Aspectos básicos de imunopatogénese
O papel fundamental do sistema imune é proteger o organismo (hospedeiro) contra agentes patogénicos microbianos e, ao mesmo tempo, manter a tolerância de antigénios (do próprio organismo e exógenos) considerados não agressivos ou “inofensivos”. A falência quantitativa e/ou funcional dos mecanismos de defesa implica uma sensibilidade aumentada a infecções, ao passo que a alteração dos mecanismos de tolerância resulta em alergia ou autoimunidade.
Ao nível celular as células dendríticas e os linfócitos T desempenham um papel crucial na homeostase imune. A este respeito salienta-se a diferenciação das células T nativas em vários subtipos (Th ou T helper): Th1, Th2, Th17 e células T reguladoras (Treg).
As células Th1, produzindo interferão gama, e tendo papel importante de cooperação na produção de anticorpos IgG, são essenciais na defesa contra agentes patogénicos intracelulares (vírus e bactérias). As células Th2, produzindo interleucinas (IL)-4 e IL-13, essenciais para a produção de IgE pelas células B, têm papel crucial na defesa contra infecções parasitárias. As células Th17, em associação a IL-17, desempenham papel importante na mobilização dos neutrófilos, sendo essenciais contra certos agentes patogénicos, nomeadamente fungos.
Quanto às células Treg, as mesmas desempenham um papel fundamental na modulação da resposta imune e na manutenção da homeostasia, por controlo da resposta das restantes populações de células T helper. As células Treg podem actuar por contacto directo célula a célula ou pela produção de IL-10 e TFG-β (transforming growth factor).
Recentemente tem sido descrito o papel de células B, para as quais se reconhecem também subpopulações de função reguladora, abandonando-se a ideia de serem células apenas envolvidas na produção de anticorpos.
A doença alérgica pode ser mediada pela produção de anticorpos IgE, sendo designada por doença IgE mediada, ou pode surgir sem a sua intervenção, sendo designada por doença não IgE mediada, sendo estas reacções resultantes da activação de populações celulares T helper ou por vezes T citotóxicas. Actualmente define-se atopia como a tendência, pessoal e/ou familiar, para a produção de anticorpos IgE dirigida contra aeroalergénios comuns.
Anamnese
O diagnóstico da doença alérgica baseia-se essencialmente na história clínica. A anamnese é fundamental e deve esclarecer: a idade de início dos sintomas e circunstâncias do seu aparecimento; a presença de factores desencadeantes, tais como esforço físico, exposição a alergénios (ácaros do pó, pólenes, fungos, epitélios de animais, látex, entre outros) ou ingestão de alimentos ou fármacos. É importante avaliar a frequência, a duração e a gravidade dos sintomas, incluindo recurso ao serviço de urgência e eventual internamento, e a resposta à terapêutica instituída, assim como a variabilidade circadiana e sazonal dos sintomas.
A avaliação do contexto ambiental em que a criança vive é fundamental, particularmente em termos de exposição alergénica (pó, animais domésticos, pólenes mais frequentes na zona de residência) e exposição a tabagismo passivo e outros poluentes ambientais, em ambiente doméstico ou fora de casa.
As doenças alérgicas têm um reconhecido impacte negativo sobre a qualidade de vida da criança e dos seus prestadores de cuidados; tal impacte deve ser pesquisado em cada caso, nomeadamente sobre tolerância ao exercício e interferência nas actividades do quotidiano, períodos de interrupção do sono, perturbação de afectos familiares e sociais, e grau de absentismo escolar.
Os antecedentes pessoais da criança, nomeadamente a coexistência de outras doenças alérgicas e os antecedentes familiares de alergia apoiam o diagnóstico de doença alérgica.
A sensibilização precoce na criança, por via digestiva ou inalatória, desencadeia o início da chamada marcha alérgica. Segundo este conceito clássico, a expressão clínica da atopia varia durante a vida, iniciando-se na primeira infância sob a forma de alergia alimentar e eczema atópico, com evolução ulterior, variável segundo a experiência de vários autores, para alergia respiratória, rinite e asma.
Algumas particularidades clínicas das doenças alérgicas mais prevalentes na criança serão em seguida sucintamente referidas, como complemento do que foi descrito no capítulo anterior.
