Definição e importância do problema

O choque é uma situação clínica relativamente frequente em idade pediátrica, sendo uma causa importante de morbilidade e mortalidade em todo o mundo.

Define-se como um estado agudo de falência energética em que existe insuficiência da microcirculação com consequente perfusão inadequada dos tecidos, sendo, a oferta de oxigénio e nutrientes, desajustada em relação às necessidades metabólicas.

O atraso no reconhecimento e consequente atraso no tratamento do choque resulta em metabolismo anaeróbio (menos eficiente), acidose tecidual e progressão de um estado compensado reversível para um estado de irreversibilidade com falência multiorgânica com uma probabilidade de morte directamente proporcional ao número de órgãos em falência.

Aspectos epidemiológicos

De acordo com diversos estudos, o quadro de choque ocorre em cerca de 2 a 3% dos doentes hospitalizados (idade pediátrica e adultos), com uma mortalidade que tem diminuído muito nas últimas décadas graças aos progressos que permitem o reconhecimento e diagnóstico cada vez mais precoces, e também ao desenvolvimento de técnicas invasivas de diagnóstico e terapêutica.

Na perspectiva epidemiológica, e no que respeita a factores etiológicos em idade pediátrica adiante analisados, é importante salientar que o choque hipovolémico é o mais frequente, quer seja devido a hemorragia aguda (nos países desenvolvidos), quer a desidratação aguda por gastrenterite (nos países em vias de desenvolvimento).

No referido grupo etário, o choque cardiogénico é pouco frequente.

Por outro lado, a infecção constitui uma das principais causas de mortalidade nas unidades de cuidados intensivos.

Etiopatogénese e classificação

A perfusão tecidual depende da pressão arterial, sendo esta dependente de três variáveis relacionadas com a função cardiocirculatória:

  • O volume sanguíneo que deve ser adequado e com uma viscosidade sanguínea equilibrada;
  • A contractilidade cardíaca;
  • O tono vascular arterial e venoso que determina as resistências vasculares.

Qualquer interferência num destes factores poderá resultar em falência cardiocirculatória e choque.

Dado que a função essencial do sistema cardiovascular é levar aos tecidos o oxigénio adequado às suas necessidades, tal só poderá ser feito de forma eficaz em presença de condições de normalidade do mesmo.

O transporte de O2 aos tecidos (DO2) é o resultado do produto do débito cardíaco (DC) pelo conteúdo arterial de O2 (CaO2), de acordo com a fórmula:

DO2 = DC x Ca O2 (VN = 520 – 570 ml/min/m2)

Quando há diminuição da pressão arterial é desencadeada no organismo uma série de mecanismos de compensação para tentar manter a perfusão e oxigenação adequadas ao nível dos tecidos.

Inicialmente há uma activação do sistema simpático através da estimulação dos barorreceptores carotídeos, o que leva a um aumento do débito cardíaco por aumento da frequência e contractilidade cardíacas e a vasoconstrição periférica. Estes fenómenos conduzem a uma redistribuição do fluxo sanguíneo, com desvio para áreas “nobres” ou prioritárias em termos fisiológicos, como o cérebro e coração, em detrimento doutras em que o fluxo sanguíneo diminui – pele, músculo e circulação esplâncnica.

Para além do sistema simpático são activados diversos mecanismos endócrinos, nomeadamente, libertação de hormona antidiurética (HAD) e activação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, levando a aumento da reabsorção renal de água e sódio com aumento do volume intravascular.

Esta resposta neuroendócrina compensatória, eficaz até certos limites, determina as várias fases do choque.

Classicamente, a resposta hemodinâmica correlacionando-se com a clínica, pode ser consubstanciada em três fases:

  1. Choque hiperdinâmico (choque compensado, choque quente)
    A resposta hemodinâmica compensatória é eficaz. Assim, a pressão arterial é normal, a frequência cardíaca é normal ou pode estar aumentada, e a diurese é normal;
  2. Choque hipodinâmico (choque descompensado, choque frio)
    Há falência da resposta hemodinâmica. O que caracteriza esta fase é a hipotensão arterial associada a taquicardia e sinais de hipoperfusão – diurese diminuída, depressão da consciência;
  3. Choque irreversível
    Há falência de órgãos e a morte é inevitável.

