Definição e importância do problema
Rinite (termo sinónimo de coriza) é definida como a inflamação aguda ou crónica das fossas nasais a qual origina como sinais predominantes rinorreia e obstrução nasal.
A rinossinusite é um processo de inflamação da mucosa naso-sinusal. Pode ser classificada de acordo com a sua evolução temporal e a intensidade dos sintomas, em aguda, subaguda, crónica ou recorrente.
A rinossinusite aguda caracteriza-se por sinais e sintomas de infecção aguda das vias respiratórias superiores, que duram mais do que 10 dias e menos do que três semanas. Na sinusite crónica os sintomas persistem por mais de três meses, enquanto na subaguda duram entre 3 semanas a três meses.
É importante referir, a propósito, que o nariz e os seios perinasais são revestidos por um epitélio ciliado pseudoestratificado. Tendo em conta que existe uma identidade anatómica e funcional entre a mucosa nasal e a sinusal e que ambas estão em continuidade, a inflamação sumultânea destas mucosas é muito frequente, razão pela qual é preferível a designação de rinossinusite. Portanto, relativamente ao termo sinusite há que ter presente este conceito.
Os agentes patogénicos infecciosos mais frequentemente associados a rinite são os rinovírus. Na sinusite predominam as bactérias.
Neste capítulo é abordada a sinusite de causa infecciosa bacteriana.
Etiopatogénese
Na situação sinusite aguda, as principais bactérias patogénicas que têm sido isoladas, quer por colheita do meato médio, que por punção sinusal são: S. pneumoniae, H. influenzae, Moraxella catarrhalis, S. aureus e Streptococcus pyogenes.
Na sinusite crónica, predominam Streptococcus aneróbios, Bacteróides sp e Fusobacterium sp.
A integridade da mucosa naso-sinusal, assim como o bom funcionamento dos mecanismos de transporte mucociliar, são essenciais para a manutenção de uma fisiologia normal. Todos os factores que alteram a composição da camada do muco ou o funcionamento dos cílios favorecem a infecção.
É importante também que a ventilação e a drenagem dos seios sejam adequadas e que os orifícios de drenagem estejam funcionantes.
A unidade ostiomeatal constitui a zona chave de toda a fisiologia dos seios: é o espaço para onde drenam os seios frontais, os seios etmoidais anteriores e os maxilares. Corresponde a uma zona complexa e bastante estreita nas crianças, que pode facilmente ser obstruída por edema inflamatório da mucosa, secreções espessas, pólipos, ou alterações anatómicas. A obstrução dos ostia produz dificuldades de ventilação e drenagem dos seios, retenção de secreções e pressão negativa intra-sinusal que facilita a aspiração de bactérias patogénicas para dentro dos seios com consequente infecção.
A sinusite aguda é muitas vezes precedida de uma infecção por vírus, que prepara o terreno para a infecção bacteriana. Na sinusite crónica ou na recorrente predominam os factores gerais ou as anomalias locais.
Os seios mais afectados são, por ordem decrescente, os maxilares, os etmoidais e os esfenoidais. Os seios frontais só são afectados a partir dos 7 anos. Muitas vezes há um processo de poli ou de pansinusite.
Factores de risco
Os factores de risco de sinusite são semelhantes aos factores de risco de otite. Deve referir-se que as infecções por vírus das vias aéreas superiores, tais como metapneumovírus, rinovírus, influenzae, parainfluenzae, sincicial respiratório e adenovírus, constituem importantes factores de risco, tanto de sinusite aguda como de crónica ou recorrente.
FIGURA 1. Radiografia do cavum de perfil revelando sinais de hipertrofia das adenóides
FIGURA 2. TAC dos seios perinasais, no plano coronal. Opacificação dos seios revelando um extenso processo de polissinusite
Também outras doenças sistémicas como a fibrose quística, a síndroma de cílio imóvel, a síndroma de Down e os estados de imunodeficiência constituem importantes factores de risco. A rinite alérgica, a asma e a sinusite estão intimamente associadas. A poluição, o fumo passivo, a exposição a lareiras e a inalação de irritantes contribuem também para a eclosão ou manutenção da sinusite.
