Metodologia geral

A avaliação oftalmológica da criança inicia-se desde o momento da sua entrada na sala de consulta. Deve ser atentamente analisada a posição da cabeça, a movimentação dos olhos e a forma como se desloca, servindo-se da orientação visual.

O Quadro 1 resume os dez passos fundamentais da avaliação oftalmológica. A acuidade visual é definida como a capacidade do olho para distinguir entre dois pontos próximos, a qual depende de diversos factores, em especial do espaçamento dos foto-receptores na retina e da precisão da refracção do olho.

Anamnese

Na anamnese devem ser pesquisados antecedentes familiares e hereditários (cegueira na família, estrabismo, cataratas em crianças, defeitos da refracção, nomeadamente miopia, etc.). A história da gravidez e do parto, o peso de nascimento, idade gestacional, eventuais traumatismos relacionados com o parto, designadamente com repercussão no globo ocular, a necessidade de oxigenoterapia, são aspectos fundamentais que devem ser inquiridos. A evolução do subsequente desenvolvimento da criança deverá ser cuidadosamente avaliada, sendo útil a análise de fotografias em idades diferentes para observar o alinhamento dos olhos e a posição da cabeça em relação ao pescoço e tronco. A informação sobre o comportamento diário da criança quando utiliza a visão, na escola, junto à televisão, e nas actividades lúdicas, é também importante.

O inquérito sobre as doenças que afectaram a criança e os tratamentos a que esteve submetida constituem um elemento igualmente de relevo para a anamnese, tendo em conta a possibilidade de desencadeamento de certo tipo de patologia oftalmológica associada a determinados eventos.

QUADRO 1 – Avaliação oftalmológica

    1. Anamnese
    2. Exame geral
    3. Fixação, alinhamento e motilidade oculares
    4. Acuidade visual
    5. Visão cromática
    6. Visão binocular
    7. Campo visual
    8. Reflexos pupilares
    9. Fundoscopia
    10. Outros exames

Exame objectivo e testes específicos

 

  1. No exame geral, numa abordagem sumária, deve ser analisada a configuração facial, a implantação dos globos oculares e os seus movimentos, nomeadamente para a fixação do olhar despertado por fontes luminosas e pelos sons; igualmente, a eventual existência de fotofobia, as pálpebras e o pestanejo, a localização e orientação das pestanas, bem como a coordenação olho-mão. A verificação de posição anómala da cabeça em relação ao pescoço e ao tronco merece uma menção especial: quer a retroflexão, quer a rotação ou a inclinação da cabeça, poderão corresponder a posições viciosas para que a criança tenha melhor acuidade visual, ou para compensar uma diplopia. Muitas vezes a posição viciosa permite o alinhamento ocular.
    Com uma fonte de luz (lanterna) observam-se os fundos de saco conjuntivais e os pontos lacrimais, que devem estar patentes; avalia-se a coloração da esclera, os vasos conjuntivais, a transparência e o diâmetro das córneas, a profundidade da câmara anterior, a íris e a área pupilar.
    As pupilas devem ter diâmetros semelhantes (isocória), salientando-se que a presença de anisocória implica estudos mais detalhados. Devem ser regularmente redondas, excluindo-se assim a existência de colobomas, de aderências devidas a sinéquias, ou ainda a persistência de restos da membrana pupilar. Devem transmitir um reflexo normal (“vermelho”) do fundo ocular, eliminando-se a presença de uma leucocória (pupila branca), que alerta para a existência de situações ambliogénicas, como a catarata, ou ainda de alterações do segmento posterior do globo ocular (retinopatia da prematuridade, vítreo hiperplástico, retinoblastoma, etc.), por vezes de prognóstico muito grave (caso do retinoblastoma), com elevado risco para a vida da criança. Com a lanterna pode aproveitar-se a ocasião para avaliar também os reflexos pupilares fotomotores, directo e consensual.

