Definição e etiopatogénese
Exantema define-se como uma erupção cutânea, localizada ou generalizada, que pode surgir num vasto leque de doenças de etiopatogénese diversa (infecciosa, alérgica ou autoimune). Contudo, em Pediatria, quando nos referimos a doenças exantemáticas falamos de um grupo relativamente restrito de doenças infecciosas que se manifestam, na maioria das vezes, por exantema associado a febre (exantema febril). As doenças exantemáticas “clássicas”, descritas no início do século XX, são o sarampo, a escarlatina, a rubéola, o eritema infeccioso e o exantema súbito. No entanto, muitos outros agentes infecciosos são causa frequente de exantema, tais como enterovírus, adenovírus, vírus da varicela, VEB, Staphylococcus aureus e Rickettsia spp.
Algumas destas doenças têm um carácter sazonal mais ou menos acentuado. As infecções por enterovírus são mais comuns no Verão e início de Outono; por vírus da varicela-zóster no Inverno e Primavera; por parvovírus B19 no fim do Inverno e Primavera; por Rickettsia spp na Primavera e Verão. As infecções por VEB e HHV 6 e 7 ocorrem durante todo o ano. Antes do uso generalizado da vacina os surtos de sarampo e rubéola eram mais comuns na Primavera.
As lesões podem ser resultantes de infecção da derme (sarampo, varicela, doença por enterovírus), de lesão do endotélio vascular (riquetsiose), de efeitos de toxinas circulantes (S. pyogenes, S. aureus), de resposta imunológica do hospedeiro (parvovírus B19) ou da combinação de vários factores.
Os exantemas, o problema de expressão cutânea mais frequente na idade pediátrica, são na sua maioria causados por infecções víricas, de transmissão horizontal, pessoa a pessoa.
Aspectos epidemiológicos
Estudos de seroprevalência mostram que a grande maioria destas infecções ocorre até ao final da adolescência. Em Portugal, a ampla cobertura vacinal contra o sarampo e a rubéola levou a um quase desaparecimento da sua incidência. No que respeita a Doenças de Declaração Obrigatória, nos anos de 2009 a 2012 foram notificados à DGS, até aos 15 anos de idade, seis casos de rubéola, dois casos confirmados de rubéola congénita, cinco casos de sarampo (importados de outros países) e 208 casos de febre escaro-nodular.
Quanto a outras doenças como varicela, enterovírus ou infecção por parvovírus B19, não de declaração obrigatória, não existem estudos representativos da população nacional para avaliar a sua incidência em função da idade. No entanto, no inquérito serológico nacional efectuado em 2002, 94% dos indivíduos dos 15 aos 19 anos apresentavam evidência serológica de infecção anterior por varicela. Na Europa e nos Estados Unidos nos últimos têm ocorrido vários surtos de sarampo sobretudo em populações não vacinadas.
Manifestações clínicas e diagnóstico
Na avaliação da criança previamente saudável com exantema febril, a abordagem clínica com base na anamnese e exame objectivo é fundamental para se estabelecer o diagnóstico etiológico. Este tem implicações óbvias na atitude terapêutica a tomar e, nalguns casos, igualmente de extrema importância na programação de medidas atempadas de controlo epidemiológico.
No contexto epidemiológico importam: a idade, o estado vacinal (por ex. podendo apoiar a exclusão de diagnóstico de sarampo ou rubéola); o contacto com animais (febre escaro-nodular); contacto familiar ou na escola com casos de doença já diagnosticada (escarlatina, adenovírus, enterovírus); história de viagens, doença exantemática prévia, etc..
