão mais reduzida, relativamente aos macrófagos, mastócitos e eosinófilos.

Para cada uma das fases descritas é possível encontrar um padrão característico de citocinas envolvidas, existindo uma mudança no perfil, inicialmente do fenótipo Th2 (fase aguda), para o fenótipo Th1 (fase crónica), justificando o mecanismo retardado existente na maioria dos doentes com DA.

Para além dos factores genéticos, das alterações constitucionais da pele e dos distúrbios imunes, muitos factores exógenos, específicos e inespecíficos, contribuem para a exacerbação da doença. A tradução clínica é relativamente monótona, sendo o prurido o sintoma sem o qual não se pode estabelecer o diagnóstico de eczema.

Na fase aguda estão presentes o eritema intenso e, por vezes, observam-se vesículas; na fase subsequente, ou subaguda, apresenta-se essencialmente uma secura intensa, ou xerose, com descamação; na fase crónica, para além do prurido associado a lesões em diferentes estádios, aparece outro tipo de lesões resultantes da inflamação persistente e do prurido, como as escoriações e a liquenificação. Os diferentes tipos de lesões de eczema podem coexistir nas distintas fases evolutivas.

A evolução característica ocorre com ciclos de exacerbação, por vezes associados a outras formas de doença alérgica (asma e/ou rinite alérgica que podem ocorrer em cerca de 50% destas crianças). A alteração da barreira cutânea por agentes químicos como solventes, desinfectantes ou soluções alcalinas permitem a persistência de lesões e a penetração de macromoléculas.

2. Urticária e angioedema

Definição e fisiopatologia

Urticária define-se como reacção cutânea característica constituída por pápulas fugazes (< 24 horas) edematosas, com um aspecto típico: redondas ou ovais, de dimensões variáveis, com superfície plana, da cor da pele ou rosa-pálido; o contorno é bem delimitado, por vezes com prolongamentos – os “pseudópodos” e, isoladas ou em grupos, tendem a confluir. Nas formas mais exuberantes existe contorno policíclico em “mapa geográfico”, eritematoso com centro pálido (em anel) (Figuras 1 e 2). O prurido está presente, sendo raros a dor e desconforto. Resultam de fenómeno de alteração vascular com vasodilatação e aumento da permeabilidade de capilares e vénulas da derme superficial.

Por vezes os episódios de urticária repetem-se durante dias ou semanas; convencionou-se a classificação de “aguda” para os casos com recorrências < 6 semanas, e de “crónica” para aqueles casos em que tal duração é superior.

FIGURA 1 e 2. Urticária. Pápulas isoladas e confluentes (NIHDE)