  2. No que respeita à fixação e motilidade oculares, cabe referir que a capacidade de manter a fixação monocular num objecto se atinge pelo 2º ou 3º mês de vida; com esta idade a criança deverá ser capaz de seguir com os olhos um objecto familiar, como a face da mãe, embora a visão binocular ainda seja muito incipiente. Pelo 4º mês, a capacidade de convergência está estabelecida, devendo pelo 6º mês haver já um correcto alinhamento dos olhos com visão binocular.
    Para avaliar a fixação e a motilidade oculares pode utilizar-se uma caneta/lanterna ou um pequeno objecto (brinquedo) que desperte a atenção e a fixação visual da criança, tentando verificar o paralelismo na motilidade binocular. Para verificar o alinhamento utiliza-se o teste de Hirschberg ou teste dos reflexos corneanos (Figura 1): projectando uma fonte luminosa sobre a córnea obtém-se um reflexo luminoso punctiforme que, em condições de normalidade (olhos alinhados, em posição simétrica), coincide com o centro da pupila), simetricamente nos dois olhos, sendo que a assimetria é, em geral, sinal de estrabismo. (consultar glossário incluído neste capítulo) 
  1. Na data do nascimento a acuidade visual da criança é muito baixa (numa escala de 1 em 10: cerca de 1/10), aumentando rapidamente nas primeiras semanas de vida. Os primeiros 3 meses de vida são particularmente importantes para o desenvolvimento da acuidade visual da criança e o estabelecimento da fixação. Aos três anos é provável existir já uma acuidade visual de 8/10, e de 10/10 pelos 5 anos de idade. A capacidade de perseguição do estímulo visual é igualmente importante e relaciona-se com: a acuidade visual, a fixação, a motilidade ocular e o desenvolvimento do campo visual.

    Para o desenvolvimento de uma acuidade visual normal é essencial que o olho tenha as condições refractivas necessárias para que o foco de uma imagem incida sobre a retina e sobre a fóvea.

    A avaliação da acuidade visual é, portanto, essencial no exame oftalmológico da criança em qualquer idade, devendo contudo tal prova estar adaptada à idade e colaboração da mesma.

    Podem ser utilizados: métodos qualitativos e quantitativos; e técnicas que fazem apelo a respostas objectivas ou subjectivas, estas mais próximas das situações reais quotidianas e dos métodos utilizados habitualmente para o adulto. Em qualquer circunstância requere-se a colaboração que, por sua vez, implica interesse pela prova a realizar, e atenção.

FIGURA 1. Teste de Hirschberg. Estando os olhos alinhados, em situação de normalidade, o reflexo luminoso coincide com o centro da pupila

3.1 Métodos qualitativos

No recém-nascido, uma avaliação grosseira da capacidade visual pode ser feita pelo reflexo fotomotor directo.

Entre os 2 e 6 meses de vida, além do reflexo fotomotor, deve ser avaliada a capacidade de manter a fixação e seguir um estímulo visual apropriado (face humana aos três meses, uma fonte de luz depois, e um brinquedo aos 6 meses). O movimento com perseguição do estímulo visual adquire-se primeiramente na horizontal e, só depois, na vertical, pelas 4 a 8 semanas.

A prova de reacção à oclusão constitui também um método simples de avaliação da acuidade visual, podendo ser realizada pelos próprios pais, desde que devidamente elucidados.

Na prática, procede-se à oclusão de um dos olhos estando a criança a fixar determinado objecto que lhe desperte a atenção. Com este procedimento é possível obter três tipos de respostas: 1) se a criança reagir apenas à oclusão de um olho, poderá tratar-se de défice grave no olho que não reagiu à oclusão, o que implica observação por oftalmologista; 2) se a criança não reagir à oclusão de qualquer dos olhos, tal indicará, em princípio, acuidade visual normal nos dois olhos; 3) a criança poderá não reagir também por razões relacionadas com comportamento (por ex. apatia), ou por alterações do sistema nervoso central.

3.2 Métodos quantitativos*

A pesquisa do nistagmo optocinético, uma resposta involuntária com movimento pendular dos olhos (movimento alternado dos olhos em direcções opostas, repetitivo), desencadeada pela apresentação rítmica de um estímulo visual – por exemplo faixas ou tiras alternadamente negras e brancas aplicadas num tambor rotativo – pode também servir para a determinação da acuidade visual. Diminuindo progressivamente a largura dessas faixas colocadas de modo sucessivo na face lateral do tambor, é possível avaliar a acuidade visual máxima relacionando-a com a faixa de menor largura capaz de desencadear o movimento reflexo. (Figura 2)

Os chamados testes do olhar preferencial, como os que empregam cartões de Teller, podem ser utilizados como técnica de avaliação da acuidade visual, após os 4-5 meses, em crianças pré-verbais. Os referidos cartões têm um lado branco e outro com riscos ou barras pretas e brancas de larguras variadas. A criança é atraída pelo padrão com barras (desde que exista capacidade de discriminação acima do limiar de acuidade visual), sendo a acuidade visual deduzida pela menor largura das barras que atrai o olhar e chama a atenção da mesma.

