Importância do problema

A Imagiologia constitui hoje uma matéria vastíssima assumindo um papel progressivamente crescente na avaliação diagnóstica, compreensão, tratamento e seguimento das doenças da idade pediátrica.

O explosivo desenvolvimento tecnológico dos últimos 40 anos, com reflexo na variedade das técnicas de imagem hoje postas à disposição do imagiologista, tem determinado que este especialista esteja cada vez mais envolvido na selecção e adequada sequência dos exames a realizar.

As vantagens e limites desses estudos, e também o seu custo, devem ser criteriosamente ponderados face às situações em avaliação, tendo sempre como pano de fundo o grupo etário em apreço que impõe redobrada atenção no reconhecido efeito nocivo da radiação X, no eventual risco da sedação e da anestesia, na possível alergia aos produtos de contraste iodados, sem esquecer a possibilidade de trauma físico e psicológico.

Para rendibilizar vantagens e diminuir riscos, o exame imagiológico deverá estar orientado para o problema clínico específico da criança em estudo; e, para essa selecção, a anamenese, o exame físico, os dados laboratoriais e as considerações diagnósticas assumem um interesse frequentemente decisivo, pelo que a discussão partilhada entre o clínico e o imagiologista constitui factor indispensável para assegurar melhor qualidade nos cuidados de saúde em Clínica Pediátrica. De referir que a utilização de equipamentos topo de gama é também determinante para o rigor do citado exame.

Os estudos radiológicos clássicos tiveram particular impulso com a digitalização, permitindo menor dose de radiação, melhor resolução e qualidade da imagem e a possibilidade de armazenamento electrónico.

Embora ainda hoje sejam os de maior utilização em Pediatria (mais de 70% dos exames), decidiu-se neste capítulo abordar aspectos essenciais das técnicas de imagem mais modernas em utilização corrente na investigação imagiológica: (a ecografia, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética) relacionados com as suas aplicações preferenciais em diferentes órgãos e sistemas e com as respectivas virtualidades e limitações.

Ecografia

A ecografia merece um lugar de destaque num serviço de imagiologia pediátrica. Constitui técnica de primeira linha em muitas situações e frequentemente a única a empregar face ao seu valor informativo.

Tornou-se um método de diagnóstico por imagem particularmente atractivo por não utilizar radiação ionizante, não ter efeitos biológicos comprovados, ter um preço acessível, captar imagens em tempo real, multiplanares, não necessitar de grande colaboração por parte do examinado e proporcionar uma excelente resolução de imagem na criança, devido à pequena quantidade de gordura corporal e à sua parede de espessura reduzida. O exame deve ser rápido, em ambiente calmo e agradável, proporcionando a melhor colaboração.

Os avanços tecnológicos dos novos equipamentos de ecografia permitem, cada vez mais, maior número de aplicações incluindo apoio imagiológico em tempo real para a realização de biópsias, aspiração e drenagem de colecções. No entanto, estruturas como o ar, o osso, o metal, perturbam a propagação da onda acústica e impossibilitam a avaliação de órgãos subjacentes limitando a avaliação ecográfica em determinadas áreas como no crânio, em certos territórios do pescoço e no tórax.

Indicam-se as principais patologias para cujo diagnóstico a ecografia contribui:

  • Na cabeça, o exame transfontanelar no recém-nascido (RN) pré-termo tem como principais indicações a detecção e estudo evolutivo de hemorragia intracerebral e de leucomalácia periventricular; a ecografia transfontanelar permite também o estudo inicial de anomalias congénitas e hidrocefalia;
  • A ecografia permite uma avaliação anatómica da medula no lactente até aos três meses de idade, antes de os arcos vertebrais completarem a ossificação. A principal indicação para a realização deste exame é a suspeita de disrafismo oculto;
  • No pescoço, a ecografia é utilizada para estudo morfológico da tiroideia, das glândulas salivares, timo, para diagnóstico de certas massas cervicais, tais como quisto do canal tiroglosso, anomalias dos arcos branquiais, torcicolo congénito, adenopatias e linfangioma quístico;
  • No tórax, o estudo cardíaco constitui a principal indicação ecográfica, sendo, neste domínio, da competência da cardiologia. A ecografia constitui também um importante método imagiológico coadjuvante da radiografia do tórax na avaliação de lesões do parênquima pulmonar (consolidações, atelectasias, abcessos, áreas de necrose e liquefacção), da pleura (derrames, tumores), do mediastino (massas, posicionamento de cateteres), parede torácica e diafragma (hérnias, eventração, parésia);
  • No abdómen a ecografia é primeiro exame imagiológico a realizar no estudo morfológico do fígado, sistema hepatobiliar, pâncreas, baço e rins. Detecta anomalias congénitas e adquiridas como sejam as inflamátorias/infecciosas, infiltrativas e tumorais;

