Definição e importância do problema

As perturbações do comportamento disruptivo constituem um grupo de afecções que se caracterizam pela existência de um padrão persistente de dificuldade em aceitar regras, e de comportamentos agressivos desencadeados frequentemente por situações de frustração e/ou comportamentos de violação de regras sociais; tal situação, com patamares diversos de gravidade, tem um impacte psicossocial significativo.

De acordo com a American Psychiatric Association e as normas descritas no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – 5ª edição (DSM 5), a patologia enquadrada no conceito de perturbações do comportamento disruptivo integra quatro grandes grupos:

  • Perturbação de oposição e desafio;
  • Perturbação de conduta;
  • Perturbação explosiva e intermitente; e
  • Outras perturbações de conduta ditas inespecíficas, de sistematização mais difícil, divergindo nalguns aspectos das restantes.

perturbação explosiva intermitente é caracterizada por manifestações recorrentes de agressão verbal ou física desproporcionada ao factor desencadeante provocatório, em regra, atitudes de pessoas da intimidade do paciente. As manifestações impulsivas, de ira ou irritação, em geral são de curta duração (menos de 30 minutos).

Neste capítulo é dada ênfase a duas das formas clínicas do problema:

  • Perturbação de oposição e desafio; e
  • Perturbação de conduta; de salientar que a primeira representa frequentemente uma forma menos grave, podendo preceder a segunda.

perturbação de oposição e desafio caracteriza-se por um padrão recorrente de comportamentos negativistas, desafiantes, desobedientes e, por vezes hostis, quer contra figuras de autoridade, quer também contra os pares. Os sintomas ocorrem classicamente em ambiente familiar, podendo mesmo não se manifestar noutros contextos. Trata-se duma perturbação atingindo cerca de 5% dos rapazes em idade escolar.

Na perturbação da conduta, as normas sociais e os direitos básicos dos outros são frequentemente ignorados e dão origem, de modo persistente e repetitivo, a comportamentos como roubos, mentiras, fugas, destruição da propriedade, e agressividade para com pessoas ou animais. Para se estabelecer o diagnóstico, torna-se indispensável que os comportamentos sejam persistentes e repetitivos e tenham uma repercussão sobre os aspectos da funcionalidade da criança ou adolescente nos diversos contextos da sua vida.

Aspectos epidemiológicos

A perturbação de oposição e desafio e a perturbação de conduta são, no seu conjunto, as mais frequentemente diagnosticadas em pedopsiquiatria em todo o mundo. Atingem 5-10% das crianças e adolescentes dos países industrializados, sendo mais afectado o sexo masculino.

A perturbação de oposição e desafio é mais diagnosticada na infância e atinge cerca de 3-4 vezes mais o sexo masculino nesta faixa etária. As diferenças entre os sexos vão diminuindo ao longo da adolescência.

A perturbação da conduta é mais diagnosticada na adolescência. Atinge igualmente mais o sexo masculino. O seu início durante a infância e o sexo feminino são considerados factores de gravidade.

Factores de risco e de protecção

Para este tipo de perturbações, os factores de risco e de protecção envolvidos são de ordem individual, psicossocial, familiar e social. A interacção entre eles determina diferenças individuais quanto à expressão dos sintomas, à idade de início, e à persistência e cronicidade.

I. Factores individuais

Como factores de risco intrínsecos à própria criança incluem-se: pertencer ao género masculino, ser afectada por diversas disfunções neurocognitivas de base genética (défice cognitivo a nível verbal, défice ao nível das funções executivas, défice no processamento visual e nas funções de audição linguagem) e possuir características do temperamento com elevada impulsividade.

Como factores protectores incluem-se: pertencer ao género feminino e possuir temperamento fácil, baixa impulsividade e boas capacidades neurocognitivas.

II. Factores familiares

Os factores de risco de ordem familiar mais frequentes neste tipo de perturbações incluem: disfunção familiar, psicopatologia parental e/ou baixo nível socioeconómico.

