Importância do problema

Embora o organismo humano esteja exposto a numerosos agentes infecciosos potencialmente patogénicos, os seus sistemas de defesa de primeira linha actuam nos locais de invasão impedindo, na maior parte dos casos, infecções com desfecho fatal.

A sequência de eventos após a entrada em circulação de um agente infeccioso é complexa, dependendo o resultado final do balanço entre a virulência daquele e a capacidade de resposta do hospedeiro.

Embora a inflamação seja uma resposta essencial do hospedeiro, o início e progressão da sépsis resulta de uma “desregulação” da resposta normal, habitualmente com um aumento tanto de mediadores pró-inflamatórios como anti-inflamatórios, iniciando-se uma cadeia de eventos que leva a lesões teciduais generalizadas.

Esta desregulação da resposta do hospedeiro, mais do que o microrganismo infeccioso primário, é tipicamente responsável pela disfunção orgânica e pelo prognóstico.

Apesar dos avanços consideráveis da medicina intensiva nas últimas décadas, a sépsis continua a ser uma das principais causas de morte na idade pediátrica, com taxas que têm diminuído muito ao longo dos anos, mas que ainda atingem valores oscilando entre os 8 e 12%. A precocidade da sua identificação e do tratamento adequado contribuem decisivamente para a melhoria do prognóstico.

Definições

Segundo o Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock de 2016  é uma síndroma de resposta inflamatória sistémica (SIRS) em presença de uma infecção suspeitada ou demonstrada, acompanhada de disfunção orgânica grave, compromisso da microcirculação e, em geral de desregulação imunológica.

Este processo reactivo de resposta  não é, contudo, específico da infecção, podendo ser desencadeado por qualquer noxa considerada grave como traumatismo, queimadura, pancreatite, grande cirurgia, etc. (SIRS não infecciosa).

 Os critérios utilizados para as definições de sépsis, sépsis grave, SIRS e choque séptico encontram-se descritos no Quadro 1.

Quadro 1 – Infecção sistémica e critérios de diagnóstico

SIRS

Presença de 2 dos 4 critérios seguintes, um dos quais obrigatoriamente alteração da temperatura ou número anormal de leucócitos.

      • Temperatura central > 38,5ᵒC ou < 36ᵒC.
      • Taquicárdia (FC > 2 DP acima do valor de referência para a idade) na ausência de estímulos externos, drogas ou estímulo doloroso; ou inexplicada, persistindo 30 minutos – 4 horas; ou
      • Bradicárdia (FC < percentil 10 para a idade) na ausência de estímulo vagal, drogas b-bloqueantes, cardiopatia congénita; ou inexplicada e persistente > 30 minutos.
      • Frequência respiratória (FR > 2 DP acima do valor de referência para a idade); ou ventilação mecânica por um processo agudo não relacionado com:
        1. doença neuromuscular subjacente; ou
        2. status pós-anestesia geral.
      • Leucocitose ou leucopénia (não induzida por quimioterapia) ou neutrófilos imaturos > 10%.
Infecção

Invasão do organismo por agente microbiano patogénico, com capacidade de multiplicação.

      1. suspeita; ou
      2. provada (por cultura positiva ou PCR-reacção em cadeia da polimerase); ou
      3. probabilidade elevada (achados clínicos sugestivos, achados imagiológicos, ou laboratoriais (por ex. presença de leucócitos em fluido normalmente estéril, víscera perfurada, radiografia de tórax compatível com pneumonia, exantema purpúrico ou petequial, ou púrpura fulminante)
Sépsis
SIRS na presença de, (ou como resultado de) infecção suspeita ou provada.
Sépsis grave

Sépsis associada a um dos seguintes parâmetros:

      1.  disfunção cardiovascular; ou
      2. síndroma de dificuldade respiratória aguda; ou
      3.  disfunção de dois ou mais órgãos.
Choque séptico

Sépsis associada a disfunção cardiovascular definida por:

      • hipotensão (PA < percentil 5 para a idade ou < 2 DP para a idade); ou necessidade de
      • drogas vasoactivas para manter pressão arterial normal (dopamina > 5 μg/Kg/minuto, ou dobutamina, adrenalina ou noradrenalina em qualquer dose; ou
      • dois dos seguintes critérios:
        • Acidose metabólica: défice de base (DB) > -5 mEq/L;
        • Lactato arterial aumentado > 2 vezes o limite superior do normal;
        • Oligúria: débito urinário < 0,5 mL/Kg/h;
        • Tempo de recoloração capilar aumentado: > 5 segundos;
        • Diferença entre a temperatura central e periférica > 3oC,…
          …apesar da administração fluido isotónico 40 ml/kg durante 1 hora.

Etiopatogénese

Dum modo geral, as infecções invasivas em crianças saudáveis no período pós-neonatal são provocadas predominantemente por três germes: Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis, e Haemophilus influenzae do tipo b, sendo que os programas de vacinação em diversos países têm contribuído para a redução da incidência de sépsis pelos referidos germes.

Causas mais raras de sépsis em crianças saudáveis incluem infecções por Staphylococcus aureus, Streptococcus dos grupos A, C e G e espécies de Salmonella. Na Parte sobre Perinatologia/Neonatologia são analisados os agentes mais frequentes no RN.

Nas crianças com défices imunitários podem estar implicados agentes tais como Pseudomonas aeruginosa e fungos. Nas situações cuja gravidade obriga a internamento em unidades de cuidados intensivos com uso de técnicas invasivas de diagnóstico e terapêutica existe um risco acrescido de sépsis por Staphylococcus coagulase negativo, Enterococcus e S. aureus resistentes à meticilina.

Actualmente, devido à aplicação de medidas preventivas e à melhoria dos cuidados de saúde e das condições de vida da população, tem-se verificado a diminuição dos casos de sépsis grave e de choque séptico adquiridos na comunidade em indivíduos saudáveis.

Efectivamente, esta patologia afecta particularmente os doentes hospitalizados, portadores de doenças debilitantes, com imunodeficiência primária ou secundária, submetidos a técnicas invasivas de diagnóstico e terapêutica e portadores de microbioma altamente resistente devido, entre outras causas, ao uso excessivo de antibióticos de largo espectro em meio hospitalar.

Considerando todos os germes mencionados, cabe salientar que, embora seja condição indispensável a presença dos mesmos na corrente sanguínea, nem sempre tal presença conduz a sépsis ou choque séptico, o que depende, como foi referido, do balanço entre as características do microrganismo e o sistema de defesa imunitário do hospedeiro.

Certos vírus, designadamente vírus herpes, enterovírus e adenovírus podem provocar doença com manifestações semelhantes às da sépsis bacteriana, sobretudo em RN e lactentes.

Na etiopatogénese da sépsis estão envolvidos mecanismos muito complexos que funcionam sequencialmente “em cascata”. Há factores predisponentes do hospedeiro que aumentam a probabilidade de sépsis por determinados agentes.

São dados alguns exemplos: asplenia predispõe a infecção por S. pneumoniae; polisplenia predispõe a infecção por Salmonella; os germes anteriores originam com maior probabilidade sépsis nos casos de doença de células falciformes; a sobrecarga em ferro predispõe a infecção por Listeria monocytogenes, Yersinia enterocolitica e Vibrio vulnificus; deficiência em complemento (C5 a C9) predispõe a infecções pelo género Neisseria, etc..

A acção das bactérias Gram-positivas depende da produção de exotoxinas potentes (por ex. tétano, botulismo, difteria); quanto às Gram-negativas, é principalmente o componente da camada externa da parede celular (lipopolissacárido/LPS) que está implicado na patogénese da sépsis.