FIGURA 1. Estenose hipertrófica do piloro. Ecografia evidenciando canal pilórico alongado e aumento de espessura da parede

FIGURA 2. Invaginação intestinal ileo-cólica. Corte transversal ecográfico

  • No estudo do tubo digestivo tem particular interesse no diagnóstico de estenose hipertrófica do piloro (Fig. 1), (dispensando outros métodos de diagnóstico), na invaginação intestinal (Fig. 2) permitindo seguir a desinvaginação, quer por clister hidrostático, quer por método pneumático; esta particularidade poupa a criança a radiação desnecessária induzida pelos métodos convencionais. Actualmente é um exame de referência na suspeita de apendicite, na má rotação intestinal, na enterocolite necrosante, na duplicação entérica, espessamentos e infiltrações da parede intestinal, anomalias anorrectais, quistos abdominais, na doença inflamatória do intestino como a doença de Crohn, e na exploração de situações de traumatismo abdominal, particularmente nas lesões de órgãos sólidos. No estudo do abdómen também detecta quistos, tumores sólidos e adenomegalias;
  • No aparelho urinário: demonstração de anomalias do tracto superior (agenesia renal, anomalias de posição, bifidez, duplicidade), nas anomalias do tracto inferior, do uréter distal (megauréter primário, uréter ectópico, ureterocele), da bexiga (anomalias do úraco, duplicação da bexiga, divertículos), da cloaca, da uretra (válvulas da uretra posterior). Permite o estudo evolutivo de anomalias já detectadas nos estudos ecográficos pré-natais (dilatação da árvore excretora renal, displasia multiquística, etc.) (Fig. 3). Na infecção urinária comprovada: para detecção de anomalias morfológicas do aparelho urinário, litíase, lesões directas do parênquima renal, nefronia lobar, abcessos. A ecografia renal é ainda informativa nas seguintes situações: pielonefrite, lesões focais, doenças quísticas dos rins, abcessos, tumores renais (com especial destaque se existir suspeita do tumor de Wilms), traumatismos, e hipertensão arterial;
  • As glândulas suprarrenais são bem visíveis no RN, tornando-se de difícil caracterização por ecografia a partir de um mês de idade. A ecografia pode demonstrar sinais de hemorragia, abcessos, quistos e tumores sólidos como o neuroblastoma;
  • No aparelho genital feminino, a ecografia permite caracterizar a morfologia do útero e dos ovários, detectar anomalias congénitas, alterações do desenvolvimento (em particular relacionadas com a puberdade), patologia tumoral, infecciosa, isquémica (torção do ovário);