Constituem factores predisponentes: perturbações ao nível da relação precoce, com interacções marcadas pela imprevisibilidade, abandono ou intrusão, experiências traumáticas ou carenciais precoces, valorização das características negativas da criança, ou dinâmica familiar pautada pela hostilidade, agressividade, violência, conflitos conjugais ou intrafamiliares.

Como factores frequentemente associados incluem-se: tipo de cuidados parentais (como a rigidez excessiva, ou a inconsistência na imposição de regras e limites, com uma alternância aleatória entre elas), a falta de supervisão dos pais, ou a existência de um elemento da fratria com perturbação de comportamento.

Como importantes factores de resiliência para esta e outras perturbações do foro mental citam-se fundamentalmente: capacidade parental de corresponder às necessidades da criança, de a proteger, de a entender face ao seu nível de desenvolvimento, assim como de ser capaz de iniciar, seguir e tirar prazer de actividades centradas na criança.

III. Factores psicossociais

Sob o ponto de vista psicossocial, uma criança com temperamento difícil terá mais dificuldades ao nível da adaptação e socialização, não só na infância, mas também na adolescência e vida adulta.

Na infância, o grupo de pares tende a rejeitar a criança com problemas de comportamento, pelo que esta tende a aproximar-se de crianças com comportamentos problemáticos. A integração em grupo de pares com comportamentos desviantes constitui um factor de risco para este tipo de perturbações, aumentando a sua influência com a idade.

Por outro lado, ao nível da intervenção, a aproximação e integração em grupos de pares pró-sociais constitui um factor protector; trata-se, pois, de um aspecto importante a considerar.

Diagnóstico

A avaliação da criança ou adolescente com alterações de comportamento deve ter em conta os sintomas e suas características, os contextos educativo, familiar e social, as características individuais da criança, e a sua fase de desenvolvimento. A origem, manutenção e cessação dos sintomas só podem ser completamente compreendidas à luz desses contextos.

As alterações de comportamento têm tendência a modificar-se durante o desenvolvimento: na idade pré-escolar são as birras e os comportamentos heteroagressivos; na idade escolar são os comportamentos de heteroagressividadecom impulsividade; e, na adolescência surgem os comportamentos de contestação ou desrespeito pelas regras sociais e pelo direito dos outros, variando quanto à gravidade.

Na perturbação de oposição e desafio, os comportamentos disruptivos são menos graves do que na perturbação de conduta; com efeito, nesta última verifica-se:

  • Violação dos direitos básicos dos outros, ou das normas sociais, sempre avaliadas em função da idade;
  • Agressão grave a pessoas ou animais; ou
  • Outros comportamentos antissociais.

Diagnóstico diferencial

É de salientar que apesar de as alterações de comportamento constituírem o motivo mais comum do encaminhamento para os Serviços de Saúde Mental da Infância e da Adolescência, nem sempre as referidas alterações correspondem ao diagnóstico de perturbações de comportamento disruptivo.

Como em toda a avaliação, o primeiro passo é a distinção entre o sintoma considerado normal e o patológico. Nesta perspectiva, para tal distinção há que atender aos seguintes aspectos, considerados fundamentais para o diagnóstico:

  • A intensidade do sintoma;
  • A sua frequência;
  • O impacte que tem no funcionamento da criança nos diversos contextos da sua vida, em função da sua fase de desenvolvimento; e
  • As circunstâncias em que ocorrem.

Assim, por exemplo, sendo a agressividade uma característica normal do temperamento de qualquer ser humano, é normal que a criança, ao longo do seu desenvolvimento, a vá experimentando em diferentes circunstâncias e em diferentes tipos de relação. Progressivamente vai aprender a integrá-la e a adequá-la, usando estratégias, nomeadamente o jogo simbólico, para lidar com os sentimentos de zanga. No início da adolescência podem ocorrer comportamentos disruptivos transitórios relacionados com tentativas de autonomização e de consolidação da identidade que não têm carácter patológico.

