“It´s time to develop multimedia-based interactive training modules that provide really good simulations of possible experiences in a manner similar to the training and recertification of airline pilots”.

Fanaroff AF,1999.

Introdução

As metodologias e estratégias no âmbito da Educação Médica evoluíram muito nos últimos 40 anos. Com efeito, tem-se assistido a um verdadeiro movimento renovador com base em estudos científicos cuja liderança tem cabido a vários centros dos EUA, Reino Unido, Holanda, Suécia, Canadá e Austrália. Na Europa, entre outros centros pioneiros, Maastricht na Holanda e Dundee na Escócia, podem ser considerados exemplos paradigmáticos de excelência.

Nesta perspectiva, chamando-se a atenção para as potencialidades das novas tecnologias, têm sido preconizadas mudanças curriculares clamando maior efectividade dos programas formativos, designadamente no período da pré-graduação.

Cabe, a este respeito, uma referência especial aos seguintes documentos: Tomorrow´s Doctors (versões de 1993 e 2003) sob os auspícios do General Medical Council (GMC), Declaração de Edimburgo (1988), Iniciativa de Lisboa (1988) e às conclusões do evento World Summit on Medical Education em 1994. Dos mesmos resultaram determinadas recomendações, salientando as relacionadas com os seguintes tópicos:

  • Programas formativos em torno de problemas clínicos;
  • Programas formativos chamados “em espiral” cuja ideia principal é a de que um mesmo conteúdo deve ser apresentado de modo progressivo, em diferentes níveis de complexidade crescente, para melhor compreensão da sua aplicação à prática. Tal implica um esquema organizativo muito rigoroso, o qual pode ser consubstanciado na criação de áreas pedagógicas “em rede” ou agrupamento harmonioso de conteúdos, em contraposição ao aglomerado de disciplinas em compartimentos estanques em que se verifica maior probabilidade de repetições, com inconvenientes óbvios, designadamente quanto à gestão do tempo lectivo;
  • Participação dos alunos em projectos de investigação, sendo desejável o contacto com centros de investigação e personalidades ligadas a esta área;
  • Contacto, desde os primeiros anos do curso, com a futura realidade profissional em diferentes ambientes em que se poderá processar a prática clínica (infantários, escolas, centros de assistência à terceira idade, centros de saúde, escolas, visitas domiciliárias, etc.);
  • Programas utilizando a simulação em diversas modalidades associada aos métodos clássicos.

O objectivo deste capítulo é a abordagem de aspectos essenciais da “Simulação aplicável à Clínica Pediátrica” como estratégia de treino clínico tendo em vista a aquisição de competências técnicas e não técnicas.*

    • No texto, os: vocábulos “ensino-aprendizagem”, “ensino” e “aprendizagem” são por vezes utilizados indiferentemente.
    • Considerou-se a seguinte definição de competência: capacidade para a realização de determinadas tarefas com base em conhecimentos, atitudes, aptidões e valores. De acordo com Englander et al [2017]: “Competency An observable ability of a health professional related to a specific activity that integrates knowledge, skills, values, and attitudes. Since competencies are observable, they can be measured and assessed to ensure their acquisition. Competencies can be assembled like building blocks to facilitate progressive development”.
    • O inglesismo skill foi considerado como noção ligada a perícia, habilidade, destreza.

Simulação aplicada à Medicina

Em Medicina, o treino para aquisição de skills implica a “utilização” de seres humanos, adultos ou crianças, saudáveis ou doentes, cujas manifestações traduzem grande variabilidade de fenómenos biológicos.

Imperativos éticos e certos condicionalismos actuais relacionados, quer com novas regras de governação, quer com novos paradigmas assistenciais (de que são exemplo os internamentos de duração cada vez mais curta) limitam significativamente as oportunidades de treino para a aquisição das referidas competências.

Exemplificando com a situação clínica de meningite, comprova-se que as oportunidades de um interno de uma especialidade médica fazer uma punção lombar são escassas e, mais escassas são para alunos no âmbito do ensino pré-graduado.

Nesta perspectiva, surgiu o conceito de ensino – aprendizagem através do treino baseado na simulação.

Simular é, como se sabe, imitar ou fingir, fazendo parecer real o que não é. Tal conceito tem sido aplicado com objectivos educativos em áreas profissionais muito diversas; cita-se como exemplo clássico o treino dos pilotos da aeronáutica militar e civil desde há mais de 80 anos, utilizando simuladores de voo, não só para aprendizagem e aperfeiçoamento do desempenho em situações reais, mas também para avaliação do desempenho e recertificação periódica.