Quanto à história da doença actual, determinados aspectos devem ser inquiridos e/ou observados com rigor: O exantema foi precedido por um pródromo febril de alguns dias? Foi a primeira manifestação da doença (rubéola, escarlatina) ou surgiu após o desaparecimento da febre (exantema súbito)? Estão presentes sinais patognomónicos ou sugestivos da etiologia (manchas de Koplik no sarampo, tache noire na febre escaro-nodular, amigdalite eritemato-pultácea na escarlatina ou mononucleose infecciosa)? A natureza da lesão elementar: mácula – sem relevo na superfície cutânea; pápula – com relevo e sem conteúdo líquido; vesícula, bolha ou pústula – com relevo e com conteúdo líquido; petéquias ou sufusões hemorrágicas. Na presença de exantema maculopapular é útil verificar se existe um fundo eritematoso que atinge toda a superfície cutânea da zona afectada (escarlatiniforme); se as manchas são confluentes e de tom vermelho escuro (morbiliforme), ou róseo, discreto e não confluente (rubeoliforme). Por sua vez, na febre escaro-nodular, as lesões são mais dispersas e algumas são nodulares. A topografia das lesões: atingimento do couro cabeludo e mucosas na varicela ou das palmas e plantas na febre escaro-nodular e enterovírus. A presença de prurido (eritema infeccioso, rubéola no adolescente e o exantema vírico por enterovírus e adenovírus) e a descamação ulterior ao exantema (furfurácea no sarampo, em dedos de luva na escarlatina e doença de Kawasaki) são elementos importantes.
Os exames complementares têm interesse limitado uma vez que o diagnóstico é essencialmente clínico. No entanto, por vezes podem dar-nos algumas indicações (leucocitose com neutrofilia na escarlatina, neutropenia no exantema súbito, presença de linfócitos atípicos na mononucleose infecciosa).
As serologias têm interesse para a confirmação do diagnóstico, sobretudo nas situações em que tal é importante por motivos epidemiológicos ou pela presença de complicações. Nos últimos anos, a utilização mais generalizada das técnicas de biologia molecular contribuiu para a confirmação do diagnóstico etiológico em situações menos típicas e/ou de maior relevância clínica.
O Quadro 1 sintetiza as principais características clínicas e biológicas de doenças exantemáticas surgindo classicamente em idade pediátrica, algumas das quais são objecto de abordagem em capítulos próprios. No Quadro 2 são descritos os tipos de exantema associados a doenças infecciosas e a outras situações não infecciosas. Nas Figuras 1 e 2 são exemplificados aspectos de exantema petequial e morbiliforme.
Tratamento e medidas de controlo epidemiológico
Apenas na escarlatina e na febre escaro-nodular é necessária antibioticoterapia. Com a escarlatina, o sarampo e a rubéola existe risco de contágio, obrigando por isso a evicção escolar. A febre escaro-nodular, o sarampo e a rubéola são doenças de declaração obrigatória. (Consultar Anexos)
QUADRO 1 – Doenças exantemáticas – Características clínicas.
PI – período de incubação; PCR – reacção de polimerase em cadeia/técnica molecular | ||||
Doença/Agente | Clínica | Exantema | Diagnóstico | Complicações |
Sarampo Paramixovírus | Febre alta, tosse, coriza e conjuntivite; manchas de Koplik na mucosa oral antes do início do exantema | Ao 4º/5º dia de doença; maculopapular confluente com progressão cefalo-caudal; descamação furfurácea e coloração acobreada | Clínico; Serologia; PCR | Otite, pneumonia, laringotraqueíte, encefalite, panencefalite esclerosante subaguda, morte |
Rubéola Togavírus | Febre baixa ou ausente, adenopatia cervical posterior ou occipital | Primeira manifestação, macular discreto, não confluente, fugaz, progressão cefalocaudal pode ser pruriginoso | Clínico; Serologia | Síndroma da rubéola congénita, encefalite, poliartralgia, artrite |
Escarlatina Streptococcus β-hemolítico do grupo A | Febre alta com amigdalite eritemato-pultácea e enantema do palato, língua saburrosa e adenomegalias cervicais | Início simultâneo com a febre, eritematoso, puntiforme, sem intervalos de pele sã, áspero, mais intenso nas pregas cutâneas, palidez peribucal; descamação foliácea dos dedos na 2ª ou 3ª semana | Cultura de exsudado faríngeo; Pesquisa de antigénio | Abcesso retro amigdalino; sépsis, miocardite, febre reumática; glomerulonefrite aguda |