Algumas exotoxinas (chamadas superantigénios) elaboradas por estreptococos e estafilococos actuam do seguinte modo:

  • Estimulam a proliferação das células T, induzindo a libertação maciça de citocinas pró-inflamatórias (TNF-alfa, interferão-gama e IL-1) mesmo em casos de infecção localizada; e
  • Desencadeiam a resposta inflamatória sistémica responsável pelas alterações cardiovasculares e hemodinâmicas características da sépsis.

As endotoxinas ligam-se a receptores dos macrófagos (designadamente hTLR) e estimulam a produção e libertação de citocinas pró-inflamatórias (sobretudo TNF-a, IL-1 e IL-6), radicais livres de oxigénio e metabólitos do ácido araquidónico. (Figura 1)

Os metabólitos do ácido araquidónico incluem: tromboxano A2 que causa vasoconstrição e agregação das plaquetas; prostaglandinas (PGF 2-alfa que causa vasoconstrição e PGI2 que causa vasodilatação); os leucotrienos que levam a vasoconstrição, broncoconstrição e aumento da permeabilidade capilar. A TNF-alfa e algumas IL podem lesar o miocárdio, ao mesmo tempo que estimulam a sintetase do óxido nítrico (NO).

É também activada a via alterna do complemento bem como a cascata da coagulação, criando-se um estado pró-coagulante e antifibrinolítico que leva a fenómenos de microtrombose causadores de hipóxia e lesão tecidual. Há também consumo de factores de coagulação com estabelecimento de quadros de coagulação intravascular disseminada.

O endotélio vascular, com papel fundamental na vasorregulação, é o alvo e fonte de produção de muitos mediadores. O NO produzido pelas células endoteliais é responsável pelas alterações a nível da microcirculação com vasodilatação e fuga transcapilar causadoras da hipotensão que se observa nas situações de choque séptico.

Na tentativa de conter a produção de citocinas pró-inflamatórias há libertação de citocinas anti-inflamatórias – IL4, IL10, IL13. A interacção entre estes dois tipos de mediadores pode ser considerada uma “luta entre forças opostas”. O seu equilíbrio significaria a obtenção da homeostase no processo séptico.

A produção e libertação de citocinas em quantidades moderadas é importante e necessária na defesa eficaz contra a infecção. No entanto, a sua libertação anárquica ou em quantidade muito elevada determina uma resposta amplificada, ultrapassando a capacidade reguladora do organismo, o que contribui para as alterações cardiovasculares e hemodinâmicas, com implicação na mortalidade.

FIGURA 1. Fisiopatologia da sépsis

Manifestações clínicas e exames complementares

Os sinais e sintomas de sépsis são muito variáveis, dependendo da idade, da doença de base, da duração da doença e do microrganismo responsável, podendo o seu curso ser de instalação rápida ou progressiva.

Quanto menor for a idade do doente mais inespecífica é a sintomatologia. Não há nenhum sinal clínico que possa ser considerado um indicador específico e sensível de infecção grave; consequentemente, o diagnóstico de sépsis requer um alto índice de suspeição clínica no pressuposto de anamnese cuidada e exame físico rigoroso, fundamentando a execução racional de exames complementares.

Nos lactentes pequenos, os sinais mais precoces de sépsis são muitas vezes as alterações do estado de consciência com períodos de irritabilidade, choro inconsolável, prostração e apneia.

Nas crianças maiores é mais frequente a hipertermia com calafrio, taquicárdia, taquipneia, palidez, icterícia, distensão abdominal, diminuição ou ausência de pulsos periféricos, prolongamento do tempo de preenchimento capilar, extremidades frias e exantema. O exantema petequial ou purpúrico é muito característico da infecção por Neisseria meningitidis, mas também se observa frequentemente nas infecções por outros agentes (por ex. H. Influenzae, Enterovírus, Rickettsias). De salientar que a hipotensão é um sinal de aparecimento tardio, pela existência de mecanismos compensatórios.