Considerando a área da clínica pediátrica, as capacidades a adquirir podem ser de âmbito:

  • Não técnico, compreendendo quer aspectos cognitivos (relacionados com conhecimentos fundamentais para a interpretação de dados clínicos), quer comportamentais (em relação com atitudes, tais como comunicação, liderança, atenção, trabalho de equipa, etc.);
  • Técnico, compreendendo aspectos psicomotores (gestos, habilidades, procedimentos ou técnicas em relação com o manejo de diverso equipamento com destreza).

Em Medicina, o desenvolvimento da área de treino baseado em simulação tem sido lento. Efectivamente, foi nas últimas quatro décadas que se verificou o maior impulso na sequência de estudos de validação científica comprovando boa relação custo-efectividade em termos de desempenho profissional futuro.

Porém, tal área de treino deverá ser encarada como complemento do treino clínico de proximidade, à cabeceira do “doente “real”. Assim, através da simulação em ambiente fictício, o praticante poderá cometer erros e corrigi-los, o que se afigura de grande utilidade: o objectivo último é saber estar e saber fazer bem, de modo correcto, o que garantirá a segurança do doente em situações reais futuras.

Assim a concretização dum programa de simulação obrigará, pois, a três requisitos fundamentais:

  • Condições logísticas que permitam criar um cenário, o mais aproximado possível da realidade;
  • Equipa treinada de formadores;
  • Equipamento para a simulação.

Âmbito da Simulação

Em Medicina o âmbito da simulação é lato, podendo abranger diversos cenários ou modalidades de treino de competências. Na sua forma mais simples e primitiva pode ser considerado acto de simulação o treino clássico na realização de determinadas tarefas ou procedimentos, com ou sem instrumentos, discriminados adiante, na alínea “Simulação aplicada ao ensino da Pediatria”.

Como modalidade clássica mais antiga de simulação, ainda hoje utilizada, remontando a séculos, cita-se a dissecção de cadáveres humanos e de animais como forma de treino em técnicas cirúrgicas.

Na década de 1960, a simulação começou a ter lugar na Medicina de Adultos com “doentes simulados”, ou seja, com pessoas treinadas (muitas vezes actores), para imitar situações clínicas diversas como expressão de dor com diversas localizações, tipos de tosse, dispneia, sibilância, estridor, crises epilépticas, abdómen agudo, etc.. Esta modalidade (Simulação com actores “doentes”, previamente treinados) permite igualmente o treino em comunicação.

Com o desenvolvimento da electrónica, dos sistemas multimédia e da criação das condições para a chamada “realidade virtual”, passou a ser possível utilizar programas de software permitindo obter treino em diversas áreas, nomeadamente em ventilação mecânica e na interpretação de casos clínicos, valorizando a semiologia e o treino em raciocínio clínico (Simulação baseada em computadores).

Ao mesmo tempo, a indústria passou a criar modelos com pormenores anatómicos e funcionais de grande minúcia (manequins simuladores) imitando fielmente o corpo humano, no todo ou em partes; inicialmente para treino de anestesistas, mais tarde passaram a ser utilizados para treino em reanimação básica e em procedimentos invasivos vários, como cateterismo, entubação traqueal, punção lombar, etc.. A chamada simulação híbrida congrega a combinação do cenário doentes actores com manequins simuladores.

Surgindo posteriormente a aplicação de programas de software aos manequins, entrou-se na era dos simuladores manequins de alta fidelidade ou baixa fidelidade, conforme o grau de sofisticação da tecnologia. Tais manequins robotizados, de corpo inteiro e assistidos por computador, adaptados à idade pediátrica, permitem reproduzir mais de uma centena de situações clínicas com fisiopatologia diversa.

Com a tecnologia que lhes serve de base, entre outras funcionalidades, executam movimentos de expansão e retracção torácica, cianose, palidez, sons e sopros cardíacos, pestanejo, adejo nasal, diversos tons de voz, diversos tipos de tosse, etc..

É igualmente possível observar o seu “comportamento” traduzido por efeitos ou “reacções” em função de determinadas intervenções terapêuticas ou procedimentos (correctos ou incorrectos); por exemplo, surgimento de cianose ou palidez, grito de dor, taqui ou bradicardia, etc.. É o caso dos simuladores designados por certas marcas de fabrico – SimMan (Laerdal Medical Corporation, Gatesville, USA) e por METI (Medical Educational Technologies Inc., Sarasota, USA).

Em suma, a tecnologia sofisticada passou a viabilizar manequins verdadeiramente “interactivos” com especial interesse, designadamente no treino em suporte básico e avançado de vida e em pneumocardiologia (Figura 1).

Outra modalidade é a chamada simulação baseada nas realidades virtual e virtual aumentada, com aplicação em diversos contextos, como no treino em técnicas cirúrgicas, designadamente em cirurgia laparoscópica. (pela particularidade da terminologia “realidade” no contexto deste capítulo, menos habitual, deverá consultar-se a caixa, a seguir à Figura 1).

