The foundations for virtually every aspect of human development – physical, intelectual and emotional – are laid in early childhood.

Michael Marmot, 2010

A saúde e o bem-estar da criança nos primeiros 5 anos de vida são essenciais para um desenvolvimento adequado na preparação para a escola, e a base de um futuro sem desigualdades. Uma criança cuidada, estimulada e protegida virá a ser um adulto com mais educação e melhor oportunidade de sucesso.

Há consenso em que o bem-estar infantil inclui todos os domínios da qualidade de vida: físicos, emocionais e sociais. A intervenção deve estar focada na primeira infância, mas ser sustentada ao longo do ciclo da vida. As estratégias integram medidas objectivas de saúde, educação e condições da vida familiar, e subjectivas como o gosto pela aprendizagem.

Há ainda evidência de que as desigualdades sociais são a causa mais importante de deficiente capacidade na aquisição de competências. As crianças de famílias em exclusão social e pobreza nascem em desvantagem e, se não houver intervenção, crescem com maior risco biológico e socioeconómico.

Investigação conjunta de economistas, psicólogos do desenvolvimento e neurobiólogos demonstrou que as experiências precoces têm uma influência única e poderosa no desenvolvimento cognitivo e social, na arquitectura cerebral e na neuroquímica, que é máxima na primeira infância. Estes aspectos geraram até o interesse da área económica considerando que a visão a longo prazo para o fortalecimento do futuro mercado de trabalho é o investimento na criança nos primeiros anos de vida, o que constitui uma oportunidade de lobbying para a saúde e educação.

Em 2015, os 53 países da OMS-Euro aprovaram a Minsk Declaration, sendo consensual que investir no desenvolvimento infantil numa idade precoce e proteger a criança contra o estresse tóxico e a exposição ambiental perigosa, em pontos críticos do desenvolvimento, são escolhas políticas de maior custo efectivo.

Para um desenvolvimento saudável equacionam-se os recursos (assets para os anglo-saxónicos) internos e externos que potenciam as capacidades individuais e combinam factores de suporte (família, escola, centro de saúde) com os de capacitação (valorização na comunidade) e de ligação (modelos e pares) para a aquisição de competências sociais (planeamento, decisão e resiliência), autoestima e visão optimista do futuro.

Como se define e mede o Bem-estar?

O conceito de bem-estar é um processo dinâmico que exige objectivos pessoais e sociais e se associa à qualidade de vida.

A UNICEF considera seis dimensões que medem o bem-estar mas permitem ainda identificar as desigualdades:

  1. Material (pobreza, desemprego familiar, baixo nível de educação dos pais);
  2. Saúde e segurança (mortalidade infantil, baixo peso ao nascer, taxa de vacinação e mortalidade por acidente);
  3. Educacional (sucesso escolar na leitura e literacia em matemática e ciências, gosto pela aprendizagem e pela escola);
  4. Família e amigos (tipologia da família e relações intrafamiliares e com os amigos);
  5. Comportamentos e risco na saúde (hábito de pequeno almoço, ingestão de fruta e actividade física diariamente, excesso de peso) e/ou de violência (maus tratos, negligência, bullying);
  6. Bem-estar subjectivo (percepção da saúde, gosto pela escola, sensação de felicidade).

Estratégias de intervenção

A missão de quem cuida de crianças, sejam os pais e avós, os professores ou os profissionais de saúde, é educar para a escola nos primeiros anos e preparar para a vida até aos 18 anos.

Educar para a escola inclui as aptidões básicas para progredir no discurso e na compreensão e aquisição de conhecimento, as competências motoras, a atitude relativamente à aprendizagem, a concentração, a memória e a capacidade de lidar com outras crianças sem agressividade.

Preparar para a vida envolve a compreensão da importância da saúde e do trabalho e a sensibilidade para construir uma relação, constituir família e cuidar de uma criança.

