Definições e importância do problema

A epilepsia define-se como doença neurológica estrutural ou funcional e crónica do SNC, caracterizada pela ocorrência de episódios de distúrbios motores, somato-sensitivos, sensoriais, psíquicos e/ou da consciência, originados por uma descarga eléctrica súbita/anomalia eléctrica cerebral, inapropriada e excessiva na substância cinzenta cerebral. Tais episódios, que são denominados crises, superam em frequência todas as outras afecções do SNC.

Importa referir que a crise é um sintoma e não um processo patológico em si; com efeito, pode constituir a tradução clínica de variadíssimas situações de etiologia muito diversa, para além da epilepsia, sendo a duração e a gravidade da doença determinadas pela causa subjacente. Ou seja, existem crises epilépticas e não epilépticas (ver adiante).

A convulsão, definida como episódio de contracções musculares involuntárias associadas ou não a perda de consciência, constitui um dos tipos de distúrbio ou fenómeno motor atrás referido. Tais fenómenos motores podem ser mantidos (tipo tónico), ou interrompidos por momentos de relaxamento de duração variável (tipo clónico).

Salienta-se que em cerca de 2/3 dos casos, tais manifestações ou fenómenos paroxísticos, não sendo de tipo epiléptico, não resultam, portanto, de alteração estrutural ou funcional do SNC. Efectivamente, as mesmas poderão surgir como resultado de alterações somáticas extra-SNC, como febre, infecção, síncope, traumatismo craniano, hipóxia, toxinas, arritmia cardíaca, pausa expiratória após choro no contexto de refluxo gastresofágico (os chamados “espasmos do choro ou do soluço”, etc.).

Por sua vez, cabe referir a este propósito que os episódios de fenómenos motores desencadeados pela febre na idade pediátrica (crises febris) são a causa mais frequente de convulsões em crianças com menos de 60 meses.

Aspectos epidemiológicos

A incidência anual de epilepsia nos países do hemisfério norte, traduzida em cerca de 50-70 casos por 100.000 habitantes, varia grandemente com a idade. Os valores mais elevados são encontrados na infância e adolescência, diminuindo no adulto jovem e voltando a aumentar no idoso. A frequência na população em geral é aproximadamente de 1%. Estima-se que em Portugal existam actualmente cerca de 5 doentes com tal patologia por 1.000 habitantes.

A morte súbita inesperada, relacionável com a doença, ocorre em cerca de 1 a 5 doentes por 1.000 habitantes/ano, particularmente naqueles com crises não controladas. A proporção de casos refractários ao tratamento é cerca de 10-20%.

Etiopatogénese e semiologia

Como já foi referido, para afirmar um diagnóstico de epilepsia é geralmente pressuposta a existência de duas ou mais crises; nalguns casos, no entanto, poderá ocorrer uma única crise isolada ao longo da vida.

Antes de se iniciar terapêutica anti-epiléptica e escolher qual a medicação mais adequada, importa confirmar se determinado paroxismo constitui realmente um evento de natureza epiléptica e quais as suas características; por isso, é fundamental uma completa anamnese para correcta descrição do tipo de crise e diagnóstico diferencial com fenómenos paroxísticos não epilépticos.

Assim, interessa indagar todos os pormenores, como as circunstâncias em que ocorreu a crise (no sono, na vigília, associada a que tipo de actividade, existência de estímulos luminosos ou outros possíveis factores precipitantes); sintomas iniciais (aura); sinais de focalização e lateralização, desvio dos olhos, movimentos predominantes de uma parte do corpo; se foi generalizada de início ou no final; qual o tipo de movimentos; se havia hipo ou hipertonia; se existiu ou não alteração da consciência; duração; existência de um período pós-crítico; se existe mais de um tipo de crises. Importa obter, se possível, a descrição do próprio doente, mas geralmente são imprescindíveis as informações de alguém que presenciou a crise.

É fundamental conhecer os antecentes pessoais: gravidez, parto e período perinatal, existência de traumatismos ou doenças (nomeadamente infecciosas, vasculares) podendo originar lesão do sistema nervoso central. É importante também saber se existe história familiar de epilepsia ou outras doenças neurológicas.

Foram identificados cerca de 20 genes implicados na função neuronal e relacionados com determinadas síndromas epilépticas. São citados alguns exemplos: o CLCN2 relacionado com o efluxo neuronal do cloro; o CHRNB2 relacionado com um dos receptores da acetilcolina; o SCN2A com o canal do sódio, o início do influxo rápido do sódio e propagação do potencial de acção; o KCNQ3 relacionado com o canal do potássio, etc..

O exame objectivo contribui para caracterizar a situação, destacando-se a importância de um exame neurológico completo, da medição do perímetro cefálico, da pesquisa de organomegálias no caso das doenças neurometabólicas, de manchas na pele nas doenças neurocutâneas, de sinais dismórficos nas situações geneticamente determinadas.