1. Simuladores de baixa fidelidade

2. Simuladores de alta fidelidade

3. Tecnologia para realidade virtual

4. Modelos de treino de técnicas isoladas

5. Simulação baseada em computadores (software)

6. Simulação híbrida

7. Tecnologia para realidade aumentada

FIGURA 1 – Modalidades de utilização da Simulação em Medicina.

Realidade Virtual (RV): tecnologia que, através de instrumentos computacionais, permite “transportar” o utilizador para um ambiente virtual.
Realidade Aumentada (RA): tecnologia que, permitindo sobrepor elementos virtuais à nossa visão da realidade, combina imagens do mundo real com o mundo virtual; trata-se de conceito derivado do de Realidade Virtual.
Estas modalidades, implicando tecnologia dispendiosa, utilizam diversos dispositivos ou equipamento como “capacete” específico, monitores e dispositivo com formato de “óculos” associado a projector, etc..

Simulação aplicada ao ensino da Pediatria

Treino nas fases pré-clínica e de integração na prática clínica

Nas fases pré-clínica e de integração gradual na prática clínica do Mestrado Integrado em Medicina/MIM, de modo progressivo, para além do treino de atitudes, podem ser utilizados diversos tipos de manequins, assim como de aparelhos para o treino de técnicas e procedimentos. Especificando:

  • Prática correcta da lavagem das mãos em diversos ambientes;
  • Treino em comunicação: anamnese no contexto de casos clínicos simples recorrendo ao médico, incluindo situações de normalidade na perspectiva da prevenção e da informação clínica explicativa a familiares, etc.;
  • Utilização de manequins “anatómicos” como alternativa ao treino em cadáveres;
  • Medição da pressão arterial, treino em oftalmoscopia e otoscopia, manejo do oxímetro de pulso, etc.;
  • Inspecção e palpação de manequins exibindo diversa patologia (por ex. adenomegálias, globo vesical palpável, hepatosplenomegália, etc.);
  • Auscultação cardiopulmonar em manequim, aplicando tecnologia sofisticada assistida por computador (manequim de alta fidelidade);
  • Em ligação estreita ao relato de casos clínicos simples, observação de resultados imagiológicos em diversas idades incluindo o período pré-natal (fetos): por ex. de radiografia convencional, tomografia axial computadorizada, ressonância magnética, ecografia, etc.;
  • Entubações (gástrica, traqueal) em manequim;
  • Toque rectal e punção suprapúbica em manequim;
  • Aplicação de venoclise em manequim.

Treino na fase clínica do MIM, de pós-graduação e formação contínua

Nestes períodos da formação pediátrica, as áreas de treino, de execução mais complexa, incluem suporte básico e avançado de vida, assim como estabilização e transporte da criança gravemente doente. Eis os tópicos clássicos:

  • Prática na mudança de posição dos doentes simulados e transposição para macas ou camas;
  • Execução de determinados procedimentos utilizando partes de manequins convencionais (por ex. dorso, região dorso-lombar e região glútea para prática de punção lombar, membro superior para prática de venoclise ou cateterismo venoso, abdómen de recém-nascido para prática de cateterismo de artéria ou veia umbilical, abdómen e pelve para treino da manobra de Ortolani no recém-nascido, região vulvar e coxas com cabeça fetal em expulsão para compreensão da patogénese do traumatismo ocorrendo durante o trabalho de parto);
  • Prática de entubação traqueal e ventilação com pressão positiva intermitente, utilizando manequins clássicos;
  • Prática com desfibrilhador;
  • Programas estruturados de software em computador com sistemas áudio e vídeo, possibilidade de observação virtual do doente, discussão interactiva de casos clínicos, e avaliação final do desempenho;
  • Prática em manequins da alta fidelidade em centros de simulação (situações seleccionadas e adaptadas ao curriculum do MIM);
  • Programas de treino em reanimação e suporte avançado de vida como o EPLS (European Pediatric Life Support course ) ou de Reanimação Neonatal como o NLS (Neonatal Life Support) do ERC (European Resuscitation Council). Estes programas são considerados actualmente de referência e altamente recomendados no âmbito do Internato de Formação Específica em Pediatria e do Colégio da Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos. Desejável, contudo, é a inclusão nos programas já existentes de lista de técnicas e procedimentos, com aplicação de critérios de aprendizagem mensuráveis com base na simulação.

Nos EUA, o Accreditation Council for Graduate Medical Education (ACGME) e a Residency Review Committee (RRC) for Pediatrics recomendam a aquisição das referidas competências em reanimação, e doutras já citadas, através do ambiente simulado durante o internato de pediatria.
Também, no Canadá e na Austrália, o uso proficiente e apropriado de competências técnicas em procedimentos invasivos constitui um requisito de acreditação dos programas de treino no âmbito dos internatos de Pediatria.

