Definição e importância do problema

acne (palavra derivada do grego significando eflorescência) é, tal como a dermite seborreica, uma doença das glândulas sebáceas). Trata-se duma dermatose inflamatória crónica, multifactorial, que envolve a unidade pilossebácea. Caracteriza-se por acentuado polimorfismo clínico: comedões (abertos e fechados), pápulas, pústulas, nódulos, quistos e cicatrizes. As lesões localizam-se predominantemente na face, dorso superior e face anterior do tórax (áreas ricas em unidades pilossebáceas). (ver adiante o Glossário)

No que respeita à nomenclatura, são consideradas duas situações: acne propriamente dita (mais frequente e, como tal, mais importante na prática clínica) e erupções acneiformes (em regra precipitadas por agentes externos nos quais se incluem os medicamentos).

A acne vulgar é uma doença muito comum, sobretudo em adolescentes, afectando cerca de 85% da população desta faixa etária. No entanto, pode ser observada na pré-puberdade e em adultos. O impacte psicossocial da acne é enorme. A maioria dos doentes tem baixa autoestima, elevados índices de depressão e ansiedade. Após o seu reconhecimento, impõe-se um tratamento adequado, o mais precocemente possível, por forma a evitar cicatrizes como sequelas.

Etiopatogénese

Na etiopatogénese da acne há a considerar quatro factores interdependentes:

  1. Excesso de produção sebácea;
  2. Alteração da queratinização dos folículos;
  3. Colonização dos ductos pilossebáceos por bactérias lipofílicas, com especial ênfase para a proliferação de Propionibacterium acnes;
  4. Libertação de mediadores inflamatórios.

Recorda-se que a superfície cutânea lipídica, designada por filme lipídico, é composta por mistura de sebo, produto de secreção das glândulas sebáceas, e de lípidos derivados da desintegração das células epidérmicas durante o processo de queratinização.

Vários estudos têm demonstrado que a primeira etapa no processo de desenvolvimento da acne está relacionada com o excesso de produção sebácea. Isto deve-se à estimulação das glândulas sebáceas e dos corneócitos foliculares pelos androgénios, como DHT (De-hidrotestosterona) e testosterona.

A testosterona é o androgénio mais importante na acne por actuar simultaneamente na proliferação das glândulas sebáceas e na lipogénese.

A estimulação hormonal é mais marcada na puberdade, levando a formação de comedões, pápulas e pústulas. O grau de acne comedónica em mulheres em idade pré-pubertária correlaciona-se com os níveis de DHEAS (De-hidroepiandrosterona). Praticamente em simultâneo, verifica-se aumento da proliferação dos queratinócitos, com diminuição da descamação, e consequente obstrução da unidade pilossebácea. À medida que o sebo e a queratina se acumulam no microcomedão, desenvolvem-se comedões abertos e fechados, clinicamente visíveis.

P. acnes é um microrganismo anaeróbio presente nas lesões de acne. A presença deste agente promove a inflamação e a activação da resposta imunológica por uma série de mecanismos, nomeadamente através da estimulação de mediadores pró-inflamatórios que se difundem pela parede folicular. O referido agente P acnes activa receptores de monócitos e neutrófilos que, por sua vez, vão levar a produção de múltiplas citocinas pró-inflamatórias (IL-12. IL-8 e TNF).

Igualmente parece ser importante a acção de P. acnes sobre os triglicéridos do sebo, de que resultam ácidos gordos que exercem quimiotaxia sobre células inflamatórias com invasão e subsequente acção patogénica sobre as estruturas foliculares.

Vários estudos têm sugerido que alguns pacientes evidenciam hipersensibilidade à bactéria P. acnes, o que pode justificar a variabilidade na manifestação quanto a lesões inflamatórias, de indivíduo para indivíduo.

As citocinas produzidas pelas células CD4+ e por macrófagos endoteliais que regulam a produção de mediadores inflamatórios (VCAM-1 ou molécula de adesão à parede vascular, e ICAM-1 ou molécula de adesão intercelular) localizam-se em torno da unidade pilossebácea. Estas alterações favorecem a retenção de queratina e de sebo no folículo, perpetuando o mecanismo fisiopatológico da acne.

Outros mediadores / receptores, incluindo a hormona de crescimento e o factor de crescimento de insulina (IGF), também regulam a produção da glândula sebácea, podendo, desta forma, contribuir para o desenvolvimento da afecção. Por outro lado, a glândula sebácea actua como órgão neuroendócrino-inflamatório que é activado via hormona libertadora de corticotrofina em resposta ao estresse. O aumento da De-hidroepiandrosterona sérica pode estar associada à presença de acne na síndroma do ovário poliquístico.