As bolas rolantes STYCAR (um conjunto de 10 bolas brancas com diâmetros progressivamente menores, que se fazem deslocar num tapete negro, observando-se a fixação e perseguição da criança ao estímulo visual), constituem outro método de avaliação da acuidade visual, passível de aplicar pelos 6 meses de idade. Também aqui, como no olhar preferencial, não é possível estabelecer uma equivalência com a acuidade determinada por optótipos. (Figura 2)

*Nota:
a – Não é possível estabelecer uma equivalência entre os resultados obtidos pelos diversos métodos quantitativos.
b – A determinação da acuidade visual deve ser feita separadamente para longe e para perto, em monocularidade e em binocularidade, sem correcção óptica e utilizando-a, quando existir.

FIGURA 2. Avaliação da acuidade visual, utilizando o método do nistagmo optocinético (A) observando o comportamento da criança atrás dum biombo com orifício (permitindo que a mesma não veja o observador) (B). Esta estratégia é aplicada, também para o olhar preferencial e para as bolas rolantes STYCAR

Outro método é a utilização de optótipos (figuras, letras ou caracteres de tamanhos diferentes, apresentados sob a forma de quadros em série).

Em geral, após os 3 anos de idade já é possível avaliar a acuidade visual utilizando um destes métodos de optótipos: habitualmente, para os mais pequenos, apenas em símbolos isolados e, depois dos 4 anos, em tabelas com conjuntos de letras. A prática do examinador e, sobretudo, o grau de desenvolvimento da criança ditarão qual a melhor técnica a utilizar. Os símbolos, quando isolados, dão em regra uma melhor acuidade visual do que quando estão incluídos numa série, em tabelas. (Figura 3)

Outro método é a utilização de optótipos (figuras, letras ou caracteres de tamanhos diferentes, apresentados sob a forma de quadros em série).

Em geral, após os 3 anos de idade já é possível avaliar a acuidade visual utilizando um destes métodos de optótipos: habitualmente, para os mais pequenos, apenas em símbolos isolados e, depois dos 4 anos, em tabelas com conjuntos de letras. A prática do examinador e, sobretudo, o grau de desenvolvimento da criança ditarão qual a melhor técnica a utilizar. Os símbolos, quando isolados, dão em regra uma melhor acuidade visual do que quando estão incluídos numa série, em tabelas. (Figura 3)

FIGURA 3. Símbolos e tabelas para determinação da acuidade visual

Não existe consenso sobre o melhor método e/ou tabelas de optótipos a utilizar para a determinação da acuidade visual em crianças pequenas e até à idade escolar. Diversos métodos têm sido propostos e utilizados: tabelas de letras e de desenhos figurativos, como as representadas na Figura 3, E de Snellen (com a letra E em várias posições) etc..

A técnica dos potenciais eléctricos atingindo o córtex occipital, desencadeados por um estímulo visual [os chamados potenciais evocados visuais (PEV)] é uma forma mais objectiva de avaliar a capacidade visual; tal técnica não dá, contudo, informação sobre o processamento neurológico mais diferenciado.

 