Desta evolução decorre que o choque pode ocorrer sem hipotensão; ou seja, a hipotensão, quando detectada, corresponde já a uma fase de falência dos mecanismos de compensação. É sempre um sinal tardio.

Embora os factores etiológicos do choque sejam múltiplos, os mecanismos patogénicos desencadeados pelos vários determinantes são os mesmos a nível celular e molecular, o que resulta numa apresentação clínica comum.

Com efeito, sabe-se, desde há vários anos, que em resposta a uma agressão grave, que pode ser infecciosa, traumática ou outra, há uma resposta inflamatória sistémica não específica designada síndroma de resposta inflamatória sistémica (SIRS). Mais do que a entidade agressora é esta resposta do hospedeiro que vai condicionar o prognóstico. Os mediadores inflamatórios produzidos com o intuito de combater o agente agressor tornam-se, a partir de certo ponto, os responsáveis pela manutenção das lesões celulares. Esta resposta inflamatória pode progredir independentemente da remoção da causa desencadeante para estádios de gravidade crescente. (ver capítulo sobre Sépsis)

As endotoxinas e exotoxinas circulantes induzem a libertação de mediadores pró-inflamatórios e anti-inflamatórios de cujo balanço resulta o quadro clínico. Se houver predomínio de mediadores pró-inflamatórios será desencadeada a cascata da inflamação, surgindo uma situação clínica de SIRS.

O endotélio e a parede vascular têm um papel chave em todo este processo. (Figura 1)

FIG. 1 – Fisiopatologia do Choque

O endotélio é o maior órgão do organismo e desempenha um papel relevante na vasorregulação. É local de actuação e de produção de muitos mediadores.

Há perda do tono vascular e aumento da permeabilidade vascular, com vasodilatação e depleção do volume intravascular, que originam hipotensão, e hipóxia tecidual, com aumento do lactato e morte celular. Para além disso, o endotélio activado, com uma actividade pró-coagulante e fibrinolítica, é responsável por fenómenos de adesão plaquetária e microtromboses, o que contribui para diminuir, ainda mais, a perfusão dos tecidos.

De acordo com os aspectos da etiopatogénese, pode classificar-se o choque como se sintetiza no Quadro 1.

QUADRO 1 – Classificação etiopatogénica do choque

Hipovolémico (défice de volume intravascular)

      • Desidratação
      • Hemorragia
      • Queimadura

Cardiogénico (falência da bomba cardíaca)

      • Cardiopatias congénitas
      • Disritmias
      • Cirurgia cardíaca
      • Miocardite

Distributivo (alteração do tono vascular)

      • Anafilaxia
      • Neurogénico: secção da medula espinhal, bloqueio simpático

Obstrutivo (obstáculo mecânico à ejecção ventricular)

      • Pneumotórax hipertensivo
      • Tamponamento cardíaco
Séptico (distributivo, hipovolémico, cardiogénico)

 

Como se depreende pela análise da lista do Quadro 1, em determinadas situações verificam-se mecanismos associados, sendo alguns deles comuns a diversas entidades clínicas.

O choque séptico é o exemplo clássico em que existe simultaneamente uma hipovolémia profunda em paralelo com alterações da distribuição do fluxo sanguíneo e também, muitas vezes, disfunção cardíaca. É também frequente que crianças com cardiopatias congénitas apresentem, em simultâneo, choque cardiogénico e hipovolémico devido a défice de suprimento hídrico por não ingesta, ou a perdas gastrintestinais.

 Manifestações clínicas e exames complementares

Um doente que evidencie um quadro de choque constitui uma emergência médica, necessitando duma avaliação clínica rigorosa paralelamente à instituição rápida de medidas terapêuticas adequadas.

A primeira avaliação deve ser feita com base apenas em parâmetros clínicos, sem necessidade de recursos semiológicos complexos, permite, em geral, o reconhecimento da fase evolutiva do choque.