Por vezes são evidentes sinais de infecção focal, como pneumonia, meningite, celulite, artrite. No momento do diagnóstico poderão ser detectados já sinais clínicos de disfunção de vários órgãos, sobretudo o cérebro (alteração do estado de consciência), pulmão, coração, rim (diminuição da diurese), e vasos sanguíneos e sangue (exantema petequial).

O doente com sépsis necessita duma avaliação clínica cuidada e de instituição rápida de terapêutica adequada. A primeira avaliação deve ser feita com base em parâmetros meramente clínicos, sem necessidade de grandes recursos; é extremamente importante, pois permite o reconhecimento precoce do doente com sépsis, a avaliação da fase evolutiva em que se encontra, como tal, a instituição precoce de medidas terapêuticas, gesto decisivo no prognóstico da doença.

Quando a evolução clínica é desfavorável e não há resposta às primeiras medidas terapêuticas, torna-se necessária a utilização de métodos invasivos de monitorização (pressão venosa central, pressão arterial e saturação venosa de oxigénio) e tratamento; em tais circunstâncias o doente deve ser transferido para uma unidade de cuidados intensivos pediátricos.

Devem ser avaliados os seguintes parâmetros: estado de consciência, a frequência e ritmo cardíaco, pressão arterial não invasiva, pulsos periféricos, tempo de recoloração capilar, frequência e esforço respiratório, saturação O2-Hb/SpO2 por oximetria de pulso, temperatura central e periférica, diurese e presença de manifestações de diátese hemorrágica (petéquias, sufusões, hemorragia das mucosas).

Torna-se necessária a confirmação microbiológica de infecção, com identificação do agente causal. Devem ser realizados exames culturais seriados de vários líquidos orgânicos: sangue, urina, fezes, LCR, secreções respiratórias, líquido pleural, peritonial ou sinovial, e também de exsudados e de lesões cutâneas. A punção lombar deve ser efectuada após estabilização hemodinâmica, respiratória e neurológica, sem que isso atrase a instituição da terapêutica antibiótica.

Outros exames úteis no diagnóstico de infecção são: a pesquisa de antigénios bacterianos por testes de aglutinação; a detecção de antigénios víricos nas secreções nasofaríngeas por imunofluorescência; e as técnicas de biologia molecular – PCR (reacção da polimerase em cadeia – polymerase chain reaction), no soro e LCR, consideradas as mais eficazes e confiáveis para o diagnóstico de infecção por um determinado agente.

Em todos os casos em que se admite, pela anamnese e exame objectivo, o diagnóstico de sépsis, e atendendo a que o respectivo quadro clínico se caracteriza por repercussão multissistémica, deve proceder-se a exames complementares de modo sistematizado para avaliação do grau de disfunção dos vários órgãos:

  • Hematológica – hemograma (com tipagem), provas de coagulação;
  • Renal – ureia, creatinina, ionogramas sérico e urinário;
  • Hepática – ALT, AST, bilirrubinas, albumina;
  • Metabólica – glucose, bicarbonato, lactato, défice de bases;
  • Respiratória – gasometria (para monitorização da hipóxia e da retenção de dióxido de carbono);
  • Neurológica – ecografia transfontanelar, EEG, TAC (a ponderar caso a caso).

Habitualmente, verifica-se a existência de leucocitose com elevação do número absoluto de neutrófilos imaturos, vacuolização dos neutrófilos, e corpos de Döhle. A neutropénia é um sinal de gravidade. São frequentes: trombocitopénia e alterações da coagulação com diminuição do nível sérico do fibrinogénio, assim como aumento da proteína C reactiva, da procalcitonina, dos tempos de protrombina e de tromboplastina parcial.

Tratamento

Medidas prioritárias

Nas situações de sépsis bacteriana, o diagnóstico e intervenção terapêutica precoces são decisivos para a melhoria do prognóstico, por se impedir a progressão para o estádio de choque séptico e de falência multiorgânica.