Dadas as implicações terapêuticas e de prognóstico, é fundamental esclarecer qual o tipo de epilepsia, nomeadamente se se trata de uma epilepsia idiopática generalizada (sem lesões cerebrais identificadas e muitas vezes familiar), ou sintomática e focal (i.e., com um local de início e uma causa potencialmente identificável); por isso torna-se necessário por vezes recorrer a técnicas de neurofisiologia, nomeadamente ao electroencefalograma, e aos exames imagiológicos, sobretudo à ressonância magnética encefálica.

Os factores etiológicos da epilepsia e das síndromas epilépticas variam muito com a idade. De um modo geral pode considerar-se que:

  • no período neonatal as principais causas de convulsões são os traumatismos de nascimento, a hipóxia, as hemorragias intracranianas, a hipoglicémia e os desequilíbrios iónicos, nomeadamente a hipocalcémia;
  • as anomalias congénitas, a esclerose tuberosa e as doenças metabólicas constituem as etiologias mais frequentes nos 4 ou 5 primeiros anos de vida;
  • as infecções intracranianas (meningites, encefalites) são proeminentes na idade escolar;
  • as “epilepsias genéticas” iniciam-se mais frequentemente pelos 5-6 anos ou na adolescência;
  • na juventude e início da idade adulta uma das causas mais frequentes de crises epilépticas são os traumatismos cranianos e situações relacionadas com o consumo de drogas e álcool;
  • entre a terceira e a quinta década de vida têm especial incidência os tumores cerebrais e, a partir daí, as doenças degenerativas cerebrovasculares.

No âmbito das afecções não epilépticas da infância, as crises ou convulsões febris – que adiante se abordam – ocorrem predominantemente entre os 3 meses e os 5 anos.

Classificação

Tendo em mente a definição acima descrita, ao clínico cabe caracterizar o tipo de crise, pois daí decorrem importantes implicações para a escolha dos antiepilépticos mais adequados, a possibilidade de existência de uma lesão cerebral subjacente, o prognóstico e a eventualidade de base genética.

De acordo com a Classificação da Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE), as crises podem ser divididas em dois grupos: parciais e generalizadas. Por sua vez, as crises parciais podem ser simples, complexas ou secundariamente generalizadas. As crises generalizadas subdividem-se em ausências, crises mioclónicas, tónicas, tónico-clónicas e atónicas (Quadro 1).

QUADRO 1 – Classificação das crises epilépticas (Liga Internacional contra a Epilepsia)

1. Crises parciais

1.1 – Crises parciais simples

1.1.1 – Com sinais motores

a) Parciais motoras sem marcha
b) Parciais motoras com marcha jacksoniana
c) Versivas
d) Posturais
e) Fonatórias

1.1.2 – Com sintomas somatossensitivos ou sensoriais

a) Somatossensitivas
b) Visuais
c) Auditivas
d) Olfactivas
e) Gustativas
f) Vertiginosas

1.1.3 – Com sintomas ou sinais autonómicos

1.1.4 – Com sintomas psíquicos

a) Disfásicas
b) Dismnésicas
c) Cognitivas
d) Afectivas
e) Ilusões
f) Alucinações

1.2 – Crises parciais complexas

1.2.1 – Com início parcial simples
1.2.2 – Com perturbação da consciência desde o início

1.3 – Crises parciais evoluindo para generalizadas secundariamente

1.3.1 – Crises parciais simples evoluindo para generalizadas
1.3.2 – Crises parciais complexas evoluindo para generalizadas
1.3.3 – Crises parciais simples evoluindo para parciais complexas, e depois para generalizadas

2 – Crises generalizadas

2.1 – Ausências
2.2 – Ausências atípicas
2.3 – Mioclónicas
2.4 – Clónicas
2.5 – Tónicas
2.6 – Tónico-clónicas
2.7 – Atónicas

3 – Crises não classificadas

As crises parciais ou focais são devidas a uma descarga numa determinada região do córtex cerebral e denominam-se: simples, se a consciência estiver preservada; ou complexas se houver perturbação da consciência. Em ambos os tipos pode ocorrer propagação da descarga a outras áreas corticais, originando uma crise secundariamente generalizada.

Os sintomas e sinais das crises parciais simples dependem da região do córtex onde se origina a descarga anómala. Se esta ocorrer na área motora, surgirão clonias contralaterais dos membros e da hemiface; se em regiões sensoriais, responsáveis pela memória ou emoções, poderá haver, por exemplo, sensações de “déjà vu” ou de medo, alucinações olfactivas, visuais ou auditivas. De um modo genérico pode dizer-se que “tudo o que o cérebro faz, a epilepsia pode fazer”.

As crises parciais complexas podem ser precedidas de uma “aura” (que é, no fundo, uma crise parcial simples), percebida pelo doente, seguida de perturbação da consciência. Têm mais frequentemente origem nos lobos temporais, mas podem partir de outras regiões corticais. O doente perde o contacto com o meio, com olhar fixo ou vago e não responde com lógica a perguntas ou ordens; fica parado ou executa movimentos sem propósito e pode ter automatismos e alterações do tono. Existe amnésia para o episódio e segue-se um estado pós-crítico de confusão ou sonolência que pode durar minutos ou horas e, muitas vezes, cefaleias.

