Definição e importância do problema

O estrabismo é uma situação clínica a que já se fez alusão a propósito do exame oftalmológico: ausência de alinhamento dos eixos dos globos oculares.

Trata-se dum dos problemas clínicos mais frequentes em idade pediátrica (frequência de cerca de 3 a 5%), atingindo valores cerca de dez vezes superiores nos casos de doença motora cerebral. Deve salientar-se a importância do diagnóstico precoce com o objectivo principal de evitar alteração da acuidade visual.

Correspondendo a uma síndroma motora e sensorial, poderá constituir um epifenómeno de doenças mais graves, como tumores do sistema nervoso central ou do próprio globo ocular.

Etiopatogénese e classificação

A falta de alinhamento em paralelo dos eixos dos globos oculares determina que as imagens que chegam ao sistema nervoso central (SNC) “não se fundindo”, originem visão dupla (diplopia) que é compensada pelo SNC através dum mecanismo de supressão da visão do olho desalinhado que, não sendo estimulado, conduz a défice visual.

Por outro lado, nos desalinhamentos adquiridos nem sempre surge tal supressão de estímulo no olho desviado pelo facto de a criança adoptar determinada posição da cabeça (flexão lateral do pescoço e/ou rotação da cabeça) na “tentativa de evitar” visão dupla.

O estrabismo pode classificar-se de acordo com diversos critérios: idade de aparecimento (congénito se antes dos 6 meses, ou adquirido se depois desta idade); compromisso de um ou dois olhos (respectivamente monocular ou binocular, sendo que este último evidencia melhor prognóstico indiciando, em princípio, visão conservada nos dois olhos e menor probabilidade de desenvolvimento de ambliopia); duração da anomalia (constante, intermitente, ou ainda cíclico se se manifestar por períodos com intervalos assintomáticos); direcção do desvio ocular (esotrópico ou convergente, exotrópico ou divergente, hipotrópico ou para baixo, e hipertrópico ou para cima). Lembra-se, a propósito do que foi referido no glossário do capítulo 261 que, em situações consideradas latentes no sentido lato, ou seja, não constantes, o prefixo dos termos será “… fórico” em vez de “… trópico”.

Diagnóstico

A verificação, pelo clínico geral ou pediatra, de desvio ocular mantido pelos 4-5 meses, ou a partir desta idade, implica a realização de história clínica e referência atempada ao oftalmologista acompanhada de relatório sucinto para diagnóstico etiológico e actuação adequada em função do tipo e magnitude do referido desvio. Trata-se, efectivamente, duma situação cujo tratamento ultrapassa o âmbito dos clínicos generalistas (pediatras ou não).

No relatório a enviar ao especialista importa salientar os dados anamnésticos investigados: antecedentes da gravidez, desenvolvimento cognitivo, defeitos congénitos associados, fotofobia, doença motora cerebral não evolutiva, antecedentes de traumatismo cranioencefálico, torcicolo, fotofobia, diplopia, idade e modo de início do desvio ocular, etc..

Idealmente, o relatório deverá incluir igualmente achados do exame físico que foi descrito no capítulo “Exame oftalmológico”, salientando-se que um exame objectivo cuidadoso poderá identificar quadros semelhantes ao estrabismo (pseudostrabismo) como os relacionados, por exemplo, com epicanto, hipertelorismo e assimetria craniofacial.

Uma noção importante a reter é: quanto mais precoce o desvio e mais tardio o início do tratamento, tanto mais reservado o prognóstico. Ou seja, o papel do médico generalista quanto à identificação precoce da situação é de primordial importância.

Tratamento

Para além da correcção estética a proporcionar ao doente, a base racional do tratamento é prevenir a baixa acuidade visual ou a ambliopia, propiciando visão binocular normal.

Na prática, tal desiderato a cargo do especialista, pode ser obtido através de correcção óptica e/ou de intervenção cirúrgica.

Nalguns centros utiliza-se a injecção de toxina botulínica A nos músculos extraoculares.

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