Definição e importância do problema

Faringite é um termo geral usado para descrever a inflamação ou infecção da faringe, incluindo o anel de Waldeyer. Nas crianças o termo rinofaringite pode sobrepor-se a adenoidite. Em relação à orofaringe, há autores que falam em faringo-amigdalite em vez de faringite. Assim, subentende-se que faringite é uma infecção da orofaringe com ou sem componente inflamatório das amígdalas palatinas. Se este componente é predominante e domina o quadro clínico, fala-se em amigdalite. As faringites podem ser divididas em agudas e crónicas.

O estabelecimento da flora normal da faringe inicia-se logo após o nascimento, sendo a mesma colonizada por lactobacilos e estreptococos anaeróbios. Aos 6 meses de idade já se encontram actinomicetas, fusobactérias e bacteróides. As fusobactérias atingem o auge com a dentição e, ao ano de idade, com uma relação da flora saprófita aeróbia e anaeróbia de 1/10. Streptococcus do grupo A é um habitante normal da nasofaringe em 15-20% das crianças. Colheitas feitas em crianças assintomáticas demonstraram que, para além da flora saprófita, podem existir Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae, Streptococcus beta-hemolítico do grupo A, Fusobacterium necrophorum, Arcanobacterium haemolyticum, Moraxella catarrhalis Legionella pneumophila e Staphylococcus aureus.

1. Faringite aguda

Etiopatogénese

As formas agudas ocorrem sobretudo na época invernal e são frequentemente víricas, incluindo adenovírus, rinovírus, influenza, parainfluenza, vírus sincicial respiratório e VEB. As formas bacterianas instalam-se sobre as víricas ou ocorrem primariamente, sendo habitualmente causadas por Streptococcus beta-hemolítico do grupo A, Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis.

De todas as bactérias a mais frequente é o Streptococcus beta-hemolítico do grupo A, pelo que convém relembrar algumas noções básicas sobre Streptococcus: 1) É uma bactéria gram positiva, classificada em 18 grupos (de Lancefield) designados por uma letra maiúscula, consoante o componente de hidrato de carbono antigénico da sua parede celular; 2) Ainda são classificados consoante a capacidade de hemolisar eritrócitos de carneiro: o beta-hemolítico causa hemólise, o alfa-hemolítico causa hemólise parcial e o gama-hemolítico não causa hemólise; 3) A patogenicidade da bactéria é dada pela proteína M com 80 serótipos; a mesma é responsável pela resistência bacteriana à fagocitose; 4) A existência no hospedeiro, de uma IgG anti-proteína M específica a um dos serótipos, confere imunidade contra esse estreptococo; 5) Produz cerca de 20 exotoxinas das quais 2 são importantes: a estreptolisina 0, antigénica, e a estreptolisina S que não é antigénica; 6) Ainda produz 3 endotoxinas eritrogénicas. 7) Não se isolaram até hoje estreptococos resistentes à penicilina; no entanto já foram obtidos em laboratório, verificando-se que todos eles têm ausência de proteína M (portanto, fagocitáveis).

A faringite também pode ser provocada por fungos, sobretudo Candida, em crianças submetidas a tratamento frequente com antibióticos ou imunocomprometidas.

Manifestações clínicas e diagnóstico diferencial

As infecções víricas produzem odinofagia com febrícula, sensação de secura, irritação faríngea com pigarro que se pode estender à árvore laringo-tráqueo-brônquica com tosse, inicialmente seca, e depois com expectoração. A faringe apresenta-se ligeiramente vermelha: habitualmente tais infecções não se acompanham de adenopatias.

As infecções bacterianas produzem habitualmente dor mais intensa, febre alta, odinofagia intensa, mal estar geral e, por vezes, dor abdominal. A faringe apresenta-se mais vermelha, por vezes com exsudado que pode fluir da nasofaringe; nestas situações as adenopatias cervicais são frequentes. Frequentemente a sintomatologia é sobreponível à das infecções víricas.

Na perspectiva do diagnóstico etiológico através de exames complementares sugere-se a consulta do capítulo seguinte.

Tratamento

As formas víricas tratam-se com repouso, hidratação, analgésicos, antipiréticos e dieta adequada à odinofagia.

As formas bacterianas obrigam a antibioticoterapia com as seguintes opções : 1) amoxicilina na dose de 50 mg/kg/dia dividida em 2-3 doses, durante 10 dias (eventualmente em dose única diária); ou 2) penicilina G benzatínica na dose de 50.000 unidades/kg via intramuscular (máxima dose: 1.200.000 U); em regra 600.000 U se a criança tiver menos de 25 kg, e 1.200.000 U se 25 kg ou mais ; ou 3), como alternativa se houver alergia à penicilina: cefalosporinas de primeira geração como cefradina (50 mg/kg/dia em 3 tomas), ou cefadroxil (30 mg/kg/dia em 2 tomas), durante 10 dias, ou ainda, clindamicina (20 mg/kg/dia em 3 tomas até máximo de 1,8 g/dia), também durante 10 dias.

No caso de alergia à penicilina ou cefalosporinas devem utilizar-se macrólidos (por ex. eritromicina, 40-50 mg/kg/dia em 3 tomas e 10 dias ou claritromicina, 15 mg/kg/dia em 2 tomas e 10 dias, ou azitromicina, 12 mg/kg/dia em 1 toma em 5 dias até máximo de 500 mg/dia).

2. Faringite crónica

Enquanto a faringite aguda é mais frequente nas crianças, a crónica é rara devido à ausência de factores de cronicidade mais frequentes no adolescente e adulto, tais como, álcool, tabaco e roncopatia, com consequente secura faríngea.

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