A urticária é uma patologia comum, estimando- se que possa afectar cerca de 15% da população em qualquer idade. O angioedema (edema angioneurótico ou edema de Quincke), correspondendo a um fenómeno (de aparecimento súbito) equivalente à urticária, e ocorrendo de modo circunscrito na hipoderme/tecido subcutâneo/submucoso, tem maior duração (1-5 dias). A área afectada em geral é circunscrita, está tumefacta, edematosa, mais pálida que eritematosa, é mais dolorosa do que pruriginosa e produz desconforto. Os locais onde mais frequentemente surge são pálpebras, lábios, língua, mãos, pés e genitais. Menos frequentemente o tracto gastrintestinal pode ser atingido originando náuseas, vómitos, diarreia e dores abdominais. Em comparação com a alteração vascular que surge na urticária, no angioedema a vasodilatação é menor, o edema é mais exuberante e o infiltrado celular inflamatório subcutâneo e ou submucoso é escasso ou ausente. Salienta-se que o angioedema muitas vezes pode associar-se a episódios de urticária (sobretudo crónica) ou alternar com os mesmos. Raramente (~10% dos casos) o angioedema ocorre sem urticária. As formas crónicas da síndroma urticária/ angioedema estão mais frequentemente associadas a patogénese por agentes físicos, reumática, endócrina, neoplásica e idiopática. Na origem da urticária e do angioedema situa-se o mastócito, célula dérmica cujos grânulos contêm substâncias vasoactivas (histamina, prostaglandinas, bradicinina, calicreína, leucotrienos, factor activador das plaquetas), as quais, libertadas durante o fenómeno reaccional, actuam sobre os vasos. A bradicinina tem papel importante na fisiopatologia do angioedema não associado a urticária. Episódios repetidos de angioedema poderão ocorrer (prevalência entre 1/10.000 a 1/ 50.000), na ausência de urticária, relacionados com défice hereditário (quantitativo ou qualitativo) do inibidor da esterase de C1 (do sistema do complemento) em relação com mutações no gene C1INH. Trata-se de doença autossómica dominante em que a deficiência do inibidor da esterase de C1 conduz à elevação de cininas, particularmente da bradicinina, com consequente vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular. Para além das formas hereditárias, estão descritas formas adquiridas de défice de C1INH, por ex. no contexto de doenças autoimunes ou neoplásicas (linfomas B, tumores sólidos, etc.). Como factores desencadeantes de angioedema por défice de C1INH contam-se, entre outros, certos fármacos (IECA, anticonceptivos orais), traumatismos, infecções. O mecanismo mais frequente de desgranulação mastocitária é imunoalérgico e resulta da acção de IgE em combinação com determinados alergénios (medicamentos, proteínas, vegetais e animais, inaladas ou ingeridas). A associação a entidades nosológicas diferenciadas reflecte a diversidade de mecanismos subjacentes ao problema clínico em epígrafe (Quadro 1). A concentração de IgE no sangue circulante é baixa, mas a grande afinidade para a membrana dos mastócitos e a estabilidade da sua persistência nesta ligação explicam porque não são necessárias grandes concentrações de antigénio para se verificar o fenómeno de desgranulação e subsequente reacção.

QUADRO 1 – Urticária/Angioedema Classificação etiopatogénica

Infecções
Alimentos
Fármacos
Agentes biológicos
Defeitos genéticos (ex. angioedema hereditário)
Autoimune
Vasculite urticariana e linfocitária com normalidade do Complemento
Agentes físicos
Frio
Pressão
Vibratória
Solar
Aquagénica
Exercício
Associada a outras doenças
Reumáticas
Conectivopatias
Neoplasias
Tiroideia
Outras
Idiopática

Manifestações e formas clínicas

Urticária aguda

A urticária aguda na criança é habitualmente autolimitada e benigna, com duração de apenas alguns dias. As formas agudas, particularmente nos primeiros anos de vida, são mais frequentes do que as formas crónicas, sendo factores etiológicos mais comuns as infecções, a ingestão de alimentos e a administração de medicamentos; de referir que a etiologia é identificada ou suspeitada em 40 a 90% dos casos.

1. Infecções

Os quadros de urticária aguda na criança são, na sua grande maioria, de causa infecciosa vírica. É de referir que, com estes agentes, as lesões podem persistir por mais de 24 horas; por vezes, acompanham-se de lesão residual, traduzindo a existência concomitante de um processo de vasculite associada a imunocomplexos com antigénios de origem vírica (ex. vírus de Epstein-Barr, adenovírus, vírus influenzae, vírus sincicial respiratório, citomegalovírus, vírus herpes-varicela-zoster, parvovírus, enterovírus, rotavírus).
Também infecções bacterianas (estreptocócicas) e parasitárias podem originar tais manifestações cutâneas.
As infecções parasitárias poderão ser causa de urticária em zonas endémicas, particularmente em crianças com eosinofilia e IgE elevada; a ocorrência de urticária aguda e crónica foi relacionada com infestações por Toxocara canis e Giardia lamblia.
Estes quadros, frequentes, não constituem factor preditivo de outra patologia imunoalérgica.