Quer no período da pós-graduação, quer no da formação contínua, para além das diversas valências de treino discriminadas anteriormente, e em função das necessidades educativas do praticante discente, poderão ser desenvolvidas as seguintes áreas:

  • Técnicas endoscópicas com simuladores assistidos por computador, com especial interesse em Cirurgia, Otorrinolaringologia, Pneumologia, Gastrenterologia e Urologia. O simulador para laparoscopia, designadamente o denominado pela sigla MISTELS (McGill Inanimate System for Training and Evaluation of Laparoscopic Skills) utilizado na Universidade de McGill/Canadá-Montreal, permite o treino na aquisição de capacidades em laqueações, execução de nós e suturas, e coordenação olho-mão em executantes dextros e sinistros;
  • Prática com simuladores de doenças cardiovasculares e de situações de anestesia utilizando, quer sistemas multimédia assistidos por computador, quer manequins de alta fidelidade;
  • Prática de farmacoterapia utilizando programas assistidos por computador centrados em fisiologia e farmacologia humanas; com esta estratégia é possível avaliar, em doente virtual, respostas específicas a fármacos, utilizados correcta ou incorrectamente;
  • Prática com manequins de alta fidelidade.

Estratégias para a formação

Para garantir a rendibilidade da aprendizagem, importa salientar determinados requisitos de ordem geral (a adaptar em função dos cenários anteriormente explanados), salientando-se que deverá imperar a noção de versatilidade:

  1. Antes do treino de procedimentos propriamente dito (treino), o formador explicando pormenores sobre o treino, procede à distribuição de um guião explicativo a todos os praticantes integrando, designadamente, métodos e estratégias, videogramas, cronograma das sessões e respectivos objectivos educativos.
    Este passo, exemplificando situações concretas com que o discente praticante se irá confrontar, consubstancia a noção de Briefing ou Prebriefing, termos muito usados na gíria internacional.
    Nesta sessão prévia impõe-se igualmente abordar um tópico designado na gíria internacional pela sigla CRM (Crew Resource Management), exprimindo um conceito. Tal área do conhecimento (CRM) teve origem nos procedimentos preventivos levados a cabo pelas tripulações de aeronaves perante riscos e erros de comunicação susceptíveis de provocar desastres e tragédias (ver caixa).

O conceito CRM, dizendo respeito ao treino em competências não técnicas como complemento das técnicas, e na gestão dos recursos, pode ser assim esquematizado:

    • treino na aquisição de competências, designadamente de liderança, utilizando todos os recursos disponíveis, incluindo todas as pessoas envolvidas assim como os equipamentos utilizados;
    • treino na execução de procedimentos feitos em segurança e na resolução de problemas surgidos, admitindo a possibilidade de surgirem erros, o que exige atitude de alerta para a prevenção destes;
    • treino na identificação das limitações humanas e técnicas associadas ao sistema;
    • treino em comunicação com eficácia entre elementos da equipa e na relação médico-paciente-família.

 

  1. O treino de procedimentos inicia-se após a breve explicação prévia do formador: os praticantes reúnem-se em pequenos grupos (não mais do que 4 por tutor e, idealmente, aos pares) dispondo em geral de 10-15 minutos para a execução de cada.
    • Havendo mais do que uma sala, o material didáctico poderá ser disposto de modo sequencial, o que facilitará a aprendizagem.
    • A atitude dos praticantes em geral, deverá ser o mais aproximada possível da situação real (em cenário de “doente”/manequim, ou de “reunião” para discussão de casos assistidos por computador) em obediência às normas vigentes na instituição.
    • No âmbito da prática de procedimentos invasivos, a acção formativa deverá incluir:
    • o ritual do “contacto com o doente-família” para obtenção de consentimento esclarecido na perspectiva de treino de capacidades para a comunicação;
    • o ritual da assepsia exigida com a realização de gestos simples, mas fundamentais, como os da lavagem correcta das mãos e utilização de “bata esterilizada”, precedidos pela colocação de avental, barrete e máscara (tal como acontece em ambiente de “bloco operatório”, de “bloco de partos”, ou mesmo de enfermaria onde poderão ser realizados procedimentos invasivos).
  2. Terminada a sessão de treino, este é ulteriormente completado em sessão na sala de reuniões com discussão docente/ discente sobre o desempenho da cada praticante, documentado com gravação. Nesta parte da acção formativa são emitidas recomendações pelo tutor sobre o que se aprendeu e sobre aspectos a melhorar. Este passo corresponde, pois, a um balanço final reflexivo sobre as tarefas realizadas durante a simulação, na gíria internacional designado por Debriefing (ver caixa).