As crises generalizadas são a tradução, logo de início, de um envolvimento difuso e simultâneo do córtex de ambos os hemisférios com perda da consciência. Como já foi referido, podem ser ausências, crises mioclónicas, tónicas, clónicas, tónico-clónicas e atónicas.

As crises tónico-clónicas são muitas vezes precedidas de um grito, podendo ocorrer queda mais ou menos súbita; há uma fase tónica inicial seguida de movimentos convulsantes, eventualmente com rotação dos globos oculares, mordedura da língua, sialorreia ou perda de controlo de esfíncteres. A duração é variável, seguindo-se um período pós-crítico com confusão e/ou sonolência, e cefaleias.

Nas ausências há interrupção abrupta da consciência, geralmente breve (segundos), muitas vezes em salvas. Tipicamente o doente fica com o olhar parado, interrompe a actividade que estava a executar, pode ter movimentos de pestanejo ou de mastigação, logo retomando a actividade sem se aperceber do ocorrido.

As crises mioclónicas consistem em contracções musculares, súbitas e breves, isoladas ou em salvas, que podem envolver qualquer grupo muscular.

As crises tónicas traduzem-se por hipertonia súbita dos músculos extensores, acompanhada de perda da consciência.

Nas crises clónicas há contracções musculares mais ou menos rítmicas, envolvendo mais frequentemente as extremidades superiores, o pescoço ou a face.

Nas crises atónicas há perda súbita do tono muscular com queda brusca para o chão (também chamados “drop attacks”), o que pode originar lesões.

Síndromas epilépticas

Além da classificação das crises epilépticas, a ILAE aprovou também a Classificação Internacional das Epilepsias, Síndromas Epilépticas e Perturbações Relacionadas (Quadro 2), entrando em conta com um conjunto de características tais como a idade de início, história familiar de epilepsia, tipo(s) de crise, e sinais e sintomas neurológicos associados. É muito importante tentar o enquadramento da situação de um determinado doente naquela classificação, o que permitirá definir o prognóstico, a escolha mais acertada da terapêutica e, eventualmente, o aconselhamento genético.

QUADRO 2 – Classificação Internacional das Epilepsias, Síndromas Epilépticas e Perturbações Relacionadas (Liga Internacional contra a Epilepsia)

1 – Epilepsias parciais

1.1 – Idiopáticas

1.1.1 – Epilepsia benigna da infância com pontas centro-temporais (rolândica benigna)
1.1.2 – Epilepsia da infância com paroxismos occipitais
1.1.3 – Epilepsia primária da leitura

1.2 – Sintomáticas

1.2.1 – Epilepsia do lobo temporal
1.2.2 – Epilepsia do lobo frontal
1.2.3 – Epilepsia do lobo parietal
1.2.4 – Epilepsia do lobo occipital

1.3 – Criptogénicas

2 – Epilepsias generalizadas

2.1 – Idiopáticas

2.1.1 – Convulsões neonatais familiares benignas
2.1.2 – Convulsões neonatais benignas
2.1.3 – Epilepsia mioclónica benigna do lactente
2.1.4 – Epilepsia de ausências da criança
2.1.5 – Epilepsia de ausências juvenil
2.1.6 – Epilepsia mioclónica juvenil
2.1.7 – Epilepsia com crises tónico-clónicas generalizadas do acordar
2.1.8 – Outras epilepsias generalizadas idiopáticas, não definidas acima
2.1.9 – Epilepsias com crises caracterizadas por modos específicos de precipitação

2.2 – Criptogénicas e/ou sintomáticas

2.2.1 – Síndroma de West (espasmos infantis)
2.2.2 – Síndroma de Lennox-Gastaut
2.2.3 – Epilepsia com crises mioclónico-asiáticas
2.2.4 – Epilepsia com ausências mioclónicas

2.3 – Sintomáticas

2.3.1 – Etiologia não específica

2.3.1.a – Encefalopatia mioclónica precoce
2.3.1.b – Encefalopatia epiléptica infantil precoce com padrão de surto-supressão no EEG (Síndroma de Ohtahra)
2.3.1.c – Outras epilepsias sintomáticas generalizadas

2.3.2 – Síndromas específicas

2.3.2.a – Malformações
2.3.2.b – Doenças hereditárias do metabolismo

3 – Epilepsias indeterminadas quanto a serem parciais ou generalizadas

3.1 – Com crises parciais e crises generalizadas

3.1.1 – Crises neonatais
3.1.2 – Epilepsia mioclónica grave do lactente
3.1.3 – Epilepsia com ponta-onda contínua durante o sono de ondas lentas
3.1.4 – Afasia epiléptica adquirida (síndroma de Landau-Kleffner)
3.1.5 – Outras epilepsias indeterminadas não definidas anteriormente