No âmbito deste ciclo complexo de eventos fisiopatológicos, importa ainda relevar certos factos, decorrentes da investigação:

  • havendo antecedentes familiares da afecção, duplica o risco de desenvolvimento da mesma;
  • a acne surge mais precocemente em doentes do sexo feminino, embora afecte mais frequentemente doentes do sexo masculino;
  • o tabagismo agrava a acne, sobretudo os casos de acne grave;
  • a utilização de cosméticos oleosos, oclusivos e vestuário apertado, podem agravar/ induzir aparecimento da doença;
  • em doentes com hirsutismo, irregularidades no período menstrual, e com desenvolvimento precoce das lesões de acne (2-7 anos) deve suspeitar-se de associação com doenças do foro hiperandrogénico;
  • alguns fármacos, como antiepiléticos e antineoplásicos, podem estar associados ao aparecimento de acne;
  • não está provada, dum modo geral, a associação entre tipo de regime alimentar e desenvolvimento da acne (apenas num estudo se verificou possível associação com ingestão de lacticínios.

Manifestações clínicas

acne vulgar, caracterizada por grande polimorfismo, atinge os locais com mais abundância em glândulas sebáceas: face e tronco superior; não se acompanha de sintomas sistémicos. Os comedões fechados e abertos, geralmente representam a fase inicial da doença. Os comedões fechados traduzem-se por pápulas com a cor de pele, não foliculares, portanto, sem eritema; podem ser imperceptíveis, detectados apenas à palpação. Os comedões abertos correspondem a aberturas foliculares preenchidas por queratina, tendo por isso cor mais escura (preto/ castanhos). (Figuras de 1 a 5)

FIGURA 1. Acne comedónica

FIGURA 2. Acne pápulo-pustulosa moderada

FIGURA 3. Acne pápulo-pustulosa marcadamente inflamatória

FIGURA 4. Acne nodular grave

FIGURA 5. Acne infantil (agravada após aplicação tópica de corticóide)

acne inflamatória inicia-se com o desenvolvimento de comedões, o que leva ao aparecimento de pápulas, pústulas, nódulos e quistos de diferente gravidade. As pápulas eritematosas geralmente têm cerca de 1-5 mm de diâmetro. As pústulas têm uma dimensão semelhante e são constituídas por pus e flora normal. As lesões podem evoluir para formação de nódulos com sinais inflamatórios, e tensos. Os quistos são mais profundos e são preenchidos por pus e fluido sero-hemático.

Em doentes com acne nódulo-quística grave, observa-se a coalescência das lesões, com formação de placas inflamadas. A acne fulminante é uma forma muito rara de acne noduloquística, com repercussões sistémicas: evidenciando aspecto supurativo e ulcerado, é acompanhada de febre, artralgias, mialgias, alterações ósseas e hepatosplenomegalia.

Sob o ponto de vista de sistematização clínica, a literatura aponta ainda outras variantes:

  • acne neonatal: forma rara e transitória, surgindo nas duas primeiras semanas após o nascimento e desaparecendo espontaneamente até aos 3 meses de vida; caracteriza-se pelo aparecimento de pápulas inflamatórias agrupadas em áreas centrais da face, admitindo-se possível associação com níveis elevados de hormonas maternas e também com a colonização dos folículos por leveduras do género Malassezia;
  • acne infantil: forma que surge entre os 3 e os 6 meses de vida e apresentando-se sob a forma de múltiplos comedões que, mantendo-se até aos 12 meses, por vezes, podem levar à formação de cicatrizes punctiformes; o recrudescimento é possível a partir da puberdade;
  • acne mecânica, acne cosmética e acne iatrogénica associada a fármacos, são outras variantes descritas com etiopatogénese facilmente dedutível.

Tratamento

O tratamento precoce da acne é da maior importância, sobretudo para a prevenção de desenvolvimento de cicatrizes. Os tratamentos disponíveis variam em função da gravidade do quadro clínico. O sucesso da terapêutica implica uma compreensão clara e uma adesão ao tratamento por parte do doente; contudo, os resultados são lentos, o que pode desencorajar. Desta forma, é muito importante o correcto esclarecimento da doença por parte do médico, a explicação minuciosa do tratamento, bem como os eventuais efeitos adversos da terapêutica. Em suma, empatia, compreensão e paciência são necessárias.