FIGURA 3. Hidronefrose. Corte sagital ecográfico pré-natal

  • Nos órgãos genitais masculinos, a ecografia é o método de escolha para examinar o escroto e os testículos, alterações congénitas, escroto agudo, tumores testiculares e extra-testiculares;
  • No sistema músculo-esquelético a ecografia é indicada para detectar displasia da anca, sendo considerada o exame de primeira linha antes da ossificação dos núcleos epifisários femorais. No serviço de urgência é frequentemente requerida para o diagnóstico de sinovite transitória da anca e lesões traumáticas dos tecidos moles. A ecografia também contribui para o diagnóstico de patologia inflamatória/infecciosa e tumoral dos tecidos moles;
  • A osteossonografia é uma modalidade de ecografia utilizando o método chamado amplitude – dependent speed of sound com interesse na avaliação das propriedades mecânicas do esqueleto, mas não permitindo quantificar a massa óssea nem a densidade mineral óssea, com pouco desenvolvimento em idade pediátrica. Não sendo habitualmente utilizada na prática clínica, as técnicas mais utilizadas são a osteodensitometria bifotónica com raio x (DEXA) e a tomodensitometria quantitativa (QCT). Existem, contudo, trabalhos científicos sobre a avaliação da mineralização óssea, desde o RN pré-termo ao adolescente.

Ecografia Doppler

A ecografia Doppler (eco-doppler) actualmente não deve ser dissociada da ecografia, pois o estudo doppler pode acrescentar em todas as áreas estudadas e apontadas anteriormente mais dados semiológicos, designadamente possibilitando de forma rápida informar se existe vascularização e caracterizá-la. Sendo a patologia vascular periférica menos frequente que no adulto, o eco-doppler é mais requisitado na suspeita de complicações de cateterismos.

No RN o eco-doppler é solicitado no estudo transfontanelar para avaliar a vascularização cerebral arterial e venosa, verificar se determinada estrutura corresponde a vaso, e para apreciar o efeito da hidrocefalia na circulação cerebral. É requerido principalmente: na pesquisa de trombo após cateterismo dos vasos umbilicais, devido à elevada incidência de trombo aórtico nestes doentes; e na suspeita de trombose da veia renal em crianças com problemas perinatais graves apresentando massa abdominal, hematúria e hipertensão arterial transitória.

Nos exames programados, tem um papel indiscutível na avaliação dos transplantes renal e hepático. Nas crianças com hepatopatia crónica possibilita a detecção de hipertensão portal, demonstra alterações do calibre e do fluxo de veias esplâncnicas, a presença de circulação venosa colateral (shunts espontâneos porta-sistémicos, salientando-se as varizes esofágicas).

Este exame constitui ainda um bom indicador da permeabilidade dos vasos renais arteriais e venosos e da vascularização do parênquima renal. Entre outras situações, permite identificar sinais de necrose tubular aguda, pielonefrite aguda e obstrução aguda do uréter.

Na patologia tumoral, o exame por eco-doppler pode realçar a hipervascularização de determinados tumores como o hemangioendotelioma hepático. De referir, no entanto, que não permite o diagnóstico diferencial entre tumor benigno ou maligno. Por outro lado, permite avaliar o estádio evolutivo de alguns tumores ao demonstrar a invasão vascular; é o caso do tumor de Wilms que pode originar trombose da veia renal e da veia cava inferior.

No serviço de urgência o eco-doppler tem aplicações importantes na avaliação do traumatismo abdominal fechado, no abdómen agudo, na pielonefrite aguda e no escroto agudo (diagnóstico diferencial entre torção testicular e orquiepididimite).

Tomografia computadorizada

A tomografia computadorizada (TC) utiliza radiação X; a mesma veio modificar a investigação imagiológica em múltiplas situações patológicas em Pediatria, independentemente da menor aplicação e desenvolvimento em relação ao verificado no estudo do adulto, tendo em conta aspectos específicos do grupo etário em estudo: menor quantidade de gordura, maior radiossensibilidade, estruturas anatómicas mais finas e dificuldades de mobilização, necessidade frequente de administração endovenosa de contraste e de sedação/anestesia.

Contudo, a reconhecida resolução espacial, o pormenor anatómico e capacidade de avaliação tecidual proporcionadas pelos cortes seccionais da TC, a utilização de cortes de espessuras de 1-2 mm (alta resolução), a possibilidade de se proceder a reconstruções bi e tridimensionais, tornaram-na uma técnica de imagem muito importante e, por vezes, indispensável para aplicação em patologia neurológica, na doença neoplásica, na criança politraumatizada, e para visualização de estruturas aéreas, ósseas e vasculares, apenas para citar alguns exemplos. Em casos seleccionados, a TC pode também orientar a realização de biópsias ou drenagens.