3.2 – Sem características inequívocas de serem parciais ou generalizadas

 

4 – Síndromas especiais

4.1 – Convulsões febris
4.2 – Crises isoladas ou estados de mal epiléptico isolados
4.3 – Crises ocorrendo apenas quando há um acontecimento tóxico ou metabólico agudo

As epilepsias e as síndromas epilépticas podem ser generalizadas (i.e. com crises generalizadas) ou focais (i.e. com crises de início focal ou parcial). São consideradas sintomáticas ou secundárias quando existir uma causa conhecida (por exemplo uma lesão cerebral); e idiopáticas ou criptogénicas se não estiver identificada etiologia.

Tendo como base a classificação que integra o Quadro 2, seleccionámos algumas destas síndromas epilépticas que, pela sua frequência e/ou gravidade, têm maior relevância na prática clínica: epilepsia rolândica benigna, epilepsia de ausências, epilepsia mioclónica juvenil, espasmos infantis/síndroma de West, síndroma de Lennox-Gastaut.

No que respeita a crises não epilépticas, é dada ênfase às convulsões febris, fazendo parte no mesmo quadro da alínea “Perturbações relacionadas”, o que está em sintonia com as noções descritas anteriormente, na alínea “definições e importância do problema”.

O tema “Estado de mal epiléptico”, descrito neste capítulo de modo muito sucinto, é explanado com mais pormenor na Parte XXVIII, sobre Urgências e Emergências.

Já existem actualmente estudos conclusivos acerca da origem genética de algumas destas síndromas e, cada vez mais, o conhecimento das epilepsias se baseará na sua caracterização genética.

Epilepsia rolândica benigna

Nesta forma de epilepsia benigna também designada por epilepsia benigna da infância com pontas centro-temporais, existe grande incidência familiar; as crises surgem entre os 3 e os 12 anos em indivíduos com capacidades cognitivas e exame neurológico normais, sem lesão estrutural subjacente. É das epilepsias mais frequentes na criança. As crises ocorrem quase sempre durante o sono, têm início focal, cursando com clonias da região peribucal ou da hemiface, parestesias da língua, impossibilidade de falar, salivação, inicialmente com consciência preservada, podendo generalizar-se.

O electroencefalograma (EEG) é característico, com pontas na região centro-temporal, muito exacerbadas pelo sono. As crises são geralmente fáceis de controlar com os antiepilépticos e, se forem raras e bem toleradas pelos doentes e seus pais, muitas vezes decide-se pela não medicação. O prognóstico é excelente, com remissão pelos 13-16 anos.

Epilepsia de ausências

Trata-se duma forma de epilepsia generalizada idiopática ou primária, com forte carga genética; inicia-se entre os 4 e os 12 anos, com interrupção súbita da actividade e da consciência, durando 5-20 segundos, com olhar parado, por vezes pestanejo e/ou mastigação. Geralmente as crises ocorrem em salvas, inúmeras vezes por dia. O EEG tipicamente mostra breves descargas de pontas-ondas a 3 Hz. A maioria dos casos de ausências típicas cede bem à terapêutica, havendo remissão na adolescência.

Epilepsia mioclónica juvenil

É também uma epilepsia generalizada idiopática, com incidência familiar; começa na adolescência em jovens neurologicamente normais, com abalos mioclónicos, repetidos ou isolados, geralmente pouco após o acordar, sem perda de consciência. Pode haver também ausências, crises tónico-clónicas generalizadas (sobretudo ao acordar) ou fotossensibilidade. A privação de sono ou o álcool podem precipitar uma crise. A terapêutica com valproato de sódio é muito eficaz mas, se o tratamento for interrompido, é habitual a recaída. Daí a importância do diagnóstico correcto e da adesão do doente a uma terapêutica para toda a vida.

Espasmos infantis/Síndroma de West

Os espasmos infantis são uma forma de epilepsia, fundamentalmente dos lactentes; consistem em crises muito breves, tónicas, tipicamente em flexão, (podendo ser em extensão), envolvendo o tronco, o pescoço e as extremidades. Podem ocorrer isoladamente, mas quase sempre fazem parte da síndroma de West, que se define pela existência de espasmos, regressão do desenvolvimento psicomotor e padrão de hipsarritmia no electroencefalograma (electrogénese de base desorganizada a que se sobrepoem pontas-ondas amplas, difusas e ondas lentas irregulares).

Os espasmos iniciam-se antes do primeiro ano de vida, mais frequentemente entre os 4 e os 6 meses, podendo ocorrer dezenas ou centenas por dia, por vezes em salvas.

