Introdução histórica

Do ponto de vista histórico, o primeiro estudo de casos de artrite juvenil com as características do grupo de doenças que estamos a considerar foi publicado em 1864, por Cornil, numa doente de 29 anos, com doença iniciada aos 12 anos de idade. A primeira publicação de casos em idade pediátrica é de 1881 por Moncorvo, autor brasileiro que fez a sua “thèse de doctorat” em Paris, sobre uma doente de 2 anos de idade, não se sabendo se voltou a publicar algum outro estudo sobre o mesmo tema.

A primeira série bem estudada foi publicada em 1891, também como thèse de doctorat em Paris, por Diamant-Berger, médico francês que reviu 38 casos clínicos, 4 dos quais da sua observação pessoal.

Este autor passou o resto da sua vida clínica como obstetra na cidade de Lyon, não se conhecendo nenhuma publicação posterior sua sobre o mesmo assunto. A primeira análise criteriosa da doença reumática crónica da criança foi publicada por George Frederic Still no Reino Unido 1897, tendo sido este mesmo trabalho lido por Sir Alfred Garrod, outra figura ímpar dos primórdios da Reumatologia inglesa, que estabeleceu pela primeira vez a relação entre hiperuricémia e gota. Nesse estudo, Still não só identifica e caracteriza bem a forma sistémica de artrite idiopática juvenil (AIJ), como chama a atenção para a sua potencial gravidade (com mortalidade, nessa altura, superior a 10% num seguimento de cerca de 5 anos) e a distingue de outra forma de AIJ em que a doença é predominantemente articular, chegando a propor que se trataria de duas doenças diferentes, quer clínica, quer patogenicamente.

Seguindo a tradição dos autores que no século XIX publicaram sobre as AIJ, Still nunca mais voltou a abordar este tema, apesar de uma actividade editorial extensa, ligada à Medicina e à Pediatria, tendo mesmo publicado várias edições de um tratado de doenças da criança, no qual nunca se referiu às doenças reumáticas crónicas juvenis. Já no século XX e no Reino Unido, duas figuras se destacam na história da evolução de conceitos relativos às artrites juvenis. São elas Eric Bywaters, Reumatologista de mérito universalmente reconhecido, com trabalhos de importância fundamental na histopatologia das doenças reumáticas e nas doenças reumáticas crónicas juvenis, que começou a trabalhar este assunto numa altura (1948, após o fim da II Guerra Mundial) em que a doença reumática juvenil mais comum em todas as enfermarias do Canadian Memorial Red Cross Hospital, em Taplow – Inglaterra, era a febre reumática.

Classificação e evolução de conceitos

No início dos anos 60, Barbara Margareth Ansell juntou-se à equipa médica de Taplow e ajudou este centro a atingir o topo da reumatologia pediátrica mundial, centro de referência e formação para muitos dos que agora dirigem conceituados serviços e unidades de Reumatologia Pediátrica em todo o Mundo. A estes autores se devem os primeiros critérios de classificação da EULAR (European League Against Rheumatism), bem como a designação de Artrite Crónica Juvenil, que durante algumas décadas foi a mais prevalente segundo reumatologistas e pediatras europeus.

As patologias reumáticas crónicas da infância e adolescência que originam maior número de consultas (cerca de 60% do total das consultas externas de Reumatologia Pediátrica) encontram-se no grupo das doenças crónicas anteriormente designadas por artrite crónica juvenil (ACJ), na Europa, e artrite reumatóide juvenil (ARJ) nos Estados Unidos da América e grande parte do continente Americano. Recentemente, numa tentativa séria de uniformização de critérios, estabeleceu-se a designação de artrites idiopáticas juvenis (AIJ), através de um grupo de trabalho de nomenclatura e classificação das doenças reumáticas crónicas juvenis, patrocinado pela ILAR (International League Against Rheumatism).

A denominação descritiva de ACJ pressupõe que não se trata de uma doença, mas sim de um grupo de patologias caracterizadas pela presença de doença inflamatória articular, respetivamente:

  • Artrite – que cursa com duração superior ou igual a 3 meses;
  • Crónica – num grupo etário bem definido;
  • Juvenil – tendo início antes de se completar o 16º ano de vida.

Este diagnóstico obriga à exclusão de um largo grupo de doenças da infância que podem ter sintomas semelhantes aos da ACJ. (Quadro 1)

QUADRO 1 – Critérios de diagnóstico de artrite crónica juvenil, formas de início e lista de exclusões a que este diagnóstico obriga*

* “Nomenclature et classification de l’arthrite chez l’enfant”. EULAR Bulletin. 1977; 6:101-105.

Formas de Início

    • Sistémica
    • Poliarticular
    • Oligoarticular

Lista de Exclusões

    • Artropatias com características específicas
      • Infecciosas (bacterianas maltratadas, tuberculose)
      • Alterações imunológicas não reumatológicas (agamaglobulinemia)
      • Doenças hematológicas (hemofilias, leucoses)
      • Neoplasias (neuroblastoma, etc.)
      • Psicogénicas
      • Doenças distintas do sistema músculo-esquelético
      • Polimiosite e dermatomiosite
      • Esclerodermia
      • Síndroma de Sjögren
      • Doença mista do tecido conjuntivo
      • Vasculites necrosantes (Schönlein-Henoch, etc.)
      • Doença de Behçet
      • Doenças não reumáticas (condromalácia, epifisites de crescimento, epifisiólises, etc.)
    • Doenças específicas que podem causar problemas no diagnóstico
      • Febre reumática
      • Lúpus eritematoso sistémico
      • Artrites reactivas

Critérios de Diagnóstico

    • Artrite de 1 ou mais articulações
    • Duração mínima de 3 meses
    • Início antes dos 16 anos de idade
    • Exclusão de outras causas de artrite

A ACJ foi subdividida em três formas distintas, classificadas de acordo com a evolução clínica durante os primeiros 6 meses de doença: a forma Sistémica, a forma Poliarticular e a forma Oligoarticular, representando provavelmente doenças diferentes.

Na forma Sistémica predominam as manifestações extra-articulares:

  • Febre alta intermitente (presente em 100% dos casos) com picos febris vespertinos (≥39ºC) e apirexia ou temperaturas subfebris matinais;
  • Exantema macular eritematoso (80% dos casos), de cor rósea ou salmão, por vezes muito fugaz, que pode estar presente apenas durante os picos febris e se pode associar a fenómeno de Koebner;
  • Hepatosplenomegalia (60% dos casos);
  • Adenomegalias generalizadas (50% dos casos);
  • Serosite (20% dos casos) – geralmente sob forma de pericardite, que tem expressão clínica em 5% dos casos e pode ser detectada ecocardiograficamente em cerca de 20% dos doentes; a pleurite e a peritonite asséptica são muito mais raras.

As manifestações articulares, indispensáveis para o diagnóstico, podem ser muito escassas, ou estar mesmo ausentes (20% dos casos), nas primeiras semanas ou meses de doença. A médio-longo prazo cerca de 40% dos doentes com esta forma de doença vêm a sofrer de poliartrite extensa, e muitas vezes incapacitante. A amiloidose secundária, embora rara (< 2%), é um risco a considerar nos doentes com doença contínua por período superior a 5 anos.

Nas formas Oligoarticulares, ou pauciarticulares, são atingidas apenas uma a quatro articulações nos primeiros 6 meses de doença; quando apenas uma articulação é atingida, trata-se de uma monoartrite, cuja investigação diagnóstica deve levar em consideração a possibilidade de artrite infecciosa.

As formas oligoarticulares precoces, iniciadas antes dos 6 anos de idade, atingem predominantemente o sexo feminino (6/1), e acompanham-se com frequência de uveíte crónica assintomática ou oligossintomática (40%) e anticorpos antinucleares presentes no soro (70%).

As formas oligoarticulares tardias, que se iniciam habitualmente após os 10 anos de idade, atingem predominantemente o sexo masculino (3/1) e acompanham-se frequentemente de entesite ou processo inflamatório na zona de inserção dos tendões e ligamentos (25%) e de uveíte anterior aguda (20%), sendo o antigénio de histocompatibilidade HLA B27 detectável em cerca de 60% destes doentes.

Se o período de acompanhamento for suficientemente prolongado (≥10 anos), muitos destes doentes virão a evoluir de forma a poderem ser classificados como sofrendo de doenças do grupo das espondilartropatias.

Outros doentes com início oligoarticular não têm características específicas e, após um lapso de tempo maior ou menor, entram em remissão sem sequelas articulares significativas.

Nas formas Poliarticulares são atingidas 5 ou mais articulações no decurso dos primeiros 6 meses de doença, sendo nestas formas de ACJ mais comum a incapacidade articular se o tratamento não for precoce e agressivo.

Na ACJ Poliarticular com FR IgM presentes no soro a evolução clínica, laboratorial e radiológica é sobreponível à da AR do adulto. Há nítido predomínio do sexo feminino (5/1) e, por regra, o início é mais tardio (após os 10 anos de idade) que nos outros casos de ACJ poliarticular. É comum a poliartrite periférica extensa, com envolvimento bilateral, simétrico e com carácter aditivo, das pequenas articulações das mãos, punhos e pés, entre outras. As erosões ósseas radiológicas são frequentes e precoces. (Figuras 1 e 2)

FIGURA 1. ACJ poliarticular: notória tumefacção das articulações interfalângicas dos dedos das mãos

FIGURA 2. ACJ poliarticular. Compromisso das pequenas articulações das mãos (A), sendo evidentes na radiografia (B) sinais de erosão óssea

Nos doentes com ACJ Poliarticular sem FR IgM, reconhecem-se vários tipos diferentes de evolução clínica: alguns com doença articular progressiva e grave, como a AR do adulto; outros que alguns anos depois virão a sofrer de psoríase, podendo então ser classificados como tendo artrite psoriásica; outros que evoluem como espondilartropatias, com entesite e envolvimento do esqueleto axial (coluna dorso-lombar e sacroilíacas); e ainda outros que virão a entrar em remissão ou a evoluir com menor número de articulações atingidas, chegando à idade adulta sem sequelas articulares significativas.