Os últimos avanços em TC, nomeadamente no final da década de 90 com aquisição volumétrica na utilização helicoidal (espiral) e, nos anos mais recentes, através do emprego da tecnologia de multidetectores, embora à custa de maior dose de radiação, vieram encurtar de forma significativa o tempo de aquisição das imagens, diminuindo o número de sedações/anestesias.

Por outro lado, aumentaram a capacidade de detecção de pequenas lesões, melhoraram a apreciação nos estudos após administração de contraste endovenoso e permitiram reconstruções bi e tridimensionais de grande qualidade, aspectos com particular interesse em patologia das vias aéreas, óssea, vascular, e em endoscopia virtual.

  • No estudo do pescoço tem sobretudo interesse na suspeita de abcesso retrofaríngeo, no estadiamento da doença linfoproliferativa, distinção de lesão supurada ou não supurada, na avaliação morfológica de massas, quer para definir ponto de partida, quer para avaliar a extensão e repercussão das mesmas sobre estruturas adjacentes;
  • No tórax, a TC é o método de imagem preferencial para lesões ocupantes do espaço no mediastino, ou de anomalias ou alargamentos mediastínicos suspeitos na radiografia do tórax (Fig. 4).
A
B

FIGURA 4. Teratoma quístico maduro do mediastino. Radiografia do Tórax (A) e TC após contraste (B)

Em relação ao parênquima pulmonar tem particular indicação na doença metastática, na definição anatómica de lesões complexas, eventualmente congénitas com ou sem vascularização normal, na caracterização da doença pulmonar difusa e das vias aéreas centrais e periféricas, assim como na investigação de lesões focais, em particular para esclarecer a relação de um nódulo ou massa com a pleura e diafragma.

Quer em relação ao mediastino, quer ao parênquima, a TC está indicada na avaliação do doente politraumatizado estável com lesão torácica.

Cabe referir ainda que se trata dum método auxiliar importante na distinção entre processo pleural e parenquimatoso em localização periférica, e para investigar lesões da parede torácica.

  • Na patologia do fígado e vias biliares são particularmente úteis os estudos com administração endovenosa de contraste e com aquisição rápida dos cortes, na distinção entre parênquima hepático normal e anormal; assim, permite detectar e caracterizar tumores primitivos, metástases e abcessos. Tem indicação na doença vascular e em patologia traumática. Revela-se ainda auxiliar importante na avaliação pré e pós-transplante hepático e na investigação de dilatações das vias biliares;
  • No estudo do baço e do pâncreas, as lesões de etiologia infecciosa, tumoral e traumática constituem as principais indicações para o emprego da TC, permitindo detectar pequenos nódulos e anomalias vasculares nos estudos contrastados com aquisição rápida dos cortes;
  • No tubo digestivo a TC está reservada, sobretudo, para apreciação de processos com envolvimento extraluminal da parede, no compromisso traumático, esclarecimento de alterações suspeitas com outras técnicas de imagem, no seguimento de lesões tumorais e na avaliação de extensão e complicações da doença inflamatória intestinal;
  • A TC contribui para a caracterização do envolvimento peritoneal na ascite, nos abcessos ou na doença neoplásica predominantemente secundária;
  • No rim, as principais indicações para a realização de estudos por TC são a determinação com maior rigor do ponto de partida e caracterização morfológica das massas detectadas em estudo ecográfico prévio e, também, a avaliação de extensão do traumatismo renal.

Assume particular relevo para determinar os estádios evolutivos do tumor de Wilms (Fig. 5) e, designadamente os limites da lesão, com ou sem invasão capsular, a relação da massa com órgãos adjacentes e estruturas vasculares, a apreciação do rim contralateral e eventual envolvimento ganglionar.

Tem ainda indicação na doença do parênquima renal de natureza inflamatória/infecciosa, na uropatia obstrutiva e em anomalias congénitas e vasculares.