2. Alimentos

Os sintomas podem surgir na sequência de contacto directo do alimento com a pele (alergénios lipofílicos); o leite, os peixes e os mariscos podem conduzir a este quadro. A síndroma de alergia oral é uma forma particular de urticária de contacto provocada por alimentos; é caracterizada por prurido e edema da mucosa oral, língua, lábios e orofaringe. Surge principalmente nos doentes com alergia a pólens, após a ingestão de certos frutos ou vegetais, por um mecanismo de reactividade cruzada IgE mediada. Esta síndroma afecta predominantemente adolescentes. As lesões de urticária podem também surgir na sequência de ingestão de alimentos. O leite, o ovo, o peixe, o amendoim, a soja e o trigo são os alimentos mais frequentemente em causa e o mecanismo implicado é mediado por IgE. Trata-se, em regra, de quadros de fácil identificação, surgindo as lesões entre 30 a 60 minutos após a ingestão do alimento; a evicção deverá levar à sua resolução num período de 24 horas.

3. Fármacos

Qualquer fármaco pode desencadear um quadro de urticária ou angioedema, embora os antibióticos beta-lactâmicos e os anti-inflamatórios não esteroides tenham um papel primordial (estes últimos raramente envolvidos nos grupos etários pediátricos). A reacção surge habitualmente durante os primeiros dez dias da administração do medicamento.
A enzima de conversão da angiotensina metaboliza a bradicinina. Daí que a administração de fármacos IECA, elevando os níveis de bradicinina, possa estar associada a angioedema (ver atrás).
As reacções adversas a fármacos, imunologicamente mediadas, têm uma incidência baixa (menos de 10%). Apesar disso, a incidência de exantema após utilização de fármaco na criança, nomeadamente antibióticos, é uma situação comum; contudo, nestes casos o antibiótico administrado é muitas vezes incorrectamente responsabilizado, visto que na maioria das situações os sintomas são causados pela infecção concomitante.
Se o fármaco for essencial à terapêutica do doente, o diagnóstico definitivo poderá exigir a realização de um teste de provocação por especialista experiente, em ambiente hospitalar e com disponibilidade de meios de reanimação. A indução de tolerância é reservada para os casos em que a administração do fármaco é imprescindível e não existe alternativa (ex. penicilina).

4. Agentes biológicos:

Veneno de himenópteros (vespa e abelha) e outros insectos. A picada ou mordedura com inoculação de vários agentes biológicos pode induzir uma reacção de urticária aguda que, embora na maioria das vezes seja local, pode ser acompanhada de manifestações sistémicas (de urticária generalizada a anafilaxia) em cerca de 5% dos casos.

Urticária crónica

Por definição, a urticária crónica caracteriza-se pela ocorrência de lesões diárias ou quase diárias, com ou sem angioedema acompanhante, durante um período superior a 6 semanas. Na criança a urticária crónica ocorre raramente.

Em 30-50% dos casos de urticária crónica demonstrou-se a presença de autoanticorpos estimulando mastócitos, o que sugere mecanismo autoimune, para alguns casos considerados antes relacionados com urticária crónica idiopática.

As urticárias físicas, subgrupo das urticárias crónicas (10 a 20%), são desencadeadas em indivíduos susceptíveis pela exposição a alguns estímulos ambientais como sejam o calor, o frio, a exposição solar, a água, o exercício, a pressão e a vibração. Com raras excepções, as lesões de urticária e/ou angioedema desenvolvem-se nas áreas da pele expostas, poucos minutos após a aplicação do estímulo físico, ainda que possam ocorrer de forma generalizada a toda a área corporal ou com manifestações sistémicas associadas; verifica-se em regra remissão espontânea, em poucas horas, embora existam formas mais duradouras. As formas retardadas (adquiridas ou familiares) frequentemente constituem problemas de diagnóstico, uma vez que não existe uma associação causal imediata.

