Definição e classificação

Este termo refere-se vulgarmente à infecção das amígdalas palatinas, apesar de o mesmo processo poder ocorrer nas amígdalas linguais e adenóides (adenoidites) ou nos cordões linfóides da faringe. A amigdalite pode dividir-se em aguda, recidivante e crónica.

1. Amigdalite aguda

Etiologia

A amigdalite é provocada pelos mesmos germes descritos na faringite aguda. A amigdalite, no entanto, tem habitualmente uma etiologia vírica até aos 3 anos de idade e uma predominância bacteriana dos 5 aos 15 anos. O Streptococcus beta-hemolítico do grupo A está presente em cerca de 5% dos casos em crianças mais pequenas, verificando-se as maiores incidências entre os 5-8 anos e entre os 12-14 anos.

Sistematizando, as amigdalites agudas podem ser divididas duma forma empírica em:

1) Não específicas, que constituem a maioria dos casos e são provocadas por bactérias e vírus comuns; e

2) Específicas as quais incluem essencialmente a angina de Vincent, a diftérica, do sarampo, escarlatina, difteria, herpética, herpangina e da mononucleose (vírus de Epstein-Barr/ VEB).

Manifestações clínicas

A maioria das amigdalites víricas origina sintomas ligeiros de odinofagia e febrícula que desaparecem ao fim de alguns dias. A favor duma etiologia vírica são a existência de rinofaringite associada, de envolvimento da árvore laringo-tráqueo-brônquica, de adenomegálias cervicais difusas e pouco exuberantes, de sinais gerais menos intensos e de fórmula leucocitária normal ou evidenciando ligeira leucocitose com linfocitose.

Destas, salientam-se:
a) Herpangina (coxsackievirus A) em que aparecem pequenas vesículas nos pilares amigdalinos e palato mole; rebentando, dão origem a ulcerações redondas de fundo cinzento. Acompanham-se de, intensa odinofagia, febre alta e não de adenomegálias.
b) Mononucleose infecciosa (vírus de Epstein-Barr); trata-se de uma doença sistémica que origina amigdalite pseudomembranosa ou ulcero-necrótica com grande astenia, febre alta, múltiplas adenopatias e hepatoesplenomegália. O leucograma mostra linfocitose, linfócitos atípicos e monocitose. O diagnóstico é confirmado por provas serológicas, salientando-se: detecção qualitativa de anticorpos heterófilos (Paul Bunnell); detecção de anticorpos específicos VEB IgG-VCA e IgM-VCA (Viral Capsid Antigen).

Nas amigdalites bacterianas as adenopatias são mais confinadas às regiões jugulo-digástricas, os sinais gerais mais exuberantes e a fórmula leucocitária apresenta leucocitose com neutrofilia.

Destas destacam-se:

  1. Angina de Vincent. Habitualmente unilateral, ocorre em crianças com má nutrição e má higiene oral, sendo causada por uma associação fuso-espiralar e anaérobia.
  2. Escarlatina. Causada por Streptococcus beta-hemolítico do grupo A, tem um início abrupto, com febre alta, taquicárdia desproporcionada à febre, vómitos e uma amigdalite eritematosa. A erupção eritemato-papular aparece 24 horas depois nos ombros e tórax e estende-se a todo o corpo acentuando-se nas pregas de pele, poupando a planta dos pés, a palma das mãos e face. Ao 6º dia a erupção melhora e dá lugar a uma descamação cutânea que pode durar até 6 semanas. O exantema relaciona-se com a produção duma toxina eritrogénica cuja reacção à injecção intradérmica diluída (teste de Dick) confirma o diagnóstico.