Asma: entidade clínica caracterizada por episódios recorrentes de tosse, pieira e dificuldade respiratória, parcial ou completamente reversíveis, espontaneamente ou após terapêutica com broncodilatador; em algumas crianças, queixas induzidas pelo exercício físico ou tosse crónica podem ocorrer isoladamente. Apoiam o diagnóstico, a periodicidade dos sintomas, a sintomatologia nocturna, o agravamento com esforço físico, ar frio e exposição a alergénios, bem como a resposta favorável à terapêutica broncodilatadora. Frequentemente documenta-se história familiar de asma parental e história pessoal de rinite e eczema atópico.
De acordo com a definição do Grupo GINA – Global Initiative for Asthma), é uma doença inflamatória crónica das vias aéreas na qual intervêm muitas células particularmente mastócitos, eosinófilos e células T. Nos indivíduos susceptíveis esta inflamação provoca episódios recorrentes de pieira, dispneia, retracção torácica e tosse, os quais podem ser parcial ou totalmente reversíveis, espontaneamente ou por tratamento. A asma alérgica é mediada por mecanismos imunológicos, particularmente IgE, ao contrário da asma não alérgica.
Rinite alérgica: os sintomas incluem rinorreia serosa, prurido nasal, espirros paroxísticos e obstrução nasal (como aspecto característico na ausência de processos infecciosos). A coexistência de sintomas oculares alérgicos (prurido ocular, hiperémia conjuntival, lacrimejo) apoia fortemente este diagnóstico. A variabilidade sazonal, bem como a relação com a exposição alergénica com agravamento no ambiente fora de casa é característica das polinoses.
Eczema atópico: surge, habitualmente, após os 3 meses de vida e caracteriza-se pelo prurido cutâneo intenso, que tipicamente se agrava após o banho, com a sudação e durante a noite, e pela distribuição e morfologia típica das lesões cutâneas, com evolução crónico-recidivante.
Alergia alimentar / medicamentosa: associação entre a ingestão de alimentos / fármacos e o aparecimento dos sintomas, de forma reprodutível após exposição. A forma de manifestação clínica mais frequente é mucocutânea, com urticária e angioedema; no entanto, reacções anafilácticas graves podem ocorrer.
Os alimentos mais frequentemente implicados em idade pediátrica no nosso país são o leite, o ovo e o peixe; o trigo, o amendoim, os frutos secos, os frutos frescos e o marisco são também importantes. Contudo, qualquer alimento pode estar envolvido, incluindo produtos muitas vezes encarados pelos pais / prestadores de cuidados como inofensivos, como é o caso de alguns tipos de fórmulas lácteas, ou produtos contaminados por alergénios alimentares ocultos, cujos vestígios podem passar despercebidos.
Em relação aos fármacos, em idade pediátrica, destacam-se os antibióticos, particularmente beta-lactâmicos, e os anti-inflamatórios não esteróides.
Exame físico
O carácter intermitente das doenças alérgicas, de um modo geral, determina que na maioria das vezes o exame físico da criança seja normal. Alguns sinais e sintomas característicos, podendo ser detectados ao realizar o exame físico, e descritos de modo sucinto neste capítulo, integram entidades clínicas bem individualizadas, sendo abordados ulteriormente de modo mais pormenorizado noutros capítulos.
Asma: durante uma exacerbação pode verificar-se taquipneia, utilização dos músculos acessórios da respiração, hiperinsuflação torácica, prolongamento do tempo expiratório e sibilos na auscultação pulmonar; situações mais graves podem cursar com cianose, diminuição generalizada do murmúrio vesicular e alterações do estado de consciência.
Rinite alérgica: fácies característica da criança com obstrução nasal crónica, com respiração oral com boca entreaberta, existência de prega atópica nasal e olheiras; a observação das fossas nasais permite-nos visualizar habitualmente, para além da rinorreia aquosa, hipertrofia e palidez da mucosa dos cornetos inferiores (ver adiante).
Conjuntivite alérgica: são aspectos característicos a hiperémia e a quemose (edema) conjuntivais, secreção serosa e frequentemente edema palpebral, habitualmente bilateral; a observação da conjuntiva tarsal pode evidenciar a presença de papilas.