As urticárias desencadeadas pelo calor, essencialmente a urticária colinérgica*, representam 2 a 7% das urticárias físicas e, a urticária ao frio, 3 a 5%, sendo esta a forma que mais frequentemente se encontra na prática clínica. As formas mais raras, com uma incidência inferior a 1%, correspondem às urticárias de pressão, solar, vibratória e aquagénica.

Nota: A urticária acompanha-se em geral de alteração da reactividade cutânea-vascular frente a estímulos traumáticos superficiais denominada dermografismo (ocorrendo em 2 a 5% da população geral). Pesquisa-se executando um traço na superfície da pele com estilete de ponta romba, resultando linha eritematosa persistindo cerca de 10-15 minutos.

*A designação deriva do mecanismo patogénico provável de hipersensibilidade à acetilcolina endógena produzida no organismo durante o exercício físico, quer nas placas motoras dos músculos estriados, quer nas glãndulas sudoríparas écrinas.

Diagnóstico

Como foi referido antes, o diagnóstico de urticária ou angioedema é clínico, baseando-se fundamentalmente nas características das lesões, evolução e na observação; a realização de biópsias cutâneas está reservada a algumas formas crónicas da doença.

Nos casos de angioedema, suspeitando-se de défice de C1INH, pode proceder-se ao respectivo rastreio através da determinação da fracção C4 do complemento, a qual está diminuída em todas as formas.

Uma vez confirmado o diagnóstico de urticária ou angioedema, é fundamental uma correcta caracterização das lesões quanto à localização e distribuição, dimensões, frequência, intensidade e factores condicionantes. Uma análise meticulosa deverá avaliar não apenas as características das lesões, mas também os antecedentes pessoais da criança, o seu ambiente doméstico e os hábitos, nomeadamente alimentares e medicamentosos.

As formas agudas, mais frequentes na infância, são habitualmente autolimitadas, raramente necessitando de uma avaliação diagnóstica aprofundada e respondendo adequadamente à terapêutica sintomática.

As formas crónicas, embora menos frequentes, exigem habitualmente, pelo carácter recorrente das lesões, uma investigação adicional (detecção de sensibilização alergénica; patologia infecciosa e autoimune ou neoplásica). Esta abordagem orientará também a escolha de um esquema farmacológico mais adequado à etiologia da urticária ou angioedema em questão.

A análise dos dados colhidos na história clínica, orientarão a investigação diagnóstica ulterior que se pretende esclarecedora mas, também, economicamente viável. Assim, proceder-se-á a uma selecção criteriosa dos exames subsidiários mais indicados a cada situação particular.

Exames para avaliação do estado geral da criança poderão ser úteis numa primeira abordagem: hemograma, determinação de parâmetros bioquímicos, determinação de imunoglobulinas séricas e fracções do complemento, proteína C reactiva, velocidade de sedimentação, exame parasitológico de fezes, etc..

As síndromas de causa física são habitualmente identificadas pela história clínica que permite reconhecer o estímulo desencadeante. A realização de testes específicos conduzirá ao diagnóstico definitivo.

O estudo alergológico, quando indicado, inicia-se habitualmente pela realização de testes cutâneos de alergia por picada aos aeroalergénios e/ou alergénios alimentares a que o doente está exposto de acordo com metodologia padronizada.

De salientar que a urticária crónica pode surgir como primeira manifestação de uma doença sistémica (ex: lupus eritematoso sistémico, tiroidite autoimmune, doença do soro); outros estudos imunológicos poderão então estar indicados como a pesquisa de anticorpos antinucleares, imunocomplexos circulantes ou anticorpos antitiroideus.

Tratamento

a-Urticária

Para além de cuidados gerais, incluindo os de assegurar uma adequada hidratação cutânea, a conduta terapêutica perante um quadro de urticária aguda passa, em primeiro lugar, pela eventual identificação e evicção do agente causal.