A observação permite distinguir 4 tipos de amigdalites:

  1. Eritemato-pultáceas em que as amígdalas se apresentam vermelhas com ou sem exsudado esbranquiçado. Podem ser causadas por bactérias ou vírus, sendo impossível distinguir a sua etiologia, somente pelo aspecto das amígdalas (Figura 1).
  2. Úlcero-necróticas em que a amígdala se apresenta com úlceras de fundo sujo e exsudado purulento. Se unilateral, há que admitir angina de Vincent (associação fuso-espiralar). Se bilateral, há que admitir mononucleose (vírus de Epstein-Barr) ou hemopatias como a agranulocitose e a leucemia.
  3. Vesiculosas como acontece na herpangina.
  4. Pseudomembranosas, caracterizadas pelo aparecimento de pseudomembranas de fibrina sobre as amígdalas; podem ser causadas por agentes etiológicos bacterianos comuns e pelo vírus de Epstein-Barr (Figura 2).

FIGURA 1. Amigdalite eritemato – pultácea (isolamento de Streptococcus A (NIHDE)

FIGURA 2. Amigdalite pseudomembranosa (mononucleose infecciosa) (NIHDE)

Diagnóstico

É realizado através da anamnese e observação do doente. Os exames complementares servem para o diagnóstico etiológico e incluem: a colheita de exsudado faríngeo e amigdalino para exame cultural, a fórmula leucocitária; as transaminases (na hipótese de mononucleose); e exames que permitem o diagnóstico rápido do Streptococcus beta hemolítico com a detecção do poliósido C da superfície da bactéria (antigénio).

Uma vez que número significativo de bactérias se localizada nas criptas amigdalinas, um exsudado com resultado negativo não exclui a presença duma bactéria patogénica localizada na superfície da amígdala.

A medição do título de anti-estreptolisinas O (TASO) é útil apenas quando combinada com a colheita do exsudado faringo-amigdalino. Se o TASO está elevado e a colheita é positiva, está-se na presença da doença. Se o TASO é normal e a colheita é positiva pode tratar-se dum portador são ou de status pós-infecção*.

Notas importantes: a) O valor do TASO não deve constituir, só por si, critério para tratamento antimicrobiano e não constitui rotina a sua determinação; b) Os exames bacteriológicos ou detecção de antigénios apenas estão indicados em situações em que: o exsudado possa levantar dúvidas quanto à etiologia estreptocócica; haja antecedentes de amigdalites de repetição de febre reumática, glomérulo – nefrite aguda ou síndroma de choque tóxico por Streptococcus; e eventualmente nos contactos em função de contextos epidemiológicos específicos.

Tratamento

  1. Amigdalites víricas. São tratadas sintomaticamente com análgésicos, antipiréticos e regime alimentar adaptado à odinofagia.
  2. Amigdalites bacterianas. A penicilina continua a ser o tratamento de escolha uma vez que o Streptococcus beta-hemolítico do grupo A é sensível a este antibiótico. Em regra usa-se a penicilina G benzatínica por via intramuscular em dose única (600.000 U se menos de 25 kg, e 1.200.000 U se 25 kg ou mais). Como alternativa podem utilizar-se formulações do mercado na proporção de 6/3/3, respectivamente para penicilina G benzatínica, penicilina G procaínica e penicilina G aquosa. A falência do tratamento com a penicilina pode indicar a comparticipação duma bactéria produtora de beta-lactamase ou de flora mista predominantemente anaeróbia. Segundo a Academia Americana de ORL, o tratamento com um antibiótico resistente à beta-lactamase é preferível à penicilina.
    Dum modo geral poderão ser aplicados os princípios de antibioticoterapia descritos a propósito da faringite bacteriana. De referir que o período de contagiosidade cessa após 24 horas do início do tratamento antimicrobiano.
  3. Angina de Vincent. O tratamento consiste em lavar a boca com uma solução de água oxigenada e soro fisiológio para além da administração de penicilina G e metronidazol; como alternativa poderão ser utilizados, amoxicilina / clavulanato, macrólido ou doxiciclina.
  4. Escarlatina. Especificamente, no que respeita à amigdalite no contexto de escarlatina, aplicam-se os princípios já enunciados a propósito da faringite aguda bacteriana.