Os comportamentos de oposição e desafio também podem ocorrer na sequência de situações de estresse ou eventos traumáticos como a perda de um ente querido. Neste caso, se as situações forem transitórias (menos de 6 meses), deve ser colocado o diagnóstico de perturbação de adaptação.

A recusa em seguir ordens ou orientações de figuras de autoridade deverá ser distinguida de perturbações com défice cognitivo da linguagem ou da audição. Em crianças com défice cognitivo apenas se faz o diagnóstico de perturbação de oposição se os comportamentos de oposição forem marcadamente mais graves do que o esperado para uma criança da mesma idade e do mesmo género com um défice cognitivo de gravidade comparável.

As crianças com perturbação de hiperactividade com défice de atenção (PHDA) apresentam frequentemente comportamentos disruptivos consequentes à impulsividade e défice de atenção, pelo que há que as distinguir, embora em tal circunstância possa haver frequentemente comorbilidade. Também é importante salientar que em crianças pequenas os comportamentos de oposição, desafio e irritabilidade podem ocorrer noutros quadros clínicos como nas perturbações de humor (depressão ou distimia), de ansiedade, ou mesmo na perturbação obsessivo-compulsiva.

Em jovens, estes comportamentos também podem surgir nas perturbações psicóticas. A perturbação bipolar com início antes dos 18 anos apresenta-se muitas vezes com uma irritabilidade severa, com comportamentos disruptivos de agressividade marcada, com oposição e desafio da autoridade.

Comorbilidades

As perturbações do comportamento têm níveis de comorbilidade mais altos do que quaisquer outras perturbações psiquiátricas; uma das razões corresponde ao facto de se verificar associação a grau mais elevado de disfunção familiar e social.

Assim, estima-se que cerca de 14% das crianças e adolescentes com perturbação de oposição e desafio tenham também o diagnóstico de PHDA, cerca de 14% o de perturbações de ansiedade, e cerca 9% o de perturbações depressivas.

Como exemplos mais relevantes de outras situações que configuram comorbilidade citam-se: dificuldades de aprendizagem, perturbações da linguagem, abuso de substâncias e do tabaco, etc..

Tratamento

Actualmente considera-se que a prevenção primária constitui a intervenção padrão de ouro/gold standard da intervenção terapêutica destas perturbações. Os resultados de programas de prevenção especificamente desenhados para prevenir a agressividade e os comportamentos antissociais na idade pediátrica têm mostrado eficácia, com benefícios a longo prazo, quer quanto à redução das alterações dos comportamentos que foram explanados, quer quanto ao início de consumo de substâncias em jovens de risco.

planeamento de intervenções escolares (promovendo a integração da criança ou adolescente no grupo de pares, assim como o investimento em actividades lúdicas e desportivas, o apoio da rede social e a participação em projectos locais de índole sócio-cultural) é considerado actuação de primeira linha a nível comunitário. Salienta-se, como exemplo, a concretização de programas específicos de prevenção da violência escolar, com resultados animadores.

O apoio e orientação dos pais no sentido de evitar a exposição da criança a situações de violência, motivando a família para a mudança, quer na forma como exercem a autoridade (consistência de regras e atitudes), quer na forma de impedir que a criança tenha benefícios secundários com o sintoma e fomentar outras formas de expressão da agressividade, constituem exemplos de intervenções direccionadas especificamente para factores de risco conhecidos.

O encaminhamento dos pacientes para centros especializados com mais experiência deverá ocorrer se estas medidas não atenuarem os sintomas.

Os programas de prevenção secundária que se revelaram eficazes incluem habitualmente:

  • Intervenções multimodais, ou seja, intervenções na criança e na família, com apoio parental e articulação com a escola. As intervenções com um único foco têm-se revelado muito menos eficazes;
  • Programas intensivos, cuja regularidade varia de diária a semanal, e prolongados, com duração de vários anos de intervenção (desde 2-5 ou mais anos);
  • Abordagem individualizada dos casos;
  • Intervenções com a criança e com a família, que privilegiam a construção de competências e a resolução de problemas, com o desenvolvimento de estratégias de coping;
  • Intervenções precoces em crianças dos 0-6 anos de idade;
  • Articulação e colaboração intensiva de vários profissionais de saúde mental nos vários contextos em que a criança se insere: na família, na escola e outras estruturas da comunidade.