O objectivo prioritário é restaurar a perfusão tecidual através da estabilização hemodinâmica e manutenção de oxigenação e ventilação adequadas (se necessário com ventilação invasiva, reduzindo desta forma o gasto cardíaco). As medidas terapêuticas preconizadas com esta finalidade foram desenvolvidas no capítulo sobre Choque.

Antibioticoterapia

Por outro lado, está demonstrado que o início precoce de antibioticoterapia empírica adequada melhora significativamente o prognóstico, pelo que, após realização dos exames culturais, aquela deve ser iniciada de imediato (na primeira hora), e posteriormente ajustada de acordo com os resultados dos exames microbiológicos.

Para uma prescrição adequada é necessário ter em conta o quadro clínico, a idade do doente e os seus antecedentes no que respeita a doenças anteriores, estado imunitário e antibioticoterapia prévia. É também importante o conhecimento de factores epidemiológicos, bem como do padrão de resistência local aos antibióticos. É correcto começar com antibióticos de largo espectro, os quais devem ser substituídos por outros de espectro mais limitado logo que se conheçam os agentes bacterianos envolvidos e sua sensibilidade aos antimicrobianos.

Os antibióticos a utilizar nas situações mais frequentes estão resumidos no Quadro 2. Os mesmos destinam-se ao tratamento da sépsis em crianças com quadro clínico grave que necessitam de ser hospitalizadas ou que adquiriram a infecção em meio hospitalar.

QUADRO 2 – Antbioticoterapia na sépsis

(#) → Nas crianças de idade > 3 meses os antibióticos empíricos de primeira linha são sempre as cefalosporinas de 3ª geração, de acordo com o quadro. Somente se associa a vancomicina nos casos em que há forte suspeita de infecção por Streptococcus pneumoniae.
(x) → Considera-se a gentamicina como o aminoglicosídeo de 1ª escolha, reservando outros (amicacina e tobramicina) para situações mais específicas.
(•) → Carbapenems: como 2ª linha.

Idade

Agentes prováveis

Antibióticos
(esquemas a adaptar em função da probabilidade/contexto clínico ou germe isolado)

RN – 3 meses

    • Streptococcus grupo B
    • Enterobacteriáceas
    • Listeria
    • Herpes simplex(*)
    • Ampicilina + aminoglicosídeo(x) ou cefotaxima/ceftriaxona

(*) + aciclovir se suspeita

> 3 meses(#)
Crianças saudáveis

    • S. pneumoniae
    • Neisseria meningitidis
    • Haemophilus influenzae
    • Staphylococcus aureus
    • Streptococcus βhemolítico
    • Cefotaxima/ceftriaxona (+ vancomicina se suspeita de meningite por S. pneumoniae ou se estafilococo ou pneumococo resistente à meticilina)
    • Flucloxacilina + aminoglicosídeo
    • Penicilina + clindamicina

Imunodeficiência, neutropénia ou infecção nosocomial

    • Enterobacteriáceas
    • Pseudomonas
    • S. aureus coagulase negativo
    • Serratia
    • Candida
    • Vancomicina + agente anti-pseudomonas:
      • Ceftazidima ou cefepime
      • Tobramicina
    • Vancomicina + ceftazidima + aminoglicosídeo
    • Penicilina + inibidor das beta-lactamases (clavulânico, tazobactam, sulbactam);
    • Carbapenems(•) (imipenem ou meropenem);
    • Anfotericina B

Sépsis de origem abdominal

    • Enterobacteriáceas
    • Anaeróbios
    • Cefotaxima/ceftriaxona + gentamicina + metronidazol ou clindamicina

Salienta-se a importância da adopção de critérios rigorosos na prescrição de antibióticos ao tratar infecções adquiridas na comunidade em crianças aparentemente saudáveis até à data do episódio infeccioso; com efeito, em tal circunstância os germes microbianos responsáveis são, na maioria das vezes, sensíveis aos velhos antibióticos, os quais deverão ser utilizados como terapêutica de primeira linha.

