Importância do problema

A popularidade dos regimes vegetarianos tem aumentado nas últimas décadas, estimando-se que nos Estados Unidos cerca de 4% da população os pratique. Cerca de 2% das crianças e adolescentes entre os 6-17 anos são vegetarianas e 0,5% deste grupo etário é vegan (ver adiante), ou seja, não consome qualquer produto de origem animal, como carne, derivados lácteos ou ovos.

Este facto tem importância pela probabilidade de tais práticas serem veiculadas às crianças e adolescentes as quais têm maior vulnerabilidade para determinados distúrbios nutricionais face ao crescimento e desenvolvimento que os caracteriza.

 Os motivos para a escolha de tais dietas ou regimes alimentares têm como base a defesa de princípios ecológicos, luta antipoluição do ambiente, motivos religiosos ou de preocupação com a saúde: regimes ricos em amido e desprovidos de açúcar e sais refinados; maior riqueza em produtos contendo fibra; menor teor em gordura e maior riqueza em poli-insaturados; menor incidência de coronariopatia aterosclerótica, cancro, obesidade, hipertensão e colelitíase.

Sistematização

Os regimes vegetarianos podem ser classificados em três categorias principais: vegetarianos parciais, vegetarianos tradicionais e os chamados vegetarianos novos ou atípicos.

Nos regimes vegetarianos parciais ou semi-vegetarianos são excluídos alguns alimentos de origem animal, designadamente carnes vermelhas, permitindo ingestão de peixe e de carne de aves (pesco e polo-vegetarianos).

Nos regimes vegetarianos tradicionais (também chamados lacto- ou lacto-ovo-vegetarianos) são consumidos produtos lácteos e/ou ovos, estando proibidos a carne e o peixe. No grupo tradicional está incluído o subgrupo designado porveganou vegetariano puro que exclui qualquer produto de origem animal; os seus seguidores praticam determinada filosofia para além das práticas estritamente alimentares: não usam peles, lãs ou sedas e não comem mel nem gelatina. No entanto, as mães vegan em geral, amamentam, estando descritos, casos de raquitismo e de anemia megaloblástica nos respectivos lactentes na ausência de suplementação de vitamina B12 e ácido fólico durante a gravidez.

Os regimes vegetarianos atípicos (que admitem determinadas “propriedades metafísicas” de determinados produtos) incluem a chamada prática macrobiótica com diferentes tipos de regimes, desde o uso exclusivo de cereais, até à permissão de alguns produtos animais.

Impacte da dieta vegetariana

Uma dieta vegetariana poderá ser saudável e promover um crescimento e desenvolvimento normais se planeada, variada e equilibrada, com acompanhamento médico e de nutricionista. No entanto, sociedades científicas como a Sociedade Europeia de Gastrenterologia-Hepatologia e Nutrição Pediátricas (ESPGHAN) consideram inadequada uma dieta vegan em lactentes e crianças pequenas, aconselhando consumos mínimos semanais de leite e peixe.

Salientam-se, contudo, determinados estudos concluindo que crianças com regime vegetariano são mais magras e evidenciam níveis de colesterol sérico inferiores em relação às não vegetarianas. De facto, em tal contexto é propiciado um regime alimentar mais rico em vegetais, fruta e fibra e menor proporção de colesterol, gorduras saturadas e gordura total.

Por outro lado, pelas características inerentes à dieta vegetariana, existe o risco de carência de determinados nutrientes, fundamentais em qualquer fase da vida, e principalmente nas crianças e adolescentes. Trata-se de aminoácidos essenciais, cálcio, ferro, zinco, vitamina B12, vitamina D e ácidos gordos de cadeia 3.

Nesta perspectiva, para evitar situações de défice, foram elaboradas recomendações adequadas à criança e adolescente, com indicações bem definidas de grupos de alimentos e quantidades diárias aconselhadas.

Contrariamente ao que antes se julgava, a proteína vegetal poderá ser semelhante à proteína animal no que respeita ao fornecimento de aminoácidos essenciais, desde que seja ingerida de forma variada ao longo do dia. Como exemplos citam-se os legumes em geral, a soja, o tofu, o feijão e outras leguminosas “secas” como as lentilhas. legumes.

Fontes de origem vegetal ricas em cálcio são por exemplo o feijão preto, grão de bico, figo e os vegetais de folha verde.

O ferro apesar de em menor quantidade e biodisponibilidade nos produtos de origem vegetal, existe por exemplo, nos vegetais de folha verde (espinafre, couve, grãos de soja, tofu, lentilhas).

