Definição e generalidades

As paniculites (ou hipodermites) são quadros clinicopatológicos em que se verifica inflamação do panículo adiposo (hipoderme) de etiopatogénese diversa. De salientar que algumas formas de paniculite se acompanham de vasculite.

Recorda-se que a hipoderme é constituída por lobos adiposos compartimentados por septos de tecido conjuntivo denso que se prolongam desde a derme profunda até à fáscia subcutânea. Tendo em conta esta organização estrutural, a paniculite pode ser predominantemente septal ou lobular. Esta classificação é adoptada pela maioria dos autores, sendo que se poderá verificar a ocorrência de formas mistas (septal e lobular).

Relativamente à patologia do panículo adipose, importa uma referência à chamada lipodistrofia, situação que corresponde à redução do panículo adiposo e integra diversas entidades clínicas. Este quadro patológico pode ser generalizado ou localizado. De acordo com diversos autores, a designação de lipoatrofias é mais apropriada.

Etiopatogénese e formas clínicas

Entre as paniculites predominantemente septais, destaca-se o eritema nodoso, a paniculite mais frequente na idade pediátrica. Outras entidades clínicas em que se verifica a forma septal incluem a necrobiose lipóidica diabética e formas com atingimento subcutâneo como o granuloma anelar e a morfeia.

No que respeita às paniculites predominantemente lobulares, importa uma referência às seguintes formas:

  • De natureza enzimática, as associadas a doença do pâncreas, e as provocadas por défice de alfa-1 antitripsina;
  • Infecciosas;
  • Surgindo no período neonatal: esclerema e necrose subcutânea;
  • Associadas a lúpus eritematoso e a dermatomiosite;
  • Associadas a factores etiológicos como o frio, traumatismos, corticoterapia e depósito de cristais como os uratos nas situações de gota; e, igualmente no contexto de “maus tratos por procuração e abusos” traduzidos em injecção de produtos como leite, drogas, óleos minerais, etc..

Como se torna fácil depreender, a identificação do factor etiológico é importante pelas implicações na escolha da terapêutica.

Manifestações clínicas e diagnóstico

Fundamentalmente o diagnóstico é clínico, com confirmação por estudo histopatológico. Salienta-se, contudo, que por vezes surgem dificuldades relacionadas com a circunstância de factores etiológicos diversos poderem originar quadros histopatológicos semelhantes.

Para obtenção da peça de biópsia implica procedimento que permita atingir zonas profundas, até à fáscia aponevrótica subcutânea.

Neste capítulo é dada ênfase a três entidades clínicas clássicas e históricas: o esclerema neonatal e a necrose adiposa subcutânea do recém-nascido (raros), e o eritema nodoso que, como foi referido antes, é a paniculite mais frequente na idade pediátrica.

1. ESCLEREMA NEONATAL

Trata-se de entidade que surge em RN, em geral pré-termo, no contexto de terapia em cuidados intensivos, pressupondo patologia grave, em geral sépsis, de prognóstico reservado.

Etiopatogénese

A etiopatogénese não está completamente esclarecida. Admite-se que a situação se relacione a formação de cristais nos adipócitos subcutâneos, tendo em conta a elevada concentração destes em ácidos gordos saturados (palmítico, esteárico) em contraste com a baixa concentração em ácidos gordos insaturados (oleico).

Descrevem-se dois tipos de cristais: A e B.

Os primeiros, de pequenas dimensões, são habituais na hipoderme do RN, elevando-se o seu teor no contexto de esclerema. Os segundos, de maiores dimensões, organizam-se em rosetas, parecendo induzir resposta inflamatória do tipo granulomatoso.

 Manifestações clínicas e tratamento

O sinal típico é o endurecimento lenhoso da pele, mais ou menos difuso. Observa-se palidez cérea da pele, em geral com início nas nádegas, com disseminação ulterior por todo o tegumento, poupando as palmas, as plantas e os genitais.

Não existe tratamento específico, dependendo a evolução do problema clínico subjacente.

2. NECROSE ADIPOSA SUBCUTÂNEA DO RECÉM-NASCIDO

 

Este tipo de paniculite, raro, auto-limitado, de causa desconhecida e de carácter benigno, manifesta-se em geral nas primeiras seis semanas de vida.

Etiopatogénese e manifestações clínicas

Admite-se que a etiopatogénese seja semelhante à do esclerema, com padrão histopatológico sobreponível. Como factores de risco apontam-se: parto distócico, asfixia perinatal, síndroma de aspiração meconial.

Distingue-se, no entanto, do esclerema pelo facto de as lesões serem circunscritas, surgindo como nódulos subcutâneos duros e mobilizáveis pela palpação. Os nódulos são bilaterais, múltiplos e dolorosos. Iniciando-se nas nádegas, pode haver disseminação que se pode manter durante semanas e, eventualmente, ulceração com ulterior cicatriz atrófica. Em certos casos, as alterações nos adipócitos poderão atingir a gordura visceral, o que agrava o prognóstico.

Esta patologia, embora não ligada nas doenças gerais, pode cursar com trombocitopénia, hipoglicémia e, mais tipicamente, a hipercalcémia. Nesta perspectiva o RN poderá evidenciar sinais descritos em tais circunstâncias, como irritabilidade, vómitos, tremores. Em casos extremos poderá verificar-se insuficiência renal e paragem cardiorrespiratória. Será prudente a determinação da calcémia dada a maior probabilidade desta alteração iónica.

Tratamento

Na maioria dos casos verifica-se evolução espontânea para a cura. No entanto, em função dos sinais clínicos verificados, poderá haver necessidade de proceder a doseamentos séricos, para além da calcémia e correcção das alterações laboratoriais encontradas.