Não se deve esquecer o controlo de algum foco infeccioso existente, designadamente através da drenagem de colecções, do desbridamenteo de tecidos infectados e da remoção de corpos estranhos ou outros dispositivos.

Outras medidas terapêuticas

Nos últimos anos, o melhor conhecimento da fisiopatologia da sépsis levou ao aparecimento de numerosas terapêuticas na tentativa de modificar ou modular a resposta inflamatória do hospedeiro à infecção.

São exemplos os usos: de imunoglobulina IV em altas doses (com especial indicação nas síndromas de choque tóxico), de anticorpos antiendotoxina, de anticitocinas (anti-TNFa, anti-IL1), e do inibidor da sintetase do óxido nítrico. De referir que com nenhuma destas terapêuticas se demonstrou eficácia no respeitante à redução da mortalidade por sépsis.

A interacção entre as actividades inflamatória e procoagulante abriu um novo caminho no âmbito da terapêutica com anticoagulantes. Em estudos realizados em adultos verificou-se que a administração de proteína C activada, anticoagulante endógeno com propriedades anti-inflamatórias, levou a redução da mortalidade em casos de sépsis grave, o que não aconteceu na idade pediátrica. A utilização de corticóides continua a ser controversa, sendo recomendada apenas em crianças com choque resistente às catecolaminas e com risco de insuficiência da suprarrenal ou do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal. Também as hipóteses de efeito benéfico com a administração da hormona de crescimento (GH), tendo como base a disfunção do eixo hipotálamo-hipofisário, não se confirmaram em estudos científicos.

E ainda, outras medidas deverão ser tidas em conta:

  • Transfusão de concentrado eritrocitário (para manter níveis de hemoglobina superiores a 10g/dL);
  • Transfusão de concentrado plaquetário se sangramento activo e plaquetas inferiores a 50.000/µL, ou de forma profiláctica se as plaquetas apresentarem valores inferiores a 20.000/µL;
  • Administração de plasma perante alterações da coagulação que a justifiquem (poderá ser efectuado um tromboelastograma prévio);
  • Controlo da glicemia;
  • Correcção de alterações iónicas;
  • Utilização de ECMO (extracorporeal membrane oxygenation) em situações específicas designadamente em contexto de choque séptico refractário.

Prevenção

Os aspectos principais da prevenção da infecção por Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae e Neisseria meningitidis são abordados noutros capítulos.

A diminuição dos casos de infecção associada à prestação dos cuidados de saúde, através do cumprimento rigoroso das medidas de controlo de infecção deve ser hoje um objectivo prioritário em qualquer unidade de saúde, constituindo um dos principais indicadores de qualidade dos cuidados prestados.

BIBLIOGRAFIA

Annane D, Bellissant E, Bollaert PE, et al. Corticosteroids for severe sepsis and septic shock: a systematic review and meta-analysis. BMJ 2004;329:480-484

Barron ME, Wilkes MM, Navickis RJ. A systematic review of the comparative safety of colloids. Arch Surg 2004;139:552-563

Bernard GR, Vincent JL, Laterre PF, et al. Efficacy and safety of recombinant human activated protein C for severe sepsis. NEJM 2001;344:699-709

Brown KA, Brain SD, Pearson JD, et al. Neutrophils in development of multiple organ failure in sepsis. Lancet 2006;368:157-169

Carlotti AP, Troster EJ, Fernandes JC, et al. A critical appraisal of the guidelines for the management of pediatric and neonatal patients with septic shock. Crit Care Med 2005;33:1182

Dellinger RP, Carlet JM, Masur H, et al. Surviving sepsis campaign guidelines for management of severe sepsis and septic shock. Crit Care Med 2004;32:858-873

Farrell D, Nadel S. What’s new in pediatric sepsis. Curr Pediatr Rep 2016; 4: 1-5

Fuhrman BP, Zimmerman J. Pediatric Critical Care. St Louis: Mosby Elsevier, 2006

Giuliano JS, Markovitz BP, Brierley J, et al. Comparison of pediatric severe sepsis managed in US and European ICU. Pediatr Crit Care Med 2016;17:522-530