Rinoconjuntivite: situação em que há sintomas de reacção de hipersensibilidade mediada imunologicamente com tradução clínica nas fossas nasais e conjuntiva, na maioria das vezes mediada por IgE.
Urticária e angioedema e anafilaxia: com uma base fisiopatológica comum, estas situações são abordadas com mais pormenor no capítulo dedicado à alergia de expressão cutânea.
Exames complementares de diagnóstico in vivo
Testes cutâneos
Os testes cutâneos por picada ou “prick” constituem o método diagnóstico de eleição para avaliação da presença de sensibilização alergénica, inclusive em idade pediátrica, pela facilidade de execução, rapidez de obtenção de resultados, segurança, baixo custo e elevada sensibilidade. No entanto, contrastando com a facilidade de execução, estes testes podem ser influenciados por diversos factores, pelo que é imprescindível que a sua interpretação seja efectuada por especialista e que sejam realizados com uma metodologia correcta, obedecendo a normas padronizadas.
A utilização dos testes cutâneos por picada permite a identificação, se existente, do alergénio sensibilizante. A introdução do alergénio na camada superficial da pele leva ao aparecimento de uma reacção imediata, dependente da desgranulação dos mastócitos e envolvendo também factores neurogénicos, com libertação de histamina e outros mediadores originando uma resposta de pápula e eritema. Esta resposta visível é máxima aos 15 minutos, regredindo habitualmente aos 30 minutos.
Os testes cutâneos podem ser influenciados por uma série de variáveis, que podem determinar os resultados e condicionar a precisão dos mesmos, tais como: factores técnicos, factores biológicos e factores externos não alérgicos. Os factores técnicos estão relacionados com a preparação do alergénio (potência, qualidade, composição e estabilidade) e com a metodologia do teste. Os factores externos não alérgicos incluem fármacos, como anti-histamínicos, e condições patológicas intercorrentes, como neoplasias, infecções e exacerbação de eczema, que podem inibir a reactividade cutânea. Os factores biológicos incluem a idade do indivíduo e a variação sazonal relacionada com a exposição alergénica.
A selecção dos extractos alergénicos a utilizar deve estar de acordo com a história clínica e a frequência de sensibilizações alergénicas na população. Na nossa população os alergénios mais importantes são os ácaros do pó (Dermatophagoides pteronysinus, Dermatophagoides farinae e Lepidoglyphus destructor). Outros aeroalergénios comuns poderão estar implicados, nomeadamente pólenes de gramíneas, parietária / outras herbáceas e de árvores localmente relevantes, animais, particularmente gato, cão, baratas e fungos (Alternaria, Arpergillus e Cladosporium).
Podem ainda ser incluídos outros testes segundo a localização geográfica ou em presença de dados particulares fornecidos pela história clínica. Habitualmente, através da utilização de um número limitado de aeroalergénios comuns é possível confirmar ou excluir a presença de atopia. A evidência de sensibilização alergénica foi identificada em vários estudos prospectivos como factor de risco de persistência da sintomatologia respiratória, isto é, de asma activa em idade escolar, com elevado valor preditivo positivo, com valor diagnóstico e prognóstico da asma na criança.
Assim, o factor etário não deve ser um factor limitante para a execução dos testes cutâneos na criança, devendo, pelo contrário, ser considerados como rotina na investigação de atopia. Os testes cutâneos por picada negativos permitem excluir a presença de atopia e, deste modo, evitar a utilização de medidas de evicção de alergénios não apropriadas. Apesar de identificarem a sensibilização a determinado alergénio, os testes cutâneos não permitem avaliar a sua relevância clínica se valorizados independentemente da história clínica. A presença de testes cutâneos positivos em pacientes assintomáticos pode ser factor de risco de início de sintomatologia alérgica, mas não identificam, por si só, doença. Ou seja, os conceitos de sensibilização alergénica, ou atopia, e doença alérgica são distintos e independentes. No entanto, na presença de clínica sugestiva, a relação entre os testes cutâneos por picada positivos e as provas de provocação específicas é altamente significativa. Os testes cutâneos com painel de aeroalergénios é fundamental para a avaliação do doente com alergia respiratória, asma e/ou rinite, ou alergia ocular.