Sendo o choque uma síndroma multissistémica com disfunção em grau variável de todos os órgãos, o objectivo da avaliação semiológica inicial é, fundamentalmente, a detecção de sinais de défice de perfusão tecidual (estado de consciência, temperatura diferencial, tempo de reperfusão capilar, diurese) e a avaliação das funções cardíaca e respiratória. (Quadro 2)

Quadro 2 – Parâmetros prioritários de avaliação clínica

Função circulatória

      • Frequência e ritmo cardíacos
      • Pressão arterial não invasiva
      • Pulsos periféricos
      • Tempo de reperfusão capilar

Função respiratória

      • Frequência e esforço respiratórios
      • Saturação em O2/SpO2 (por oximetria de pulso)

Temperatura diferencial (central/periférica)

Diátese hemorrágica

      • Petéquias, sufusões, hemorragia das mucosas

Estado de consciência

Diurese


É importante reconhecer a situação de choque na fase de taquicardia, taquipneia, tempo de reperfusão capilar ligeiramente aumentado, com boa reactividade e com pressão arterial normal (choque compensado ou quente). A instituição de terapêutica nesta fase aumenta muito a probabilidade de sobrevivência.

O estudo laboratorial permite o diagnóstico do factor etiológico desencadeante do choque, bem como avaliar a repercussão na função dos vários órgãos.

Por outro lado, tratando-se duma situação complexa com indicação para assistência em unidades de cuidados intensivos, importa uma referência especial ao papel da monitorização invasiva na avaliação clínica do problema em análise, o choque. (Quadro 3)

QUADRO 3 – Exames complementares nas situações de choque

    1. Diagnóstico de infecção
      Em função do contexto clínico estão indicados exames culturais seriados – sangue, urina, LCR, lesões cutâneas, etc..
    2. Avaliação clássica da função de órgãos
      Pulmonar/cardíaca – Gasometria, troponina, CPK/CK-MB, BNP, Radiografia do tórax, ECG, ecocardiograma
      Hematológica – Hemograma, provas de coagulação, fibrinogénio, dímeros-D, PDF
      Renal – ureia, creatinina, ionograma sérico e urinário
      Hepático-pancreática – ALT, AST, bilirrubinas, albumina, amilase, LDH
      Metabólica – glicémia, bicarbonato, lactato
      Neurológica – ecografia transfontanelar (em lactentes), EEG, TAC-CE, RM do neuro-eixo (casos a seleccionar)
    3. Avaliação por métodos invasivos

 

Notas importantes:

      • Deve excluir-se anemia e transfundir-se com concentrado eritrocitário, se necessário. São frequentes também a trombocitopénia e alteração das provas de coagulação.
      • Nas primeiras fases do choque é habitual a hiperglicémia secundária a resposta adrenérgica. São também frequentes, alterações da função renal, hipernatrémia (choque hipovolémico) e hipocalcémia (muito importante, uma vez que poderá condicionar depressão de função miocárdica).
      • A acidose metabólica é uma constante, por elevação do lactato sérico. Este último é o indicador mais precoce de hipoperfusão tecidual e um importante parâmetro de avaliação da eficácia da terapêutica.
      • O BNP (B-Type Natriuretic Peptide) é uma hormona produzida pelos miócitos ventriculares, sendo libertada em resposta ao estresse na parede miocárdica. Os níveis séricos elevam-se na sépsis e na insuficiência cardíaca com choque cardiogénico. Níveis elevados de BNP reflectem estresse miocárdico; a melhoria da função cardíaca está associada à normalização dos níveis de BNP.