 

Notas sobre terminologia internacional

Briefing ou Prebriefing – Sessão informativa preparatória para todos os praticantes em treino, antecedendo a experiência de simulação. Liderada pelo coordenador responsável, o objectivo é esclarecer sobre os objectivos do cenário, incluindo orientações para o uso de equipamentos (manequins e simuladores em geral) e contexto clínico do paciente. São reforçados os seguintes pontos: – necessidade de criação de ambiente sério e formal de aprendizagem, conquanto acolhedor e não hostil; – confidencialidade; e – participação equitativa.

Debriefing – Actividade que ocorre posteriormente à experiência de simulação, com o objectivo de consolidação dos conhecimentos. Tratando-se dum balanço do que aconteceu durante o treino, o coordenador dá oportunidade aos praticantes para reflectirem sobre o respectivo desempenho, sugerindo a colocação de dúvidas e a menção de aspectos que necessitam de revisão.
Existem vários métodos de Debriefing, utilizados por diferentes escolas. Entre os mais conhecidos e utilizados, citamos apenas três exemplos com siglas que correspondem a variantes estruturadas: – RUST (Reaction, Understanding, Summarize, Take-Home Messages); – FFAST (Feelings, Facts, Activity, Summary, Take Home Messages); – OSAD (Objective Structured Assessment of Debriefing).

Centros de Simulação

Em certos países, em hospitais e universidades com recursos avultados, existem áreas específicas de dimensões variáveis com toda a logística inerente a um serviço ou unidade (secretariado, enfermaria convencional, gabinetes de consulta, unidade de cuidados intensivos, bloco operatório, bloco de partos, sala de reuniões, etc.) onde são concentrados todos os recursos para a simulação; todavia, em vez de doentes reais há manequins e equipamento acessório. Este contexto corresponde ao centro de simulação “ideal”, nem sempre exequível, pelos elevados custos envolvidos.

O recrutamento dos formadores poderá ser feito entre clínicos ou elementos de enfermagem (ou outros profissionais ligados à saúde) motivados para o ensino centrado na simulação e experientes quanto à realização de certas técnicas e ao manuseamento de certa aparelhagem. De salientar que o treino com manequins de alta fidelidade implica formação específica nesta área.

Para além do formador (ou formadores) e dos discentes praticantes, e não existindo “doentes reais” no ambiente criado, é suposta a colaboração doutras pessoas com diversas funções associadas ao processo de simulação: pessoal de secretaria, familiares ou pessoas simulando familiares, médicos e enfermeiros, etc.., outras. Existe, portanto, um cenário próprio, quase “teatral”.

No referido centro é possível, de modo integrado, o treino de todas as capacidades descritas nas alíneas anteriores, incluindo lavagem das mãos, uso de bata, máscara, barrete, luvas, elaboração de relatórios, exposição oral de casos à cabeceira do “doente” e na sala de reuniões, etc..

Reitera-se que o praticante é igualmente treinado a adoptar atitudes correctas aplicáveis a casos específicos e a comunicar com médicos, profissionais de saúde, pessoal de secretariado e familiares.

No que se refere à logística e a aspectos organizativos, importa salientar que a escolha do equipamento deverá ser muito criteriosa e adaptada à realidade de cada instituição.

Como se pode depreender, reunidas as condições indispensáveis para além do equipamento (referidas anteriormente – formadores treinados e espaço disponível), haverá que colher referências junto de instituições com experiência comprovada neste âmbito.

Numa fase inicial de arranque, deverá ser adquirido material e manequins para prática de procedimentos básicos e treino de capacidades considerados prioritários, sem a preocupação de criar centro sofisticado. Igualmente, antes da aquisição do material haverá que ponderar os custos com as reparações e a manutenção do mesmo.

Numa perspectiva económica de racionalização de recursos e de poupança, haverá que organizar o plano contando com material já não utilizável na prestação de cuidados a doentes reais, mas ainda adequados no contexto de simulação, desde que reunidas condições de segurança para formadores e praticantes.

A experiência de um centro de simulação de técnicas em Pediatria (**)

Desde 2001, por iniciativa de JMVA, com a colaboração de MTN, e em afiliação à Universidade Nova de Lisboa através da Faculdade de Ciência Médicas/ Nova Medical School, funciona num dos pavilhões do campus do Hospital Dona Estefânia, uma área designada Centro Universitário.