Complicações

Poderão surgir as seguintes complicações:

  1. Celulite e abcesso periamigdalino: verifica-se na extensão progressiva da infecção da amígdala para os tecidos moles periamigdalinos (celulite) a partir do polo superior da amígdala ou para o espaço periamigdalino com acumulação localizada de pus (abcesso). Em ambos os casos o tratamento deve ser parentérico, aplicando-se os princípios clássicos para o tratamento da celulite da face. Estando em causa Haemophilus influenzae do tipo B, S. aureus ou S. pyogenes (grupo A), os antibióticos de escolha são a cefuroxima, ou a amoxicilina/clavulanato; como alternativa, cefalosporina de terceira geração. No caso do abcesso está indicada a drenagem.
  2. Abcessos parafaríngeos e retrofaríngeos: ocorrem pela extensão da infecção através do músculo constritor superior da farínge. O tratamento é semelhante ao anterior
  3. Adenite cervical supurada: consiste na persistência dum gânglio cervical aumentado e abcedado, podendo ter como agentes etiológicos Staphylococcus aureus ou Streptococcus beta-hemolítico. O tratamento consiste em antibioticoterapia parentérica contra estes dois agentes e a drenagem do abcesso se necessário. Tratando-se de S aureus: flucloxacilina; se Streptococcus: penicilina. Como alternativas: cefalosporina de 1ª geração ou clindamicina.
  4. Glomerulonefrite e febre reumática: podem ocorrer 1 a 3 semanas após a amigdalite por Streptococcus beta-hemolítico do grupo A.
  5. Estão descritos casos duma doença neuropsiquiátrica autoimune em crianças, após infecção por Streptococcus beta-hemolítico. A patogénese parece ser semelhante à da coreia de Sydenham sendo aquela designada pela sigla PANDAS (Pediatric Autoimmune Neuropsychiatric Disorders Associated with Streptococcal Infections).
  6. Síndroma de Lemierre: consiste na associação de amigdalite, tromboflebite da veia jugular interna, múltiplos abcessos metastáticos sobretudo no pulmão, articulações e ossos, septicémia por Fusobacterium necrophorum (gram-negativo, anaeróbio, habitualmente saprófita da faringe). O tratamento consiste no internamento e na administração de antibiótico resistente às beta-lactamases e metronidazol durante 6 semanas.
  7. Fascite necrosante: pode ocorrer em relação, quer com Streptococcus beta hemolítico, quer com Staphylococcus aureus, a partir duma amigdalite.

2. Amigdalite recidivante

A definição de amigdalite recidivante varia com os autores. Dum modo geral define-se com base na verificação de 3 episódios por ano em 3 anos consecutivos, 5 episódios por ano em 2 anos consecutivos, ou mais de 6 episódios num ano. As causas das recidivas incluem a modificação do equilíbrio ecológico entre as bactérias saprófitas e as patogénicas, a fibrose progressiva da amígdala que dificulta a penetração antibiótica, aparecimento de estirpes produtoras de beta-lactamases, o não cumprimento correcto da terapêutica, e a constante reinfecção por indivíduos próximos que são portadores sãos.

O tratamento consiste na utilização de antibióticos que atinjam as estruturas mais profundas das amígdalas fibrosadas (clindamicina ou cefalosporinas), na detecção e tratamento dos portadores sãos próximos do doente, na imuno-estimulação e na amigdalectomia.

3. Amigdalite crónica

Ocorre sobretudo em crianças mais velhas e adultos. Existe odinofagia, habitualmente sem febre, com ou sem rubor das amígdalas e pilares. As amígdalas são habitualmente mais duras à palpação e a sua expressão liberta caseum amigdalino, uma mistura de alimentos retidos e pus, que dá mau hálito. Habitualmente não existem adenopatias. As colheitas de exsudado amigdalino permitem habitualmente o isolamento de flora mista aeróbia-anaeróbia. O tratamento consiste na amigdalectomia.

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