No que respeita à monitorização invasiva, importa valorizar os seguintes parâmetros:

      • Saturação venosa em oxigénio: A medição da saturação em O2 na artéria pulmonar (MvO2 mixed venous oxygen saturation), utilizando um cateter de Swan-Ganz, não é utilizada na maioria das unidades de cuidados intensivos pediátricos, tendo sido substituída por outras técnicas menos invasivas, tal como a medição de saturação em oxigénio numa amostra colhida de um cateter venoso central (SvO2).
        Comparando a saturação venosa em oxigénio (SvO2) com a saturação arterial em oxigénio (SaO2) poderá determinar-se a diferença quanto a saturação em oxigénio arteriovenosa, assim como a ratio de extracção de O2 (O2ER). Num doente com SaO2 normal (93-100%), a SvO2 normal é ~65-77%, uma vez que os tecidos extraem 23-35% do oxigénio distribuído aos tecidos. Se a extracção de oxigénio for superior a 35% é porque a perfusão dos tecidos pode ser inadequada, reflectindo um estado de choque.
        Se a extracção de oxigénio for inferior a 23%, tal é explicável pelo facto de o sangue oxigenado poder estar a seguir um trajecto de derivação ou desvio (shunt) ao nível dos leitos capilares como resultado duma distribuição inapropriada de fluxo de sangue (choque distributivo com shunt arteriovenoso resultando de vasodilatação). A sépsis pode levar a inibição do metabolismo celular, diminuindo a extracção de oxigénio e, consequentemente, a aumento da saturação venosa em oxigénio.
      • Pressão venosa central (PVC): Para a medição de PVC, pode ser utilizado um cateter colocado na veia cava superior. A pressão de enchimento cardíaco medido por esse cateter reflecte a função ventricular e a compliance/distensibilidade e não necessariamente apenas o volume intravascular. Contudo, os valores obtidos associados aos achados clínicos podem ajudar na monitorização do doente. A PVC normal oscila entre 8 e 12 cm H2 Pressões mais elevadas podem reflectir excesso de fluidos ou insuficiência cardíaca direita.
      • Monitorização de débito cardíaco: Na maior parte das unidades de cuidados intensivos utiliza-se frequentemente o ecocardiograma como forma de monitorização dinâmica do débito cardíaco. O índice cardíaco (CI) é calculado dividindo o débito cardíaco pela área de superfície corporal. Valores normais de CI situam-se entre 3,5-5,5 L/min/m2. A monitorização do CI permite o incremento da eficácia e eficiência da terapêutica com volume e inotrópicos.

Outros métodos mais recentes para monitorização de débito cardíaco incluem o cateter de PICCO (pulse contour cardiac output) e o FATD (femoral artery thermodilution cateter).

      • Espectroscopia próxima dos infravermelhos (NIRS ou near-infrared spectroscopy): Método não invasivo que permite monitorizar a saturação em oxigénio nos tecidos em territórios específicos como o cérebro, rins e região mesentérica.
      • Essa informação permitirá avaliar a resposta às diversas terapêuticas.

Tratamento

As medidas terapêuticas do choque devem ser instituídas o mais rapidamente possível. Há numerosos estudos que demonstram a melhoria do prognóstico com baixa significativa da mortalidade nos doentes tratados agressivamente na primeira hora, a chamada hora de ouro.

As primeiras medidas terapêuticas são comuns à maioria dos tipos de choque, sendo que o conhecimento da respectiva etiopatogénese permite instituir medidas específicas importantes.

  • No choque hipovolémico é fundamental parar a perda aguda (contenção de focos hemorrágicos, de perdas gastrintestinais).
  • No choque anafiláctico é determinante a administração rápida de adrenalina intramuscular.
  • No choque séptico é obrigatória a instituição precoce de antibioticoterapia de largo espectro.

Como os princípios iniciais do tratamento do choque são muito semelhantes independentemente da etiologia, em 2007 o American College of Critical Care Medicine (ACCM) definiu com rigor os parâmetros para o tratamento do choque pediátrico e neonatal. Em 2012 a Surviving Sepsis Campaign divulgou recomendações suplementares, com idêntico objectivo.

Com base nas referidas normas e recomendações, são descritos seguidamente os passos fundamentais no tratamento do choque. (Figura 2)

FIG. 2 – Algoritmo de Tratamento do Choque.
Adaptado de: American College of Critical Care Medicine 2007 e Surviving sepsis campaign guidelines for management of pediatric and neonatal patients with sepsis shock 2012.
Abreviaturas: EV- endovenoso; IO-intra-ósseo; PA-pressão arterial; SF- soro fisiológico; ECMO- extra corporal membrane oxygenation (técnica de oxigenação com circulação extracorporal)

O reconhecimento do choque é clínico e deve ser feito nos primeiros minutos da nossa observação.