Neste, para além de salas polivalentes onde decorrem acções de formação teórico-práticas, seminários e reuniões assistidas por meios audiovisuais, computadores com acesso à internet e biblioteca, localiza-se um Centro de Simulação de Técnicas em Pediatria (CSTP), compreendendo sala de procedimentos, zona de lavagem e desinfecção das mãos e zona de armazenamento de equipamento. A equipa é constituída por elementos com formação em ensino por simulação, em número variável de acordo com as necessidades e a disponibilidade

(**) ABREVIATURAS: CSTP – Centro de Simulação de Técnicas em Pediatra; FCM/NMS/UNL – Faculdade de Ciência Médicas/Nova Medical School, da Universidade Nova de Lisboa; HDE – Hospital de Dona Estefânia, Lisboa; JMVA – João M. Videira Amaral; MTN – Maria Teresa Neto; PG – Pedro Garcia.

 

Os modelos disponíveis, representados na Figura 2, reproduzem de forma tão fidedigna quanto possível algumas das áreas anatómicas do corpo humano – cabeça e pescoço, boca, faringe e laringe (A), região abdominal, região umbilical neonatal com vasos umbilicais acessíveis (F), região lombo-sagrada para punção lombar (D), articulação coxo-femoral para manobra de Ortolani, membros superiores e inferiores (E) com componentes vascular e óssea e frascos com fluidos.

Existe também disponível o seguinte material, dum modo geral desactivado de diversas áreas assistenciais, tais como unidades de cuidados intensivos e bloco operatório: laringoscópios, tubos endotraqueais, máscaras laríngeas, insuflador manual auto-insuflável Sussex®, agulha intraóssea automática, cateteres venosos e arteriais umbilicais, material cirúrgico diverso (porta-agulhas, pinças, tesouras, pinças hemostáticas, etc.). Existe ainda material consumível diverso, tal como fios de sutura, cateteres, abocaths, agulhas, seringas e compressas.

Com os referidos modelos e material é propiciado o treino nos seguintes procedimentos e técnicas: estabelecimento de via aérea com máscara laríngea, tubo naso-faríngeo, entubação orotraqueal; ventilação com máscara e insuflador manual; cateterismo umbilical neonatal venoso e arterial; outros tipos de cateterismo venoso, periférico e central; estabelecimento de via emergente intraóssea; colheita de sangue venoso e arterial; punção lombar; limpeza e desinfecção de feridas; treino com material cirúrgico e suturas e drenagem de pneumotórax.

Figura 2 – Alguns dos modelos disponíveis no CSTP no Centro Universitário do Hospital de Dona Estefânia: modelo de estabelecimento da via aérea (A), modelos para punção venosa e arterial (B e E), instrumentos para suturas/ pequena cirurgia (C), modelo de punção lombar (D), modelo para canalização de artéria e veia umbilicais (F).
O CST tem vindo a crescer com a aquisição de novos modelos e substituição de outros, deteriorados pelo uso intensivo.

Nos primeiros anos, as acções de formação estiveram a cargo de um Professor (MTN). Desde 2011, o Coordenador responsável do CSTP é PG (Pedro Garcia), possuindo as seguintes competências: Tutor da FCM/NMS com Mestrado em Educação Médica, diferenciação em cirurgia e reanimação pediátrica e neonatal, e membro da Comissão de Reanimação do Hospital de Dona Estefânia, Lisboa.

Ao longo de cada ano lectivo, recebem aulas de simulação de técnicas em pediatria cerca de 280 alunos, no âmbito do ensino da Pediatria do 5ª ano do MIM. Durante todo o ano lectivo, são recebidos dois grupos de 6-7 alunos por semana para participação em aulas com duração médica de 2 horas.

A execução de cada técnica é precedida de um enquadramento teórico para a realização da mesma (Briefing) em função de cada caso clínico, indicações e fundamentação da mesma, exames complementares a solicitar, resultados esperados e sua interpretação.

Segue-se a descrição da técnica e a demonstração prática do procedimento por parte do docente, chamando-se a atenção para o conceito atrás definido de CRM.

Posteriormente, inicia-se o treino individual dos alunos praticantes, com supervisão directa do tutor, prevendo-se repetição, tantas as vezes quanto as necessárias. Salienta-se que a orientação do ensino de gestos é feita individualmente, com a preocupação da aprendizagem correcta de cada procedimento, o qual é repetido até o aluno “saber fazere, sobretudo,saber fazer bem”, em obediência ao referido conceito de CRM.

No fim de cada bloco é solicitada de modo informal, a cada estagiário, opinião reflexiva sobre a sessão concluída, enquadrada nesta área de aprendizagem (Debriefing).

As opiniões dos alunos sobre o treino centrado na simulação podem sintetizar-se nas seguintes ideias-chave:

  • Aprendizagem útil/muito útil;
  • Sugerida maior carga horária dedicada a esta actividade;
  • Necessidade de melhoria das instalações;
  • Necessidade de aquisição de modelos mais diversificados; e
  • Substituição dos modelos mais antigos e deteriorados;
  • Considerado como muito positivo o apoio e acompanhamento personalizado dos docentes até “os alunos saberem fazer bem”.