A síndroma de West pode ser idiopática, (quando não é conhecida a sua causa e o desenvolvimento prévio da criança era normal) ou ser sintomática, i.e., causada por uma situação subjacente. Existem inúmeras possíveis etiologias, nomeadamente anomalias do sistema nervoso central, lesão do sistema nervoso central perinatal ou pós-natal, doenças neurometabólicas ou outras geneticamente determinadas, como por exemplo a esclerose tuberosa, situação que evolui para síndroma de West em quase metade dos doentes.

Esta síndroma dificilmente cede aos antiepilépticos usuais, sendo muitas vezes necessário recorrer à terapêutica com corticóides, nomeadamente com ACTH.

O prognóstico é reservado, sobretudo nas formas sintomáticas: a mortalidade atinge 10-20% e, dos casos que sobrevivem, em cerca de 75% virá a desenvolver-se atraso importante do desenvolvimento psicomotor e, em metade destes, epilepsia. Poderá haver igualmente evolução para síndroma de Lennox-Gastaut (SLG) abordada a seguir.

Síndroma de Lennox-Gastaut

A síndroma de Lennox-Gastaut (SLG) é uma das formas mais graves e de pior prognóstico – entre as epilepsias da criança; caracteriza-se pela existência de vários tipos de crises, atraso e/ou deterioração progressiva do desenvolvimento global, problemas de comportamento e anomalias no EEG que incluem electrogénese de base lenta e mal diferenciada, sobrepondo-se actividade de ponta-onda lenta anterior, a 2-2,5 Hz.

Muitas doenças do sistema nervoso central podem cursar com SLG, verificando-se geralmente um exame neurológico alterado. As crises são muito frequentes e refractárias à terapêutica, coexistindo ausências atípicas, crises tónico-clónicas, mioclónicas, atónicas (com quedas muitas vezes violentas), tónicas (estas ocorrendo tipicamente durante o sono).

Convulsões febris

Definições, etiopatogénese e importância do problema

As chamadas convulsões febris, fortemente influenciadas por factores genéticos, constituem um grupo especial dentro dos fenómenos motores paroxísticos: convulsões (atrás definidas) associadas a febre, geralmente durante a subida térmica e sem evidência de outra causa precipitante (pressupondo nomeadamente, que não existe infecção do sistema nervoso central). Por vezes é após a crise que se nota a febre.

Nos casos de convulsões recorrentes sem febre (relacionáveis com epilepsia) há maior probabilidade de a febre desencadear uma crise; neste caso não se trata da chamada convulsão febril, mas de convulsão com febre.

As convulsões febris surgem em cerca de 3-4% das crianças entre 18 meses e 3 anos com um “pico” entre 14 e 18 meses. São raras antes dos 3 meses e após os 5 anos.

As infecções víricas são as que mais frequentemente originam a febre nestas circunstâncias. Outras situações habituais são as otites e as infecções respiratórias. Pode existir história familiar de convulsões febris (15-30%) e/ou de epilepsia (3-4%). Nalgumas famílias verificou-se hereditariedade autossómica dominante e genes associados nos cromossomas 19p e 8q 13-21. Alguns estudos têm revelado maior probalidade de convulsões febris nos casos de carência em ferro (ferritina baixa).

Manifestações clínicas e diagnóstico

As convulsões febris integram dois grandes grupos: as simples e as complicadas ou complexas. As convulsões simples (a maioria) são breves (< 15 minutos) e do tipo tónico-clónico, generalizadas.

As convulsões complexas ou complicadas duram > 15 minutos, são focais ou lateralizadas, poderão repetir-se dentro de 24 horas, e/ou acompanhando-se de sinais focais (por ex. hemiplegia) no período pós-crise.

Só em 1 de cada 3 crianças se verifica recorrência de convulsões febris simples. Contudo, podem constituir a primeira manifestação de uma epilepsia, de que a febre é apenas um factor desencadeante. Na verdade, cerca de 5% destas crianças terão epilepsia mais tarde, sendo maior esse risco: se as convulsões febris forem complicadas ou complexas, se existir história familiar de epilepsia, se a convulsão se repetir dentro de 24 horas e se esta se desencadear com o aparecimento de febre “não muito alta” (37,5-38°C).

Prevenção e tratamento

A base essencial da prevenção consiste no arrefecimento externo aquando dos primeiros sinais de febre e na administração de antipiréticos (paracetamol oral: 15 mg/kg; ou ibuprofeno: 8-10 mg/kg oral).

Somente se houver antecedentes de crises muito frequentes ou prolongadas se justifica terapêutica preventiva com diazepam oral (1 mg/kg/dia enquanto durar a febre); ou, mais raramente, com terapêutica prolongada, por exemplo com valproato de sódio e apenas nas crianças com > 2 anos, tendo em conta a hepatotoxicidade (dose inicial: 10 mg/kg/dia aumentado semanalmente 5-10 mg/kg até 30-60 mg/kg/dia). Esta estratégia implica esclarecimento dos pais e disponibilidade do clínico e equipa assistencial responsáveis para eventual apoio à distância.

A actuação prática nos casos em que surge convulsão febril de duração superior a cinco minutos é esquematizada na Figura 1.

