Bases anatomofisiológicas e definições

Em condições basais, a produção da lágrima depende das várias células glandulares que se distribuem pelas pálpebras e conjuntiva. Destacando-se a glândula lacrimal, esta localiza-se na porção súpero-externa e anterior da órbita; compreende duas porções: orbital e palpebral. (Figura 1)

A mesma cresce até aos 4 anos, sendo que a produção reflexa da sua secreção – a lágrima – é, em geral, ínfima até ao 6º mês de vida.

O filme lacrimal com as suas três camadas – lipídica, aquosa e mucinosa, desempenha um papel importante na nutrição da córnea, na sua lubrificação, na protecção do olho contra os agentes infecciosos e os poluentes externos, e na refracção. A sua composição, produção e estabilidade são, por isso, importantes.

A fina camada lipídica, a mais externa, é produzida pelas células intertarsais das glândulas de Meibomius, pelas células glandulares sebáceas de Zeiss e pelas células sudoríparas de Moll.

A camada aquosa, intermédia e a mais espessa, resulta das células secretoras de Krause e de Wolfring, também designadas por glândulas lacrimais acessórias.

A camada mucinosa, mais interna, é produzida pelas células caliciformes, pelas células glandulares de Manz e pelas criptas de Henle. (Figura 2)

O movimento das pálpebras promove a circulação da lágrima encaminhando-a para o canto interno da fenda palpebral – carúncula. A sua drenagem faz-se pelas vias lacrimais que se iniciam nos pontos lacrimais, pequenos orifícios, um superior e outro inferior, no topo dos tubérculos lacrimais. Seguem-se os canalículos lacrimais que se abrem no saco lacrimal, e este continua-se pelo canal lacrimonasal, cuja abertura inferior se localiza no meato inferior das fossas nasais.

FIGURA 1. Globo ocular direito em esquema: relação com pálpebra e carúncula lacrimal.

FIGURA  2. Constituição anatómica da pálpebra (corte sagital)

Embriologicamente as vias lacrimais resultam de um cordão celular ectodérmico cujas células centrais desaparecem depois, para dar lugar ao lume tubular. À nascença, segundo alguns estudos, mais de 35% dos bebés não têm ainda a totalidade do sistema de drenagem patente, e em cerca de 5% das crianças nascidas de termo persistem ainda alguns restos celulares até cerca do sexto mês de vida, ocluindo a parte inferior do canal lacrimonasal. (Figura 3)

As Figuras 1 e 3 esquematisando, respectivamente a relação entre glândula lacrimal e carúncula, e o trajecto das vias lacrimais, facilitam a compreensão dos processos em que existe dificuldade de drenagem da secreção lacrimal.

Diz-se que há lacrimejo quando se verifica excesso de produção de lágrimas, como acontece, por exemplo, nos casos de estimulação retiniana com luz brilhante), psíquica (por ex. o choro e o riso) ou física (por ex.: corpos estranhos, poluentes, ambiente seco). Igualmente, as conjuntivites, os corpos estranhos superficiais na córnea e na conjuntiva, e a triquíase (desvio congénito ou adquirido das pestanas para dentro, contra o globo ocular, enquanto a pálpebra conserva a sua posição normal), podem actuar como irritantes, desencadeando o lacrimejo.

O termo epífora reserva-se para as situações de deficiente drenagem através das vias lacrimais. Em ambos os casos (lacrimejo e epífora), a lágrima transborda o rebordo palpebral, correndo pela face.

 As chamadas “lágrimas de crocodilo” na designação popular correspondem à situação em que há lacrimejo durante a sucção e mastigação; tal se explica por enervação aberrante entre o 5º par craniano (o qual enerva a glândula lacrimal) e as fibras gustativas do 7º par.

FIGURA 3. Vias lacrimais em esquema: olho direito

Importância do problema

Em cerca de 5 a 7 % dos recém-nascidos e lactentes, não estando os canalículos e ductos lacrimais completamente desenvolvidos, existe possibilidade de obstrução lacrimal em idade muito precoce.

Por outro lado, poderão estar em causa defeitos congénitos de canalização duma ou mais daquelas estruturas, também com consequente obstrução lacrimal; salienta-se que a causa mais frequente de epífora no lactente é, de facto, a obstrução congénita da via lacrimal.

Manifestações clínicas

A obstrução das vias lacrimais é a causa mais comum de epífora na criança recém-nascida, que se acompanha por vezes de uma secreção mucosa ou mucopurulenta junto dos pontos lacrimais. As vias lacrimais impermeáveis, com secreção retida funcionando como um meio de cultura e de desenvolvimento microbiano facilitam, por sua vez, a ocorrência de conjuntivites repetidas, com epífora e lacrimejo.

A epífora e o lacrimejo a que atrás nos referimos, como epifenómenos de obstrução da via lacrimal, levam a conjuntivite recorrente explicável pela estase lacrimal; recordando o trajecto das vias lacrimais (Figura 3) pode compreender-se que a compressão do dorso do nariz pode originar refluxo da secreção para o espaço conjuntival.

A dacriocistite (ou infecção do saco nasolacrimal) é uma complicação frequente, sendo de referir que o germe bacteriano mais frequentemente implicado é o Staphylococcus aureus; traduz-se por rubor e dor ao nível da comissura interna palpebral e do dorso do nariz, epífora e refluxo de secreção mucosa ou mucopurulenta pelos canalículos lacrimais.

O diagnóstico de obstrução das vias lacrimais pode ser facilmente feito com a instilação de uma gota de fluoresceína a 2% no fundo de saco conjuntival inferior, verificando-se depois, com luz ultra-violeta, o aparecimento do corante, ou não (no caso de obstrução), nas fossas nasais ou na faringe.

Diagnóstico diferencial

Nas síndromas de obstrução das vias lacrimais haverá que ponderar duas situações específicas: 1) atrésia dos pontos lacrimais (em geral, trata-se duma fina membrana epitelial que oclui o orifício); 2) dacriocistocele (mucocele) congénito, pouco frequente, resultando duma obstrução a montante (canalículos lacrimais) e a jusante (canal lacrimonasal) do saco lacrimal, levando à sua dilatação, habitualmente com infecção, que ocorre nas primeiras semanas de vida.

Tratamento

A massagem digital, ou com uma “cotonete”, repetida várias vezes ao dia na zona do saco lacrimal e do canal lacrimonasal é muitas vezes suficiente para resolver a situação: esvaziando-se com tal manobra o saco lacrimal, evita-se assim o crescimento bacteriano; por outro lado, a pressão hidrostática produzida contribui para a expulsão dos ”restos” de secreções mais ou menos viscosas que ainda entopem o canal lacrimonasal. À massagem pode associar-se a instilação de uma gota de colírio antibiótico, se houver conjuntivites de repetição.

Quando a situação não se soluciona com as massagens persistentes até aos 6 meses, poderá estar indicada a sondagem das vias lacrimais, atitude que deverá ser ponderada e realizada, sempre pelo médico oftalmologista. A título de informação apenas, são descritos alguns procedimentos que ultrapassam o âmbito do pediatra e do clínico geral.

Se a dificuldade de drenagem das lágrimas for explicada por atrésia dos pontos lacrimais, bastará realizar a sua perfuração, seguida de dilatação. Nalguns casos menos frequentes a oclusão prolonga-se pelo canalículo lacrimal, implicando uma atitude cirúrgica mais elaborada.

Nos casos de dacriocistocele (mucocele) congénito, a massagem digital cuidadosa poderá ser suficiente para resolver a situação; noutros casos haverá    necessidade de sondagem cautelosa ou de manobras cirúrgicas mais complexas.

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