Conclusão

  • A aquisição de competências, técnicas e não técnicas, adoptando o treino baseado na simulação como complemento da prática convencional em pessoa real afigura-se de grande utilidade, o que é corroborado por estudos científicos de validação, evidenciando bons índices de custo-efectividade; tal noção aplica-se a diversas fases da diferenciação profissional: desde a pré-graduação, à pós-graduação e à formação contínua.
  • A simulação como método de ensino-aprendizagem pode ser considerada um acto de treino clínico (tão natural como a sessão em que se apresentam casos clínicos para discutir, a prática em consulta externa, ou a visita médica clássica nas enfermarias).
  • Em termos organizativos e de planeamento, importa uma referência aos custos médios inerentes a esta estratégia de ensino-aprendizagem: um manequim convencional para idade pediátrica (ou parte anatómica de manequim) poderá oscilar entre 800 e 4.000 euros (sendo que existem manequins para diversas idades), e o dum manequim de alta fidelidade (robotizado, agregando mecanismos de software assistidos por computador), entre 80.000 e 250.000 euros.

BIBLIOGRAFIA

Accreditation Council for Graduate Medical Education. ACGME outcome project. http:/www.acgme.org/outcome. [2020]

Accreditation Council of Graduate Medical Education. ACGME Program Requirements for Graduate Medical Education in Paediatrics [2013] https://www.acgme.org/acgmeweb/Portals/0/PFAssets/2013-PR-FAQ- PIF/320_pediatrics_07012013.pdf

Botella C, García-Palacios A, Villa H, Baños RM, et al. Virtual Reality Exposure in the Treatment of Panic Disorder and Agoraphobia: A Controlled Study. Clin Psychol Psychother 2007;14:164-175

Bradley P, Postlethwaite K. Simulation in clinical practice[editorial]. Medical Education 2003;37 Suppl 1: S1-5.

Carrillo-Alvarez A, Calvo-Macías C. Educación y robótica. Simulación médica en pediatría, un futuro prometedor. An Pediatr (Barc) 2008;68:541-543

Cavaleiro AP, Guimarães H, Calheiros FL. Training neonatal skills with simulators? Acta Pædiatrica 2009;98:636-639. DOI:10.1111/j.1651-2227.2008.01176.x

Cheng A, Grant V, Auerbach M. Using simulation to improve patient safety: dawn of a new era. JAMA Pediatr 2015;169:419-420. https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2014.3817

Cooper JB, Taqueti VR. A brief history of the development of mannequin simulators for clinical and education training. Qual Saf Health Care 2004; 13 Suppl 1: S11-S18

Cooke M, Irby DM, Sullivan W, Ludmerer KM. American medical education 100 years after Flexner report. N Engl J Med 2006;355:1339-1344

Dalley P, Robinson B, Weller J, Caldwell C. The use of high-fidelity human patient simulation and the introduction of new anesthesia delivery systems. Anesth Analg 2004;6:1737-1741

Diaz MCG, Dawson K. Use of simulation to develop a COVID-19 resuscitation process in a pediatric emergency department. Am J Infect Control 2020;48:1244-1247

Edward C. Better than reality? [augmented reality]». Engineering & Technology 2013;8:28-31. doi:10.1049/et.2013.0402

Englander R, Frank JR, Carraccio C, et al. Toward a shared language for competency-based medical education. Med Teach 2017;39:582-587

Friedrich MJ. Practice makes perfect: risk-free training with patient simulators. JAMA 2002;288:2808-2812

General Medical Council (GMC). Tomorrow’s Doctors. Recommendations on Undergraduate Medical Education. London: GMC; 2003

Genn JM. AMEE Medical Education Guide Nº 23 (Part 2). Curriculum, environment, climate, quality and change in medical education – a unifying perspective. Med Teach 2001;23:445-454

Harwayne-Gidansky I, Panesar R, Maa T. Recent advances in simulation for pediatric critical care medicine. Curr Pediatr Reports 2020 in Intensive Care Medicine. Cheung E, Connors T (eds). Zurich: Springer Nature Switzerland AG, 2020

Herling J, Broll W. Markerless Tracking for Augmented Reality. New York: Springer New York, 2011:255-272

Johnson EM, Hamilton MF, Watson RS, et al. An intensive, simulation-based communication course for pediatric critical care medicine (PCCM) fellows. Pediatr Crit Care Med. 2017 Aug;18 (8):e348–e355. doi: 10.1097/PCC.0000000000001241