CONVULSÃO FEBRIL

Arrefecimento, Antipirético
Aspiração de secreções, permeabilidade das vias aéreas,
Oxigenoterapia, Manobras de ressuscitação
Ventilação artificial se necessário

Diazepam*
(0,2-0,5 mg/Kg por via rectal ou 0,1-0,3 mg/Kg iv – 2 mg/minuto
(IV directo)

Na ausência da resposta em 5 minutos 

Diazepam (idem até 3 doses)

Na ausência da resposta: hospitalização

 Determinação da glicémia
(se glicémia < 45 mg/dL administrar glucose iv (0,5 g/kg) e
reavaliação da glicémia

FIGURA 1. Actuação sequencial nos casos de convulsão febril, complicada evoluindo para status epilepticus

*O Midazolam nasal (0,5 mg/Kg) ou o Lorazepan sublingual (0,05-0,1 mg/kg) são alternativas

Na hipótese de se tratar do primeiro episódio, reiterando-se a prioridade do tratamento sintomático descrito, antes do diagnóstico etiológico há, no entanto, que excluir infecção do SNC (ver adiante).

A ausência de resposta ao cabo de quinze minutos, legitimando o diagnóstico de convulsão febril complexa e a possibilidade de evolução para estado de mal epiléptico (status epilepticus) implica hospitalização.

A convulsão prolongada (associada por vezes a hipóxia variável e implicando maior consumo de glucose com risco de hipoglicémia e de sequelas do SNC) obriga à determinação da glicémia (para além doutros exames laboratoriais) e à aplicação de linha endovenosa para administração de glucose (0,5 g/kg se glicémia < 45 mg/dL).

Quando surge a primeira convulsão acompanhada de febre, se a causa da febre não for evidente, especialmente no primeiro ano de vida e em caso de convulsão complexa, não podendo excluir-se meningite ou encefalite, está indicada punção lombar para exame do LCR.

Estado de mal epiléptico

O status epilepticus coresponde à situação em que a convulsão dura mais de 30 minutos ou em que não se verifica recuperação do estado de consciência entre as crises; tal se deve, na maior parte das vezes, a infecção do SNC (por ex. meningite bacteriana ou vírica) o que, como foi dito, não corresponde à entidade “convulsão febril”.

Nos casos em que o status epilepticus se segue a episódio de convulsões associadas a febre, há que admitir a hipótese de encefalite.

Diagnóstico diferencial

Muitas situações podem, numa primeira abordagem, ser confundidas com crises epilépticas; antes de se afirmar um diagnóstico de uma doença potencialmente grave ou de se iniciar uma terapêutica, é fundamental colocar a pergunta: é realmente epilepsia? Aqui, revela-se particularmente importante a anamnese que, quando correcta e completa, permite na maioria das situações estabelecer o diagnóstico; só nalguns casos será necessário recorrer a exames complementares (designadamente vídeo-EEG) ou a consultas de especialidade.

Eis alguns exemplos de episódios paroxísticos não epilépticos:

  • os espasmos do choro – os episódios paroxísticos não epilépticos mais frequentes na idade pediátrica – ocorrem em relação com o choro; são desencadeados por uma dor ou uma contrariedade, em crianças saudáveis, entre os 6 e 18 meses. Após a perda de consciência pode haver um breve período de hipertonia e mesmo clonias, mas a recuperação é rápida e nunca existem sequelas.
    Descrevem-se duas formas: 1) a pálida, basicamente uma síncope vasovagal produzida por um mecanismo cardio – inibitório neurologicamente mediado, regredindo com a idade ou evoluindo para síncopes vasovagais; impõe-se o diagnóstico diferencial com doença cardíaca; curiosamente surge por vezes associado a anemia ferropénica; 2) a cianótica, também neurologicamente mediada, mas com mecanismo de produção desconhecido;
  • os períodos de distracção, frequentemente denominados de “ausências”, são facilmente interrompidos por um estímulo externo;
  • as crises histéricas ou pseudocrises ocorrem muitas vezes em simultâneo no mesmo doente ou em familiares que servem como “modelo”. Raramente resultam em traumatismo; não se acompanham de perda de controlo de esfíncteres e são geralmente mais aparatosas. Contudo, é por vezes necessário recorrer à realização de um vídeo-EEG para permitir a distinção com as verdadeiras crises de epilepsia;
  • a síndroma de Sandifer no lactente pequeno surge em geral entre os 18 e 36 meses. Os episódios, ocorrendo poucos minutos após refeição, associando-se ou não a regurgitações, traduzem-se por posturas anómalas do pescoço, tronco e extremidades, como consequência de refluxo gastresofágico (RGE), hérnia do hiato ou disfunção esofágica. O quadro cede com o tratamento do RGE;
  • algumas perturbações do sono, nomeadamente, terrores nocturnos, despertares nocturnos incompletos, pesadelos ou sonambulismo;
  • os tiques e algumas doenças extrapiramidais são outros exemplos de situações em que a epilepsia pode fazer parte do diagnóstico diferencial;
  • o torcicolo paroxístico inicia-se no primeiro ano de vida, regredindo antes dos 5 anos. Consiste em movimentos oculares anormais seguidos de torcicolo doloroso, durando minutos, horas, ou até, dias. Suspeita-se de relação com enxaqueca;
  • as síncopes vasovagais são os episódios paroxísticos não epilépticos mais frequentes entre os 2 e 12 anos de idade, muitas vezes relacionados com situações de ortostatismo prolongado ou emoções.
    Sendo habitual a confusão com as crises epilépticas generalizadas, definem-se por perda de consciência e do tono postural (por vezes associados a palpitações, sudação, palidez e mioclonias das extremidades) de curta duração (10-30 segundos) por hipoperfusão/défice de oxigenação arterial cerebral ultrapassando a duração de 8-10 segundos. Nalguns casos há sintomas prodrómicos: vertigem, perda da audição, de visão ou visão “nebulosa”, e sensação de calor. A recuperação é espontânea; existe uma base familiar e os episódios podem repetir-se.
    Este quadro clínico surge por falência hemodinâmica, mais habitualmente neurologicamente mediada.
    Importa fazer o diagnóstico diferencial com síncope cardiogénica, menos frequente; situações raras com quadro clínico semelhante poderão ser explicadas por certas arritmias cardíacas e cardiopatias estruturais, algumas das quais se traduzem por síndroma de QT longo.
  • outras situações descritas na literatura: hemiplegia alternante da infância (ligada em 70% dos casos a mutação no gene ATP31A), Opsoclonus, Balanceamentos da cabeça e corpo, Vómitos cíclicos do lactente, etc..