Na alergia alimentar os testes cutâneos devem ser realizados com os alergénios alimentares identificados como suspeitos pela história clínica. Os alergénios alimentares mais frequentemente implicados variam com a população e a região geográfica estudada. Na nossa população, em idade pediátrica, o leite e o ovo são os mais importantes, seguidos do peixe, trigo, amendoim e frutos secos. Os referidos testes apresentam um excelente valor preditivo negativo, mas menor valor preditivo positivo, pelo que, exceptuando os casos em que haja uma íntima associação entre a ingestão do alimento e o aparecimento das queixas ou uma reacção anafiláctica grave, a positividade dos mesmos apenas serve para seleccionar os alimentos com os quais deverão ser efectuadas provas de provocação. A utilização de testes cutâneos com o alimento na forma natural pode ser necessária em algumas situações, particularmente na suspeita de alergia a frutos frescos, legumes e marisco, quando persistir a suspeita clínica, e o extracto comercial não estiver disponível ou for negativo.
Os testes cutâneos intradérmicos são mais invasivos, e menos específicos; de salientar o risco de ocorrência de reacções adversas graves durante a sua execução, o que contra-indica a sua utilização por rotina e em centros não especializados. A sua utilização deve ser reservada a situações para avaliação de alergia medicamentosa, como na suspeita de alergia à penicilina, e alergia a veneno de himenópteros, nomeadamente abelha e vespa. Estes testes apresentam um elevado valor preditivo negativo, ou seja, quando negativos permitem excluir a presença de sensibilização IgE mediada, na grande maioria dos doentes.
Caso não seja possível a realização dos testes cutâneos, esteja limitada a sua interpretação por existência de dermografismo, de diminuição da reactividade cutânea, ou seja, necessário o esclarecimento de casos discordantes ou duvidosos, deverá ser efectuada a determinação sérica de IgE específicas. No entanto, salienta-se, a menor sensibilidade diagnóstica e o custo mais elevado dos testes in vitro (Quadro 1).
QUADRO 1 – Testes cutâneos por picada e testes séricos de IgE específica: vantagens
Testes cutâneos (in vivo) | Testes séricos de IgE específica (in vitro) |
Económicos | Independentes da interferência de fármacos que inibem a reactividade cutânea |
Resultados imediatos | Não influenciados por dermografismo ou doenças cutâneas |
Valor educacional | Totalmente seguros |
Maior sensibilidade | Maior especificidade |
Exames complementares in vivo em situações específicas
Asma
A realização de provas de função respiratória é fundamental para confirmar o diagnóstico, para seguimento e monitorização terapêutica e para avaliação de casos de apresentação atípica. As mesmas permitem quantificar as repercussões funcionais ao nível das vias aéreas.
Existe uma panóplia de provas de função respiratória disponíveis; as mais comummente utilizadas na prática clínica são a espirometria e a pletismografiacorporal. A espirometria, incluindo a realizada em idade pré-escolar, avalia a existência e grau de obstrução brônquica, bem como a sua reversibilidade após inalação de broncodilatador; deve ser o exame de primeira linha. A pletismografia corporal permite a determinação da resistência das vias aéreas e dos volumes pulmonares, avaliando o grau de insuflação pulmonar, só sendo possível efectuar a partir da idade escolar. Em idade pré-escolar apenas é possível quantificar a resistência específica das vias aéreas (as crianças não toleram o encerramento da válvula do pneumotacógrafo, sendo impossível medir volumes estáticos); valores elevados são preditivos de asma.
Provas de provocação brônquica: no período intercrítico, a avaliação funcional respiratória da criança asmática apresenta-se frequentemente dentro de parâmetros de normalidade e, muitas vezes, para confirmar o diagnóstico de asma, há que recorrer a provas de broncomotricidade, as quais podem ser broncodilatadoras ou broncoconstritoras.
