Definição

O termo glaucoma designa um conjunto de doenças que se caracterizam por lesão do nervo óptico e perda de campo visual, habitualmente associadas a, ou provocadas por aumento da pressão intra-ocular (PIO) avaliada por tonometria.

Importância do problema

Trata-se duma situação relativamente prevalente na população geral (3%), sendo bastante mais frequente na população idosa, e muito rara na população infantil ou juvenil. Embora constitua menos de 0,07% das doenças do foro oftalmológico, de acordo com diversos estudos epidemiológicos pode resultar em amaurose em cerca de 3 a 12% dos casos. Nas formas congénitas têm sido apuradas incidências da ordem de 1/10.000 a 1/20.000 recém-nascidos.

Etiopatogénese e classificação

O humor aquoso produzido pelo corpo ciliar passa da câmara posterior, através do orifício pupilar, para a câmara anterior, sendo drenado através da malha trabecular do ângulo iridocorneano e do canal de Schlemm para a circulação geral pelas chamadas veias aquosas. (Figura 1)

A pressão intra-ocular (PIO) – com um valor médio de 7 mmHg na data do nascimento, aumentando cerca de 1 mmHg cada 2 anos até aos 12 anos – resulta do equilíbrio entre a produção de humor aquoso e a respectiva drenagem. Se houver excesso de produção ou obstáculo à drenagem verifica-se acumulação de líquido no interior do globo ocular. O excesso de PIO compromete a vascularização do nervo óptico levando à perda de função progressiva das fibras nervosas de que se compõe, com consequente perda de campo visual.

A imaturidade do colagénio da córnea e esclerótica na infância confere elasticidade ao globo ocular. Na criança, o excesso de PIO pode ainda originar aumento de volume do globo ocular (buftalmo) e da córnea (megalocórnea); o estiramento desta estrutura, assim como a rutura das camadas mais posteriores da mesma favorecem a entrada de humor aquoso na sua espessura, do que resulta edema e consequente perda da habitual transparência.

Da etiopatogénese decorre um dos modos de classificar o glaucoma, podendo considerar-se dois grandes grupos:

  1. Os glaucomas resultantes de qualquer perturbação do sistema de circulação e de drenagem do humor aquoso, relacionável com anomalia isolada do ângulo iridocorneano (disgenesia da malha trabecular) e alterações secundárias do desenvolvimento da íris e corpo ciliar – são os glaucomas primários; (Figura 1)
  2. Os glaucomas resultantes de doenças oculares congénitas ou adquiridas várias (por exemplo outro tipo de disgenesias como do segmento anterior do globo ocular, do segmento posterior ou de todo o globo), doenças inflamatórias ou infecciosas do globo ocular (por ex. uveíte), doenças metabólicas (por ex. mucopolissacaridoses), doenças do tecido conjuntivo, tumores oculares (por retinoblastoma), bloqueio da pupila por sinéquias posteriores da íris ao cristalino, subluxação do cristalino (por ex. na homocistinúria e síndroma de Marfan), artrite crónica juvenil (por sinéquias inflamatórias – goniossinéquias), neurofibromatoses, anomalias craniofaciais sindromáticas, cromossomopatias, lesões resultantes de traumatismos, lesões iatrogénicas (como as que resultam de intervenções cirúrgicas por catarata, e do uso prolongado de corticosteróides locais ou sistémicos etc.) – são os glaucomas secundários.

Existem outras classificações relacionadas, nomeadamente com: o modo de aparecimento (agudo ou crónico), idade de aparecimento, idade de manifestação (no período neonatal ou ulteriormente).

FIGURA 1. Ângulo iridocorneano

Manifestações clínicas e diagnóstico

O glaucoma primário (correspondendo a cerca de 60-70% dos casos pediátricos, em regra congénito, pelo facto de a PIO ter início geralmente no período pré-natal), evidencia sintomatologia antes dos 3 anos de idade, enquanto o que é gerado após o nascimento (em regra secundário, também chamado adquirido ou juvenil) evidencia sintomatologia entre os 3 e 30 anos.