Em combinação com as intervenções compreensivas psicossociais, comunitárias e de psicoeducação, a utilização de psicofármacos poderá ser útil, embora não tendo em vista especificamente o problema de comportamento; efectivamente, utilizando aqueles, o que se pretende é:

  • Reduzir a impulsividade, estabilizar aspectos afectivos, modelar as emoções negativas que estão habitualmente associadas à perturbação, tais como a irritabilidade e o medo; e
  • Promover a contenção dos episódios de agressividade, no que respeita à sua frequência ou à sua gravidade.

Resultados de certos estudos de meta-análise têm evidenciado que os antipsicóticos atípicos e típicos, os estabilizadores de humor, e o lítio são moderadamente eficazes no tratamento de episódios explosivos de agressividade nos jovens com perturbação de comportamento.

O tratamento farmacológico das comorbilidades anteriormente discriminadas poderá ajudar a minorar a gravidade dos respectivos sintomas, reduzindo o seu impacte no dia a dia em prol do bem-estar do paciente.

Em suma, as perturbações do comportamento são de difícil tratamento. Com efeito, são necessárias intervenções prolongadas no tempo e articulação entre várias instâncias incluindo as escolares, sociais e do âmbito da justiça o que implica grande empenho e dedicação dos profissionais de saúde para aplicação de planos terapêuticos ajustados aos recursos disponíveis.

BIBLIOGRAFIA

American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th Edition (DSM 5). Washington, DC: American Psychiatric Publishing, 2013

Gillberg C, Harrington R, Steinhausen H-C. A Clinician’s Handbook of Child and Adolescent Psychiatry. Cambridge: Cambridge University Press, 2005

Golse B. O Desenvolvimento Afectivo e Intelectual da Criança. Manuais Universitários 44. Lisboa: Climepsi, 2003

Gonçalves MJ, Marques M. Perturbações do comportamento. In Videira-Amaral JM (ed). Tratado de Clínica Pediátrica. Lisboa: Abbott, 2013

Goodman R, Scott S. Child and Adolescent Psychiatry. Oxford: Wiley-Blackwell, 2012

Houzel D, Emmanelli M, Moggio F. Dicionário de Psicopatologia da Criança e do Adolescente. Lisboa: Climepsi, 2004

Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015

Leal D. Manual de Psiquiatria da Infância e da Adolescência – Avaliação, Compreensão e Intervenção, Volume 1. Lisboa: Coisas de Ler, 2015

Lewis M, Rudolph KD. Handbook of Developmental Psychopathology. New York: Springer, 2014

Lewis M. Child and Adolescent Psychiatry: a Compreensive Textbook. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2007

Marcelli D. Infância e Psicopatologia. Manuais Universitários 40. Lisboa: Climepsi, 2005

Marcelli D, Braconnier A. Adolescência e Psicopatologia. Manuais Universitários 41. Lisboa: Climepsi, 2005

Marques C, Cepêda T, et al. Recomendações para a Prática Clínica da Saúde Mental Infantil e Juvenil nos Cuidados de Saúde Primários. Lisboa: Coordenação Nacional para a Saúde Mental, 2009

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Rutter M, Bishop D, Pine D, Scott S, Stevenson J, Taylor E, Thapar A. Rutter’s Child and Adolescent Psychiatry. Massachusetts: Blackwell Publishing, 2008

Sadock BJ, Sadock VA, Ruiz P (eds). Kaplan & Sadock’s Comprehensive Textbook pf Psychiatry. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2009

Scott S. Conduct disorders in children. BMJ 2007; 334: 646-647