A prova de broncodilatação é habitualmente efectuada no decurso do estudo da função respiratória, por espirometria ou pletismografia corporal. Nesta prova avalia-se o grau de reversibilidade, 15 minutos após inalação de um β2-agonista de curta acção. Considera-se a prova positiva quando há um aumento do FEV1 (volume expiratório máximo no primeiro segundo) de ≥ 12% e ≥ 200mL em relação ao valor basal. A existência de uma prova positiva permite confirmar o diagnóstico clínico de asma.
Em doentes com sintomatologia atípica, quando os parâmetros funcionais são normais, para demonstrar a existência de hiperreactividade brônquica, recorre-se a provas broncoconstritoras.
A prova de esforço é particularmente importante, pela fácil exequibilidade e por apresentar uma elevada especificidade para o diagnóstico de asma, nomeadamente na criança, permitindo se positiva (ou seja, quando ocorre uma redução do FEV1 ≥ 10% após a realização do esforço normalizado) confirmar o diagnóstico.
A prova da metacolina apresenta uma baixa especificidade, sendo positiva em várias situações que apresentam hiperreactividade brônquica tais como fibrose quística, bronquiectasias, insuficiência cardíaca e infecções víricas. Salienta-se, no entanto, o seu elevado valor preditivo negativo. Esta prova considera-se positiva quando ocorre uma redução do FEV1 ≥ 20%. Outras provas de provocação avaliam a hiperreactividade brônquica a estímulos como a água destilada, soluções hiperosmolares como o manitol e hiperventilação de ar seco e frio. A prova de provocação brônquica com alergénio não é habitualmente utilizada, excepto em estudos de investigação; só deve ser efectuada em circunstâncias especiais e em ambiente hospitalar, pois desencadeia uma resposta imunológica imediata e tardia, com riscos acrescidos.
A asma brônquica é uma doença inflamatória crónica. Partindo desta premissa, existem técnicas que avaliam o grau de inflamação, tais como óxido nítrico, análise do esputo induzido e condensados exalados, e até mesmo estudos mais elaborados de metabolómica. De entre estes, a avaliação do óxido nítrico é a única utilizada na prática clínica, pela sua fácil execução e interpretação, estando os valores elevados de óxido nítrico associados a uma boa resposta à terapêutica anti-inflamatória com corticosteróides inalados.
Rinite alérgica
Em situações de rinite de difícil controlo sintomático, como critério de exclusão, poder-se-á complementar a avaliação por endoscopia nasal, no diagnóstico diferencial das causas de obstrução nasal fixa; e por estudo imagiológico, nomeadamente tomografia computorizada das fossas nasais e seios perinasais nas formas de rinossinusite de difícil tratamento médico. Actualmente considera-se não existir utilidade da radiografia dos seios perinasais.
Em alguns casos podem realizar-se provas de provocação específicas, nomeadamente nasais e conjuntivais, com o alergénio suspeito, mas habitualmente a sua utilização é limitada a estudos de investigação. De igual modo, podem ser realizadas rinomanometrias de modo a avaliar, pontualmente nos casos refratários à terapêutica ou em investigação, a permeabilidade das fossas nasais.
Eczema atópico
Em algumas situações, nomeadamente no caso de haver suspeita de dermatite de contacto, poderá efectuar-se a realização de testes epicutâneos (testes empregando adesivo ou patch). Nos casos em que a suspeita de alergia alimentar é pertinente, deve proceder-se a dietas de exclusão e a provas de provocação oral para excluir ou confirmar o diagnóstico.
Alergia Alimentar / Medicamentosa
Provas de provocação oral com alimentos / fármacos: são administradas por via oral doses crescentes do alergénio suspeito em intervalos regulares, até ao aparecimento de reacção, ou até ser atingida uma dose cumulativa correspondente à quantidade ingerida habitualmente numa refeição, ou à dose terapêutica diária, consoante se trate de prova de provocação alimentar ou medicamentosa. Na criança, habitualmente, são realizadas segundo um protocolo aberto; no entanto, em determinadas situações, nomeadamente se as queixas referidas forem subjectivas, poderá justificar-se a utilização de protocolo com ocultação. Estas provas são utilizadas para confirmação ou exclusão do diagnóstico de alergia alimentar ou medicamentosa. Estes procedimentos só devem ser realizados em ambiente hospitalar, geralmente em regime de hospital-de-dia, tendo disponíveis os meios terapêuticos necessários para a eventualidade de reacção sistémica, com a supervisão de especialistas experientes nesta área.
