Importância do problema

As anomalias congénitas do membro superior em cuja etiopatogénese podem estar envolvidas diversos factores, têm grande impacte no desenvolvimento da criança. As mãos são, com efeito, um dos principais instrumentos na aprendizagem da criança a interagir com o meio que a rodeia. O grau de defeito varia de pequenas (minor) anomalias congénitas, como uma simples camptodactilia, até grandes malformações como a ausência parcial ou total da mão. O impacte psicológico nos pais de um recém-nascido com defeito da mão, seja esta pequena ou grande, pode ser devastador.

Não há registos epidemiológicos referentes especificamente a RN com defeitos das mãos. O Eurocat (European Concerted Action on Congenital Anomalies and Twins) apenas tem o registo de algumas anomalias menores (polidactilia e sindactilia), não especificando a sua localização: mãos ou pés. As estatísticas disponíveis abrangem todas as anomalias do membro superior (0,4 a 0,5 por 1.000 recém-nascidos vivos), não especificando as pequenas anomalias da mão. Cerca de 80% destas anomalias do membro superior são unilaterais e, mais frequentes, no lado direito.

Muitos dos defeitos congénitos menores da mão têm resolução cirúrgica, sendo que nem sempre a reconstrução cirúrgica é possível ou a mesma é apenas estética, não melhorando a função. No entanto, em alguns deles o tratamento conservador tem bons resultados quando realizado precocemente, evitando a cirurgia. São exemplo destes, a camptodactilia, o polegar aduto e as anomalias de tendões (polegar em gatilho), cuja abordagem é feita nas alíneas seguintes.

Camptodactilia

Consiste numa deformação em flexão da articulação interfalângica proximal (IFP) de um ou mais dedos. Não há consenso quanto à etiopatogénese: fenómenos de retracção das partes moles periarticulares, hipoplasia do tendão flexor superficial, hipoplasia ou ausência do lumbricóide e desequilíbrio entre as forças de flexão e de extensão ao nível da IFP. O 5º dedo é o mais frequentemente afectado (Figura 1); tal alteração é geralmente bilateral, embora se possa verificar assimetria da deformação.

Segundo Benson et al, são descritos três tipos de camptodactilia:

  • Tipo 1, mais comum, presente na 1ª infância, afectando o quinto dedo, sem preferência por sexo;
  • Tipo 2 manifestando-se na pré-adolescência e predominando no sexo feminino, que pode evoluir para deformidade grave;
  • Tipo 3, presente desde o nascimento, e afectando vários dedos de forma acentuada e fixa, é bilateral e frequentemente está associado a síndromas (por exemplo, síndromas de Holt-Oram, Poland ou Marfan) e a outras anomalias congénitas.

FIGURA 1. Camptodactilia do 5º dedo

O diagnóstico diferencial é feito com dedo em gatilho (palpa-se um nódulo na face palmar) ou com a ausência congénita dos extensores.
O tratamento de primeira linha é conservador, com a colocação de uma ortótese para posicionar a articulação na extensão máxima possível (Figura 2).
Ulteriormente está indicada semanalmente uma revisão até se obter a extensão total. Quanto menor a idade da criança, mais rapidamente se consegue a extensão completa.
As recidivas podem ocorrer até ao final do crescimento. Esta informação deve ser dada aos pais para que se reinicie novamente a colocação da ortótese.

Antes da aquisição de “olho/mão”, por volta dos 4 meses de vida, as ortóteses podem manter-se 24h/dia, sendo retiradas apenas para higiene. Após a aquisição desta etapa de desenvolvimento psicomotor, o tempo de colocação da ortótese vai sendo reduzido, ficando apenas colocada durante as horas de sono. Se a extensão máxima for obtida nos primeiros 4 meses, a colocação da ortótese passa apenas a ser durante o sono.
Muitas vezes há recidivas quando os pais interrompem precocemente o uso das ortóteses à noite. Nestes casos, o tratamento deverá ser recomeçado e os pais alertados para a possível necessidade do uso da ortótese nocturna até à puberdade. Com o cumprimento desta regra, habitualmente não há recidivas nem necessidade de cirurgia.

FIGURA 2. Ortótese para camptodactilia do 5º dedo

Entre 2000 e 2018, no Serviço de Medicina Física e Reabilitação do Hospital de Dona Estefânia, Lisboa, todas as crianças com camptodactilia do tipo 1, tratadas de forma conservadora desde o 1º ano de vida, não necessitaram de intervenção cirúrgica.

Polegar aduto

A designação de polegar aduto corresponde a defeito congénito do polegar por ausência congénita do longo extensor do polegar e/ou aplasia/hipoplasia dos extensores do polegar com acentuada flexão da metacarpofalângica (MCF) e adução do 1º dedo na face palmar. De salientar que o subdesenvolvimento do aparelho extensor do polegar, acarretando um desequilíbrio entre os flexores/extensores, contribui para as manifestações das diversas formas de gravidade do polegar aduto congénito.

Frequentemente bilateral, verifica-se sobretudo no sexo masculino. Em 1/3 dos casos há incidência familiar.

Frequentemente só é detectado depois dos 4 meses, altura em que se desenvolve a extensão activa do polegar. Poderá constituir apenas uma deformidade isolada (uni ou bilateral) ou estar associado a outras malformações músculo-esqueléticas como a artrogripose e a displasia craniocarpotarsal (síndroma da “face em assobio”).

O diagnóstico diferencial é feito com o polegar “em gatilho” e com situações neurológicas no contexto de paralisia cerebral. Um polegar em adução também pode ser encontrado nas mãos com dedos “em rajada de vento” (dedos com desvio cubital congénito).