Exames complementares

O electroencefalograma (EEG) é o exame complementar mais usado em epileptologia, sendo útil para confirmar o diagnóstico e para estabelecer a classificação (crises parciais ou generalizadas, síndromas). Contudo, em cerca de 50% dos casos dos doentes epilépticos os EEG – padrão intercríticos são normais, mesmo se for incluído registo de sono. Ao invés, indivíduos saudáveis podem ter alterações electroencefalográficas sem nunca virem e ter epilepsia. As técnicas de activação (hiperpneia e estimulação luminosa intermitente), poderão ajudar a desencadear alterações epileptiformes no traçado.

Na neurofisiologia actual são imprescindíveis as técnicas de monitorização prolongada (vídeo-EEG e “Holter-EEG”) com vista a obter um registo ictal e uma correcta caracterização de muitos dos casos de epilepsia, nomeadamente nos doentes candidatos a cirurgia da epilepsia.

De mencionar a utilidade do EEG no diagnóstico do estado de mal não convulsivo e no diagnóstico diferencial com pseudocrises e outros fenómenos paroxísticos não epilépticos.

Destaca-se a importância de os clínicos conhecerem as indicações e os limites do EEG e a necessidade de ser fornecida ao electroencefalografista uma informação clínica o mais completa possível para uma correcta interpretação.

Na maioria dos casos de epilepsia é essencial a realização de exames de imagem cerebral para uma correcta caracterização, sobretudo nas epilepsias parciais. Com as técnicas actualmente disponíveis é possível encontrar sinais de lesão estrutural em cerca de 50% dos doentes com crises de início focal.

 A ressonância magnética (RM) cerebral tem maior sensibilidade e, salvo raras excepções, pode afirmar-se que em epileptologia a tomografia axial computadorizada (TAC) só deverá ser realizada se a RM não estiver disponível, ou nos doentes em que esta última esteja contra-indicada. Variando com o grupo etário, são exemplos de lesões detectáveis pela RM: displasias corticais e anomalias artério-venosas nas crianças; esclerose mesial, sequelas de traumatismo craniano, tumores cerebrais, lesões vasculares no jovem; acidentes vasculares, doenças degenerativas cerebrais, neoplasias primárias e secundárias.

Embora não indicadas em avaliações de rotina, técnicas de neuroimagem como a RM funcional, a tomografia com emissão de positrões (PET) ou a RM com espectroscopia têm especial interesse nos doentes candidatos a cirurgia da epilepsia.

Tratamento

Atendendo a que a epilepsia é uma doença crónica e considerando as suas particularidades (por exemplo o aparecimento inesperado das crises, o estigma social, a terapêutica diária e prolongada), deve dar-se especial atenção ao acompanhamento psicossocial e familiar destes doentes, além do tratamento medicamentoso.

Apesar de as drogas antiepilépticas (DAE) serem parcialmente eficazes na eliminação ou redução do número de crises, não são dirigidas à origem das doenças ou lesões neurológicas subjacentes. Contudo, constituem a pedra angular do tratamento destes doentes, actuando como estabilizadores da neurotransmissão, quer inibindo a excitabilidade neuronal, quer aumentando o efeito polarizante do ácido gama-amino-hidroxi-butírico (GABA) (neurotransmissor inibitório). Os mecanismos da epileptogénese, a farmacodinâmica das DAE e o seguimento de epilepsias refractárias estão fora do âmbito deste livro, pelo que apenas se abordam as regras gerais do tratamento dos doentes com a patologia em análise.