Na abordagem da alergia alimentar em idade pediátrica, habitualmente transitória, as provas de provocação, para além da finalidade diagnóstica, são imprescindíveis para determinar o momento em que se obtém a tolerância ao alimento; neste caso, a calendarização das provas deve ser feita tendo em conta o quadro clínico apresentado, o conhecimento existente sobre a história natural da sensibilização ao alimento implicado, e a evolução dos níveis de IgE específica sérica.
Alergia ao látex
Pode ser efectuada, em casos seleccionados, prova de provocação por contacto quando exista dúvida clínica, para distinguir entre existência de sensibilização assintomática e alergia ao látex. A prova mais utilizada é o teste de uso com luva de látex. Esta prova acompanha-se de risco de reacção sistémica.
Urticária ao frio
O teste do cubo de gelo é realizado pela aplicação do estímulo frio (0 a 4ºC) na face anterior do antebraço por um tempo sequencial que pode ir de 3 até 20 minutos de estimulação, até obtenção da resposta positiva (pápula). Esta prova acompanha-se de risco de reacção sistémica.
Exames complementares de diagnóstico in vitro
IgE total
O doseamento da IgE total sérica é um teste de baixa especificidade e sensibilidade no diagnóstico da doença alérgica. Para a generalidade dos autores, e de acordo com estudos efectuados em pares de gémeos, a síntese de IgE total terá um determinismo essencialmente genético; a síntese de IgE específica será fundamentalmente influenciada pela exposição ambiental. Apesar de intimamente relacionada com a doença alérgica, a determinação da IgE total sérica tem um interesse relativo quando avaliada isoladamente, podendo estar elevada por várias razões, nomeadamente nas parasitoses, na aspergilose pulmonar, na síndroma hiper-IgE ou associada ao tabagismo.
A concentração de IgE total varia com a idade. É um teste de baixo custo e rápido. No entanto, o facto de uma determinação de IgE total evidenciar valores normais não significa que não haja aumento de alguma IgE específica nem que seja excluída doença alérgica. Alguns estudos prospectivos têm documentado para este teste, um maior valor prognóstico do que diagnóstico, nomeadamente na criança asmática.
Os níveis de IgE total no cordão umbilical foram propostos e utilizados como factor preditivo da ocorrência de doença alérgica. Este entusiasmo inicial não foi, no entanto, apoiado por estudos mais recentes, revelando-se um método pouco sensível; por outro lado não permite também prever o tipo de doença alérgica.
IgE específica
A identificação do alergénio suspeito, para além de poder ser efectuada pelos testes cutâneos (in vivo), pode também ser efectuada por métodos in vitro, que permitem determinar as concentrações de IgE específica para um determinado alergénio (Quadro 2).
A presença de IgE específica para um alergénio, por si só, não pode ser usada para o diagnóstico de doença mediada por IgE porque a verificação de IgE específica sérica não significa que a criança seja necessariamente alérgica, podendo traduzir uma sensibilização assintomática. A situação deve ser sempre interpretada em conjunção com a história clínica.
A IgE específica não é um bom método de rastreio, sendo os respectivos custos muito elevados. O doseamento de IgE específicas séricas deveria estar reservado para uma avaliação mais diferenciada, tendo em conta a história clínica e o resultado dos testes cutâneos. Esta determinação é extremamente importante em determinadas situações (Quadro 3), nomeadamente: na monitorização de imunoterapia específica; na alergia alimentar, para controlo do correcto cumprimento da dieta e para avaliar o grau de tolerância, diminuindo o risco de provas de provocação positivas; e na suspeita de alergia a veneno de himenópteros e penicilina, alergénios com risco acrescido na realização dos testes cutâneos (intradérmicos).
Os alergénios também se têm desenvolvido quer em variedade, quer em qualidade, de modo a limitar a ocorrência de perda de constituintes essenciais durante o processo de fabrico, sendo os alergénios recombinantes um bom exemplo desta evolução.