Os anti-histamínicos por via oral são os fármacos de eleição no tratamento farmacológico desta situação (a via tópica está proscrita pelo risco de sensibilização fotoalérgica e efeitos extrapiramidais), estando vários anti-histamínicos disponíveis, desde a hidroxizina à cetirizina, loratadina, mizolastina, fexofenadina ou ebastina, aos mais recentes: levocetirizina e desloratadina.

O tratamento deve durar, em média, 5 a 10 dias; no plano terapêutico, a monoterapia com anti-histamínicos constitui o esquema farmacológico, particularmente nas formas agudas, em função da gravidade e da resposta clínica. A associação de duas moléculas distintas representa o escalão de actuação seguinte.

Justifica-se a utilização de corticosteróide sistémico nos casos mais graves, com lesões exuberantes e generalizadas, quando associados a angioedema ou em reacções anafilácticas, (nestas últimas após o tratamento inicial com adrenalina). Devem ser usados ciclos muito curtos (3 a 5 dias) de prednisolona ou equivalente na dose de 0,5 a 1mg/Kg/dia.

A evicção de alimentos ricos em histamina (marisco, bacalhau, morango, cacau, tomate, enlatados, charcutaria, queijos fermentados, entre outros) também têm o seu papel durante a fase aguda; de realçar o papel modesto dos alimentos na etiopatogénese da urticária na criança (aguda ou crónica) ao contrário do que é geralmente assinalado.

Nas urticárias crónicas estão indicados antihistamínicos tipo bloqueantes H2 nos casos sem resposta aos de tipo anti-H1 (por exemplo cimetidina).

De referir efeito sinérgico pela associação dos Anti-H1 + Anti-H2.

b-Angioedema hereditário

Esta forma de angioedema não responde aos anti-histamínicos

nem aos corticóides. Tratando-se da modalidade desencadeada pelos IECA, a medida prioritária é a interrupção do respectivo fármaco, verificando-se melhoria em 48-72 horas. A verificação de edema laríngeo/da glote (ou crise abdominal grave) implica administração de adrenalina, e entubação traqueal no caso de ineficácia da adrenalina.

Tratando-se de défice de inibidor da esterase de C1 (C1INH) está indicada idealmente a administração de concentrado de C1INH (ou plasma fresco congelado na impossibilidade de utilizar o primeiro).

Tratando-se duma situação caracterizada por episódios repetidos de angioedema, fora da crise, deverá actuar-se com medidas preventivas como antifibrinolíticos (por ex.ácido aminocapróico e ácido transexâmico) e androgénios de baixa dosagem (por ex. danazol).

Como nota importante, há que referir que se trata de situações para tratamento em centros especializados.

c-Anafilaxia

Tratando-se duma emergência médica, constituem prioridades, para além da administração imediata de adrenalina, a manutenção da via aérea e da circulação, salientando-se que pode haver associação a angioedema e obstrução brônquica.

A mortalidade atribuída à anafilaxia na sequência de colapso cardiocirculatório deve-se fundamentalmente ao atraso na administração de adrenalina, para além de 30 minutos após início dos sintomas.

As medidas de reanimação incluem oxigenoterapia, fármacos vasoactivos, broncodilatadores inalados (como albuterol) e antagonistas de H1e H2. Os corticóides estão indicados como anti-inflamatórios nas 8-12 horas subsequentes às medidas descritas.

Os casos de anafilaxia em doentes tratados com antagonistas beta-adrenérgicos podem ser refractários à adrenalina. em tal contexto estão indicados glucagom ou atropina (situações para tratamento em centros especializados).

Após a alta o doente deve ser portador de estojo/Kit com adrenalina para ser aplicada por automedicação em casos de recorrência dos sintomas segundo as instruções do médico-assistente.

3. Prurigo estrófulo

Definição

A designação de prurigo é latina e dela deriva o termo prurido.