A. Cuidados gerais

  • A limpeza da pele deve ser um ritual diário, tendo o cuidado de manter o filme hidrolipídico íntegro.
  • A lavagem excessiva pode tornar a pele mais seca, estimulando ainda mais a produção de sebo. Na higiene diária está indicada a utilização de agentes hidratantes adequados para peles oleosas, isentos de gordura / oil free, não comedogénicos.
  • Devem ser averiguados todos os produtos de acção tópica eventualmente aplicados, e suspender os inadequados.
  • A manipulação das lesões está proscrita.
  • É extremamente importante a aplicação de protector solar com elevado índice de protecção, de modo a evitar as alterações da pigmentação e acentuação das cicatrizes.

B. Tratamento tópico

Os tratamentos tópicos da acne são fundamentais. Podem ser utilizados em monoterapia, combinados (casos ligeiros, moderados) ou como coadjuvantes do tratamento sistémico (casos moderados a graves).

1. Monoterapia
    • Peróxido de benzoílo

      É eficaz como agente antibacteriano, sem o risco de desenvolvimento de resistências. Pode ser utilizado sob a forma de gel ou de sabão. Recomendado no tratamento em monoterapia ou em combinação nas formas ligeiras/ graves.

    • Retinóides (isotretinoína, tretinoína, adapaleno)

      Os retinóides tópicos normalizam a hiperproliferação folicular e a hiperqueratinização. Desta forma, têm essencialmente acção comedolítica, mas também anti-inflamatória. Devem ser aplicados uma vez por dia. Estão associados a irritação cutânea, rubor e descamação na fase inicial do tratamento que, depois, tende a reverter. Recomenda-se a utilização de creme hidratante compensador, bem como protecção solar cuidadosa, pela hipersensibilidade à exposição solar classicamente associada aos retinóides.

    • Antibióticos (eritromicina, clindamicina)

      Actuando contra o P. acnes, têm propriedades anti-inflamatórias. No entanto, tem-se colocado o problema do desenvolvimento de estirpes resistentes. Desta forma, a sua utilização em monoterapia não é recomendada.

2. Terapêutica combinada

(peróxido de benzoílo / retinóide tópico; retinóide tópico / antibiótico)
A esta modalidade (considerada actualmente padrão de ouro/gold standard no âmbito do tratamento tópico da acne) são atribuídas as seguintes vantagens: possibilidade de obter efeitos sinérgicos; efeito mais rápido; esquema com uma aplicação diária; possibilidade de maior adesão pelo paciente e família.

C. Tratamento sistémico

O tratamento sistémico deve ser reservado para os casos da acne moderada a grave, os quais devem ser assistidos por especialista de Dermatologia.

Relativamente a esta modalidade de tratamento, importa uma referência a algumas particularidades.

Retinóides (isotretinoína)
  • A introdução da isotretinoína a partir de 1980, veio revolucionar o tratamento da acne. Este fármaco tem a particularidade de ser o único com efeito de indução de indução de remissões a longo prazo, e mesmo da cura, pois actua em vários passos da cadeia etiopatogénica da acne. A dose recomendada é de 0,5-1 mg /kg/dia e o tratamento deve ser prolongado (geralmente mais de 3 meses) até se atingir a dose cumulativa, capaz de induzir remissão sustentada (120mg/kg). Após a interrupção do fármaco, o seu efeito terapêutico mantém-se por mais 1-3 meses.
  • A isotretinoína é teratogénica, razão pela qual a sua prescrição no sexo feminino em idade fértil só poderá ser feita após exclusão de gravidez e sob anticoncepção; está contra-indicada se a adolescente ou mulher adulta estiverem a amamentar.
  • É recomendada a avaliação analítica, antes do início e durante a terapêutica, sobretudo para monitorização dos valores de triglicéridos.
  • A isotretinína tem como principal efeito adverso a xerose da pele e mucosas; em tal circunstância recomenda-se a utilização de emolientes adequados como coadjuvantes do tratamento.
Antibióticos
  • Os antibióticos pertencentes ao grupo das tetraciclinas (minociclina e doxiciclina), actuando ao nível da parede bacteriana, são os mais vulgarmente utilizados. Têm marcado efeito anti-inflamatório e, por isso, têm indicação sobretudo nos casos da acne de predomínio inflamatório. No entanto, à semelhança dos antibióticos tópicos, acarretam riscos de desenvolvimento de estirpes resistentes.
Terapêutica hormonal
  • A terapêutica com estrogénios pode ser utilizada para diminuir a produção sebácea. Por outro lado, diminui a produção de androgénios pelo ovário, suprimindo a libertação de gonadotrofinas. Esta poderá ser uma opção terapêutica em doentes do sexo feminino

GLOSSÁRIO

Comedão Pequena saliência esbranquiçada em cujo centro há um ponto negro, formada por substâncias gordurosas acumuladas numa glândula sebácea. Os comedões localizam-se, preferencialmente, no rosto e constituem uma das manifestações da acne. Nome popular: ponto negro.

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