Como factores locais são de salientar os pólipos nasais, os corpos estranhos, os desvios do septo nasal, as anomalias anatómicas do meato médio, os traumatismos, as infecções das amígdalas e das adenóides.
Salienta-se que cerca de 14% das crianças com sinusite crónica têm deficiência de IgA, de IgG ou subclasses, sindroma de cílio imóvel ou mucoviscidose. O refluxo gastresofágico está muitas vezes presente nas sinusites crónicas ou resistentes ao tratamento médico.
Manifestações clínicas e diagnóstico
Na sinusite aguda os sintomas são idênticos aos de uma infecção aguda por vírus das vias aéreas superiores: obstrução nasal, rinorreia anterior e posterior, febre, mal estar de expressão facial, e tosse. Pode ser difícil o diagnóstico diferencial baseado na clínica, quer com a rinite por vírus, quer com a rinite alérgica. Se os sintomas forem mais marcados do que um simples resfriado (febre alta, edema periorbitário), durarem mais de 10 dias ou se se agravarem alguns dias após o início, é provável que o diagnóstico seja de rinossinusite aguda bacteriana.
Na sinusite crónica existe obstrução nasal, rinorreia purulenta anterior e posterior, tosse persistente, mau hálito e dor faríngea. Muitas vezes verifica-se otite sero-mucosa acompanhante. A dor de expressão facial franca é rara na criança. Os sintomas persistem por mais de 3 meses.
Exames complementares
A rinoscopia anterior é dificil de realizar nas crianças, dadas as reduzidas dimensões das fossas nasais e a resistência que oferece tal exame. Pode ser realizada com um otoscópio e espéculo auricular: permite verificar o estado da mucosa, a existência de secreções, corpos estranhos, pólipos, a permeabilidade nasal e alterações do septo e dos cornetos. A aplicação local de um vasoconstritor facilita o exame.
Maior valor tem a endoscopia nasal com o endoscópio de Hopkins ou fibroscópio que, feita por especialista treinado, permite observar toda a fossa nasal, o meato médio, determinar a origem da rinorreia purulenta, colher secreções para exame bacteriológico, tecidos ou células para exame histológico, e verificar a importância do volume das adenóides.
O estudo radiológico dos seios perinasais, nas posições de Waters, Hirtz e perfil deve ser valorizado de acordo com o contexto clínico, dado que existem muitos resultados falsos positivos. Podem encontrar-se níveis hidro-aéreos ou opacificação total dos seios. O edema da mucosa só tem significado se for superior a 4 mm. A radiografia do cavum (Figura 1) é útil para o estudo das adenóides e seio esfenoidal.
A tomografia computadorizada, sobretudo no plano coronal, é mais esclarecedora. Deve ser reservada para o estudo das complicações das sinusites, sinusites crónicas (Figura 2), tumores e para ajuda ao planeamento operatório. A ressonância magnética (RM) tem interesse no diagnóstico de certas sinusites fúngicas, nas complicações orbitárias e endocranianas, e na avaliação da extensão local dos tumores.
Tratamento
O tratamento médico tem por objectivo erradicar a infecção, restabelecer a permeabilidade ostial e o mecanismo de transporte mucociliar, por forma a promover boa ventilação e drenagem dos seios.
O tratamento com antibióticos é muitas vezes empírico. Deve ter em conta a prevalência bacteriana para a região e as resistências conhecidas. Devido ao uso e abuso da prescrição de antibióticos, quer a resistência do pneumococo à penicilina, quer a de Haemophilus (30%) e a de Moraxella (70%) aos beta-lactâmicos, têm vindo a aumentar de forma continuada.
Na sinusite aguda os antibióticos de eleição são: a amoxicilina/clavulanato utilizando a dose máxima de amoxicilina e a formulação de 7: 1; ou a cefuroxima. Como alternativas: azitromicina ou claritromicina.