  • Na investigação imagiológica retroperitoneal tem papel importante na avaliação evolutiva do neuroblastoma, com implicações importantes no planeamento terapêutico. A TC tem igualmente indicação para avaliar o compromisso adenopático retroperitoneal, quer em relação a patologia tumoral loco-regional, linfoma ou neoplasias com outra localização primária, quer em relação a anomalias vasculares ou alteração dos tecidos moles retroperitoneais;
  • Na cavidade pélvica a TC tem particular interesse na avaliação dos estádios evolutivos de doença maligna com ponto de partida ginecológico e na caracterização de massas complexas;
  • No sistema músculo-esquelético saliente-se a aplicação da TC em problemas ortopédicos seleccionados, nas anomalias congénitas ou de desenvolvimento ósseo (Fig. 6) de que são exemplo a displasia das ancas, sobretudo aquelas com reduções instáveis, na ante e retroversão do colo do fémur e nas sinostoses társicas. É igualmente importante em patologia traumática, no estudo de fracturas em áreas anatómicas complexas e na avaliação de complicações pós-traumáticas, nomeadamente de natureza infecciosa. Desempenha finalmente papel de relevo na apreciação da doença neoplásica óssea e das partes moles.
  • No diagnóstico neurorradiológico com o advento da ressonância magnética tem-se vindo a verificar um crescente declínio do papel da tomografia computadorizada, fundamentalmente na avaliação do sistema nervoso central. No entanto, a TC (ou TAC) continua a ser a técnica de eleição de abordagem neurorradiológica em situações de urgência/emergência.

FIGURA 5. Tumor de Wilms do rim esquerdo. TC após contraste endovenoso

FIGURA 6. Deformação de Sprengel à direita. Reconstrução tridimensional. Vista posterior. (consultar glossário geral)

Sem se pretender ser exaustivo ou estabelecer algoritmos de decisão clínico-imagiológica, é relativamente consensual que a TC continua a ser o exame de primeira intenção na investigação imagiológica nas seguintes circunstâncias:

  • Traumatismo crânio-encefálico acidental;
  • Traumatismo crânio-encefálico não acidental (criança sujeita a maus tratos) para detecção, para além de lesões intracranianas, de fracturas múltiplas da calote e/ou base do crânio;
  • Traumatismo vértebro-medular determinando o segmento do ráquis a ser estudado. De salientar a enorme limitação da TC no diagnóstico e avaliação da extensão da contusão medular ainda que com componente hemorrágico, bem como dos hematomas extra-axiais (hemorragia subaracnoideia, hematoma epidural e subdural);
  • Traumatismo facial e/ou da órbita bem como do osso temporal;
  • Na suspeita de corpo estranho intra-orbitário;
  • Na criança com sinais e sintomas de disfunção aguda encefálica, em particular se coexistir alteração do estado de consciência;
  • Na suspeita clínica de hemorragia subaracnoideia ou de hematoma cerebral;
  • Na avaliação de hidrocefalia com antecedentes de derivação;
  • Na avaliação das cavidades naso-sinusais, nomeadamente na sinusopatia inflamatória aguda recorrente ou crónica persistente, para detecção de alterações estruturais esqueléticas ou outras que expliquem o quadro patológico, assim como para detecção de consequentes lesões secundárias. Igualmente, nas complicações da sinusite aguda e na avaliação das consequências da extensão do processo infeccioso à face, à órbita e ao endocrânio;
  • Na suspeita clínica de atrésia uni ou bilateral dos coanos;
  • No estudo do osso temporal na suspeita clínica de anomalia de desenvolvimento, de colesteatoma congénito ou adquirido, ou de lesão tumoral (com excepção da lesão retrococlear), nos processos inflamatórios recorrentes e avaliação pós-cirurgia, e ainda nas complicações por extensão endocraniana ou loco-regional, incluindo região cervical em casos de otite média/otomastoidite aguda;
  • Na avaliação crânio-facial, fundamentalmente órbita e base do crânio, na craniossinostose e nas displasias ósseas (por ex. osteopetrose);
  • Nas anomalias congénitas crânio-faciais, da charneira crânio-vertebral e do ráquis.