  1. Embora não se realize muitas vezes como exame de rotina na avaliação da criança, o estudo da visão cromática está indicado, sobretudo em situações com suspeita de discromatopsia (perturbação na percepção das cores, de que é exemplo o daltonismo); trata-se, efectivamente, dum problema importante (congénito hereditário ou adquirido), sobretudo se for desconhecido, por poder interferir no desenvolvimento global da criança e no seu rendimento escolar. As acromatopsias totais são muito raras. As discromatopsias congénitas são hereditárias, bilaterais e não evolutivas. Têm maior incidência no sexo masculino aparecendo, segundo alguns autores, em 8% dos rapazes e apenas 0,5% das raparigas, embora com graus diversos.
    As discromatopsias adquiridas devem-se a patologia coriorretiniana ou do nervo óptico e são em geral evolutivas e frequentemente unilaterais ou assimétricas, acompanhadas doutros sinais e sintomas.
    É bom relembrar que a criança em idade pré-escolar poderá distinguir as cores primárias (vermelho, verde e azul), mas não ser ainda capaz de as identificar pelo nome.
    Os testes comparativos, como a utilização de pares de canetas de formato igual e com as três cores primárias, são úteis para a avaliação da visão cromática na criança pequena. Nas mais crescidas podem ser utilizados os livros de tábuas pseudoisocromáticos, como o de Ishiara, com a identificação dos números; ou, se a criança ainda não os reconhecer, recorrendo ao “jogo” dos labirintos, que em geral já consegue executar aos 4-5 anos.
    Os testes dicotómicos de Farnsworth, mais informativos, mas também mais complexos, requerem melhor colaboração, sendo por isso mais difíceis de aplicar numa criança.

  2. No estudo da visão binocular há que ter em conta os elementos já recolhidos na observação da fixação, no estudo da motilidade ocular, e na avaliação da acuidade visual.
    Dum modo geral, pode afirmar-se que a avaliação da bisão binocular se baseia na noção da capacidade de fusão das imagens recebidas por cada olho.
    Uma correcta binocularidade só é possível com movimentos oculares normais e com visão equilibrada nos dois olhos.
    De referir que o exame da motilidade ocular extrínseca é levado a cabo inicialmente em binocularidade (terminologia de “versões”), avaliando a simetria da rotação dos dois olhos; verificando-se assimetria, a avaliação deve passar a fazer-se procedendo à oclusão alternada de cada olho (monocularidade com a terminologia de “duções”).
    É igualmente importante determinar se algum dos seis músculos extrínsecos que movimentam o olho está hiper ou hipofuncionante, o que poderá determinar desequilíbrio em determinada posição do olhar.
    As posições de olhar (ou posições cardinais) são as seguintes: para baixo e para a direita, para cima e para a direita, para a direita na linha média, para a esquerda e para cima, para a esquerda na linha média, e para baixo e para a esquerda. Deve igualmente analisar-se o olhar para cima e para baixo, assim como a posição primária do olhar.
    Aos 6 meses a criança já deverá ter a visão binocular estabelecida (teste de Hirschberg), existindo condições ideais (intrínsecas e extrínsecas de desenvolvimento) tais como ausência de anomalias congénitas e estimulação com interactividade.
    O chamado cover-test baseando-se no estudo da motilidade ocular extrínseca, é um exame essencial no estudo da visão binocular, permitindo um diagnóstico dos desvios latentes e constantes, assim como da sua alternância ou unilateralidade.
    Para a execução do cover-test não é necessário equipamento especial, apenas um objecto de fixação (optótipo correspondente à melhor acuidade visual conseguida pela criança) e um oclusor; todavia, importa haver experiência e treino por quem o executa para se obter a colaboração da criança, nomeadamente quanto à observação dos movimentos dos olhos. O teste deverá ser realizado com fixação para longe (6 metros) e para perto (30 cm); se a criança usar óculos deverá ainda ser executado com a correcção óptica.
    Na prática, procede-se do seguinte modo: na modalidade de “cover” para perto (30 cm) deve ocluir-se um olho enquanto o paciente fixa o objecto com o outro; remove-se depois a oclusão, observando o movimento do olho ocluído.
    Na condição ideal para a binocularidade, a ortoforia (correcto alinhamento dos dois olhos, sem desvios latentes ou manifestos), não há qualquer movimento dos olhos, atrás do oclusor ou ao destapar, pois ambos se mantêm alinhados com o objecto de fixação, pese embora a oclusão de um deles.


Na heterotropia (não alinhamento ocular manifesto ou estrabismo) a oclusão do olho que fixa obriga o outro olho que estava desviado a movimentar-se para alinhar o ponto de fixação da retina (a fóvea se houver uma fixação central) com o objecto.

Se o movimento do olho após remoção da oclusão se verificar em direcção à linha média (convergente), diz-se que há esoforia; caso tal não se verifique (divergente) diz-se que há exoforia. Em ambas as situações os dois olhos fixam o objecto quando estão descobertos.

No caso de se verificar um desvio fixo na direcção medial (convergente), diz-se que há esotropia; a situação de desvio fixo para fora (divergente), designa-se exotropia.