QUADRO 2 – Resultados quantitativos e qualitativos de IgE específica
Resultados quantitativos (kU/L) | Resultados semi-quantitativos (classes) | Resultados qualitativos |
< 0,35 | 0 | Ausente ou indetectável |
0,35 a 0,70 | 1 | Baixo |
0,71 a 3,50 | 2 | Moderado |
3,51 a 17,50 | 3 | Alto |
17,51 a 50,0 | 4 | Muito alto |
50,01 a 100 | 5 | Muito alto |
> 100 | 6 | Muito alto |
QUADRO 3 – Testes séricos de IgE específica (in vitro)
· Dermografismo ou doenças cutâneas, com limitação na interpretação dos testes cutâneos |
· Testes cutâneos duvidosos ou negativos com forte suspeita clínica |
· Alergénios com risco da realização de testes cutâneos (intradérmicos) |
· Avaliação de resultados da evicção alergénica / Controlo do grau de evicção do alergénio |
· Avaliação do grau de tolerância / Decisão de realização de provas de provocação |
· Monitorização da imunoterapia específica |
Painéis de alergénios múltiplos
São testes de rastreio, constituídos por uma mistura de vários alergénios definida pelo fabricante. Existem painéis para alergénios inalantes, como o Phadiatop® (mistura de aeroalergénios comuns, incluindo ácaros, pólenes, fungos e epitélios de gato e cão) e painéis para alergénios alimentares, do qual o mais utilizado na criança é o Fx5® (que inclui leite de vaca, clara de ovo, bacalhau, trigo, amendoim e soja) da Thermo Fisher Scientific. Tendo em conta os valores de sensibilidade, especificidade e valor preditivo negativo, consideramos estes testes bons métodos de rastreio, podendo ser utilizados em consultas não especializadas. Os mesmos proporcionam uma informação global, qualitativa, em termos de resultado positivo ou negativo.
Detecção múltipla de IgE específicas – tecnologia microarray
Mais recentemente surgiu a possibilidade de avaliar simultaneamente numa mesma amostra de sangue a presença de anticorpos IgE para um painel fixo de 112 componentes de 51 fontes alergénicas diferentes, na sua forma nativa ou recombinante, através do ImmunoCAP ISAC® (Thermo Fisher Scientific) utilizando a técnica de microarray em alergologia molecular.
O ImmunoCAP ISAC® é a primeira ferramenta de diagnóstico in vitro multiplex que se baseia exclusivamente em componentes alergénicos. Permite, usando uma quantidade mínima de soro, identificar os componentes alergénicos para os quais o doente está sensibilizado, e determinar reactividades cruzadas potenciais com base em epítopos homólogos.
Salienta-se que estão disponíveis no mercado alguns testes, designados de intolerância alimentar, que são publicitados erradamente como úteis para o diagnóstico de alergia alimentar. Estes ensaios baseiam-se na quantificação de anticorpos IgG dirigidos para alimentos e não têm qualquer validade para o diagnóstico de alergia alimentar. De facto, a Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica e a Academia Europeia de Alergologia e Imunologia Clínica já emanaram comunicados que salientam a inutilidade destes ensaios.
Marcadores de inflamação
A introdução de novas tecnologias permitiu o desenvolvimento de métodos para avaliação da libertação de mediadores produzidos pelas células intervenientes na inflamação alérgica, incluindo: ECP (proteína catiónica dos eosinófilos); triptase sérica; TAB (teste de activação de basófilos); CAST (teste celular de estimulação antigénica); formas solúveis de moléculas de adesão como ICAM-1 e VCAM-1; citocinas de perfil Th2 como IL-4 e IL-13. O estudo de mediadores e da sua determinação como marcadores de inflamação constitui um dos campos florescentes da investigação imunoalergológica. A sua utilização é habitualmente restrita a estudos de investigação, sendo potenciais instrumentos para o diagnóstico, monitorização e prognóstico das doenças alérgicas.