O objectivo principal e prioritário do tratamento é restaurar a perfusão tecidual normal.

São assim, objectivos terapêuticos no tratamento do choque:

  • Estado de Consciência Normal;
  • Pressão Arterial Normal para a idade;
  • Frequência Cardíaca Normal para a idade;
  • Pulsos Periféricos e Centrais normais;
  • Extremidades quentes com tempo de reperfusão capilar de 2 segundos, ou menos;
  • Diurese de pelo menos 1 mL/kg/h;
  • Níveis de Glicémia Normais;
  • Níveis de Cálcio Ionizado Normais;
  • Níveis de Lactato a diminuir.

Reanimação inicial

Abordagem ABC (airway, breathing, circulation)

  • A via aérea do doente deve ser assegurada e o doente deve ser adequadamente ventilado e oxigenado. Inicialmente deve ser administrado oxigénio suplementar de alto débito com FiO2 de 100%;
  • Se houver dificuldade respiratória poderá tentar-se cânula nasal de oxigénio de alto fluxo ou ventilação não invasiva;
  • Se houver falência respiratória, considerar entubação e ventilação mecânica;
  • Se a via aérea puder ser mantida, e oxigenação e ventilação suportadas sem intervenção imediata do ponto de vista respiratório, deverá atrasar-se a entubação para permitir ressuscitação rápida e agressiva de fluidos. Esta recomendação advém do efeito potencialmente negativo da ventilação com pressão positiva no retorno venoso e na estabilidade cardíaca no doente hipovolémico.

Passos seguintes

  • Depois de assegurar a via aérea, assim como oxigenação e ventilação adequadas, deve canalizar-se de imediato 2 veias periféricas de bom calibre ou, na impossibilidade, garantir uma via intraóssea e iniciar de imediato ressuscitação hídrica, pedra basilar do tratamento de todas as situações de choque.
  • Deve proceder-se a uma primeira expansão vascular com administração de 20 mL/kg de soro fisiológico, em 5 – 10 minutos e, se o choque persistir e não houver sinais de sobrecarga hídrica (como sucede no choque cardiogénico), administrar mais dois bolus do mesmo volume.
  • É obrigatório ter em atenção os sinais de sobrecarga hídrica: taquipneia, tosse, fervores, hepatomegália. Se estes surgirem há que ser criterioso na administração de líquidos e iniciar o mais precocemente possível o suporte inotrópico.
  • Se não houver resposta às medidas terapêuticas anteriores e o doente se mantiver em choque deve iniciar-se a administração de fármacos inotrópicos. Estes usam-se em perfusão contínua, de preferência em veia central e com monitorização invasiva – pressão venosa central (PVC) e pressão arterial (PA). Deve-se, no entanto, salientar que o suporte inotrópico pode ser iniciado, sem risco, numa veia periférica de bom calibre.
    Na criança deve-se utilizar em primeiro lugar a dopamina – na dose de 5 mcg/kg/minuto, aumentando rapidamente para 10 mcg/kg/minuto, se necessário.

QUADRO 4 – Regra de preparação de inotrópicos

FÁRMACODILUENTEPREPARAÇÃORITMO DE INFUSÃO

ADRENALINA
NORADRENALINA
MILRINONA

Soro Fisiológico
Glicose a 5%

0,6 x peso + diluente até 100 ml1 ml/hora → 0,1 mg/kg/min

DOPAMINA
DOBUTAMINA
INAMRINONA
NITROGLICERINA
NITROPRUSSIATO

6 x peso + diluente até 100 ml1 ml / hora → 1 mg/kg/min

 