Exantema súbito Herpes vírus 6 Herpes vírus 7 | Mais frequente no lactente, febre alta por 3-4 dias antes do exantema | Início após normalizar a temperatura, macular ou maculopapular, róseo, centrífugo, dois a três dias de duração | Clínico, serologia e PCR | Convulsões febris; doença disseminada em imunocomprometidos |
Eritema infeccioso Parvovírus B19 | Sintomas gerais; por vezes dois a três dias de febre e intervalo livre de sete dias | Exantema eritematoso da face, geográfico da superfície extensora dos membros; pode recorrer por várias semanas | Clínico, serologia e PCR | Hidropisia fetal, artrite; crise aplásica, infeção crónica em imunocomprometidos |
Enterovírus | Febre, faringite | Maculopapular, morbiliforme ou petequial; pode atingir palmas e plantas (Coxsackie) | Clínico, serologia, PCR | Meningite, miocardite |
Vírus Epstein-Barr | Febre, cefaleias, edema palpebral, amigdalite exsudativa, adenomegalias, hepatosplenomegalia | Maculopapular ou urticariforme; atinge mais o tronco | Clínico, serologia, PCR | Obstrução respiratória, ruptura esplénica, síndroma hemofagocítica; associado a linfoma |
Varicela | Febre | Tipicamente com máculas, pápulas, vesículas, pústulas e crostas, pruriginoso, progressão cefalocaudal, atinge couro cabeludo e mucosas | Clínico, serologia, PCR | Sobre infecção bacteriana das lesões, piomiosite, fascite, encefalite, cerebelite |
Febre escaro-nodular Rickettsia conorii | Contacto com cães, febre alta com mialgias e mal-estar geral | “Tache noire”; exantema nodular disperso; não poupa plantas e palmas | Clínico; Serologia | Pneumonia, flebite; encefalite, miocardite |
QUADRO 2 – Tipos de exantema em doenças infecciosas e não infecciosas.
Nota: Outras situações como infecções por Mycoplasma, sífilis, blastomicose, dengue, doença de inclusões citomegálicas, dermatomicoses, etc. podem estar associadas a erupção, a qual está enquadrada em sintomatologia mais relevante. |
Erupção maculopapular ou punctiforme
|
Erupção pápulo-vesicular
|
FIGURA 1. Aspecto de exantemas: A – máculo-papuloso; B – petequial. (NIHDE)
FIGURA 2. Aspecto de exantema morbiliforme (caso de sarampo). (NIHDE)
BIBLIOGRAFIA
Bergelson JM, Shah SS, Zaoutis TE. Pediatric Infectious Diseases -The Requisites in Pediatrics. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2008
Cherry JD, Demmler-Harrison GJ, Kaplan SL, Hotez P, Steinbach WJ (eds). Feigin and Cherry’s Textbook of Pediatric Infectious Diseases. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2014
Dunmire SK, Hogquist KA, Balfour HH. Infectious mononucleosis. Curr Top Microbiol Immunol 2015;390:211-240
Ftika L, Maltezou HC. Viral haemorrhagic fevers in healthcare settings. J Hospital Infection 2013;83:185-192
Garcia JJ, Cruz O, Mintegi S, Moreno JM (eds). M Cruz Manual de Pediatria. Madrid: Ergon, 2020
Goldman L, Schafer AI (eds). Goldman-Cecil Medicine. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2016
Jorge B, Nelson J, Stone MS. Update on selected viral exantems. Curr Opin Pediatr 2000;12:359-364
Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020
Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018
Long SS, Prober CG, Fischer M (eds). Principles and Practice of Pediatric Infectious Diseases. Philadelphia: Elsevier, 2018
Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015
Moss WJ, Griffin DE. Measles. Lancet 2012;379:153-64
Nielsen HE, Anderson EA, Anderson J, et al. Diagnostic assessment of hemorrhagic rash and fever. Arch Dis Child 2001;85:160-165
Phadke VK, Bednarczyk RA, Salmon DA, Omer SB. Association between vaccine refusal and vaccine-preventable diseases in the United States: a review of measles and pertussis. JAMA 2016;315:1149-158
Rogo LD, Mokhtari-Azad T, Kabir MH, Rezaei F. Human parvovirus B19: a review. Acta Virol 2014;58:199-213
Wong SS, Yuen KY. Streptococcus pyogenes and re-emergence of scarlet fever as a public health problem. Emerg Microbes Infect 2012;1:e2