Como se torna fácil perceber, sob a classificação de ACJ encontram-se numerosas doenças reumáticas crónicas da infância e adolescência, cujo diagnóstico e classificação definitivos exigem muitas vezes a passagem de anos, ou mesmo décadas. Nesta classificação reconhece-se como Artrite Reumatóide Juvenil um subgrupo de doentes, com início de forma poliarticular e factores reumatóides IgM presentes no soro, que têm clínica, laboratório, radiologia e prognóstico sobreponíveis aos da AR do adulto.

A designação de ARJ – Artrite Reumatóide Juvenil, do American College of Rheumatology, embora não seja sobreponível à de ACJ (Quadro 2) (pois a duração mínima da artrite é 6 semanas e a lista de exclusões é diferente, nomeadamente no que respeita à exclusão de todas as doenças do grupo das espondilartropatias), envolve uma população de doentes em grande parte sobreponível.

QUADRO 2 – Comparação das classificações de artrite crónica juvenil (ACJ), artrite reumatóide juvenil (ARJ) e artrites idiopáticas juvenis (AIJ)

 ARJACJAIJ
Idade de início< 16 anos< 16 anos< 16 anos
Duração≥ 6 semanas≥ 3 meses≥ 6 semanas
Tipos de início
    • Pauciarticular: < 5
    • Poliarticular: > 4
    • Sistémico: Febre+Artrite
    • Oligoarticular: < 5
    • Poliarticular: > 4
    • Sistémico: Febre+Artrite
    • Oligoartrite: < 5
    • Poliartrite: > 4
    • Sistémico: Febre+Artrite
Subgrupos de classificaçãoNenhum
    • ARJ: Poliartrite e FR IgM(+)
    • Espondilite anquilosante
    • Artrite psoriásica
    • Sistémica: Febre+Artrite
    • Oligoartrite:
      • Persistente
    • Estendida
    • Poliartrite FR IgM(-)
    • Poliartrite FR IgM(+)
    • Artrite psoriásica
    • Artrite com entesite
    • Outras
      • Não classificáveis
      • Classificáveis em mais de um subgrupo
ComentáriosO nome é enganador, fazendo pensar que se trata de uma só doençaDesignação descritiva, não se confunde com uma doença
Considera 3 doenças distintas
Definições de tipo de doença semelhantes às restantes
Reconhece e valoriza heterogeneidade clínica como podendo significar doenças diferentes

As designações ACJ ou ARJ não se referem a uma doença específica, mas sim a um grupo de patologias que surgem num determinado grupo etário; por isso, o conceito de Artrite Reumatóide Juvenil dos autores americanos é inaceitável por todos os que conhecem bem a AR do adulto e compreendem que a maior parte das crianças que sofre de ARJ tem uma doença distinta da AR. Acresce que, cada vez mais, os pais e os próprios adolescentes recorrem a enciclopédias médicas familiares e tomam conhecimento do que pode significar sofrer de artrite reumatóide, sem que lhes seja informado que a doença em questão pode ser completamente distinta. Tal circunstância gera, assim, ansiedade e receios muitas vezes injustificados.

Os critérios de classificação da ILAR, criados em Santiago do Chile e revistos em Durban e Edmonton constituem uma abordagem mais actual e orientada para a definição de características clínicas, laboratoriais e imunogenéticas que permitam, no futuro, identificar doenças reumáticas diferentes com características clínicas semelhantes iniciadas neste grupo etário.

Estas três classificações das doenças reumáticas juvenis, embora com diferenças importantes entre elas, envolvem uma população de doentes largamente sobreponível, estando estes conceitos em plena evolução. Enfermam do defeito comum de não atribuir às doenças da infância o nome que as mesmas doenças têm quando surgem na idade adulta (apenas a classificação da ACJ em subgrupos o faz, ainda que de forma incompleta).

Para obviar a diferenças regionais, entre a Europa e os Estados Unidos da América, decidiu-se optar por uma designação genérica que não fosse igual a nenhuma das duas anteriormente utilizadas, e que indicasse sem dúvidas que se tratava de doenças da infância de causa desconhecida. Daí o termo Artrites Idiopáticas Juvenis (AIJ).

Estes critérios de classificação das AIJ consideram os seguintes grupos:

  • Artrite sistémica
    Caracterizada pela presença de artrite, precedida ou acompanhada de febre diária, intermitente, com o mínimo de duas semanas de duração, acompanhada de uma ou mais das seguintes manifestações:
    1. Exantema eritematoso fugaz;
    2. Linfadenopatias generalizadas;
    3. Hepatomegália e/ou esplenomegália;
    4. Serosite.
Exclusões:
      • Psoríase ou história de psoríase, no doente ou em familiares de 1º grau.
      • Artrite iniciada após os 6 anos no sexo masculino, e associada ao HLA B27.
      • Espondilite anquilosante, artrite relacionada com entesite, sacroileíte com doença inflamatória do intestino, síndroma de Reiter ou uveíte anterior aguda, ou história de uma destas doenças num familiar de 1º grau.
      • Presença de FR IgM em duas determinações com o mínimo de 3 meses de intervalo.
  • Oligoartrite
    Artrite afectando uma a quatro articulações durante os primeiros 6 meses de doença. Reconhecidas duas subcategorias:
    1. Oligoartrite persistente – não atinge mais de 4 articulações durante todo o curso da doença;
    2. Oligoartrite estendida – atinge 5 ou mais articulações após os primeiros 6 meses de doença
Exclusões:
      • Psoríase ou história de psoríase no doente ou familiar de 1º grau, ou doença associada ao HLA B27, confirmada por médico.
      • Artrite iniciada após os 6 anos no sexo masculino, e associada ao HLA B27.
      • Espondilite anquilosante, artrite relacionada com entesite, sacroileíte com doença inflamatória do intestino, síndroma de Reiter ou uveíte anterior aguda, ou história de uma destas doenças num familiar de 1º grau.
      • Presença de FR IgM em duas determinações com o mínimo de 3 meses de intervalo.
      • Presença de artrite sistémica, conforme definida acima. (Ver Glossário)
  • Poliartrite (Factores Reumatóides IgM negativos)
    Artrite afectando 5 ou mais articulações durante os primeiros 6 meses de doença, com pesquisa de FR IgM persistentemente negativa.
Exclusões:
      • Psoríase ou história de psoríase no doente ou familiar de 1º grau, ou doença associada ao HLA B27, confirmada por médico.
      • Artrite iniciada após os 6 anos no sexo masculino, e associada ao HLA B27;
      • Espondilite anquilosante, artrite relacionada com entesite, sacro-ileíte com doença inflamatória do intestino, síndroma de Reiter ou uveíte anterior aguda, ou história de uma destas doenças num familiar de 1º grau;
      • Presença de FR IgM em duas determinações com o mínimo de 3 meses de intervalo.
      • Presença de artrite sistémica, conforme definida acima.
  • Poliartrite (Factores Reumatóides IgM positivos)
    Artrite afectando 5 ou mais articulações durante os primeiros 6 meses de doença, com pesquisa de FR IgM positiva, pelo menos em 2 determinações efectuadas com o mínimo de três meses de intervalo.
Exclusões:
      • Psoríase ou história de psoríase no doente ou familiar de 1º grau, ou doença associada ao HLA B27, confirmada por médico.
      • Artrite iniciada após os 6 anos no sexo masculino, e associada ao HLA B27.
      • Espondilite anquilosante, artrite relacionada com entesite, sacroileíte com doença inflamatória do intestino, síndroma de Reiter ou uveíte anterior aguda, ou história de uma destas doenças num familiar de 1º grau.
      • Presença de artrite sistémica, conforme definida acima.
  • Artrite Psoriásica – definida como:
    1. Artrite e psoríase;
    2. Artrite associada a pelo menos 2 das seguintes manifestações:
      1. Dactilite
      2. Alterações ungueais (picotado ou onicólise)
      3. História familiar de psoríase, confirmada por um dermatologista, em pelo menos um familiar de 1º grau.

Exclusões:

      • Presença de FR IgM no soro.
      • Presença de artrite sistémica, conforme definida acima.
      • Artrite iniciada após os 6 anos no sexo masculino, e associada ao HLA B27.
      • História de espondilite anquilosante, artrite relacionada com entesite, sacroileíte com doença inflamatória do intestino, síndroma de Reiter ou uveíte anterior aguda num familiar de 1º grau.
  • Artrite relacionada com entesite – definida como:
    1. Artrite e entesite;
    2. Artrite ou entesite com o mínimo de 2 manifestações seguintes:
      1. Dor sacro-ilíaca e/ou dor inflamatória da coluna
      2. Presença do HLA B27
      3. História familiar, em pelo menos um familiar de primeiro ou segundo grau de doença associada ao HLA B27, confirmada por médico
      4. Uveíte anterior aguda, associada a dor, inflamação ocular e fotofobia
      5. Início da artrite no sexo masculino, após os 8 anos de idade.
  1.  

Exclusões:

      • História familiar de psoríase, confirmada por um dermatologista em, pelo menos, um familiar de primeiro ou segundo grau.
      • Presença de artrite sistémica, conforme definida acima.
  • Outras Artrites – crianças com artrite de causa desconhecida, que persiste no mínimo 6 semanas, mas que:
    1. Não preenche critérios para nenhuma das restantes categorias;
    2. Preenche critérios para mais que uma das restantes categorias.

Exclusões:

      • Doentes que preenchem critérios para apenas uma das outras categorias.