Em clínica pediátrica e perante um quadro fortemente sugestivo de lesão encefálica vascular, tumoral ou infecciosa há quem defenda, como exame prioritário a efectuar, a ressonância magnética pelo seu maior rigor diagnóstico e topográfico.

Actualmente a TC é, cada vez mais, encarada como exame complementar da ressonância magnética no estudo da lesão tumoral ou infecciosa do crânio e coluna vertebral indiciada por outras técnicas diagnósticas, tais como a radiologia convencional ou a cintigrafia. A excepção é o osteoma osteoide.

A TC não é, seguramente, o exame a efectuar na suspeita de lesão medular ou de anomalia malformativa da medula e/ou da cauda, não sendo também o estudo elegível do eixo hipotálamo-hipofisário, da doença neurodegenerativa ou metabólica, nem da suspeita de trombose venosa a não ser que se realize angio-TC.

Ainda a salientar a supremacia da TC em relação à RM no diagnóstico da calcificação encefálica.

Em clínica pediátrica haverá que relembrar a pertinência da dose cumulativa de radiação ionizante decorrente de estudos comparativos e/ou evolutivos, e a importância de se estabelecerem protocolos utilizando-se alternativamente as técnicas imagiológicas disponíveis.

No recém-nascido a TC é um exame que, se possível, se deve evitar.

A tomografia com emissão de positrões (PET/TC) é uma modalidade sofisticada de TC, com interesse para diagnosticar e monitorizar situações de cancro com diversas localizações.

Ressonância magnética

A introdução clínica das técnicas de ressonância magnética (RM) representou novo e importante avanço qualitativo no diagnóstico pela imagem, obtida cada vez com maior acuidade. Hoje em dia, na clínica pediátrica a RM é indiscutivelmente a técnica imagiológica de excelência com maior potencialidade diagnóstica na avaliação crânio-encefálica, vértebro-medular e sistema músculo-esquelético, em particular. Nos outros compartimentos anatómicos a sua aplicabilidade não está tão difundida.

No estudo do corpo, as principais dificuldades provêm dos artefactos relacionados com as pulsações cardíacas, os movimentos respiratórios e o peritaltismo intestinal.

O funcionamento de um equipamento de RM e a formação da imagem são processos altamente complexos. Pode explicar-se sumariamente que a informação (sinal) necessária para a construção da imagem se obtém pela interacção de campos magnéticos com o campo magnético intrínseco dos átomos de hidrogénio que se encontram largamente distribuídos no corpo humano.

Não cabendo nos objectivos deste livro uma descrição dos fundamentos tecnológicos da RM, os quais estão acessíveis na bibliografia inclusa, para compreensão do leitor descreve-se o significado dalguns termos:

  • T1 – Tempo de relaxação longitudinal
  • T2 – Tempo de relaxação transversal
  • DP – Nº de protões de hidrogénio num tecido
  • ADC – Apparent Diffusion Coeficient ou Coeficiente de difusão aparente

As imagens podem ser ponderadas em T1, densidade protónica (DP) e T2. As ponderações DP e T2 têm maior acuidade na detecção da alteração tecidual, e o T1 maior rigor anátomo-morfológico.

A RM tem como principal vantagem neste grupo etário a não utilização de radiação ionizante, embora sejam conhecidos efeitos biológicos condicionados pelo potente campo magnético estático e pela radiofrequência; até à data não se demonstrou que tivessem significativa relevância clínica. A referida técnica apresenta, como atributos de supremacia em relação às outras tecnologias: a sua óptima resolução de contraste e resolução espacial que possibilita uma excelente diferenciação dos tecidos, nomeadamente na identificação da anormalidade tecidual; o seu rigor na localização anatómica e na relação topográfica lesional, consequência da aquisição de imagens em diferentes planos ortogonais; e a ausência de regiões anatómicas “cegas”.

De destacar as suas enormes potencialidades traduzidas, nomeadamente, pela possibilidade de estudos dinâmicos, de aquisição volumétrica com reconstrução tridimensional, de angio-RM arterial e venosa, de avaliação quantitativa do fluxo do líquor, de espectroscopia, de estudos de perfusão e de urografia.