  • Se a hipotensão persistir, associa-se um vasopressor: a adrenalina no choque frio, e a noradrenalina no choque quente.
  • Se não houver resposta favorável, admite-se situação de choque resistente às catecolaminas. Nesta situação e, se houver risco de insuficiência adrenal, deve administrar-se hidrocortisona.
  • Pode suspeitar-se de insuficiência adrenal:
    • perante o surgimento de púrpura fulminante (síndroma de Waterhouse-Friderichsen);
    • nos doentes com anomalias conhecidas da suprarrenal ou da pituitária; ou
    • com terapêutica prévia com corticosteróides.
  • A hidrocortisona administra-se em dose de choque – 50 mg/m2/dia, em bolus, seguido de perfusão contínua com a mesma dose, mantida até à estabilização hemodinâmica, só sendo suspensa após a retirada dos inotrópicos. A utilização de metilprednisolona em altas doses e de dexametasona está contraindicada no choque séptico.
  • Se, depois de cumpridos todos os passos terapêuticos descritos, a situação de choque se mantiver, há que admitir uma de três hipóteses:
    1. Choque frio com Pressão Arterial Normal (e neste caso poderá adicionar-se dobutamina ou um inibidor da fosfodiesterase do tipo milrinona, ou considerar levosimendan);
    2. Choque frio com Pressão Arterial baixa (neste caso deverá titular-se o volume de fluidos administrados e da adrenalina);
      → Se se mantiver hipotensão, considerar a administração de noradrenalina.
      → Se SvO2 <70%, considerar a administração de dobutamina, milrinona ou levosimendan.
    3. Choque quente com Pressão Arterial Baixa (neste caso titular noradrenalina).
      → Se se mantiver hipotensão, ponderar a administração de vasopressina
                       ou
      angiotensina → Se SvO2 <70%, considerar baixa dose de adrenalina.

Nas situações de choque refractário pode-se considerar a hipótese de ECMO (extracorporeal membrane oxigenation).

Outras medidas terapêuticas

  • A correcção das alterações iónicas e metabólicas deve ser feita em simultâneo com as outras terapêuticas.
  • É importante manter a glicémia normal através do suplemento adequado de glicose ou da administração de insulina quando necessário.
  • A hipocalcémia, também habitual, deve ser corrigida precocemente. De facto, níveis baixos de cálcio ionizado têm sido associados a disfunção cardíaca. Por outro lado, a administração de cálcio está também recomendada no tratamento do choque causado por disritmias precipitadas por hipercaliémia, hipermagnesiémia ou por toxicidade de bloqueadores dos canais de cálcio.
  • A diátese hemorrágica, por vezes, com quadros de coagulação intravascular disseminada, é muito frequente em certos tipos de choque (choque séptico meningocócico). Para a sua resolução, o mais importante é o tratamento da causa desencadeante; contudo, muitas vezes é necessário tratamento substitutivo – concentrado eritrocitário, plasma, crioprecipitado, plaquetas. A tendência actual é para uma política transfusional restritiva pois os estudos mostram que não há vantagem na terapêutica liberal devido aos numerosos riscos dos derivados de sangue.
  • Deve manter-se valor da hemoglobina (Hb) na ordem de 9-10 g/dL. As transfusões de plasma e de crioprecipitado só devem ser realizadas se há manifestações de diátese activa e não para corrigir as provas de coagulação. A transfusão de plaquetas deve ser feita sempre que a contagem de plaquetas revelar ≤ 5000/mm3. Se for necessário, há que realizar técnicas invasivas ou intervenção cirúrgica, o valor das plaquetas deve ser > 50.000/mm3.
  • Sendo o rim um órgão atingido nas situações de choque, e sendo a lesão renal agravada pelos mecanismos de compensação hemodinâmica, deve evitar-se a oligoanúria prolongada, o que só é possível com a correcção da hipovolémia e da hipotensão.
  • Se surgir insuficiência renal oligoanúrica deve evitar-se a hipervolémia e a anasarca, instituindo precocemente depuração extra-renal. O método de eleição nestes casos é a hemofiltração venovenosa contínua.
  • No choque séptico é obrigatória a instituição precoce de antibioticoterapia de largo espectro, pelo menos com dois antimicrobianos, para cobertura dos agentes bacterianos mais prováveis. (ver capítulo sobre Sépsis)
  • Deve ser feita profilaxia da úlcera de estresse com inibidores dos receptores H2 ou inibidores da bomba de protões.

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