As cardiopatias congénitas, ocorrendo em cerca de 0,8 a 1% dos nados vivos, constituem os defeitos congénitos mais frequentes e comportam elevada mortalidade. Por tal motivo, a melhoria dos cuidados prestados e dos resultados obtidos pela sua correcção têm impacte muito significativo na redução da mortalidade infantil.

O diagnóstico e tratamento das doenças cardíacas nas crianças, tanto nos aspectos médicos como nos cirúrgicos, tem sofrido grande evolução nos últimos anos graças aos progressos nas áreas de imagiologia, cateterismo cardíaco, cuidados intensivos e cirurgia cardíaca. Estes progressos, permitindo a detecção e terapêutica precoces das doenças cardiovasculares em geral, têm contribuído para uma melhoria significativa da morbilidade, por sua vez, desagravando o prognóstico.

Em Portugal a Cardiologia Pediátrica é reconhecida como especialidade independente desde 1984. O Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital de Santa Marta – Centro Hospitalar de Lisboa Central, que dirigimos, foi criado em 24/02/1987 por Fernanda Sampayo, sendo importante referir sucintamente os principais antecedentes históricos.

Em Outubro de 1969 Fernanda Sampayo, regressada dos Estados Unidos onde obtivera o título de pediatra pelo American Board of Pediatrics e o de cardiologista pediatra pelo American Board of Pediatric Cardiology, iniciou a Consulta de Cardiologia Pediátrica no Hospital de Santa Marta, Lisboa. Em 1971 foi criada a chamada Secção de Cardiologia Pediátrica integrada no Serviço de Cardiologia do mesmo hospital, transformada sucessivamente em Unidade de Cardiologia Pediátrica (1978) e, nove anos mais tarde, em Serviço, atrás citado. Fernanda Sampayo, figura cimeira e pioneira na medicina portuguesa, dirigiu todas estas áreas assistenciais até à sua aposentação em 1993. O referido Serviço é o mais antigo do país e tem idoneidade formativa total para a especialidade, com forte tradição no ensino médico.

Com a preocupação de os alunos do 5º e 6º anos da Faculdade de Ciências Médicas/NOVA Medical School terem uma formação completa em Pediatria, o Professor João Videira Amaral (e, a partir de 2008, a Professora Teresa Neto) pediram-nos para ministrar aulas teóricas e teórico-práticas de Cardiologia Pediátrica, colaboração que aceitámos com entusiasmo e temos cumprido de bom grado desde 1999. Para complemento bibliográfico do ensino, o primeiro, editor-coordenador desta obra, deu-nos a honra e possibilidade de compilar este tópico para o Tratado de Clínica Pediátrica na 1ª e 2ª edições (respectivamente 2008 e 2013). Para a elaboração deste texto (que foi actualizado e ampliado), utilizámos grande parte do material das edições anteriores do tratado e da monografia por nós publicada e co-editada: Soares-Costa JTS e Kaku S (editores). Cardiopatias Congénitas. Lisboa: Permanyer Portugal, 2005).

De um modo sistemático são focados aspectos fundamentais relacionados com a anatomia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento médico-cirúrgico das cardiopatias mais frequentes. Salienta-se um capítulo sobre “não doença e pseudo doença” devido às importantes implicações resultantes de qualquer suspeita de doença cardíaca a nível pessoal, familiar e social.

Foi esta a estratégia seguida, inicialmente definida pelo Doutor Sashicanta Kaku, a quem tive a honra de suceder, quer na Direcção do Serviço, quer no ensino universitário. Também com igual entusiasmo abracei ambas as tarefas dando continuidade a um trabalho exemplar e inovador. A recente criação do Centro Médico Universitário de Lisboa, que congrega a Faculdade de Ciências Médicas – NOVA Medical School e o Centro Hospitalar de Lisboa Central abre novas perspectivas para o futuro, que se traduzem também em responsabilidades acrescidas.

A pedido do Professor João Videira Amaral, tive a honra de coordenar e actualizar a Parte referente à Cardiologia Pediátrica desta nova e edição, dando continuidade ao trabalho antecedente. Incluímos novos capítulos sobre electrocardiografia e arritmias, novos métodos de imagem, cardiologia de intervenção para tratamento das cardiopatias congénitas, risco cardiovascular na criança.

A Cardiologia Pediátrica sendo uma especialidade recente está em grande desenvolvimento. A melhoria significativa dos resultados nos últimos anos tem-se traduzido num aumento significativo da sobrevida, atingindo os ex-doentes pediátricos deste foro a idade adulta com problemas específicos, complicações, sequelas ou lesões residuais. Cria-se assim um novo paradigma requerendo uma abordagem funcional por uma equipa alargada de cardiologistas pediátricos e de cardiologistas de adultos com treino específico de modo a dar continuidade aos cuidados iniciados em idade pediátrica.

Trata-se, pois, de um exemplo da relação entre doença na idade pediátrica e doença no adulto, aliás abordada no âmbito de diversas patologias e noutros capítulos desta obra.

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