A sua informação diagnóstica é somente inferior à TC na avaliação das seguintes situações: anomalias do crânio, da face incluindo órbita, e do ráquis; na lesão predominatemente osteocondensante do osso ou respeitante essencialmente à cortical óssea; na lesão esquelética com fractura; na avaliação do canal auditivo externo e ouvido médio; na avaliação pré-cirúrgica para cirurgia endoscópica naso-sinusal; no diagnóstico diferencial entre calcificação tecidual e depósitos de outras substâncias paramagnéticas tais como hemossiderina ou ferritina; e no diagnóstico, no período agudo, da hemorragia subaracnoideia.

Como desvantagens há a salientar, entre outras: o estudo é prolongado, o que obriga a sedação profunda ou anestesia na criança não colaborante, ou com claustrofobia (explicável pelo tipo de aparelhagem); não poder ser realizada em doentes portadores de estimuladores eléctricos ou de bombas infusoras, com próteses ou implantes metálicos, com “clips” vasculares ou outro material com conteúdo ferromagnético; ou ainda em doentes com certos tipos de adesivos para administração cutânea de terapêutica, podendo induzir queimaduras.

Uma vez que as consequências de não se respeitarem as regras de segurança são sempre graves, podendo inclusivamente conduzir à morte, deve ter-se sempre presente a noção de possíveis contra-indicações optando, em caso de dúvida, por outra técnica de imagem.

A difusão associada ao mapa de ADC permite diagnosticar as situações em que ocorre restrição da mobilidade da molécula de água, como seja no edema citotóxico da lesão vascular isquémica aguda, no abcesso cerebral, e nalgumas doenças metabólicas que cursam com edema da mielina. Há indicação para administração endovenosa de produto de contraste paramagnético na lesão tumoral, infecciosa e para-infecciosa, nalgumas doenças neurodegenerativas como na doença de Alexander, na adrenoleucodistrofia e na esclerose múltipla; e igualmente sempre que se coloquem dúvidas de diagnóstico diferencial.

No recém-nascido com quadro de encefalopatia aguda é um exame de segunda intenção, geralmente quando os achados ecográficos são discrepantes com a clínica ou suscitam dúvidas diagnósticas.

Ainda neste grupo etário, a RM é útil na avaliação da encefalopatia hipóxico-isquémica, do acidente vascular cerebral e das lesões da prematuridade, nomeadamente da leucomalácia periventricular quística e difusa, tendo não só um papel diagnóstico, mas também prognóstico.

De salientar que na suspeita de lesão intra-raquidiana a RM é o exame com maior sensibilidade diagnóstica, nomeadamente na avaliação da medula; de destacar ainda a elevada especificidade da RM no diagnóstico do hematoma subagudo e na trombose venosa aguda e subaguda.

A
B

FIGURA 7. Malformação aneurismática da ampola de Galeno. (A) Angio-RM, axial. “Fístulas” artério-venosas na parede anterior da veia prosencefálica marcadamente dilatada, tendo como principais pedículos arteriais nutritivos as artérias pericalosas e corodeias. (B) Angio-RM venosa, para-sagital. Proeminente dilatação da tórcula, dos seios laterais e da veia prosencefálica (veia embrionária). Marcada hipoplasia do seio longitudinal superior

A RM está indicada como estudo complementar da TC, ou como primeira abordagem imagiológica, na criança com manifestações clínicas sugestivas de:

  • Doença vascular isquémica ou hemorrágica de etiologia arterial ou venosa, chamando-se a atenção para a importância da angio-RM (Fig. 7) como primeira abordagem não invasiva dos vasos cervicais e endocranianos;
  • Tumor intracraniano;
  • Encefalite;
  • Infecção bacteriana ou fúngica (granuloma; cerebrite ou abcesso; ventriculite; empiema sub ou epidural);
  • Encefalomielite aguda disseminada;
  • Anomalia malformativa encefálica;
  • Facomatoses;
  • Hipomielinização, atraso de mielinização;
  • Esclerose múltipla (Fig. 8);
A
B