O polegar aduto engloba quatro formas clínicas. (Quadro 1 e Figuras 3 e 4)

QUADRO 1 – Classificação do polegar aduto

Grupo I
Défice de extensão apenas
Grupo II
Défice de extensão associado a contractura dos flexores
Grupo III
Hipoplasia do polegar (incluindo tendões e défice dos músculos do dedo)
Grupo IV
Todas as situações não incluídas nos grupos anteriores

FIGURAS 3 e 4 – Polegar aduto do grupo I antes do tratamento conservador

O grupo I é o mais frequente; seguem-se os grupos II e III. O grupo IV é raríssimo.

O tratamento conservador é o tratamento de escolha para o polegar aduto do grupo I.

Neste grupo, o tratamento de 1ª linha consiste na colocação do polegar em abdução palmar com extensão da articulação interfalângica (IF). (Figuras 5 e 6)

No 1º mês de vida recorre-se a uma ligadura que posteriormente é substituída por uma pequena ortótese. Até ao aparecimento da fase “olho-mão”, mantém-se a ortótese permanentemente só se retirando para higiene diária. Após esta aquisição do desenvolvimento psicomotor, a ortótese é colocada nas horas de sono, devendo ser estimuladas as actividades lúdicas que promovam a extensão activa do polegar (preensões globais). Por volta do 6º ou 7º mês de vida, tendo os tendões extensores já recuperado, o tratamento é suspenso.

A não existência de qualquer movimento activo na extensão do polegar por volta do 3º/4º mês de vida, indica que se tratará de uma aplasia dos tendões extensores. Nestes casos, a ortótese deverá ser mantida durante o sono até à cirurgia para se evitar a instalação de retracção das partes moles e o encurtamento dos tendões flexores.

Os grupos II (Figura 7), III e IV têm indicação cirúrgica. A colocação de ortótese nos meses que precedem a cirurgia pode ajudar a contrariar as retracções músculo-tendinosas existentes, e contribuir para o sucesso da cirurgia.

FIGURAS 5 e 6. Posicionamento do polegar em abdução com extensão através de ligadura

FIGURA 7. Polegar aduto do grupo II bilateral – a contractura dos flexores impede a abdução/extensão passiva dos polegares

Polegar em gatilho

O chamado polegar em gatilho é a patologia mais frequente no grupo de anomalias dos tendões, manifestando-se em geral por volta dos 2 anos de idade. Nos primeiros meses de vida a situação passa despercebida; são os pais habitualmente os primeiros a detectar e a alertar o médico.

A etiopatogénese é desconhecida e existe uma controvérsia sobre se se trata de situação congénita ou adquirida. Esta última é a mais aceite. Tratando-se duma situação esporádica, e podendo ocorrer unilateral ou bilateralmente, estão descritos familiares e associação a trissomia 13.

Clinicamente caracteriza-se por uma deformidade em flexão da articulação interfalângica (IF) do polegar, palpando-se um nódulo na região da cabeça do 1º metacarpo (nódulo de Notta) (Figura 8). Nalguns casos, inicialmente é possível a extensão, podendo verificar-se um ressalto durante a extensão.

Esta situação é causada por uma incompatibilidade nos tamanhos do flexor longo do polegar (FPL) e da poleia A1* que dificulta o deslizamento do tendão.

FIGURA 8. Nódulo de Notta

Do ponto de vista anátomo-patológico, verifica-se a existência, ao nível da bainha do tendão, de grandes quantidades de fibroblastos e colagéneo, sem alterações degenerativas ou inflamatórias.

* Poleia é um neologismo utilizado por fisiatras e cirurgiões da mão (do francês poulie), significando “roldana”, com o sentido de “transmissão do movimento”. Trata-se de bandas fibróticas transversais ou oblíquas que reforçam, na região anterior, os canais digitais por onde passam os tendões flexores. Há 5 poleias (arciformes) denominadas A1 a A5 e 3 poleias em forma de cruz denominadas de C1 a C3.

O tratamento pode ser conservador ou cirúrgico.

O tratamento conservador, de primeira linha, pode conduzir a bons resultados (em cerca de 80-85% dos casos) nas situações em que a extensão é possível.

O mesmo consiste na colocação de ortótese com o polegar em extensão/abdução durante 24h/dia no 1º mês de vida (só se retirando para higiene). No 2º mês, começa a retirar-se 1 a 2 horas 2x/dia, deixando a criança brincar e utilizar o dedo. Se não for detectado ressalto devem ser incrementados semanalmente os períodos de pausa da ortótese. Finalmente fica colocada só de noite, durante 2 a 3 meses. Se durante este período de uso nocturno for detectado novo ressalto, deve recomeçar-se o tratamento como de início. Este tipo de tratamento conservador requer colaboração dos pais, os quais deverão receber formação neste campo (designadamente quanto a saber reverter a flexão quando esta se instala no período sem a ortótese. (Figura 9)

Devem ser evitadas actividades lúdicas associadas a movimentos repetidos de flexão da IF do polegar, ou a preensões de força.

Em suma, quanto mais precocemente se imobilizar o polegar em extensão/abdução moderada, melhor o prognóstico. De acordo com a experiência do SMFR do Hospital Dona Estefânia, a maioria das crianças com menos de 3 anos, se o bloqueio em flexão não for rígido, não precisa de cirurgia.

FIGURA 9. Ortótese para polegar em gatilho: A) visão palmar; B) visão dorsal

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