Kemper PF, van Dyck C, Wagner C, et al. Implementation of Crew Resource Management: a qualitative study in 3 intensive care units. J Patient Safety 2017:13:223-231. doi: 10.1097/PTS.0000000000000145

Khan K, Pattison T, Sherwood M. Simulation in medical education. Med Teach 2011;33:1-3

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

Lateef F. Simulation-based learning: Just like the real thing. J Emerg Trauma Shock 2010;3:348-352

Lee-Jayaram JJ, Kunimune M, Hara KM, et al. Pediatric simulation training for emergency pre-Hhspital providers in Hawai: an inter-professional curriculum collaboration and update. Hawaii J Health Soc Welf 2020;79 (5 Suppl 1):13-18 

Malone MP, Stroud MH. Evaluation of a novel educational curriculum combining classroom-based lecture with high fidelity simulation for recognition and resuscitation of pediatric septic shock. Pediatrics July 2020; 146 (1 MeetingAbstract) 167; DOI: https://doi.org/10.1542/peds.146.1_MeetingAbstract.167 

McKittrick J, Allen M, Kinney S, Lima S. The first 3 minutes: effective team paediatric resuscitation training. Pediatr Crit Care Med 2014;15 (4 Suppl):16. doi:10.1097/01.pcc.0000448781.66934.3d

McLaughlin SA, Doezema D, Sklar DP. Human simulation in emergency medicine training: a model curriculum. Acad Emerg Med 2002;9:1310-1318

Neto MT, Garcia P, Videira-Amaral JM. Simulação e ensino-aprendizagem em Pediatria. IIª Parte: Experiência de um centro de simulação de técnicas. Acta Pediatr Port 2010;41:144-148

Netto AV, Machado LS, Oliveira MCF. Realidade Virtual – Definições, Dispositivos e Aplicações. Rev Eletr Iniciação Científica – REIC (Porto Alegre) 2002;2:70-89

Ojha R, Liu A, Rai D, Nanan R. Review of simulation in Pediatrics: The evolution of a revolution. Front Pediatr 2015;3:106. Doi: 10.3389/fped.2015.00106

Okuda Y, Bryson EO, DeMaria Jr S, Jacobson L, et al. The utility of simulation in medical education: what is the evidence? Mt Sinai J Med 2009;76:330-343. doi: 10.1002/msj.20127

Pimentel K, Teixeira K. Virtual Reality – Through the New Looking Glass. New York: McGraw-Hill, 1995

Powell DE, Carraccio C. Toward competency-based medical education. NEJM 2008;378:3-5 Reynolds T, Kong ML. Shifting the learning curve. BMJ 2010;341:c6260

Rodrigues GP, Rodrigues CMP. Realidade virtual: conceitos, evolução, dispositivos e aplicações. Interfaces Científicas – Educação. Aracaju (Brasil) 2013; 1:97-109

Rolfe JM, Staples KJ. Flight Simulation. Cambridge, England: Cambridge University Press; 1986;232-249

Rosado-Pinto PM. A Formação Pedagógica de Docentes Médicos. Um Estudo de Caso. Tese de doutoramento em Ciências da Educação apresentada à Universidade de Lisboa. Lisboa: edição da autora; 2006

Royal Australasian College of Physicians. Advanced Training in General and Acute Care Medicine: 2014 Program Requirements Handbook (2014). p. 1–50. http://handbooks.racp.edu.au/#/ basic-training-in-paediatrics-and-child-health/2014/summary/

Sawyer T, Burke C, McMullan DM, et al. Impacts of a pediatric extracorporeal cardiopulmonary resuscitation (ECPR) simulation training program. Acad Pediatr. 2019;19:566-571. https://doi.org/10.1016/j.acap.2019.01.005

Sawyer T, Eppich W, Brett-Fleegler M, et al. More than one way to debrief: a critical review of healthcare simulation debriefing methods. Simul Healthc. 2016;11 :209-217. doi: 10.1097/SIH.0000000000000148.

Smith B. From simulation to reality – breaking down the barriers. Clin Teacher 2006;3:112-117

Toney M, Pattishall S, Garber M. The time Is now: standardized sedation training for pediatric hospitalists. Pediatrics, May 2020; 145 (5) e20200446

Videira-Amaral JM. Simulação e ensino-aprendizagem em Pediatria. Iª Parte: Tópicos essenciais. Acta Pediatr Port 2010;41:44-50

Vozenilek J, Huff J, Rezneck M, Gordon J. See one, do one, teach one: advanced technology in medical education. Acad Emerg Med 2004;11:1149-1154

Weidenbach M, Paech C. Simulation in neonatal echocardiography. Clin Perinatol 2020;47:487-498

Weinberg ER, Auerbach MA, Shah NB. The use of simulation for pediatric training assessment. Curr Opin Pediatr 2009;21:282-287