FIGURA 8. Imagens de RM na Esclerose Múltipla. A) T2 axial. Múltiplas lesões redondas e ovóides com hipersinal localizadas na substância branca profunda e subcortical. B) T2 para sagital. Múltiplas lesões redondas ou ovóides localizadas na substância branca profunda e subcortical com expressão infra e supratentorial

  • Doença metabólica ou neurodegenerativa;
  • Disfunção do eixo hipótalamo-hipofisário;
  • Complicação de meningite;
  • Hidrocefalia;
  • Lesão expansiva intra-orbitária e estudo das vias ópticas;
  • Complicação endocraniana da otite média/otomastoidite e da sinusite;
  • Lesão medular traumática, infecciosa ou tumoral;
  • Disrafismo incluindo estudo da medula, cauda equina e charneira crânio-vertebral;
  • Tumor vertebral ou paravertebral;
  • Espondilodiscite (Fig. 9).

De destacar ainda a importância da RM nas seguintes situações:

  • Estudo evolutivo da lesão tumoral para avaliação de eficácia terapêutica, na detecção precoce de recidiva e na deteção de metástases ao longo do neuro-eixo, como por exemplo no meduloblastoma;
  • Avaliação pós-cirúrgica da anomalia malformativa;
  • Avaliação das lesões sequelares de traumatismo crânio-encefálico ou vértebro-medular, de hipóxia-isquémia neonatal, de prematuridade, de lesão vascular ou infecciosa;
  • Criança com infecção por VIH (vírus da imunodeficiência humana) com sinais focais ou deterioração cognitiva;
  • Detecção de lesões estruturais subjacentes a certas formas de epilepsia.

FIGURA 9. Imagem de RM na Espondilodiscite. FSE T2 sagital. Marcada redução da altura do espaço inter-somático D12/L1 traduzindo destruição discal associada a erosão dos planaltos vertebrais. Lesão hiper-intensa envolvendo focalmente ambos os corpos vertebrais e o disco intervertebral em relação com colecção abcedada. Pequeno abcesso pré-vertebral

Por fim, refere-se particular interesse da RM nas seguintes situações:

  • Investigação de massas cervicais com suspeita de extensão intra-raquidiana;
  • Patologia cardíaca congénita e vascular torácica;
  • Massas mediastínicas;
  • Sequestro pulmonar;
  • Patologia infecciosa e tumoral da parede torácica;
  • Doenças do tubo digestivo, incluindo doença inflamatória intestinal, do pâncreas e atrésia anorrectal (entero-RM);
  • Patologia das vias biliares (colangio-RM) e pâncreas;
  • Neoplasias abdominais e retroperitoneais;
  • Avaliação hepática prévia ao transplante ou a shunts vasculares;
  • Anomalias vasculares abdominais;
  • Anomalias congénitas pélvicas, nomeadamente em alterações ginecológicas suspeitas através de avaliação ecográfica;
  • Urografia por RM (sem contraste, apenas com hidratação e sequências hidrográficas permitindo uma avaliação morfológica do rim, da árvore excretora e bexiga e urografia excretora após injecção de gadolíneo permitindo avaliar também a função renal);
  • Criptorquidia, para detecção de eventual testículo;
  • Tumores pélvicos com a finalidade de detectar invasão dos tecidos moles, alterações medulares e extensão de massas pré-sagradas;
  • Lesão infecciosa e tumoral, sobretudo óssea e das partes moles;
  • Lesões isquémicas do osso;
  • Traumatismo articular (com lesão ligamentar, capsular e da fise);
  • Patologia músculo-esquelética:
    • Lesões infecciosas e tumorais para demonstração precisa do envolvimento endo e exo ósseo;
    • Artrites inflamatórias, permitindo uma boa definição dos tecidos envolvidos, sinovial, cartilagem, medula óssea, e de derrame.

Sublinha-se a supremacia do método na avaliação comparada com a TC em processos patológicos, nomeadamente tumorais, quando a administração de contraste iodado está contra-indicada.

BIBLIOGRAFIA

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