Se o movimento for vertical para cima, haverá hipotropia ou hipoforia; se para baixo, hipertropia ou hiperforia. (consultar adiante o glossário)

Nas heteroforias (desvios latentes) é apenas o olho ocluído que executa um movimento por detrás do oclusor (quando lhe é retirado o estímulo de fixação) sendo que, ao destapar-se, readquire a fixação sem que haja movimento simultâneo do olho que esteve a fixar. (Figura 4)

FIGURA 4. Covert Test: alguns resultados obtidos (consultar texto e glossário)

FIGURA 5. Estereoteste polarizado de Wirt – Titmus

FIGURA 6. Evolução do campo visual na criança em esquema figurativo

Os testes de estereopsia dão uma indicação útil sobre o funcionamento sensorial da visão binocular e, quando normais, mostram a existência de percepção simultânea e de uma boa capacidade de fusão das imagens recolhidas pelos dois olhos.

Um dos testes mais utilizados é o estereoteste polarizado de Wirt-Titmus, baseado numa dissociação da imagem que é apresentada aos dois olhos. A dissociação é feita colocando óculos com filtros que polarizam a luz segundo direcções opostas; desta forma, cada olho vê uma imagem algo diferente, com ligeiro deslocamento lateral em relação à imagem do outro olho. (Figura 5)

Na prática são apresentados vários círculos e desenhos de dimensões diferentes fabricados em material polarizado. Da fusão das duas imagens recebidas resulta a noção tridimensional de estereopsia; ou seja, as imagens parecem ter relevo.

Para as crianças mais pequenas apenas é possível a colaboração com o teste da mosca: havendo visão estereoscópica, a criança reage com uma reacção de espanto, ou até de medo. Pedindo-lhe para agarrar as asas da mosca com o polegar e indicador, fá-lo num plano superior ao do cartão-teste.

Crianças de 4 anos colaboram já na avaliação, utilizando as filas de animais, o que permite uma melhor quantificação da estereopsia. Pergunta-se qual deles, em cada fila, está em relevo. Os círculos estereoscópicos são ainda mais discriminativos, mas apenas utilizáveis em idades mais avançadas.

  1. O campo visual da criança (definido como a área de visão que o olho alcança pressupondo que o olhar se dirige para um ponto fixo) é inicialmente muito limitado, seja em profundidade, seja em amplitude; de salientar que o mesmo evolui progressivamente com o crescimento e a maturação. (Figura 6)
    Outro termo utilizado é campo do olhar que corresponde à área de visão alcançada com o somatório das várias posições do olhar, no pressuposto de que a cabeça está fixa.

Os exames de avaliação do campo visual ou de campimetria utilizando o perímetro manual de Goldman e perímetros automáticos só são geralmente exequíveis após os 6 anos por requererem colaboração, com permanente atenção durante longo período. Em crianças mais pequenas poderá ser feita a avaliação dos campos visuais utilizando o método de confrontação ou ainda, pelos 2 anos, com as chamadas bolas montadas (testes de Sheridan/STYCAR). Ambos são métodos que permitem apenas uma avaliação grosseira.

No teste de confrontação o examinador, sentado em frente da criança a cerca de 60 cm e com os olhos de ambos à mesma altura, mantém o olhar da criança a fixar o seu nariz. Depois introduz de fora para dentro do campo visual, a meia distância entre ambos, um objecto ou os dedos, que a criança assinala assim que os vê, permitindo a comparação da amplitude do seu campo visual com a do examinador. A avaliação deve ser feita em ambos os lados e nos diversos quadrantes, tendo especial atenção para que o examinado fixe continuamente o nariz do examinador. Pode ser feita em monocularidade (utilizando um penso oclusor) e em binocularidade. (Figura 7)

FIGURA 7. Avaliação do campo visual por confrontação

Utilizando o método de Sheridan, um examinador, colocado atrás da criança, introduz sucessivamente no campo visual uma bola montada numa haste (o teste original utiliza as bolas com diâmetros entre 13 mm e 3 mm). Uma outra pessoa, colocada à distância em frente da criança (Figura 2-B), mantém-lhe a fixação do olhar num alvo e observa a reacção assim que a bola é percebida. (Figura 8)

  1. Os reflexos pupilares que se manifestam por movimentos da pupila relacionam-se com a motilidade intrínseca. Descrevem-se dois tipos de reflexos pupilares: os fotomotores e o de acomodação.

