Aspectos epidemiológicos

A infestação intestinal pelo protozoário Giardia lamblia (com a designação actual de G. duodenalis ou G. intestinalis) é a causa mais comum de diarreia de causa parasitária nos países desenvolvidos.

Pode aparecer em qualquer idade, mas é especialmente prevalente nas crianças mais pequenas, sobretudo quando frequentam creche ou jardim de infância.

Após a ingestão de Giardia, 25-50% das crianças tornam-se sintomáticas, 5-15% tornam-se excretoras assintomáticas (por períodos superiores a 6 meses) e as restantes não evidenciam qualquer alteração.

Estatísticas provenientes dos EUA apontam para incidência de ~9 casos/100.000 habitantes.

Etiopatogénese e manifestações clínicas

Giardia apresenta duas formas morfológicas: quistos e trofozoítos. Os quistos são a forma infecciosa: sobrevivem em ambiente húmido, não sendo afectados pela adição de cloro à água de consumo. A ingestão de 15-20 quistos pode provocar doença. A ruptura do quisto verifica-se no intestino delgado proximal, com libertação de trofozoítos que colonizam o duodeno e jejuno proximal. O microrganismo volta a enquistar-se no intestino grosso, sendo eliminado com as fezes.

A transmissão dos quistos estabelece-se através da água, alimentos, e por via fecal-oral entre pessoas infectadas, designadamente em escolas em geral e em infantários.

Giardia lamblia causa uma inflamação focal da mucosa do intestino delgado com atrofia parcial das vilosidades. Estas alterações levam a uma diarreia crónica persistente ou intermitente com anorexia, distensão abdominal, ou dor abdominal na criança mais velha; e, se o diagnóstico se atrasar, perda de peso e anemia.

A diarreia pode ter algum teor de gordura, ser fétida, mas não contém habitualmente sangue ou muco.

A presença de intolerância secundária à lactose (que pode persistir até algum tempo após a erradicação de Giardia) origina fezes mais líquidas e ácidas.

Nas crianças mais velhas pode associar-se a hipogamaglobulinémia, salientando-se o défice imunitário de IgA.

Diagnóstico

O diagnóstico faz-se pela demonstração nas fezes de: – quistos, ou do – antigénio (por método ELISA).

Através de aspirado duodenal ou por biópsia intestinal: – pesquisa de trofozoítos (coloração pelo método de Giemsa).

A detecção de quistos nas fezes é muito difícil pela excreção descontínua do parasita, pelo que se torna necessário proceder a colheitas sucessivas de amostras.

Tratamento

É apenas recomendado para as infestações sintomáticas. Utiliza-se o metronidazol na dose de 15 mg/kg/dia em 2-3 tomas diárias durante 5 dias ou o tinidazol em dose única de 40 mg/kg.

Prevenção

Não existe vacina disponível. As medidas preventivas mais importantes são as higiénicas, a investigação de surtos e o tratamento da água. O tratamento dos portadores assintomáticos não é eficaz, excepto no caso de manipuladores de alimentos ou de casos surgindo em crianças com imunodeficiências associadas.

Outras medidas preventivas:

  • aquecimento da água para consumo a 70ºC, ou fervura durante 10 minutos elimina os quistos;
  • o tratamento da água com iodo é mais eficaz do que adjunção de produto clorado;
  • pacientes com diarreia devem abster-se de frequentar espaços recreativos aquáticos;
  • o leite materno é protector pelo seu teor em IgA secretora.

BIBLIOGRAFIA

Buret AG. Pathophysiology of enteric infections with Giardia duodenalis. Parasite 2008; 15: 261 – 266

Cantey PT, Roy S, Lee b, et al. Study of nonoutbreak giardiasis: novel findings and implications for research. Am J Med 2011; 124: 1175-1178

Cotton JA, Beatty Jk, Buret AG. Host parasite interactions and pathophysiology in Giardia infections. Int J Parasitol 2011; 41: 925-933

Guandalini S (ed). Essential Pediatric Gatroenterology, Hepatology & Nutrition. New York : McGraw-Hill Medical, 2005

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Parvaneh L, Sharifi N, Azizi G, et al. Infectious etiology of chronic diarrhea in patients with primary immunodeficiency diseases. Eur Ann Allergy Clin Immunol 2019; 51: 32-37. doi: 10.23822/EurAnnACI.1764-1489.77. 

Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA(eds). Rudolph´s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011

Wyllie R, Hyams JS, Kay M (eds). Pediatric Gastrointestinal and Liver Disease. Philadelphia: Elsevier, 2016