Como pode ser facilmente avaliado, estes critérios continuam a enfermar de alguns problemas relacionados com a sua filosofia de base. Nomeadamente é de salientar que:

  1. Não identificam, de forma coerente, os vários grupos da classificação como doenças, quando tal poderia ser feito em relação aos seguintes:
    1. Artrite sistémica – situação que tem a designação de doença de Still do adulto, quando se inicia após os 16 anos de idade;
    2. Poliartrite com FR IgM positivos – corresponde à Artrite Reumatóide, deveria por isso ser classificada como Artrite Reumatóide Juvenil;
    3. Artrite relacionada com entesite – corresponde, quase sempre, a formas de espondiloartropatia juvenil, sendo por vezes necessário esperar muitos anos, ou mesmo décadas, até à total eclosão do quadro clínico, o qual (tal como sucede por vezes no adulto) pode ser bastante benigno;
    4. Oligoartrite, persistente ou estendida – com ANA positivos e/ou uveíte crónica – trata-se duma forma de doença reumática crónica exclusivamente encontrada em crianças (não há casos idênticos descritos na idade adulta);
    5. Não aplicam os critérios de diagnóstico da AR do adulto, que permitiriam identificar casos de AR entre as crianças com Poliartrite e FR IgM negativos;
    6. Apenas identificam como doença a Artrite Psoriásica, com critérios de diagnóstico muito semelhantes aos publicados previamente pelos dois autores que redigiram o Editorial e o artigo sobre os critérios da AIJ de Durban.
  1. Não reconhecem explicitamente que em muitos casos de AIJ o diagnóstico definitivo só pode ser conseguido na idade adulta, por muito cuidadosos e competentes que sejam os Reumatologistas Pediatras;
  2. Não realçam a existência de doenças reumáticas crónicas próprias da infância, para as quais se poderia propor uma designação;
  3. Parecem desconhecer o verdadeiro significado do termo “idiopático”, recusando-se a considerar como tal doenças melhor caracterizadas, como por exemplo o lúpus eritematoso sistémico (LES) e a dermatomiosite juvenil (DMJ), em que esta designação também é aplicável. Obviamente que não se propõe que o LES e a DMJ façam parte deste grupo de doenças, contudo são também doenças idiopáticas e o LES é muitas vezes juvenil;
  4. Os critérios não estão validados por nenhum estudo prospectivo.

Assim sendo, é fácil compreender que as várias tentativas de classificação atrás expostas não são definitivas e têm vindo a evoluir no sentido de aproximar a comunidade médica internacional em torno de uma forma de classificação que possa ser partilhada por todos.

É assim previsível que, a curto-médio prazo, a designação passe a ser de Artrite Juvenil e os vários sub-grupos iniciais sejam considerados, sempre que possível, como doenças independentes, tais como a doença de Still ou AIJ sistémica, a Artrite Reumatóide Juvenil (isto é, AIJ poliarticular ou Oligoarticular estendida com factores reumatóides IgM presentes no soro e evolução clínica sobreponível à da artrite reumatóide do adulto), e as Espondiloartropatias, incluindo a espondilite anquilosante, a síndroma de Reiter e as espondiloartropatias indiferenciadas, bem como a artrite psoriásica juvenil e as artrites associadas à doença inflamatória crónica do intestino.

As maiores vantagens desta classificação consistem no facto de, por um lado, se poder aliviar a ansiedade dos pais com a atribuição de uma designação provisória nos casos, nada raros, em que um diagnóstico definitivo não é possível, ou demora muitos meses ou mesmo anos a concretizar-se e, por outro lado, ao atribuir-se uma designação única a estas várias patologias (cada uma por si pouco comum) consegue-se uma massa crítica de doentes e vontades que podem auxiliar a defender estas crianças nos ambientes escolar, vocacional, de apoio social e outros.

O Quadro 3 sintetiza a correspondência entre os grupos de classificação das AIJ e a classificação actual das doenças reumáticas do adulto. Do ponto de vista da abordagem diagnóstica destas doenças é óbvio que só poderemos evocar uma suspeita de AIJ se uma criança ou adolescente tiver artrite pelo menos numa articulação, iniciada em idade inferior a 16 anos.

QUADRO 3 – Correspondência entre os grupos de classificação das AIJ de Durban e a classificação actual das doenças reumáticas do adulto

Classificação das AIJ – ILAR/DurbanGrupo nosológico correspondente nos adultos
Artrite sistémicaDoença de Still
Poliartrite com FR IgM presentesArtrite reumatóide
Poliartrite com FR IgM negativosArtrite reumatóide sem FR IgM (deveriam ser utililizados na criança os critérios do ACR)
Espondiloartropatias
Oligoartrite com ANA+ e/ou uveíte crónicaSem correspondência no adulto
Oligoartrite extendida com FR IgM +Artrite reumatóide
Oligoartrite tardia/HLA B27Espondiloartropatias
Artrite relacionada com entesiteEspondiloartropatias
Artrite psoriásica juvenilArtrite psoriásica
Outras/InclassificáveisDiagnóstico preciso a definir na idade adulta

Ter artrite significa não apenas existir dor articular, mas esta associar-se a tumefacção, aumento da temperatura local (menos comum nas artrites crónicas que nas agudas) e/ou limitação de movimentos das articulações atingidas.

É importante salientar que muitas vezes as crianças mais pequenas podem verbalmente negar a existência de dor articular, sendo esta apenas confirmada pela observação da expressão facial, enquanto se explora a mobilidade das articulações envolvidas. (Quadro 4)

  • QUADRO 4 – Artrites idiopáticas juvenis

Como suspeitar do diagnóstico?
    • Presença de artrite (pelo menos 2 das três manifestações seguintes: dor articular/ tumefacção articular/ limitação da mobilidade articular) de uma ou mais articulações
      +
    • Duração superior ou igual a 6 semanas
      +
    • Início das queixas antes dos 16 anos de idade

O diagnóstico de AIJ pressupõe também a exclusão de várias doenças juvenis que podem causar artrite no mesmo grupo etário. No Quadro 5 estão indicadas as principais doenças que podem causar dificuldades no diagnóstico diferencial das AIJs.

QUADRO 5 – Exclusões para o diagnóstico de AIJ

    • Lúpus eritematoso sistémico juvenil
    • Dermatomiosite juvenil
    • Esclerodermia juvenil
    • Vasculites sistémicas juvenis
    • Febre reumática
    • Doenças infecciosas juvenis (tuberculose e brucelose articulares, mononucleose infecciosa, osteomielite, hepatite B, rubéola, varicela, entre outras)
    • Neoplasias (leucoses, tumores da sinovial, sarcoma de Ewing, linfomas, osteoma osteóide, entre outras)

Epidemiologia

Os dados publicados referentes à epidemiologia das artrites juvenis permitem-nos afirmar que não se trata de situações raras, mas que ocorrem com grandes diferenças de prevalência nos vários países em que são estudadas.

Incidência e prevalência – A incidência destas doenças oscila entre 6 e 18 casos/100 000 crianças em risco/ano, mostrando, tal como os seus limites sugerem, grandes variações em regiões diferentes do globo. A prevalência mais aceite ronda os 100 casos/100 000 jovens em risco, ou seja cerca de 1/1000, havendo locais em que este valor pode mesmo ser superior.
Uma das razões óbvias para a disparidade de números dos vários estudos epidemiológicos das artrites juvenis é a utilização de distintos critérios de diagnóstico das doenças, e diferentes formas de identificar os doentes atingidos nas diversas comunidades estudadas. Claro está que a diferente constituição genética dessas comunidades também terá contribuído para as diferenças detectadas.

Idade de início – A definição do limite de idade para o início de uma artrite juvenil como inferior a 16 anos é totalmente arbitrária e tem a ver com a idade limite de internamento de doentes nos serviços de pediatria de países do norte da Europa e dos EUA, em meados do século passado – foi, pois, uma razão de ordem administrativa que pôs todos os clínicos de acordo com este limite etário!
A idade de início é diferente para as várias doenças que fazem parte do grupo das AIJ, como veremos abaixo, aceitando-se que o grupo total tem um pico de início entre os 1 e os 3 anos de idade, no qual existe nítida predominância do sexo feminino, distribuindo-se as restantes idades de início de forma mais ou menos equilibrada até aos 16 anos.

Sexo – No grupo total a relação entre sexos é de cerca de 2F/1M, sendo em todos os estudos publicados o sexo feminino o mais afectado. Contudo, esta diferença difere muito de acordo com o tipo de AIJ que se considera. Assim, nas espondiloartropatias juvenis o sexo masculino é afectado mais vezes (3M/1F) que o feminino, na AIJ oligoarticular de início precoce (em idade < 6 anos) com anticorpos antinucleares presentes no soro o sexo feminino é atingido com muito maior frequência (5F/1M) e na forma sistémica a frequência é praticamente igual nos dois sexos.
Em cerca de 50-60% dos casos, a AIJ tem início de forma oligoarticular, 20-25% de forma poliarticular e 15 a 20% de forma sistémica.

Influência geográfica e racial – As AIJ têm sido descritas em todas as latitudes e etnias, sendo a sua epidemiologia melhor conhecida nos países com serviços de saúde mais desenvolvidos e mais bem organizados.
Alguns estudos apontam para diferenças entre populações de origem europeia e africana, enquanto outros detectaram números de acordo com a representação respectiva destas duas populações na comunidade em estudo, no mesmo país.

Em suma, estas doenças atingem todos os grupos étnicos, com diferenças que ainda não são bem conhecidas.

Etiopatogénese

Não constituindo uma única doença, é fácil compreender que as diversas AIJ têm igualmente etiologia e patogénese diversas. Nesta perspectiva, importa referir certos factos.

Com efeito, existe uma desregulação do sistema imunitário, com anomalia das células T, as quais infiltram a membrana sinovial das articulações afectadas; tal verificação sugere o papel destas células na patogénese da doença.

Algumas destas doenças têm alterações da imunidade humoral, incluindo presença de complexos imunes, vários autoanticorpos e activação do complemento, por vezes com aumento dos níveis séricos deste, que sugerem uma participação desta na patogénese.

Por outro lado, há seguramente uma participação genética múltipla oligogénica ou poligénica, provavelmente responsável pelas alterações imunológicas que causam a doença e que levam a aumento da incidência familiar de algumas das doenças classificadas sob a designação de AIJ.

Face à heterogeneidade, quer dos quadros clínicos que são classificados como AIJ, quer da expressão clínica variável de cada uma dessas doenças, será difícil ou impossível identificar um agente etiológico ou uma via patogénica única que expliquem o desencadear destas doenças.