    Há dois tipos de reflexos fotomotores: – directo, traduzido por verificação de miose como resultado do estímulo com fonte luminosa; – consensual, traduzido por idêntica resposta pupilar verificável no olho não estimulado pela fonte luminosa.

    O reflexo de acomodação obtém-se quando o olho fixa um objecto próximo: a resposta é miose associada a convergência dos olhos. Ou seja, pela aproximação de um objecto seguindo a linha média ântero-posterior em direcção ao nariz da criança avalia-se o movimento de convergência binocular, a amplitude de acomodação e o reflexo da miose que a acompanha.

FIGURA 8. Avaliação do campo visual pelo método de Sheridan com bolas montadas

  1. O exame do fundo ocular – fundoscopia constitui rotina no exame da criança, em Oftalmologia. As características da papila do nervo óptico devem ser avaliadas: coloração, contornos, características da escavação e dos vasos na papila. Igualmente, o restante fundo ocular deve ser analisado, nomeadamente a coloração e homogeneidade, as características dos vasos retinianos, sua coloração, trajecto e relações, bem como a área macular e foveolar. (Figura 9)

    Frequentemente, em crianças de pouca idade, é difícil realizar tal observação com pormenor, sobretudo pela escassa colaboração, pela diminuição do diâmetro pupilar, e pela dificuldade em manter a fixação do olhar, o que dificulta a focagem da retina. Estas circunstâncias podem levar à necessidade de dilatação prévia da pupila com paralisia da acomodação, utilizando colírio cicloplégico (por ex. atropina), atitude que deverá ser ponderada pelo médico oftalmologista. Nalguns casos, para que a observação seja viável, poderá ser mesmo necessário o recurso à anestesia.

FIGURA 9. Fundoscopia normal

Na impossibilidade duma observação fundoscópica, torna-se fundamental a observação do chamado “reflexo alaranjado” (com um oftalmoscópio colocado a certa distância do globo ocular é observada, em condições de normalidade, a luz de cor alaranjada reflectida pela retina). A observação pode ser facilitada procedendo à dilatação pupilar. A não verificação de tal cor pode ser indicativa de doença ocular. (alínea: 1.)

  1. Diversos exames complementares de diagnóstico podem ser necessários para o estudo de determinada patologia oftalmológica. Salientam-se, entre outros, certos exames imagiológicos – ecografia, tomografia axial computadorizada (TAC), ressonância magnética (RM), angiografia fluoresceínica, exames especiais do campo visual, exames de ortóptica, exames de neuroftalmologia, exames electrofisiológicos (electrorretinograma/ERG, potenciais evocados visuais/PEV, etc.), cujo âmbito ultrapassa os objectivos deste trabalho. Para melhor compreensão da terminologia, em geral do domínio do oftalmologista, é apresentado um glossário no pressuposto de utilidade para o médico de família e pediatra.

GLOSSÁRIO

Acomodação > fenómeno pelo qual se consegue visualizar os objectos próximos, o que é possível graças à contracção do músculo ciliar e à elasticidade da cápsula do cristalino.
Acuidade visual > capacidade de distinguir dois pontos distintos a determinada distância; este parâmetro mede a actividade macular (visão central).
Campimetria > exploração e determinação do campo visual periférico e central.
Catarata > opacidade do cristalino.
Estereopsia > Capacidade de percepção de imagens com noção de relevo ou de 3 dimensões.
Estrabismo > não alinhamento ocular.
Hifema > colecção de sangue na câmara anterior.
Hipopion > colecção de pus na câmara anterior.
Leucocória > pupila branca (em vez de negra, normal).
Nistagmo > oscilações rítmicas dos globos oculares, independentes dos movimentos oculares normais.
Ortóptica > conjunto de processos de reeducação do olho destinados à correção das pertubações da visão binocular (designadamente estrabismo) e da motibilidade ocular.
Prefixo “exo” > divergente.
Prefixo “eso”ou “endo” > convergente.
Sufixo “foria” > latente.
Sufixo “tropia” > manifesto.

BIBLIOGRAFIA

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Gallin FP (ed). Pediatric Ophtalmology. New York/Stuttgart: Thieme, 2000

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