3. ERITEMA NODOSO

Definição e importância do problema

O eritema nodoso (EN) é um processo inflamatório do tecido adiposo subcutâneo (paniculite septal granulomatosa perivascular), caracterizado por nódulos dolorosos à palpação, eritematosos, conferindo um aspecto macio e brilhante à pele; tais nódulos localizam-se, geralmente, na face anterior de ambas as pernas (região tibial).

Pouco frequente abaixo dos 6 anos de idade, torna-se progressivamente mais comum a partir da adolescência até à terceira década da vida; nalguns estudos epidemiológicos é apontado como mais frequente no sexo feminino.

Etiopatogénese

Embora possa surgir como entidade “primária”, na maioria das vezes o EN está associado a doenças inflamatórias ou infecciosas, ou à utilização prévia de fármacos.

As situações mais habitualmente associadas ao EN são determinadas infecções (estreptocócica, tuberculose, por Yersinia, histoplasmose, coccidioidomicose, lepra), doenças inflamatórias (doença inflamatória do intestino, espondilartropatia, sarcoidose) e exposição a fármacos (fenitoína, sulfonamidas, contraceptivos orais, etc.).

Como resultado duma reacção de hipersensibilidade de carácter inflamatório do tecido celular subcutâneo profundo, pode comprovar-se, através de exame histológico do nódulo, a existência de infiltrado de linfócitos, neutrófilos e macrófagos na zona dos septos do tecido adiposo subcutâneo. Estas células são activadas por componentes víricos ou bacterianos, imunocomplexos e citocinas.

Manifestações clínicas e diagnóstico diferencial

Os nódulos subcutâneos são geralmente avermelhados, com bordos violáceos, ligeiramente elevados e muito dolorosos. São arredondados e medem entre 1 e 10 centímetros de diâmetro. Podem ser irregulares e coalescentes e têm duração variável, de semanas a meses. Localizam-se sobretudo na região pré-tibial (bilateral e simetricamente), embora possam ser observados nas coxas, nádegas e membros superiores. Durante a evolução (em cerca de 3 a 6 semanas), as lesões tornam-se violáceas e acastanhadas, assemelhando-se a hematomas, regredindo depois espontaneamente (Figura 1). Refira-se que a localização nos membros superiores sugere uma etiologia hoje inexistente no nosso país em idade pediátrica – a lepra.

O EN pode ter carácter recorrente, com evolução arrastada, na circunstância de associação a certas doenças crónicas, como rectocolite ulcerosa e lúpus eritematoso sistémico. De salientar que poderá haver manifestações músculo-esqueléticas tais como artralgia, artrite e dor muscular) e, também, sinais inespecíficos como febre e adinamia.

O diagnóstico diferencial faz-se fundamentalmente com eritema induratum, tromboflebite, poliarterite nodosa cutânea e sarcoidose subcutânea.

Exames complementares

O diagnóstico de EN é clínico. Determinados exames complementares, inspecíficos deverão ser fundamentados em função da anamnese e da suspeita da doença de base para determinar a etiologia e a actividade do processo inflamatório. Eis os fundamentais:

  • Hemograma: pode evidenciar leucocitose, com ou sem neutrofilia;
  • Provas de fase aguda (por ex. PCR, VS, alfa-1-glicoproteína, etc.): estão alteradas na maior parte dos casos;
  • Electroforese das proteínas: da presença de hipoalbuminémia poderá sugerir doença intestinal inflamatória (DII) em função da história clínica;
  • TASO: de modo seriado poderá confirmar antecedentes de infecção estreptocócica prévia;
  • Radiografia do tórax: poderá confirmar etiologia tuberculosa;
  • Prova tuberculínica (intradermorreacção de Mantoux) ou outro marcador: idem;
  • Detecção de autoanticorpos antinúcleo (ANA): negativa, excepto nos casos de lúpus associado ou doutras doenças do tecido conectivo;
  • Biópsia das lesões em determinados casos;
  • Colonoscopia e/ou trânsito intestinal: para esclarecimento de eventual DII nos casos de sintomatologia do foro digestivo, designadamente acompanhada de lesões perianais (úlceras e distensão abdominal).

FIGURA 1. Eritema nodoso em criança com quadro de tuberculose primária. (NIHDE)

Tratamento

O tratamento do EN consiste fundamentalmente no alívio da dor e no controlo do processo inflamatório:

  • Anti-inflamatórios não esteróides/AINE (naproxeno: 15 a 20 mg/kg/dia, ou indometacina: 1 a 3 mg/kg/dia);
  • Corticosteróides, indicados nos casos de dor e de processo inflamatório intensos – (prednisona ou prednisolona: 0,5 mg/kg/dia);
  • Penicilina benzatínica: 600.000 UI nas crianças com peso inferior a 20 kg (e 1.200.000 UI naquelas com peso igual ou superior a 20 kg) cada 3 semanas; indicada nos casos de EN recorrente com suspeita de infecção estreptocócica como factor desencadeante e na perspectiva de profilaxia secundária, com a duração de 6-12 meses;
  • Tuberculostáticos se se comprovar infecção tuberculosa;
  • Suspensão imediata de fármaco suspeito de desencadear o processo inflamatório.

Prognóstico

O prognóstico geralmente é bom; desde que tenha sido instituída a terapêutica adequada à doença de base, as lesões são autolimitadas e desaparecem.

O EN pode ser recorrente (vários surtos cuja intensidade se vai esbatendo ao longo do tempo). A recorrência persistente, ao longo de anos, deve evocar patologia associada, sendo a doença de Behçet uma das possibilidades a considerar.

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