O TNF-α e a IL-6 desempenham também um importante papel na patogénese de várias destas doenças, o que tem implicações terapêuticas que já são utilizadas ou se encontram em fase de implementação.

As infecções, os traumatismos físicos e os factores psicológicos têm sido também implicados na patogénese, embora surjam sempre dúvidas sobre o seu papel.

Como noutros aspectos das AIJ, a avaliação adequada dos factores etiológicos e patogénicos só terá sucesso quando forem estudados grupos homogéneos de doentes que sofram de uma só doença.

Os antigénios de histocompatibilidade do grupo HLA têm um papel em várias das doenças classificadas sob a designação comum de AIJ, sendo a razão para a agregação familiar que se verifica no grupo das espondiloartropatias, e provavelmente também noutras situações clínicas distintas.

É bem conhecida a frequência aumentada dos alelos A2, B27 e B35 dos antigénios HLA de classe I na AIJ. O aumento da frequência do HLA B27, detectado em vários estudos, é devido à inclusão de casos de espondilite anquilosante juvenil e doutras espondiloartropatias juvenis em certos subgrupos de AIJ. A presença deste último antigénio constitui, pois, um marcador para o diagnóstico de espondiloartropatia juvenil.

Também o HLA DR4, um antigénio HLA de classe II, é um marcador de prognóstico mais reservado para alguns tipos de artrite, nomeadamente de formas sistémica e poliarticular com factores reumatóides IgM presentes no soro.

Manifestações clínicas

As repercussões sobre o estado geral, nomeadamente a anorexia, a perda de peso ou a falta de progressão do crescimento, surgem em muitas crianças. Por vezes, a irritabilidade e a falta de vontade de socialização (nomeadamente de brincar com outras crianças ou de interagir com os adultos) surgem quando as queixas articulares impedem a mobilidade normal das crianças.

A febrícula pode surgir em várias formas da doença; contudo, a febre alta, intermitente e com surtos diários superiores a 39-40ºC é própria da forma sistémica da AIJ, ou doença de Still.

 Artrite

A característica clínica que é comum a todas as formas de AIJ é a artrite, cuja presença é indispensável para que possa ser admitido este diagnóstico.

Um dos sintomas mais frequentes da artrite é a dor; contudo, em muitos casos, particularmente em grupos etários mais baixos (< 5 anos de idade) não existem queixas de dor, a qual é apenas revelada quando se exploram os movimentos activos e passivos das articulações atingidas.

Este facto levou a que muitos clínicos tenham considerado que as crianças com artrite juvenil teriam menos dores que os adultos com artrite reumatóide (AR). De facto, por um lado, a AR do adulto é diferente da AIJ e, por outro lado, o desenvolvimento cognitivo e a maturação do adulto são diferentes dos da criança, o que leva a que o significado da dor seja também diferente nas respectivas circunstâncias. Assim, na opinião do autor, será abusivo inferir que as crianças com AIJ activa poderão não sofrer de dores articulares.

Além de dor articular que, quando isolada, se classifica como artralgia, para que possamos afirmar a presença de artrite é necessário que estejam presentes outros sinais de inflamação articular, nomeadamente tumefacção articular, limitação de movimentos e aumento da temperatura local. O rubor, muito raro nas AIJ, poderá ser visível nas pequenas articulações das mãos (IFP e IFD) de algumas crianças mais pequenas com pele clara e poliartrite extensa (ver adiante Glossário).

A rigidez matinal é uma manifestação frequente da artrite, sendo responsável pelas dificuldades escolares que as crianças têm durante as primeiras aulas da manhã, as quais podem melhorar bastante ao longo do dia e gerar, por isso, desconfiança e incompreensão dos professores não informados sobre esta característica da artrite.

A existência de dor nocturna pode contribuir para insuficiente período de sono nocturno e consequente fadiga. Ao longo do dia, se uma criança com artrite activa for forçada a ficar parada durante muito tempo (1-2 horas é por vezes suficiente), poderá ficar com rigidez articular, idêntica à rigidez matinal, mas habitualmente de menor duração.

Quanto à tumefacção articular, ela pode ser devida a edema dos tecidos moles periarticulares, à presença de derrame sinovial e à hipertrofia da membrana sinovial.

O aumento local de temperatura pode detectar-se pela palpação. Já o rubor franco de uma grande articulação (raro nas AIJ) deve evocar hipóteses diagnósticas alternativas, tais como as de artrite séptica ou febre reumática.

Por vezes, ao exame objectivo, uma articulação poderá evidenciar dimensões superiores às da controlateral sem que haja tumefacção. Tal acontece nos casos de doença oligoarticular em crianças de idade inferior a 5 anos, verificando-se uma maturação acelerada dos núcleos epifisários adjacentes à articulação, o que pode levar a um crescimento assimétrico do membro afectado.

Uma causa de tumefacção adjacente a uma articulação é a presença de tendinites ou tenossinovites – tais como as tenossinovites dos extensores dos dedos, ao nível da face dorsal da mão e da rádio-cárpica, ou a tendinite aquiliana. (Figura 3)

FIGURA 3. Tenossinovite dos extensores dos dedos da mão

Todas as articulações do corpo podem ser atingidas, sendo que, nas formas oligoarticulares, são atingidas sobretudo as grandes articulações (do joelho, mais frequentemente).

Os ombros, as rádio-cárpicas, as pequenas articulações das mãos (metacarpofalângicas e interfalângicas proximais), as ancas, tíbio-társicas e metatarso-falângicas são outras articulações atingidas com frequência, particularmente quando a doença evolui de forma poliarticular extensa.

O envolvimento de algumas articulações deve ser salientado, pois tal circunstância pode provocar dificuldades no diagnóstico diferencial com situações clínicas distintas.

De entre estas, chama-se a atenção para o possível envolvimento da coluna cervical, designadamente por artrite afectando as articulações interapofisárias posteriores e/ou da atloido-odontoideia: não se tratando de situações muito frequentes, em 2% dos casos o quadro clínico pode incluir torcicolo e outra sintomatologia obrigando a estabelecer o diagnóstico diferencial com clínica de inflamação meníngea. A subluxação atloido-odontoideia é também comum, não tendo, porém, repercussão neurológica na maior parte dos casos.

As articulações têmporo-mandibulares (AT-M) são também atingidas com alguma frequência nas formas poliarticulares e sistémica, havendo frequentemente envolvimento associado da coluna cervical. Assim, o envolvimento destas articulações pode causar problemas de diagnóstico diferencial com otite crónica.

Quadro 6 – Alterações de crescimento nas AIJ

Localizadas

    • Braquidactilia
    • Assimetria de crescimento (“overgrowth”)
    • Micrognatismo

Generalizadas

    • Baixa estatura
      (AIJ sistémica ou poliarticular extensa/ de início antes dos 8 anos/ corticodependente)

Neste caso, a dor é desencadeada ou agravada pela abertura da boca, que está habitualmente limitada, e a palpação da AT-M, com o 5º dedo do observador no canal auditivo externo, pressionando de trás para a frente, desencadeia dor viva no local. A destruição dos núcleos epifisários dos côndilos mandibulares, prejudicando o normal crescimento da mandíbula, poderá levar a micrognatismo.

O envolvimento das articulações esternoclaviculares, e do manúbrio com o corpo do esterno, pode causar dor na face anterior do tórax, susceptível de ser confundida com sinais de pericardite. A dor à pressão local e o agravamento com os movimentos respiratórios, inexistente na pericardite, ajudam no diagnóstico diferencial entre as duas entidades.

Quando o envolvimento poliarticular é muito extenso, como acontece por vezes nas formas poliarticulares e sistémica, o início se dá em idade baixa (geralmente inferior aos 6 anos), e a doença é corticodependente, pode resultar uma diminuição generalizada do crescimento, com consequente baixa estatura. (Quadro 6)

A determinação do número de articulações afectadas é fundamental para a avaliação inicial da doença, sua classificação em oligoarticular ou poliarticular, e comparação subsequente, bem como para a avaliação da eficácia terapêutica. Por este motivo, é utilizada a folha de registo representada no Quadro 7. O registo do envolvimento articular (que faz parte dos critérios de definição de melhoria clínica na AIJ) deve ser efectuado quando a doença está activa em todas as consultas ou, pelo menos, 2 vezes por ano.

A osteopenia e a osteoporose de desuso, relacionáveis com a corticoterapia, são relativamente comuns nos doentes com baixa estatura e envolvimento poliarticular muito extenso, por vezes com grandes incapacidades para a marcha. As fracturas de fragilidade, quer vertebrais, quer de ossos longos, não são raras nestes doentes.  

QUADRO 7 – Registo das articulações atingidas com: tumefacção (T), dor (D) ou movimentos limitados (ML)

T D ML Articulações T D ML
Temporo-Mandibular
Esterno-Clavicular
Acrómio-Clavicular
Ombro
Cotovelo
Punho
MCF I
MCF II
MCF III
MCF IV
MCF V
IFP I
IFP II
IFP III
IFP IV
IFP V
IFD II
IFD III
IFD IV
IFD V
Coxo-Femoral
Joelho
Tíbio-Társica
Tarso
Astrágalo-Calcaneana
MTF I
MTF II
MTF III
MTF IV
MTF V
IF I
IF II
IF III
IF IV
IF V
Coluna Cervical
Coluna Dorsal
Coluna Lombar
Sacro-Ilíacas
Dolorosas Tumefactas Com Movimentos Limitados
Número Total de Articulações
Legenda: MCF= Metacarpofalângicas (I a V – 1º a 5º dedo das mãos); IFP= Interfalângicas proximais (I a V – 1º a 5º dedo das mãos); IFD= Interfalângicas distais (II a V – 2º a 5º dedo das mãos); MTF= Metatarsofalângicas (I a V – 1º a 5º dedo dos pés); IF= Interfalângicas dos dedos dos pés (I a V – 1º a 5º dedo dos pés). Com uma cruz, ou preenchendo totalmente o respectivo quadrado, indicam-se as articulações atingidas e o tipo de envolvimento detectado.