As manifestações dependem muito da magnitude da elevação da PIO e da idade de início. Os achados mais frequentes são: lacrimejo, fotofobia, blefarospasmo, megalocórnea, buftalmo e opacidade corneana.

Uma PIO elevada muito precoce, evidenciada logo na data do nascimento, pode provocar opacificação, procidência e aumento de dimensões da córnea. Nos casos de aumento mais gradual da PIO poderá verificar-se, não opacidade corneana, mas apenas buftalmo ou buftalmia.

A ocorrência simultânea de lacrimejo, fotofobia e blefarospasmo, no recém-nascido ou lactente, associados a edema corneano, é muito sugestiva de hipertensão ocular.

Após os 3 anos, como diminui a elasticidade do segmento anterior, a criança pode evidenciar miopia progressiva, estrabismo ou percepção de perda de campo visual; nestas situações a sintomatologia relaciona-se essencialmente com a perda visual.

O diagnóstico diferencial deve estabelecer-se com a megalocórnea, inflamações, traumatismos de nascimento, obstrução das vias nasolacrimais, e ceratoconjuntivites, entre outras situações.

Seguidamente é dada ênfase a duas formas clínicas de glaucoma primário.

Glaucoma primário congénito

É a forma mais frequente de glaucoma no recém-nascido e lactente.

Na maioria dos casos trata-se de formas esporádicas, demonstrando-se em cerca de 10-40% dos casos antecedentes familiares e hereditariedade autossómica recessiva com penetrância variável. Conhecem-se pelo menos três loci cromossómicos responsáveis pela hereditariedade do glaucoma congénito primário. O gene CYP1B1 foi identificado num desses três loci.

O risco de ocorrência em irmãos de uma criança afectada, sem consanguinidade dos pais, é muito baixo (3% para o sexo masculino e 0% para uma criança do sexo feminino). Apesar de a probabilidade ser baixa, recomenda-se o exame de irmãos e descendentes de doentes com glaucoma congénito primário, especialmente nos primeiros 6 meses de vida.

Glaucoma primário juvenil

Associa-se a miopia e história familiar de glaucoma, de início entre os 5 e 20 anos. Parece haver associação com o gene GLC1A do cromossoma 1q21-q31.

Exames complementares

Para além da tonometria e doutros exames especializados que ultrapassam o âmbito deste trabalho, o especialista recorre em geral a exames imagiológicos, destacando-se a ecografia para avaliação do comprimento axial do globo ocular, com relevância na fase de opção terapêutica e no estudo evolutivo.

Tratamento

A abordagem terapêutica médica ou cirúrgica (a cargo do especialista de oftalmologia) é variável consoante o tipo de glaucoma, sendo objectivo regular a PIO e preservar a acuidade visual. Importa, por isso, que o clínico geral e o pediatra estejam sensibilizados para os sinais descritos, tendo em vista a referência atempada para o oftalmologista.

Salienta-se que o glaucoma congénito deve ser sempre considerado uma emergência médica.

Existem vários colírios antiglaucomatosos com mecanismos de acção diferentes, utilizados em geral a título temporário. Frequentemente, o medicamento que se usa em primeira linha na criança é um beta-bloqueante, o que exige algumas precauções uma vez que se verifica sempre absorção sistémica do medicamento. Inibidores da anidrase carbónica, antagonistas das prostaglandinas e parassimpaticomiméticos são outros medicamentos que podem ser empregues.

O tratamento do glaucoma relacionado com anomalias do desenvolvimento é essencialmente cirúrgico (por vezes numerosas intervenções ao longo da vida, mesmo quando os resultados imediatos são bons). O recurso a medicação antiglaucomatosa habitualmente é temporário.

Prognóstico

Dum modo geral pode afirmar-se que o prognóstico do glaucoma congénito é mau; com efeito, em mais de 50% das crianças a acuidade visual fica reduzida a cerca de 1/10, embora, face às medidas levadas a cabo, com PIO normalizada na maioria dos casos.

O prognóstico relaciona-se, mais com o atraso no diagnóstico e com a gravidade da doença, do que com a técnica cirúrgica utilizada.

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