Definição e etiopatogénese

Entre a 5ª e a 7ª semana de vida intra-uterina, o canal ônfalo-mesentérico (canal vitelino) regride, à medida que a placenta substitui o saco vitelino como fonte da alimentação do feto. Este canal estabelece a comunicação entre o saco vitelino e o intestino primitivo.

A não regressão ou a regressão insuficiente do canal leva ao aparecimento de várias anomalias, das quais a mais frequente é o divertículo de Meckel. Assim, o divertículo de Meckel é uma estrutura remanescente do canal ônfalo-mesentérico em forma de “dedo de luva” ou em ligação com o lume do íleo distal. (Figura 1)

Salienta-se que o desenvolvimento normal do tubo digestivo depende de interacções entre as camadas endoderme (epitélio tapetando internamente a parede intestinal), mesoderme (formação de músculo liso), e ectoderme (sistema nervoso entérico). Histologicamente o divertículo de Meckel é um verdadeiro divertículo integrando todas as camadas intestinais. A irrigação sanguínea é um vestígio da artéria vitelina primitiva, podendo ter papel proeminente nos casos em que se manifesta hemorragia.

FIGURA 1. Divertículo de Meckel (corte horizontal da parede abdominal em esquema). Ver figura 2 do capítulo sobre gastrosquise.

Trata-se da anomalia congénita gastrintestinal mais frequente, presente em cerca de 2%-3% da população, e predominando no sexo masculino com uma relação de 3-4/1. Pode estar associada a outros defeitos nas seguintes proporções: atrésia do esófago (12%), anomalia ano-rectal (11%), e onfalocele (25%).

O divertículo, de comprimento variável, situa-se no bordo anti-mesentérico do intestino delgado a distância variável da válvula íleo-cecal, embora possa ter localização mais proximal (em regra, a 50-90 cm). Contudo, para excluir a sua presença, a exploração intra-operatória do intestino deve ser levada a cabo até aos 150 cm.

No seu interior pode aparecer mucosa ectópica, geralmente gástrica ou tecido pancreático. O tecido ectópico gástrico no interior do divertículo pode causar ulceração da mucosa no íleo adjacente.

É clássico empregar, como mnemónica e com alguma aproximação (ver atrás), a chamada regra dos 2para caracterizar o defeito: surge em ~2% da população, a menos de 2 pés (cerca de 60 cm) da válvula íleo-cecal, com 2 tipos de mucosa ectópica (gástrica e pancreática), em crianças com mais de 2 anos de idade e anomalia com mais de 2 cm de comprimento.

Manifestações clínicas e diagnóstico

Na maioria dos casos, o divertículo de Meckel é assintomático.

Na generalidade dos casos sintomáticos, o divertículo está forrado interiormente por mucosa gástrica ectópica com secreção ácida que origina hematoquésia ou enterorragia segundo alguns autores (aparecimento de fezes com sangue “cor de tijolo ou em geleia de groselha”) por ulceração da mucosa ileal normal adjacente. Como resultado poderá surgir anemia.

Menos frequentemente, o divertículo de Meckel está associado a obstrução intestinal parcial ou total (invaginação intestinal, volvo, bridas fibrosas no contexto das estruturas remanescentes), sendo que a idade média dos doentes tendo como forma inicial de apresentação a obstrução, é inferior à dos doentes cuja forma inicial de apresentação é a hemorragia.

O divertículo pode também inflamar-se (diverticulite), com um quadro clínico que pode simular apendicite aguda. A diverticulite pode levar a perfuração e peritonite. Pode ainda ser sede de tumores carcinóides, de acumulação de corpos estranhos ou de parasitas intestinais.

Em caso de hemorragia com suspeita de ser provocada por divertículo de Meckel, está indicada cintigrafia com tecnécio (TC99m) a qual permitirá identificar a anomalia através da visualização de sinais de mucosa gástrica ectópica produzindo secreção ácida. Os sinais podem ser mais notórios (maior captação do isótopo) com administração de cimetidina, glucagom ou gastrina em dias anteriores. Outros métodos de detecção incluem ecografia abdominal e, em situações clínicas específicas, angiografia mesentérica superior, TAC abdominal e, laparoscopia exploradora.

Salienta-se que nos doentes com quadro de obstrução intestinal, ou sugestivo de apendicite aguda, o diagnóstico definitivo em geral é feito após laparotomia.

Tratamento

O tratamento consiste na ressecção do divertículo associada a ressecção segmentar do intestino adjacente (em especial nos casos de obstrução e de hemorragia).

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