Por estes motivos, o médico deve estar em alerta para esta complicação da doença e respectiva terapêutica nos doentes de maior risco. De realçar que, no adulto, a dose máxima, considerada “segura” para o osso, é de 5 mg/dia de prednisolona (ou equivalente, de outro corticóide), em toma única.

MANIFESTAÇÕES EXTRA-ARTICULARES

A pele é tipicamente envolvida na AIJ sistémica, com um exantema macular ou máculo-papular eritematoso, por vezes muito fugaz; pode surgir apenas durante os períodos de febre alta, e estar completamente ausente nas horas do dia em que o paciente está apirético.

Pode atingir o tronco e os membros, sendo raro na face. O exantema surge por vezes em zonas de atrito cutâneo (fenómeno de Kœbner) e pode ser desencadeado por um arranhão com a unha do observador; considerado um dos sinais de actividade da doença.

Claro que as manifestações de psoríase na pele ou no couro cabeludo e/ou o picotado ungueal típico podem ajudar no diagnóstico de artrite psoriásica juvenil. Porém, é bom recordar que na maioria das crianças com artrite psoriásica a artrite precede durante meses ou anos o aparecimento das lesões cutâneas típicas da psoríase.

Nas restantes formas de AIJ a pele pode evidenciar alterações devidas a toxicidade medicamentosa – vários AINE, os corticosteróides e várias terapêuticas modificadoras da doença (DMARD), como os sais de ouro, a sulfassalazina e os antipalúdicos, entre outros fármacos, podem provocar toxidermias variadas.

Quando a poliartrite é extensa, envolve as pequenas articulações das mãos (IFP e/ou IFD), e está activa por longos períodos de tempo, podem resultar fenómenos de hiperpigmentação cutânea ao nível dessas articulações.

Os nódulos subcutâneos são raros, ocorrendo em menos de 5% dos casos de AIJ, quase exclusivamente nos doentes que evoluem como uma AR do adulto (formas poliarticulares, com factores reumatóides IgM presentes no soro).

O linfedema dos membros e a vasculite cutânea são muito raros.

A atrofia muscular é frequente, particularmente nos casos com poliartrite extensa ou naqueles em que os posicionamentos articulares não são cuidadosos durante as fases de inflamação mais activa. Podem resultar encurtamentos músculo-tendinosos, os quais causam contracturas em flexão, por vezes de difícil resolução sem o recurso a técnicas cirúrgicas.

O envolvimento cardíaco não é muito comum, mas deve ser reconhecido. A pericardite surge em menos de 5% dos casos de AIJ, sendo quase exclusiva da forma sistémica; por estudos ecocardiográficos, cerca de 20% dos doentes com forma sistémica terão evidência de envolvimento pericárdico. O tamponamento cardíaco por este motivo é muito raro, mas encontra-se descrito.

A miocardite e a endocardite são muito mais raras. Esta última, como comorbilidade, pode colocar dificuldade no diagnóstico diferencial com febre reumática.

O envolvimento pleuropulmonar é bastante mais raro. Ocasionalmente, é detectável discreta pleurite em doentes com forma sistémica e sinais sugestivos de pericardite. O envolvimento do parênquima pulmonar, com fibrose intersticial grave, está descrito e pode ser causa de exitus letalis.

O sistema gastrintestinal pode ser envolvido na AIJ, quer pela doença, como acontece nos casos associados a doença inflamatória crónica do intestino (em que a típica diarreia com sangue, muco e pus pode surgir apenas meses ou anos após o início da artrite, só então sendo possível o diagnóstico definitivo), quer pelas terapêuticas utilizadas que podem causar iatrogenia a este nível, (particularmente os AINE que causam desconforto abdominal, anorexia, e mesmo úlcera péptica). Quando a diarreia e sinais de má-absorção estão presentes desde o início, as hipóteses diagnósticas de mucoviscidose e de doença celíaca devem ser excluídas.
A hepatomegália e a esplenomegália são comuns (50-60%) na AIJ sistémica, e muito menos comuns nas restantes formas.

As adenomegálias generalizadas (afectando mais de 3 territórios ganglionares distintos) são também muito frequentes na forma sistémica, detectando-se em cerca de 50% dos casos. Vale a pena chamar a atenção para uma forma particular de adenomegália, a adenite mesentérica; com efeito, esta modalidade pode observar-se também na AIJ sistémica e causar dor e distensão abdominal, levando por vezes à laparotomia com o falso diagnóstico de apendicite aguda. Tal é fácil de compreender se nos lembrarmos de que estas crianças podem evidenciar, também, febre alta e leucocitose com neutrofilia.

O envolvimento renal é relativamente raro, mas a iatrogenia (AINE, sais de ouro, D-penicilamina) pode provocar alterações a este nível. Os sais de ouro e a D-penicilamina, cuja utilização actual é escassa ou nula nestes doentes, foram já incriminados em casos de nefrotoxicidade, por vezes com síndroma nefrótica reversível. Outro tipo de envolvimento renal, raro mas grave, é a amiloidose, que deve ser suspeitada quando, numa criança com AIJ sistémica ou poliarticular, com doença continuamente activa por mais de 5 anos, surge edema dos membros inferiores e proteinúria, acompanhados ou não de hipertensão arterial. A amiloidose é uma complicação cada vez mais rara da AIJ, susceptível de ser tratada se identificada a tempo.

Exames laboratoriais

Sendo o diagnóstico de AIJ clínico, não existem alterações laboratoriais patognomónicas destas doenças que, relembramos, são um grupo heterogéneo de entidades clínicas.

As determinações laboratoriais de base, a realizar em todos os casos de AIJ, incluem o hemograma com plaquetas, as provas de função renal e hepática, a velocidade de sedimentação globular, a proteína C reactiva doseada, os anticorpos antinucleares (ANA), os factores reumatóides IgM séricos (FRIgM: RA teste e reacção de Waaler-Rose); e, nos casos de suspeita de espondilartropatia, a pesquisa de HLA B27.

Os FRIgM séricos estão presentes em cerca de 8% dos casos de AIJ, geralmente formas de início ou evolução poliarticular que, clinicamente, em nada se distinguem da AR do adulto.

Os ANA, positivos em cerca de 15% das crianças saudáveis, não servem, isoladamente, para diagnosticar doença autoimune. A sua positividade mais alta (60-70%) é atingida nas crianças com AIJ monoarticular associada a uveíte crónica.

Proceder a mais exames complementares só será justificado em casos de suspeita de outras alternativas diagnósticas; tal poderá acontecer, mas é raro, pois o diagnóstico de AIJ é muitas vezes relativamente fácil de se admitir.

O exame do líquido sinovial pode ser importante para tentar excluir o diagnóstico de artrite séptica. Contudo, os resultados das culturas são frequentemente negativos (cerca de 40% dos casos), mesmo na presença de artrite séptica; portanto este exame complementar pode confirmar, mas não excluir, essa hipótese diagnóstica.

Exames histopatológicos

Na maior parte dos casos de AIJ não se justifica efectuar uma biópsia da sinovial, método algo cruento (mesmo quando a biópsia é feita com trocarte de Parker & Pearson, por punção, com uma pequena incisão cutânea), pois as alterações detectadas na membrana sinovial são inespecíficas, revelando apenas infiltrado linfo-plasmocitário e espessamento da membrana sinovial compatível com a presença de sinovite crónica.

A única excepção será nos casos de monoartrite, em que a suspeita de artrite infecciosa (nomeadamente artrite tuberculosa), deve ser excluída cuidadosamente antes de se iniciar a terapêutica da AIJ. Do ponto de vista clínico, as duas situações podem ser indistinguíveis e a presença de granulomas tuberculóides com caseificação na membrana sinovial pode ser decisiva para o diagnóstico e tratamento adequados.

Poderão justificar-se outros exames tais como: biópsia da gordura abdominal ou da mucosa intestinal, ou rectal, para pesquisa de substância amilóide, na suspeita de amiloidose secundária, e/ou de doença inflamatória crónica do intestino associada a artropatia.

EXAMES IMAGIOLÓGICOS

A radiologia é um meio auxiliar de diagnóstico largamente acessível e a que se recorre com frequência para auxiliar no diagnóstico das doenças do aparelho locomotor.

A radiografia clássica permite identificar apenas alterações tardias devidas às AIJ, sendo habitualmente normal nas primeiras semanas ou meses de doença. Justifica-se a realização de radiografia das articulações afectadas e contralaterais:

  • Sempre que existe artrite de causa desconhecida e ainda sem diagnóstico bem estabelecido; para avaliação basal do estado da cartilagem (avaliado através da espessura da entrelinha articular);
  • Para verificação da não existência de lesões ósseas inesperadas – como poderia ser o caso de osteoma osteóide ou outro tumor ósseo;
  • Na suspeita de monoartrite; ou
  • Para pesquisa das linhas de osteólise paralelas às cartilagens de crescimento que se podem observar nas leucoses agudas.

Nos estádios precoces de investigação em caso de AIJ, nomeadamente se subsistirem algumas dúvidas relativamente à existência ou não de artrite, o exame complementar mais rentável é a ecografia articular, que pode e deve ser efectuada por quem tenha experiência específica de avaliação articular e de outras estruturas do aparelho locomotor. Tal acontece já em vários serviços de Reumatologia do nosso País. Esta abordagem diagnóstica, incruenta e sem radiações ionizantes, pode auxiliar na confirmação da existência de artrite, de tenossinovite, de quistos sinoviais e suas eventuais roturas (como pode acontecer com os quistos de Baker do escavado popliteu do joelho).

Nos estádios mais avançados da doença, poderá justificar-se a TAC, com as seguintes indicações específicas:

  • Para avaliar adequadamente o risco de compressão neurológica nos casos de subluxação atloido-odontoideia;
  • Para avaliar a gravidade do envolvimento das articulações têmporo-mandibulares;
  • Para diagnosticar uma sacroileíte em adolescente com suspeita de espondilartropatia.

Outro exame imagiológico – a RM – somente não é utilizada com maior frequência devido aos elevados custos e à necessidade de sedar as crianças mais pequenas; com efeito, pode também cumprir, às vezes com vantagem, os mesmos objectivos da ecografia.