Esta abordagem obriga a intervenção ao longo do ciclo da vida, sensibilização dos adolescentes e capacitação dos jovens para os cuidados às crianças, e envolvimento dos pais em todas as fases do desenvolvimento, processo dinâmico que começa antes da concepção, e exige a aprendizagem dos jovens para a parentalidade.

São ainda necessárias parcerias intersectoriais exigindo articulação interdisciplinar coordenada e abrangendo diversos sectores: – do poder central como a saúde, a educação, a justiça e segurança social; – do poder local, autarquias, instituições locais de saúde que envolvem toda a sociedade incluindo o sector privado; – as instituições sem fins lucrativos; e – os media.

Problemas como a pobreza infantil, o desemprego das famílias ou o desemprego jovem são nacionais e exigem planeamento a nível global. No entanto, os resultados conseguem-se com programas locais que melhorem a capacitação dos pais e resolvam a falta de creches.

A educação é reconhecida como um determinante social major da saúde e a tutela deve promover escolas inclusivas, jardins de infância e outras oportunidades educacionais como prioridades nacionais.

Um estudo publicado por AJ Reynolds e colaboradores na revista Science em 2011, baseado em coorte de crianças de famílias afroamericanas do subúrbio seguidas durante 25 anos mostrou que a frequência de infantário aos 3 anos resulta em melhores níveis de educação, socioeconómicos e de saúde aos 28 anos.

Está provado que mais de um ano em pré-escolar é equiparável a 18 meses de escolaridade; e também que, em famílias com exclusão social, a intervenção deve ser precoce, e a oportunidade de frequência de creche no primeiro ano de vida é a certeza de que a criança tem acesso a nutrição adequada, afecto e estímulo.

O desenvolvimento infantil e juvenil é muito mais do que a saúde, é a Saúde em Todas as Políticas, políticas que minimizem a exposição à pobreza, e as desigualdades, assim como as experiências adversas, e maximizem a estimulação cognitiva, as oportunidades, a interacção responsável com os cuidadores, e o acesso aos cuidados de saúde e aos serviços de protecção social.

Nesta perspectiva torna-se obrigatório que as políticas públicas monitorizem a transmissão da desigualdade não só entre gerações, mas também na mesma geração.

Exemplos de boas práticas

Internacionais

São muitos os países e regiões que têm criado programas específicos intersectoriais baseados na evidência de que um início de vida positivo ajuda a criança a atingir o seu pleno potencial, e condições adversas aumentam a probabilidade de maus resultados. Por outro lado, confirmam que a intervenção integrada é mais efectiva do que a isolada e todos têm uma base forte na comunidade e o envolvimento e capacitação dos pais.

São exemplos de planeamento nacional, o programa da Irlanda (2011), Better Outcomes, Brighter Futures 2014-2020, o da Austrália, Kids Matter e os de implementação regional como o do Rio Grande do Sul (Brasil, 2007), Primeira Infância Melhor ou o da Escócia, Health for all Children e Early Years Matters (2009).

No Iowa/USA, assinalaram-se 20% das crianças, dos 4 meses aos 5 anos, com risco moderado ou grave de atraso de desenvolvimento, do comportamento ou risco social, tendo apenas 50% destas, sido detectadas antes da entrada na escola. O programa 1st Five Healthy Mental Development Initiative identificou o estresse crónico familiar e a depressão do cuidador como causas e envolveu os enfermeiros de cuidados primários na detecção precoce destas famílias. Outro programa, Ready Child Equation inclui não só a preparação da criança para a escola, mas também a preparação da escola para a criança, e a capacidade da família/comunidade em proporcionar oportunidades.

Em Portugal

Portugal integra o grupo dos dez melhores países do mundo quanto à mortalidade abaixo dos 5 anos juntamente com o Japão, a Estónia, Finlândia, Suécia, Noruega e Eslovénia.

Outros indicadores mostram igualmente a evolução nas últimas décadas, as boas práticas e os projectos em curso na Saúde.