O prurigo estrófulo ou urticária papular é uma patologia inflamatória cutânea, definida pela existência de máculo-pápulas, do tamanho de cabeça de alfinete com ou sem vesículas, eritematosas e pruriginosas; é frequentemente observada na sequência de picada ou contacto cutâneo com insectos. Sobre o papel da ingestão de certos alimentos não existe consenso. Os grupos etários pediátricos são os mais afectados. Os insectos mais frequentemente incriminados na etiologia do prurigo estrófulo, são os artrópodes, de que é exemplo o Culex pipiens (melga comum) que se encontra em todo o mundo à excepção da Antártida. É conhecido como o mosquito doméstico, por muitas vezes se desenvolver em pequenos reservatórios de água, perto ou dentro das casas. As suas larvas desenvolvem-se em águas estagnadas, com abundância de matéria orgânica.

Esta patologia não constitui factor de risco de expressão de outras doenças alérgicas, exceptuando dermatite atópica.

Fisiopatologia

A pápula associada à picada de insecto foi inicialmente encarada como uma reacção mastocitária cutânea ao componente mecânico dessa mesma picada, decorrente da inoculação de algumas proteínas, nomeadamente enzimas (hialuronidase); existem estudos que objectivam a presença de depósitos de imunoglobulinas e factores de complemento nos vasos da derme sugerindo hipersensibilidade do tipo III (e talvez do tipo I), que justificaria a presença de lesões afastadas do local de contacto dos artrópodes.

A intensidade da reacção e sua consequente expressão clínica são influenciadas pela idade. As picadas sucessivas induzem habitualmente um estádio de tolerância.

Manifestações clínicas e diagnóstico

Factores como a permanência prolongada no exterior dos edifícios (durante a prática desportiva, casual ou recreativa), o suor, os odores fortes, a pele quente e o movimento, parecem aumentar a susceptibilidade à picada.

A reacção clínica à picada pode incluir dois mecanismos: um imediato (minutos após) mais frequentemente traduzido por quadro de eritema e pápula, menos frequentemente por edema extenso ou anafilaxia; e, um retardado (horas).

Este último tem tradução preferencial nas crianças manifestando-se, por ordem decrescente de frequência, por pápulas muito pruriginosas, vesículas, lesões pustulares e exantema semelhante ao eritema multiforme.

O diagnóstico depende do reconhecimento das lesões e, em alguns casos, da identificação do agente causal (especialmente insectos). Não está habitualmente indicada a realização de exames auxiliares de diagnóstico.

Prevenção e tratamento

As medidas de prevenção assentam no uso de roupas que cubram áreas do corpo expostas e na utilização de repelentes de insecto aplicados na pele da criança, em pulseiras ou no próprio vestuário; pode ser recomendado o uso de mosquiteiros e insecticidas, e também a desinfestação do ambiente. A terapêutica tópica, para além da aplicação de emolientes, inclui a prescrição de corticóides que têm um efeito anti-inflamatório; não deverão ser prescritos anti-histamínicos tópicos, que podem desencadear sintomas extrapiramidais ou dermatite de contacto fotoalérgica. Os anti-histamínicos diminuem o eritema, o tamanho da pápula e, a intensidade do prurido; também exercem influência na menor expressão da reacção tardia, pelo que devem ser utilizados como profilácticos (anti-histamínicos não sedativos) durante períodos prolongados (semanas a meses) nos casos de agudizações sucessivas.

Na fase aguda o intenso prurido pode tornar preferíveis os anti-histamínicos de primeira geração, como a hidroxizina, pelo seu efeito sedativo adicional. Os corticóides sistémicos podem ser considerados apenas quando são atingidas grandes áreas corporais, se verifica a reactivação de zonas anteriormente picadas, e nos casos raros de anafilaxia; nestas últimas situações o uso de adrenalina coloca-se na primeira linha de actuação (ver atrás).

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