Os ácidos gordos de cadeia 3, abundantes no peixe, serão encontrados nas nozes, óleo de noz, tofu e soja.

Quanto à vitamina D poderá ser fornecida por alimentos fortificados, como por exemplo cereais, leite ou iogurte de soja ou como suplemento (pelo menos, 200 UI/ dia).

A vitamina B12 é o único micronutriente exclusivamente de origem animal. A sua carência pode originar anemia megaloblástica assim como lesões neurológicas irreversíveis. Podendo ser encontrada em alguns alimentos enriquecidos ou fortificados como os cereais, aconselha-se, no entanto, o seu doseamento sérico. Nos casos de regime vegan, a suplementação é obrigatória (0,4 – 2,4 mcg/dia em função da idade.

Actuação prática

Na perspectiva do dever ético de humanização e de respeito pelas diferenças culturais dos povos, o clínico e o profissional de saúde em geral, responsáveis pela vigilância de saúde da criança ou adolescente (tendo especial atenção aos sintomas e sinais de determinadas carências) deverão esclarecer os pais sobre eventuais riscos e esclarecer-se sobre o tipo de regime, mais ou menos restritivo que os pais desejam para a criança.

Determinadas deficiências em nutrientes poderão ter de ser corrigidas fazendo misturas de diferentes vegetais. A inclusão de leite e ovos afigura-se fundamental para compensar eventuais carências em proteínas, ferro, cálcio e vitamina B12. Poderá igualmente estar indicada a suplementação em ácido fólico. Uma ideia importante a reter é a de que uma dieta vegetariana poderá camuflar uma alteração do comportamento alimentar.

No âmbito dos problemas de ordem nutricional que traduzem défice ou excesso de nutrientes foram abordadas já as seguintes situações clínicas: síndromas de má nutrição energético-proteica, raquitismo carencial comum por défice de vitamina D, e cálcio e fosfato, carência de vitamina A e obesidade. A anemia por carência de ferro (ferripriva) é abordada na parte XVIII.

Erros alimentares mais frequentes

Enunciam-se alguns erros a evitar, os quais traduzem o não cumprimento de regras fundamentais da alimentação saudável em qualquer idade: alimentação suficiente, completa, harmónica e adequada.

Estes erros a evitar têm particular relevância no primeiro ano de vida, período fundamental de aprendizagem, quer de boas, quer de más práticas; são salientados os seguintes:

  • Não atender a que o apetite da criança varia de refeição para refeição. Para além do que foi referido a propósito da alimentação com leite materno, a criança não deverá ser forçada a terminar o biberão;
  • A noite “é para dormir”; mas, se a criança acordar “com fome”, a mamada ou biberão não deverão ser recusados;
  • Iniciar o glúten antes dos 4 ou depois dos 7 meses. De acordo com as recomendações da ESPGHAN, o glúten deve ser introduzido entre os 4-7 meses de idade em quantidade progressiva e ainda durante o aleitamento materno. Um estudo mais recente aponta, no entanto, para a ineficácia do leite materno na prevenção do aparecimento da doença celíaca nesta faixa etária em crianças susceptíveis;
  • Dar leite de vaca em natureza antes do 1 ano de idade;
  • Administrar sal, mel ou açúcar antes do 1 ano;
  • Introduzir novos alimentos diversificados com intervalo inferior a 1 semana entre cada um;
  • Forçar a criança a terminar a sopa de legumes “de que não gosta” logo nos primeiros dias, sem tentar que se adapte;
  • Administrar farinha de cereais e sopa de legumes por biberão;
  • Substituir a sobremesa de fruta por doces ou compotas;
  • Substituir uma refeição com alimentos integrando proteínas, por fruta;
  • Continuar a dar alimentos em puré, muito desfeitos e não granulosos, para além dos 10 meses;
  • Não verificar o suprimento em ferro nem providenciar a sua eventual suplementação no regime alimentar da criança que duplicou o peso de nascimento, data em que as reservas de ferro se esgotam;
  • Idem nos casos em que a criança tenha sido submetida a regime eventualmente desequilibrado e essencialmente farináceo – lácteo;
  • ”Premiar” a criança com doces, chocolates ou guloseimas em geral, na hipótese de a refeição ter sido cumprida;
  • Dar refrigerantes em vez de água quando a criança tem sede, ou à refeição;
  • Dar leite (ou produtos lácteos como iogurte, queijo, etc.) em quantidades excessivas (quanto ao leite: mais de 1 Litro, ou menos de 400 mL por dia);
  • Abusar de fritos;
  • Não dar fruta e produtos hortícolas ao almoço e jantar.

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