O tratamento deve ter a duração de cerca de duas semanas; a azitromicina utiliza-se durante 5 dias. Não havendo melhoria clínica procede-se a colheita de pus para exame bacteriológico com TSA (teste de sensibilidade aos antibióticos), e a eventual mudança de antibiótico até conhecimento do resultado daquele.
Nas complicações das sinusites, quer orbitárias, quer intracranianas, devem usar-se antibióticos de largo espectro, em doses elevadas e por via endovenosa. A colheita do pus (no meato médio ou por punção sinusal) é fundamental na tentativa de isolamento da bactéria responsável e determinação da sua sensibilidade aos antibióticos.
Na sinusite crónica o tratamento é idêntico, mas deve ser prescrito para um período mínimo de 4 semanas. Os antibióticos de eleição são a amoxicilina/clavulanato ou a clindamicina; como alternativa, a penicilina (para a posologia consultar os capítulos anteriores).
Haverá igualmente que tratar eventuais alergias, deficiências imunológicas, mucoviscidose e o refluxo gastresofágico.
As lavagens nasais com soro e os corticosteróides tópicos têm um papel importante no tratamento da sinusite. Os antialérgicos só devem ser usados se se demonstrar alergia.
O tratamento cirúrgico deve ser encarado com grandes reservas. Está indicado nos casos graves, nalgumas complicações ou em situações de falência de tratamento médico, em crianças com mais de 12 anos. Consiste numa cirurgia endoscópica ou, microscópica funcional. As lesões a excisar são mínimas. O que importa é permeabilizar os orifícios e drenar os seios. Outras indicações são a imperfuração coanal, a polipose nasal ( mucoviscidose ) ou os mucocelos. A adenoidectomia pode ser ponderada face ao contexto clínico.
Prognóstico
A maior parte das sinusites agudas cura com tratamento médico. No entanto, alguns casos, agudos ou crónicos, podem originar complicações graves, quer sejam locais (como o mucocelo, o mucopiocelo ou a osteomielite), orbitárias (como a celulite periorbitária, a celulite orbitária, o abcesso orbitário) e a tromboflebite do seio cavernoso; ou endocranianas como a meningite, o abcesso epidural, o empiema subdural e o abcesso cerebral.
Muitas destas situações devem ser tratadas em meio hospitalar, com antibióticos adequados, por via endovenosa e em altas doses, com vigilância rigorosa e, eventualmente, com recurso à cirurgia.
Prevenção
Há que ter em atenção os factores de risco já referidos e tratar correctamente as situações agudas ou recorrentes para evitar complicações ou a cronicidade.
BIBLIOGRAFIA
Brooke I. Acute sinusites in children. Pediatr Clin North Am 2013; 60: 409-424
Calado V, Monteiro L. Rinite alérgica e rino-sinusite na criança In Rosado Pinto J, Morais Almeida M. A Criança Asmática no Mundo da Alergia. Lisboa: Euromédice, 2003
Kliegman RM, Stanton BF, StGeme JW, Schor NF (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2015
Leung AK, Kellner JD. Acute sinusitis in children: diagnosis and management. J Pediatr Health Care 2004; 18: 72-76
Monteiro L, Coutinho M, Amorim M, et al. Abordagem da Obstrução Nasal (da Criança até à Idade Escolar). Lisboa: Círculo Médico, 2018
Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015
Paço J (ed). Patologia Naso-Sinusal. Lisboa: Círculo Médico, 2008
Piccirillo JF. Acute bacterial sinusitis. NEJM 2004, 351: 902-910
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA(eds). Rudolph´s Pediatrics. New York : McGraw-Hill Medical , 2011
Steele RW. Rhinosinusitis in children. Curr Allergy Asthma Rep 2006; 6: 508-512
Valtonen H, Tuomilehto H, Qvarnberg Y, et al. A 14-year prospective follow-up study of children treated early in life with tympanostomy tubes. Part 2: Hearing outcomes. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2005; 131: 299-303
Zapalac JS, Billings KR, Schwade ND, et al. Suppurative complications of acute otitis media in the era of antibiotic resistance. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2002; 128: 660-663