Definição e importância do problema

O termo ambliopia, derivado da língua grega – “olho preguiçoso”, significa genericamente situação de acuidade visual baixa. Trata-se, portanto, duma designação com base sintomatológica, a qual engloba diferentes factores etiológicos funcionais ou orgânicos implicando actuações terapêuticas diversas.

Entre os factores etiológicos ditos funcionais citam-se os erros de refracção, opacidade ocular ou disfunção dos músculos do olho. Quanto aos factores de tipo orgânico citam-se fundamentalmente as anomalias congénitas do globo ocular, do SNC e vias ópticas.

Embora as alterações da retina central e das vias ópticas sejam de facto causas de ambliopia, é mais frequente reservar o termo apenas para os casos em que não se verifica lesão orgânica patente nem compromisso da visão periférica e do campo visual.

A ambliopia pode ser unilateral ou bilateral.

Estima-se que a prevalência da ambliopia oscile entre 2 a 4% na população geral, sendo mais frequente a modalidade unilateral. Trata-se dum problema oftalmológico cuja frequência nos países desenvolvidos é superior ao conjunto de todas as outras situações implicadas na redução da visão infantil.

De reiterar as seguintes noções práticas:

  1. o estrabismo é a causa mais comum de ambliopia na criança, sendo a esotropia (estrabismo convergente) a forma mais frequentemente implicada;
  2. o atraso no diagnóstico e no tratamento poderá deixar sequelas permanentes; pelo contrário, quanto mais precoce o diagnóstico etiológico, maiores as probabilidades de recuperação;
  3. quanto mais jovem a criança, maior o risco de desenvolvimento de

Etiopatogénese e classificação

O cérebro, recebendo imagens diferentes dos dois olhos e não conseguindo “fundi-las” numa só, suprime a imagem de um dos olhos para não se verificar diplopia. Consequentemente, o córtex cerebral, desenvolvendo-se sem “adquirir experiência” na recepção do estímulo visual bilateral, passará futuramente a não reconhecer a imagem que é gerada pelo olho não estimulado.

Por outras palavras, caso não haja condições para o estabelecimento de uma visão binocular adequada, o olho “desviado” é funcionalmente suprimido, porque fornece uma imagem de má qualidade sem possibilidade de se fundir com a imagem recolhida pelo outro olho. No olho com boa direcção visual a imagem do objecto-alvo da visão incide correctamente na fóvea, enquanto a imagem do olho desviado se projecta numa zona retiniana extrafoveal e, por isso, incapaz de fornecer uma boa acuidade visual.

Quanto maior for o ângulo do desvio, tanto pior será a imagem captada pela retina do olho desviado, e tanto mais rapidamente se estabelecerá a supressão funcional desse olho e, consequentemente a ambliopia. Por sua vez, um estrabismo monocular e sem alternância é também mais ambliogénico, como o são os estrabismos de instalação mais precoce, em relação aos de aparecimento em idades mais tardias.

De acordo com o que foi referido atrás a propósito de factores funcionais e orgânicos, pode afirmar-se, em síntese, que a imagem não formada pode resultar de:

  1. desvio do olho (ambliopia estrábica); neste caso o olho desviado não é estimulado, razão pela qual se desenvolve nele menos a visão;
  2. necessidade desigual de correcção da visão entre os olhos (ambliopia anisometrópica);
  3. erro de refracção de forte intensidade em ambos os olhos (ambliopia ametrópica);
  4. opacidade no eixo visual (ambliopia de privação).

Como regra geral pode afirmar-se que situações decorrentes de disfunção oculomotora, erro de refracção ou opacidade ocular são potencialmente reversíveis se a criança for estimulada durante o desenvolvimento visual.

Pelo contrário, nos casos em que se verificam anomalias estruturais do globo ocular, anomalias das vias ópticas ou do sistema nervoso central não se verifica melhoria com a estimulação sensorial.

Como exemplos representativos de ambliopia orgânica em idade pediátrica citam-se, entre outras, a retinopatia associada à prematuridade (a abordar no capítulo 271), a displasia da retina e outras anomalias congénitas (como o coloboma macular, o albinismo, a atrofia óptica), ou adquiridas (traumáticas, tóxicas, metabólicas, infecciosas, inflamatórias, etc.).

Diagnóstico

A ambliopia é em geral assintomática; a sua detecção deve ser precoce, e pode ser levada a cabo através dum programa de rastreio da visão em todas as crianças em idade pré-escolar.

No âmbito dos exames de saúde realizados pelo clínico geral ou pediatra em idades-chave, de acordo com o plano nacional de vigilância em saúde infantil, são exequíveis: o “teste da oclusão” descrito a propósito do exame oftalmológico desde os primeiros meses de vida; o teste dos reflexos luminosos na córnea; e o cover-test, realizado de modo seriado antes da idade escolar. Qualquer anomalia ou suspeita de anomalia detectada deve ser encaminhada para especialista de oftalmologia; com efeito, reitera-se que o êxito da recuperação nos casos de ambliopia depende grandemente da precocidade no início do tratamento.

Tratamento

Nas situações de ambliopia o objectivo principal do tratamento é estimular o olho com baixa visão. No caso do estrabismo, o passo inicial é, exactamente, a recuperação da acuidade visual do olho desviado, equilibrando-a tanto quanto possível com a do outro olho; uma das medidas básicas é, precisamente, ocluir o olho considerado saudável para estimular a visão do contralateral, sendo que este procedimento é da competência do oftalmologista.

A avaliação da acuidade visual monocular permitirá desde logo ter uma ideia da diferença refractiva entre os dois olhos. A atempada correcção óptica dos defeitos refractivos subjacentes é determinante para evitar a instalação de ambliopia.

Na ambliopia por privação procura-se a remoção da causa (por ex. tratamento cirúrgico de catarata ou correcção de ptose palpebral). Na catarata congénita a regressão da ambliopia é, em regra, menos eficaz e depende, não só da precocidade do tratamento cirúrgico, mas também do êxito conseguido com a subsequente correcção óptica.

Nas ambliopias anisométrica e ametrópica, entre outras medidas, são utilizadas lentes correctoras. Por vezes, são ainda necessárias medidas complementares de estimulação.

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