Pela sua importância em termos clínicos, salienta-se a determinação da triptase sérica. A triptase pode confirmar o diagnóstico de anafilaxia, pelo que o seu doseamento terá importância no serviço de urgência, durante a reanimação ou mesmo no estudo de casos fatais. A sua utilização poderá ainda ter interesse na monitorização de provas de provocação. Deve salientar-se, porém, que o seu aumento pode estar associado a mastocitose sistémica ou a doenças hematológicas, e que um doseamento de triptase sérica normal não excluiu o diagnóstico de anafilaxia.
No domínio da investigação da alergia medicamentosa e alimentar têm sido publicados vários estudos que demonstram a importância do TAB para a avaliação de reacções alérgicas a fármacos e alimentos, não mediadas por IgE, mas sim mediadas por células, permitindo em alguns casos obviar a realização de provas de provocação.
BIBLIOGRAFIA
Boner A, Carlsen KH, Eigenmann PA, Frischer T, Götz M, et al. Diagnosis and treatment of asthma in childhood: a PRACTALL consensus report. Allergy 2008;63:5-34
Borrego LM, Tavares-Ratado P. Diagnóstico da Doença Alérgica. In Taborda-Barata L (ed). Fundamentos de Imunoalergologia – Da Epidemiologia ao Tratamento. Lisboa: Lidel; 2011: 61-71
Borrego LM, Stocks J, Almeida I, Antunes P, Leiria-Pinto P, Rosado-Pinto J, et al. Bronchodilator responsiveness and repeatability of spirometry in asthmatic preschool children. Arch Dis Child 2013; 98:112-117
Crapo RO, Casaburi R, Coates AL, Enright PL, Hankinson JL, Irvin CG, et al. Guidelines for methacholine and exercise challenge testing. American Thoracic Society /Board of Directors, July 1999. Am J Respir Crit Care Med 2000;161:309 -329
Cockcroft D. Provocation tests. In Manual of Asthma Management. O’ Byrne PM, Thomson NC (eds). Philadelphia: Saunders; 2001: 91-99
Gaspar A, Faria E. Alergia ao látex. Rev Port Imunoalergologia 2012;20:173-192
Global Strategy for Asthma Management and Prevention, Global Initiative for Asthma (GINA) 2015. Available from: http://www.ginasthma.org
Hall S, Agrawal DK. Key mediators in the immunopathogenesis of allergic asthma. Int Immunopharmacol 2014; 23: 316-329
Hamilton RG, Adkinson NF Jr. In vitro assays for the diagnosis of IgE-mediated disorders. J Allergy Clin Immunol 2004; 114: 213-225
Lopes I, Fernandes JG, Loureiro V, Matos V. Diagnóstico de asma na criança e os exames complementares. In A Criança Asmática no Mundo da Alergia. Rosado Pinto J, Morais de Almeida M (eds). Lisboa: Euromédice; 2003: 119-228
Morais-Almeida M, Gaspar A, Pires G, Prates S, Rosado-Pinto J. Risk factors for asthma symptoms at school age: an 8-year prospective study. Allergy Asthma Proc 2007; 28:183-189
Muraro A, Agache I, Clark A, Sheikh A, Roberts G, Akdis CA, Borrego LM, et al. EAACI food allergy and anaphylaxis guidelines: managing patients with food allergy in the community. Allergy 2014;69:1046-1057
Pellegrino R, Viegi G, Brusasco V, Crapo RO, Burgos F, Casaburi R, et al. Interpretative strategies for lung function tests. Eur Respir J 2005; 26: 948-968
Roberts G, Xatzipsalti M, Borrego LM, Custovic A, Halken S, Hellings PW, et al. Paediatric rhinitis: position paper of the European Academy of Allergy and Clinical Immunology. Allergy 2013;68:1102-1116
Santa Marta C, Pereira C. Síndrome de eczema / dermatite atópica. In A Criança Asmática no Mundo da Alergia. Rosado Pinto J, Morais de Almeida M (eds). Lisboa: Euromédice, 2003:421-431
Silva D, Gaspar A, Couto M, Morais-Almeida M. Anafilaxia em idade pediátrica: Do lactente ao adolescente. Rev Port Imunoalergologia 2013; 21:157-175.
Todo-Bom A, Gaspar A, Loureiro C, Nunes C, Chieira C, Pinto H, et al (eds). Mapa Acarológico de Portugal. Barcelona: Elsevier España, 2011