Com a evolução da cronicidade das lesões osteoarticulares estabelecem-se, nos casos mais graves, lesões osteoarticulares que devem ser avaliadas adequadamente através da radiografia convencional (anual ou bienal) das articulações no contexto de doença activa.

As alterações radiológicas mais comuns são: a osteopenia justa-articular; a opacificação das partes moles adjacentes à articulação (indicativas de derrame sinovial e/ou espessamento da membrana sinovial e/ou edema das partes moles peri-articulares); o aumento de dimensões das epífises adjacentes às articulações afectadas (como acontece nos casos em que há crescimento assimétrico dos membros); a fusão precoce das cartilagens de crescimento (causadora de braquidactilia); e as erosões ósseas adjacentes às articulações afectadas, mais tardias e documentando a presença de sinovite crónica agressiva.

Nos casos mais graves, com vários meses ou anos de evolução da doença, surgem as deformações das epífises e as destruições graves da cartilagem articular, com redução da entrelinha articular, o que poderá exigir próteses articulares. Tal sucede principalmente nas formas poliarticulares com FR IgM presentes no soro (tipo AR do adulto) e nas formas sistémicas com evolução poliarticular extensa.

O estudo radiológico da coluna cervical, para detecção de artrite das interapofisárias posteriores e de subluxação atloido-odontoideia, exige que sejam feitas radiografias da coluna cervical em projecção de perfil neutro e em hiperflexão. Efectivamente, só com a hiperflexão é possível o diagnóstico da subluxação atloido-odontoideia, a qual se confirma quando a distância entre a face posterior do arco anterior do atlas (C1) e a face anterior da apófise odontoideia do axis (C2) é superior ou igual a 3 mm.

A radiografia clássica da bacia não é eficaz na detecção de sacroileítes até aos 14-15 anos, idade a partir da qual se dá a ossificação das vertentes articulares (até então formadas por cartilagem) destas articulações.

A cintigrafia articular com Tecnécio (99mTc), na opinião do autor, é um método usado excessiva e abusivamente nas crianças com suspeita de AIJ, pois uma contagem articular cuidadosa por quem a saiba e queira fazer, consegue obter informações sobreponíveis sobre a existência ou não de inflamação articular.

Embora se trate dum método sensível, tão sensível que um traumatismo articular recente pode resultar em hipercaptação local, a cintigrafia é muito inespecífica, não ajudando a distinguir as várias formas de artrite e, nomeadamente, não permitindo o diagnóstico diferencial com artrite séptica ou outras formas de artropatia da infância. Pode, contudo, ser útil nos casos de suspeita de osteoma osteóide ou outros tumores do osso, ou para detectar a presença de sacroileíte numa idade em que a radiografia não o permite, pelas razões atrás apontadas.

Critérios de Referenciação das Artrites Idiopáticas Juvenis

A suspeita diagnóstica de AIJ, ou a simples manutenção de um quadro clínico de artrite com uma duração de seis ou mais semanas, deve levar à referenciação do doente a uma consulta de Reumatologia Pediátrica, por parte do pediatra ou do médico de família assistentes, pressupondo que estes tomem também parte na equipa terapêutica destes jovens.

Tratamento

Aspectos gerais

Embora o tratamento das AIJ tenha especificidades que são próprias de cada doença (ver capítulos seguintes), tem princípios comuns que se devem à necessidade de reduzir ao mínimo os efeitos de uma artrite crónica neste grupo etário. Os seus objectivos gerais básicos, a curto e a longo prazo, encontram-se expostos no Quadro 8.

QUADRO 8 – Objectivos do tratamento das AIJ

Iniciais e de Curto Prazo
    • Controlar a inflamação
    • Aliviar a dor articular
    • Preservar a função articular
    • Prevenir as deformações articulares
De Longo Prazo
    • Prevenir a iatrogenia
    • Proporcionar um crescimento e desenvolvimento normais
    • Promover a inserção social e fornecer apoio vocacional adequado
    • Corrigir eventuais deformações articulares que se tenham estabelecido

Para alcançar estes objectivos é indispensável a participação da família, tão coesa e interessada quanto possível, com grande importância no prognóstico, independentemente da gravidade da doença, tal como acontece em qualquer doença crónica juvenil.

A educação para a saúde é nestes casos fundamental; além do reumatologista pediátrico e do pediatra ou do médico de família assistentes, a família deve ser orientada sobre a melhor forma de obter informação adequada, caso a pretenda procurar. Actualmente há dois sítios da internet, com informação cuidadosa e bem preparada para apoiar os doentes com AIJ e seus familiares. São eles o da PRINTO – Pediatric Rheumatology International Trials Organization: www.printo.it/ pediatric-rheumatology e o da ANDAI – Associação Nacional de Doentes com Artrites Infantis e Juvenis: www.andai.sapo.pt.

Tendo o cuidado de não assustar indevidamente os doentes e/ou os seus familiares, estes locais transmitem conhecimentos válidos sobre as doenças reumáticas juvenis e seus tratamentos mais utilizados, tendo sido elaborados por reumatologistas pediatras de toda a Europa, incluindo Portugal, (o da PRINTO) ou só de Portugal (o da ANDAI).

Porque a educação do doente e a partilha de experiências é importante para estes e outros doentes e familiares de doentes com doenças crónicas, formou-se em Portugal, já há pouco mais de 15 anos a ANDAI, associação de doentes acima indicada, que tem desenvolvido as suas actividades com os objectivos de educar os doentes e seus familiares, lhes proporcionar local físico para a troca de experiências e esclarecimento de dúvidas, e de tentar ajudar os doentes junto ao poder político, além de proporcionar divulgação de conhecimentos sobre as doenças reumáticas juvenis à família alargada destas crianças, que inclui necessariamente os seus professores.

Um plano mínimo de exercícios deve ser aconselhado, o qual dependerá da doença em questão e do tipo de envolvimento articular de cada criança. Muitas vezes é também necessário proporcionar a estas crianças um repouso adequado, que pode exigir, nos casos de AIJ poliarticular ou sistémica mais graves, a necessidade de pequeno repouso a meio do dia (uma sesta), tantas vezes muito difícil de concretizar.

Com a duração da doença, torna-se necessário realçar junto dos doentes a necessidade de prevenção de atitudes viciosas das articulações, que podem gerar incapacidade e limitações articulares, não só indesejáveis como susceptíveis de prevenção.

Anti-inflamatórios não esteróides (AINE)

O tratamento farmacológico destina-se a alcançar os objectivos acima enunciados de controlar a inflamação, controlar ou eliminar a dor articular e preservar a função articular, para prevenir as deformações articulares. Claro que embora os anti-inflamatórios não esteróides (AINE) sejam fármacos eficazes, não conseguem alcançar todos estes objectivos.

Os mais utilizados em reumatologia pediátrica e as respectivas doses encontram-se indicados no Quadro 9.

Quadro 9 – Anti-Inflamatórios não esteróides (AINE) mais utilizados no tratamento das AIJ

AINEDOSE

Ibuprofeno

Indometacina

Naproxeno

Diclofenac

Meloxicam

Ácido acetilsalicílico

30-50 mg/Kg/dia

2,5 mg/Kg/dia

15-20 mg/Kg/dia

2,5 mg/Kg/dia

0,125-0,25 mg/Kg/dia

80-120 mg/kg/dia

Os doentes e familiares devem ser informados quanto aos objectivos deste tipo de abordagem terapêutica, que não é curativa e não constituirá mais que uma tentativa de alívio sintomático, na maioria dos doentes. Contudo, é possível que alguns doentes, com formas sistémicas monocíclicas ou com formas oligoarticulares ligeiras, possam ter o seu problema resolvido apenas com esta terapêutica.

Não está provada cientificamente a superioridade de um AINE em relação a outros, sendo que a maior parte destes fármacos começou a ser utilizada sem estudos clínicos em crianças com AIJ.

O ácido acetilsalicílico é o AINE usado há mais tempo, tendo sido durante largos anos o único aprovado nos EUA. Devido aos seus efeitos secundários, sobretudo nas doses anti-inflamatórias indicadas no Quadro 9, e ao facto de serem necessárias doses de 4-4 horas para manter o seu efeito nos casos de doença activa, o mesmo é cada vez menos prescrito com esta indicação.

A indometacina é particularmente eficaz para o tratamento da febre da AIJ sistémica, sendo também uma das melhores opções para as artrites das espondilartropatias, com ou sem envolvimento axial.

O naproxeno é também um anti-inflamatório eficaz, mais para as queixas articulares do que para o tratamento da febre; partilha com a indometacina o facto de necessitar apenas de 2 administrações diárias, o que é altamente conveniente para crianças que necessitam de manter a sua escolaridade normal.

O meloxicam é outro dos fármacos, tão potente como os outros, que tem a grande vantagem de poder ser administrado apenas uma vez por dia.

Neste momento o único AINE que está disponível em Portugal sob forma de suspensão é o ibuprofeno, o que constitui um determinante para a escolha deste eficaz fármaco para o tratamento da dor articular nas crianças mais jovens com AIJ.

O paracetamol, como analgésico, pode ser utilizado com vantagens, no controlo da dor articular e da febre quando, com os AINE não se conseguem alcançar isoladamente estes objectivos durante as 24 horas do dia. Esta opção terapêutica deve ser utilizada apenas em SOS e não como terapêutica de rotina, devendo os doentes e familiares ser instruídos no sentido de serem evitadas mais de 3 doses diárias.

Corticosteróides

Por vezes, quer a febre da forma sistémica, quer as queixas articulares, quer ainda a uveíte crónica, não cedem adequadamente aos AINE, o que leva à utilização de corticosteróides com a finalidade de permitir uma vida de relação normal e a assiduidade escolar que se pretende.