Goldman L, Schafer AI (eds). Goldman – Cecil Medicine. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2016

Goldstein B, Giroir B, Randolph A. International pediatric sepsis consensus conference. Definitions for sepsis and organ dysfunction in pediatrics. Pediatr Crit Care Med 2005;6:2-8

Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Handbook of Pediatric Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins, 2009

Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Textbook of Pediatric Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins, 2008

Kliegman RM, StGeme JW, Blum NJ, Shah SS, Tasker RC, Wilson KM (eds). Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier, 2020

Kline MW, Blaney SM, Giardino AP, Orange JS, Penny DJ, Schutze GE, Shekerdemien LS (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: Mc Graw Hill Education, 2018

Lichtenstern C, Brenner T, Bardenheuer HJ, Weigand MA. Predictors of survival in sepsis: what is the best inflammatory marker to measure? Curr Opin Infect Dis 2012;25:328-336

Long E, Duke T. Fluid resuscitation therapy for paediatric sepsis. J Paediatr Child Health 2016;52:141-146

Mathias B, Mira J, Larson SD. Pediatric sepsis. Curr Opin Pediatr 2016;28:380-387

McInerny T (ed). Tratado de Pediatria /American Academy of Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010

McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S. Forfar and Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill Livingstone, 2008

Melanie K. Prusakowski, Audrey P. Chen. Pediatric Sepsis. Emergency Med Clin North Am 2017;35:123-138

Minecci PC, Deans KJ, Banks SM, et al. Meta-analysis: the effect of steroids on survival and shock during sepsis depends on the dose. Ann Intern Med 2004;141:47-56

Moro M, Málaga S, Madero L (eds). Cruz Tratado de Pediatria. Madrid: Panamericana, 2015

Musa N, Murthy S, Kisson N. Pediatric sepsis and septic shock management in resource – limited settings. Intensive Care Med 2016;42:2037-2039

Opal SM. Can we resolve the treatment of sepsis? Lancet 2007;369:803-804

Paul R. Recognition, diagnostics, and management of pediatric severe sepsis and septic shock in the Emergency Department. Pediatr Clin North Am 2018;65:1107-1118

Pizarro CF, Troster EJ, Damiani D, Carcillo JA. Absolute and relative adrenal insufficiency in children with septic shock. Crit Care Med 2005;33:855-859

Russel JA. Management of sepsis. NEJM 2006;355:1699-1713

Ruth A, McCracken CE, Fortenberry JD, et al. Pediatric severe sepsis: current trends and outcomes from the Pediatric Health Information Systems database. Pediatr Crit Care Med 2014;15:828-838

Schlapbach LJ. Paediatric sepsis. Current Opin Infect Dis 2019;32:497-504

Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, et al. The third international consensus definitions for sepsis and septic shock (Sepsis-3). JAMA 2016;315:801-810

Turgeon AF, Hutton B, Fergusson DA, et al. Meta-analysis: intravenous immunoglobulin in critically adult patients with sepsis. Ann Intern Med 2007;146:193-203

Vincent JL, Gerlach H. Fluid resuscitation in severe sepsis and septic shock: an evidence-based review. Crit Care Med 2004;32(11 suppl):S451-S454

Wiens MO, Larson CP, Kumbakumba E, et al. Application of sepsis definitions to pediatric patients admitted with suspected infections in Uganda. Pediatr Crit Care Med 2016;17:400-405

Workman JK, Ames SG, Reeder RW, et al. Treatment of pediatric septic shock with the surviving sepsis campaign guidelines and PICU patient outcomes. Pediatr Crit Care Med 2016;17:e451-e458

Zallocco F, Osimani P, Carloni I, et al. Assessment of clinical outcome of children with sepsis outside the intensive care unit. Eur J Pediatr 2018;177:1775-1783. https://doi.org/10.1007/s00431-018-3247-2