Na Educação, a evidência de que a fase pré-escolar é tão ou mais importante que a escolar exigiu um esforço para conseguir que 95,4% das crianças tivessem acesso aos 4 anos e 35% aos 3 anos. Aos 15 anos, em avaliações internacionais comparativas, os resultados de matemática (PISA) mostraram um desvio negativo de 4 pontos e na leitura (PIRLS) de 4,69 relativamente à média europeia.

A Justiça reviu e publicou em 2014 nova legislação quanto à protecção e adopção. A Área Social implementou legislação para creches e amas e foram alargadas licenças parentais em tempo e aos avós.

Há projectos nacionais com implementação local como as Cidades Amigas das Crianças, as Redes Sociais ou o Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância, entre outros.

Cidades como Aveiro, Gondomar e Vila Real aderiram ao programa da UNICEF – Cidades Amigas das Crianças (2015), o qual inclui a melhoria dos espaços e a criação de condições de vida saudável para crianças e jovens assim como o envolvimento nas decisões, ouvindo e estimulando fóruns de opinião sobre os tópicos em análise.

Em 2006, surgiram as redes sociais como parceria estratégica única existente em cada autarquia, dinamizada pela Câmara e presidida por eleitos locais, com um âmbito de intervenção transversal. Esta orientação veio criar condições para pensar e desenvolver a intervenção social centrando-a nos problemas locais.

São agentes promotores de um planeamento integrado e sistemático da intervenção, (participado), implicando a definição de prioridades, a base da acção articulada dos diferentes parceiros.

Mas há ainda exemplo de parcerias, de que o Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância é o paradigma, pois significa actuação coordenada dos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social, da Educação e da Saúde, organização de Equipas Locais de Intervenção que integram profissionais da saúde, educação e área social, apoio das autarquias e envolvimento das famílias e da comunidade.

As equipas multidisciplinares definem um Plano Individual de Intervenção Precoce que é um instrumento organizador para as famílias e para os profissionais envolvidos, com base na situação referenciada, no potencial de desenvolvimento da criança, e também nas alterações necessárias para que se possa cumprir.

Na Região de Lisboa e Vale do Tejo, em 2015, foi dado apoio a 7.267 crianças, o que corresponde a 77% das necessidades previstas. No entanto, predomina a intervenção aos 4-5 anos pois aquelas são habitualmente referidas pela área da educação. É importante a sensibilização dos profissionais de saúde dos cuidados primários que, no âmbito de uma medicina compreensiva, de oportunidade e de proximidade, em período-chave como o da vacinação no primeiro ano de vida, podem identificar situações que necessitem de intervenção e sejam referenciadas em idades mais precoces.

Os serviços terão de ser proactivos na identificação de situações e crianças e famílias vulneráveis e com necessidade de apoio integrado.

Monitorização

Monitorizar o bem-estar das crianças é complexo e pode parecer missão impossível. Deve-se optar por um pequeno número de indicadores em domínios principais: físico, psicológico, social e cognitivo/educacional, subdivididos em múltiplas medidas.

  1. Físico: estado de saúde, nutrição, prevenção da doença, actividade física e segurança.
    1. Saúde global e dentária
    2. Presença ou ausência de doença crónica
    3. Comportamentos de risco
    4. Estilos de vida saudáveis como sono, exercício, tempo gasto a ver TV
  2. Psicológico: estado mental e emocional.
    1. Avaliação de comportamento depressivo
    2. Diagnóstico de problemas de comportamento
    3. Percepção de autoestima
    4. Aptidão para lidar com os desafios
  3. Social: aptidões sociais básicas, utilização do tempo, aptidão de relacionamento emocional.
    1. Relação pais-filho, comunicação e empatia. Envolvimento no desporto, e actividades na comunidade
    2. Comportamentos sociais positivos: relacionamento com outras crianças, empatia, resolução de conflitos
    3. Comportamentos sociais negativos: comportamento de oposição, bullying
  4. Cognitivo/educacional: aptidões de leitura, memória, e raciocínio próprio da idade.
    1. Avaliação de problemas pré-escolares
    2. Dificuldade na aprendizagem
    3. Preocupação parental
    4. Interesse da criança na leitura por prazer

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