As indicações para a utilização de corticosteróides estão indicadas no Quadro 10, encontrando-se mais limitadas numa época em que os agentes biológicos se revelam muito eficazes na terapêutica das manifestações articulares e extra- articulares da AIJ; nas manifestações extra-articulares da AIJ sistémica serve de exemplo o antagonista do receptor da IL1 ou anakinra e o tocilizumab; e, nas manifestações articulares das AIJ poliarticulares, o etanercept (ver adiante).

O que verdadeiramente limita a utilização dos corticosteróides não é a sua eficácia, que é boa, mas sim os seus efeitos secundários, por vezes tanto ou mais graves que a própria doença que tratam.

Podemos dizer que, quando administrados durante tempo prolongado por via sistémica, não existe dose segura para estes fármacos: corticosteróide seguro, é apenas aquele que o doente não tomou!

Os efeitos secundários dos corticosteróides, variados e graves, são bem conhecidos de todos os médicos e incluem, entre outros: supressão do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal, restrição do crescimento, sinais cushingóides, estrias cutâneas violáceas, osteoporose, hipertensão, a redução da tolerância à glicose e diabetes, redução da defesa contra as infecções, ulceração péptica, cataratas, glaucoma, psicose, miopatia e necrose asséptica do osso.

Parte destes efeitos secundários pode ser muito reduzida ou mesmo prevenida com uma adequada restrição da ingestão de hidratos de carbono.

Relativamente à restrição do crescimento, ela pode ocorrer mesmo com doses muito baixas de prednisolona ou equivalente, (~ 0,4 mg/kg de peso/dia), sendo que existe uma grande variação individual na gravidade da supressão do crescimento e na dose mínima necessária para que tal aconteça; com efeito, a administração em dias alternados diminui muito a importância deste efeito adverso. Infelizmente, esta forma de administração é pouco eficaz para as formas de doença activa e grave em que os corticóides podem ter indicação.

O tratamento do hipocrescimento (anteriormente chamado nanismo “cortisónico”) com hormona de crescimento (GH) só deve ser considerado se a dose de prednisolona utilizada for inferior a 0,35 mg/kg de peso/dia de prednisona ou equivalente, pois com doses desta ordem ou superiores a GH é ineficaz.

O deflazacort é um corticosteróide que parece ter menor efeito cushingóide, menor efeito glico-corticóide, e também menor efeito supressor do crescimento.

Quadro 10 – Indicações para a utilização de corticosteróides em doentes com AIJ

AIJ Sistémica
· Febre resistente aos AINE
· Pericardite
· Poliartrite resistente à restante terapêutica (incluindo AINE + MTX + etanercept ou anakinra)

Formas Poliarticulares
· Poliartrite activa resistente a AINEs + MTX + Etanercept

Formas Oligoarticulares e/ou Espondiloartropatias
· Uveítes, aguda ou crónica, resistente à terapêutica local
· Doença inflamatória crónica do intestino (inflamação intestinal)

Qualquer forma de AIJ, quando 1 a 3 articulações activas são responsáveis pelas queixas ou limitações do doente
· Via intra-articular (sinovectomia química com hexacetonido de triancinolona)*

* só após cuidadosa exclusão de artrite infecciosa, particularmente nos casos de monoartrite

Metotrexato

Actualmente o metotrexato (MTX), devido à sua elevada e rápida eficácia, associada a uma boa tolerância a longo prazo, é considerado o medicamento de escolha gold standard para o tratamento da AIJ resistente aos AINE, qualquer que seja a forma da doença (dose: 0,5-1 mg/kg/semana PO ou SC).

Este fármaco revela-se útil para o tratamento da maior parte dos casos de AIJ, quer para a artrite, cuja remissão pode induzir, quer para algumas complicações da mesma, tal como a uveíte crónica resistente à terapêutica tópica.

Antes do início desta terapêutica deve ser fornecida aos pais dos doentes informação verbal e escrita sobre os potenciais efeitos adversos do fármaco e forma de os prevenir; tal inclui a administração, por via oral, de 10 mg semanais de ácido fólico, em toma única também, com o mínimo de 48 h de intervalo em relação à dose semanal de MTX.

Este tipo de informação é particularmente importante se nos lembrarmos de que este fármaco foi inicialmente produzido para tratamento da leucemia, em doses 20 a 40 vezes superiores às que se utilizam para tratar as AIJ.

Como medidas preventivas da iatrogenia, antes do início do MTX há que garantir que o doente esteja vacinado contra as hepatites A e B e que não sofra de tuberculose.

Habitualmente os resultados terapêuticos são obtidos nos primeiros 3 meses de administração do fármaco, mas ocasionalmente este será eficaz após algum tempo mais. Após 6 meses de administração do MTX nas doses acima indicadas, e após passagem da administração oral para parentérica, se a AIJ mantiver níveis de actividade considerados inaceitáveis, há que considerar outras alternativas terapêuticas, nomeadamente os agentes biológicos (anti-TNFα, abatacept, anakinra ou tocilizumab).

Mesmo na dose de 10 mg/m2/semana, cerca de 2/3 dos doentes tratados melhoram significativamente, o que deixa alguma margem de manobra para aqueles casos em que, devido à toxicidade do fármaco, a dose de 15 mg/m2/semana deve ser reduzida.

Entre as vantagens do MTX encontra-se a alta taxa de respondentes, com doses semanais relativamente baixas, da ordem dos 15 mg/m2 de superfície corporal/semana. Esta dose, actualmente considerada a mais eficaz, pode ser administrada por via oral e, em caso de ineficácia após 3 meses de tratamento, deve ser alterada para a via parentérica (subcutânea ou intramuscular) que conduzirá a melhoria significativa em > 50% dos doentes resistentes à administração por via oral.

Os efeitos adversos mais frequentes são a mucosite (atrofia das mucosas da boca, acompanhada ou não de queilose e aftas orais) e as náuseas e/ou vómitos. Embora se trate de efeitos adversos pouco graves, eles são comuns, atingindo perto de 10% dos doentes. A mucosite é eficazmente prevenida com a suplementação de folatos, e as náuseas poderão exigir terapêutica anti-emética.

A toxicidade hepática, outrora muito temida, é rara em crianças, sendo o seu risco agravado principalmente por ingestão de bebidas alcoólicas a considerar na adolescência, por hepatite vírica, por obesidade, má-nutrição e diabetes mellitus. A biópsia hepática de rotina não deve ser praticada nos doentes com AIJ submetidos a terapia continuada com MTX.

A pneumonite e a fibrose intersticial foram descritas muito raramente em crianças com AIJ a tomar MTX, o que corresponde a um efeito adverso grave. A aceleração da “nodulose” reumatóide, embora muito menos comum que na AR do adulto, foi descrita em doentes com AIJ submetidos a esta terapêutica.

Na hierarquização dos tratamentos das AIJ o MTX deve ser iniciado quando, com os AINE, não se consegue controlar adequadamente a doença, e antes de se considerar a utilização de corticosteróides ou de agentes biológicos. A excepção a esta regra será o tratamento das manifestações extra-articulares da AIJ sistémica, na qual os corticosteróides poderão desempenhar papel importante, enquanto o MTX não actua.

Outras terapêuticas incluindo medicamentos imunossupressores

Para além dos imunossupressores, muitos outros fármacos (designados genericamente pela sigla DMARD ou Disease Modifying Agents in Rheumatic Diseases) têm vindo a ser utilizados com a finalidade de controlar a actividade da doença ou induzir remissão clínica nas AIJ. Alguns serão mencionados apenas para informação histórica, pois pouco se usam actualmente.

Entre estes estão os sais de ouro e a D-penicilamina, praticamente afastados do plano terapêutico dos doentes com AIJ devido à falta de demonstração de eficácia e aos respectivos efeitos adversos na criança, potencialmente graves.

A hidroxicloroquina é também pouco eficaz, particularmente quando usada isoladamente.

A ciclosporina A tem a sua aplicação potencial na AIJ, associada ao MTX (doentes seleccionados por serem resistentes ao MTX). Trata-se de um fármaco com muitos efeitos adversos, que deve ser administrado na dose de 3 a 5 mg/kg/dia, repartida em duas tomas. Está indicada na síndroma de activação macrofágica, complicação rara, mas muito grave, da AIJ sistémica.

A sulfassalazina deve ser utilizada predominantemente em casos de espondilartropatias juvenis com poliartrite periférica, de preferência em associação ao MTX. A dose máxima é 2 g/dia, ou de 50 mg/kg/dia, dependendo do peso da criança, administrada em duas tomas diárias. A sulfassalazina não deve ser administrada nunca a doentes com AIJ sistémica por poder provocar efeitos adversos muito graves (hepatite tóxica e síndroma de activação macrofágica). Também não deve ser administrada a crianças com hipersensibilidade conhecida às sulfamidas ou aos salicilatos, com compromisso da função renal ou hepática, ou que sofram de porfíria ou carência de desidrogenase da glicose-6-fosfato.

A azatioprina pode ser útil no tratamento de poliartrites extensas resistentes ao MTX, podendo ser administrada em associação a este.

O clorambucil, agente alquilante, nas doses de 0,2 mg/kg/dia (1 mês de indução) e de 0,1 mg/kg/dia (como manutenção) é considerado como terapêutica eficaz para a amiloidose secundária à AIJ. O seu uso, contudo, é limitado a esta situação clínica.

A imunoglobulina humana intravenosa em altas doses (IGIV) foi utilizada para tratar as manifestações extra-articulares da AIJ sistémica e a AIJ com poliartrite resistente ao MTX. O seu elevado custo e a inconsistência dos resultados levaram a que a sua utilização actual seja muito escassa.

A leflunomida constitui outra alternativa terapêutica a utilizar perante falência do MTX.

Agentes biológicos

Os agentes biológicos, usados no tratamento das artrites crónicas (e doutras doenças em cuja patogénese a perpetuação de fenómenos inflamatórios desempenha um papel importante), começaram a ser utilizados em reumatologia para tratar a AR do adulto.

Trata-se de produtos desenvolvidos por via biotecnológica de elevada complexidade, a partir de conhecimentos básicos da fisiopatologia da inflamação em geral e, das alterações que levam à sua perpetuação. (ver Glossário Geral)

O único agente biológico actualmente aprovado para o tratamento das AIJ é o etanercept, a proteína de fusão do receptor solúvel p75 do TNFα, que tem efeito terapêutico rápido e potente em doentes com AIJ poliarticular resistente à terapêutica com doses eficazes de MTX. O etanercept é administrado, por via subcutânea, na dose mínima de 0,8 mg/kg uma vez por semana, na dose máxima de 50 mg/semana, devendo ser mantidas as terapêuticas prévias, com MTX e AINE.

O infliximab e o adalimumab, com acção anti-TNFα, evidenciaram eficácia semelhante ao etanercept nos doentes com formas poliarticulares de AIJ, mas não têm a aprovação para uso pediátrico.

Nalguns centros têm sido utilizados inibidores das cinases (designadamente da Janus activated Kinase, ou JAK), os quais têm efeito de bloqueio das citocinas pró-inflamatórias. Como exemplo cita-se o tofacitinib, de que, segundo a literatura, há experiência em adultos.

Com o advento da disponibilidade dos agentes biológicos para tratamento das AIJ, o principal objectivo da terapêutica é obter a remissão clínica da doença e permitir uma vida normal à criança ou adolescente afectados. Claro que este objectivo nem sempre é alcançado. A este propósito aconselha-se a leitura do documento “Consensos para Início e Manutenção da Terapêutica Biológica na AIJ”, do Grupo de Trabalho de Reumatologia Pediátrica da Sociedade Portuguesa de Reumatologia.

Para além dos efeitos terapêuticos propriamente ditos, os agentes biológicos, pelo seu elevado custo e efeitos secundários potenciais, vieram gerar uma autêntica revolução (ou, no mínimo, aceleração de um processo já em marcha) na forma de avaliar a evolução da doença em jovens com AIJ.

Esta evolução gerou a necessidade de criar instrumentos objectivos de definição de melhoria na AIJ através de trabalho conjunto da PRINTO – Pediatric Rheumatology International Trials Organization (a nível Europeu) e do PRCSG – Pediatric Rheumatology Collaborative Study Group (a nível do American College of Rheumatology).

Mas, para que esta definição de melhoria pudesse ser aplicável de uma forma generalizada, com incorporação da opinião dos doentes adolescentes, ou dos seus familiares, tornou-se indispensável a utilização de instrumentos de avaliação da capacidade funcional, bem como de escalas visuais analógicas para a dor e para a avaliação global da doença pelos doentes ou pelos pais, uniformes em todos os países do Mundo. Tal veio a ser efectuado ao nível da PRINTO em 28 línguas incluindo a portuguesa.

De acordo com a Sociedade Portuguesa de Reumatologia  foram estabelecidas as seguintes normas relativamente ao início da terapêutica biológica:

    • Definições
        • Doença activa (5 ou mais articulações com artrite activa) e refractária à terapêutica convencional;
        • Definição de falência da terapêutica – doença activa refractária à terapêutica convencional, considerando principal factor da definição a ausência de resposta a uma dose mínima de MTX de 15 mg/m2/semana por via SC ou IM durante 3 a 6 meses.

Nota – No caso de toxicidade ou de contra-indicação impeditivas da utilização do MTX na dose mínima de 15 mg/m2/semana pode considerar-se, por opinião do especialista, a introdução de terapêutica biológica como primeira opção, ou de outro DMARD convencional em monoterapia ou em combinação com o MTX.

    • Monitorização dos doentes sob terapêutica biológica

Os doentes devem ser avaliados com uma frequência mínima trimestral. Da avaliação deve constar um conjunto de variáveis que permitam determinar a eficácia do tratamento:

        1. Avaliação global pelo doente/pais (Escala Visual Analógica de 0-10);
        2. Avaliação global pelo médico (Escala Visual Analógica de 0-10);
        3. Child Health Assessment Questionnaire (CHAQ, utilizado na sua versão portuguesa);
        4. Número de articulações activas (articulações tumefactas, excluindo tumefacção óssea, ou com limitação da mobilidade associada a dor, calor ou ambas);
        5. Número de articulações com limitação da mobilidade;
        6. Velocidade de sedimentação.
    • Critérios para manutenção da terapêutica biológica

Considera-se critério de resposta a melhoria de, pelo menos, 30% em 3 destas 6 variáveis, sem agravamento superior a 30% em mais do que uma das restantes variáveis, em duas avaliações separadas por 3 meses, tendo como base de comparação a avaliação efectuada antes do início do agente biológico.

    • Actuação na ausência de resposta

Se não ocorrer melhoria em 2 avaliações sucessivas, de acordo com opinião do especialista, deve suspender-se o fármaco biológico e considerar outras alternativas terapêuticas (doente não respondente).

Nota – Antes do início da terapêutica biológica deve ser efectuado um rastreio de tuberculose (ver capítulo sobre Tuberculose). A terapêutica biológica pode ser iniciada 1 mês após o início da terapêutica antituberculosa nos casos de tuberculose latente.

    • Contra-indicações absolutas da terapêutica biológica
      • Existência de infecção activa, nomeadamente tuberculose activa.
      • Insuficiência cardíaca.
      • Doenças desmielinizantes.
      • História recente (< 5 anos) de neoplasia.
      • Vacinas vivas: não devem ser administradas durante o tratamento com agentes biológicos; idealmente a sua administração deve ser efectuada até três meses antes do início do agente biológico.
    • Critérios para suspensão temporária ou para adiamento do início da terapêutica biológica
      • Infecção de novo.
      • Cirurgia major

De salientar que, pelo seu elevado preço e potenciais efeitos adversos, os agentes biológicos, embora muito eficazes, devem ser iniciados com precaução em doentes com AIJ; a sua prescrição deverá ser da responsabilidade de reumatologista pediátrico com experiência no tratamento da AIJ, seguindo os consensos do Grupo de Trabalho de Reumatologia Pediátrica da Sociedade Portuguesa de Reumatologia, acima indicados. Os doentes devem ser seguidos cuidadosamente, pressupondo garantia da continuidade da prescrição e da adesão estrita ao plano de avaliação continuada.

Transplante autólogo de medula óssea

O transplante autólogo de medula óssea foi iniciado na era “pré-agentes biológicos”, como método experimental (agressivo, caro e com muitos efeitos adversos) de tratar doenças autoimunes graves refractárias às terapêuticas convencionais.

De acordo com uma revisão recente dos casos de AIJ tratados desta forma no espaço europeu por Kleer IM et al, concluiu-se que, um ano após a intervenção, em 53% (18/34) dos doentes verificou-se remissão, e em 21% (7/34), resistência à terapêutica. Importa referir que os resultados, aplicando esta abordagem terapêutica, não são particularmente brilhantes, atendendo à morbilidade e aos custos inerentes à referida intervenção. Por outro lado, a mortalidade [de 15% (5/34)] aos 12 meses levou a refrear muito o entusiasmo relativo à mesma.

Agentes físicos e terapêutica ocupacional

A terapêutica com agentes físicos e a terapêutica ocupacional têm por objectivos contribuir para reduzir a dor articular, manter ou recuperar a função articular e prevenir as deformações articulares e a incapacidade daí resultante.

Deve sempre ter-se em consideração que a criança deve ser integrada no seu ambiente (familiar, social, escolar) motivo pelo qual (a não ser em casos excepcionalmente graves e pontuais) estas técnicas devem ser ensinadas ao doente e/ou aos pais de forma a poderem ser efectuadas no domicílio, sem que contribuam para aumentar o absentismo escolar.

Um período de descanso à tarde, após o regresso da escola, pode ser útil. Contudo, a maior parte das crianças limitará a sua actividade física, de acordo com a incapacidade. Exercícios físicos regulares, tais como andar de triciclo ou de bicicleta, devem ser encorajados.

Um plano de exercícios no domicílio, adequado ao tipo de compromisso articular da criança, deve ser ensinado aos pais. A este propósito, a ANDAI, a Associação Nacional de Doentes com Artrites Infantis e Juvenis, tem um guia para pais que é distribuído gratuitamente aos seus sócios, incluindo um plano geral de exercícios que podem ser seleccionados.

A natação, ou a hidrocinesiterapia (dependendo da gravidade da patologia articular) são actividades a privilegiar.

Por vezes, pode ser útil a aplicação de calor ou de frio, às articulações inflamadas; contudo, estas técnicas devem interferir o menos possível com a rotina diária da criança, por vezes sobrecarregada.

A utilização de talas para prevenir ou corrigir deformações articulares, nomeadamente ao nível das mãos, punhos e joelhos (sobretudo quando a criança surge já com flexo desta articulação) pode ser muito útil. É bom sublinhar que estas talas devem ter um aspecto apelativo e ser confortáveis.

Terapêutica cirúrgica

A cirurgia ortopédica pode desempenhar um papel importante nos estádios intermédios das AIJ, através da correcção das deformações e contracturas articulares, como os flexos dos joelhos, por vezes irredutíveis doutra forma.

A sinovectomia cirúrgica é cada vez menos utilizada, sendo muitas vezes vantajosamente substituída pela sinovectomia artroscópica ou pela sinovectomia química com hexacetonido de triancinolona. (Quadro 10)

No adolescente ou adulto jovem, em que pode haver lesões articulares limitativas ao nível dos joelhos, das ancas, dos ombros ou dos cotovelos, por exemplo, as próteses articulares constituem uma solução que pode contribuir para melhorar significativamente a qualidade de vida e a integração social e profissional dos doentes.

A cirurgia oftalmológica, ao resolver os problemas devidos às principais complicações da uveíte crónica – ceratite em banda, cataratas e glaucoma – pode ser fundamental na preservação ou recuperação da acuidade visual nas crianças ou adolescentes com AIJ oligoarticular. (Partes XXV e XXVI)

GLOSSÁRIO

Oligoartrite “estendida” > Nos primeiros 6 meses de doença há apenas 1 a 4 articulações atingidas e, posteriormente, passa a haver compromisso de 5 ou mais articulações.

Poliartrite extensa > A que atinge um número elevado de articulações.

BIBLIOGRAFIA

Anexada ao capítulo 233