Salienta-se desde já, aliás como em todas as doenças crónicas, a necessidade da estreita colaboração entre o especialista, neste caso o neuropediatra, e o pediatra ou médico de família. No caso de epilepsias estáveis (por exemplo epilepsia rolândica benigna, epilepsia de ausências), as consultas de neuropediatria poderão ser bastante espaçadas e os pequenos reajustamentos terapêuticos, ou exames analíticos ser realizados pelo médico assistente.

Só deve iniciar-se uma terapêutica com DAE quando o diagnóstico de epilepsia for seguro, o que nem sempre é fácil; daí a importância da anamnese e dos outros aspectos descritos anteriormente. O início do tratamento deve ser guiado pela epidemiologia e por factores individuais, e os riscos e benefícios discutidos amplamente com o doente e/ou familiares. Como já foi referido, é fundamental tentar um diagnóstico sindrómico pois, considerando os diferentes mecanismos de acção das várias DAE, sabe-se que existem medicamentos mais eficazes e outros contra-indicados em certas circunstâncias. Por exemplo o valproato de sódio é de primeira escolha nas epilepsias generalizadas enquanto a carbamazepina está indicada nas crises parciais, podendo agravar uma epilepsia generalizada.

Do Quadro 3, que discrimina algumas das regras gerais da terapêutica antiepiléptica, salienta-se a preferência, sempre que possível, pela monoterapia e a introdução das DAE em doses crescentes. Salienta-se ainda a variabilidade individual na eficácia e na tolerância a estes medicamentos; daí a necessidade de medicação adaptada a cada doente e, no mesmo doente, ao longo do tempo. Em relação aos doseamentos das DAE disponíveis na prática clínica diária (valproato de sódio, carbamazepina, fenitoína e fenobarbital), importa referir que, estando o doente sem crises e não sendo observados efeitos secundários, não deverão ser alteradas as doses das DAE independentemente dos níveis séricos.

Apesar da introdução mais ou menos recente de novos medicamentos antiepilépticos, a maioria dos doentes encontra-se bem controlada com as DAE já estabelecidas, como o valproato de sódio, a carbamazepina, a difenil-hidantoína, o fenobarbital, a primidona, o clobazam, o clonazepam ou a etossuximida. São exemplos de novos antiepilépticos, quase todos usados como medicamentos de segunda linha e em terapia de associação: lamotrigina, topiramato, vigabatrim, oxcarbazepina, gabapentina, tiagabina, felbamato, zonizamida. Estes são usados para as epilepsias de mais difícil controlo. Tal acontece também em situações de terapêuticas invasivas para algumas situações mais refractárias, como implantação de um estimulador do vago (medida paliativa) e cirurgia potencialmente curativa (ressecção cortical focal, hemisferectomia, etc.) ou paliativa (por ex. corpo calosotomia). Os candidatos a estas intervenções devem reunir indicações muito precisas e ser exaustivamente estudados em centros diferenciados.

QUADRO 3 – Regras gerais da terapêutica antiepiléptica

Notas:
1 – as situações de epilepsia deverão ser seguidas em centros especializados.
2 – as terapêuticas prolongadas implicam o doseamento sérico de determinados fármacos
(por exemplo fenobarbital, fenitoína, etc.) na perspectiva da eficácia e/ou da toxicidade.
    • Início se houver um diagnóstico seguro de epilepsia
    • Os doentes (ou os pais) devem compreender as razões do tratamento e estar motivados para os benefícios da terapêutica. A má adesão é causa frequente de insucesso
    • Usar os antiepilépticos mais apropriados para o tipo de crise (caracterização clínica – EEG)
    • Iniciar em monoterapia (sempre preferível), em doses crescentes
    • Aumentar as doses até ao controlo das crises ou até aparecimento de efeitos secundários
    • Usar durante tempo suficiente para avaliar a eficácia
    • Se for necessário, substituir gradualmente um antiepiléptico por outro
    • Somente se deve passar a politerapia se se verificar insucesso em monoterapia
    • O doente deve elaborar um “calendário de crises”
    • Usar o menor número possível de tomas diárias (para facilitar a adesão)
    • Verificar a adesão
    • Evitar outros medicamentos não indispensáveis (verificar interacções)
    • Vida “regrada”: ritmo regular de sono/vigília/álcool…
    • Após 1 a 3 anos sem crises: suspensão gradual das DAE
    • Os antiepilépticos têm muitos efeitos colaterais (pesquisar sistematicamente)

Prognóstico

Nas últimas décadas ocorreram grandes progressos no conhecimento da fisiopatologia da epileptogénese, na caracterização clínica e classificação das crises e das síndromas epilépticas, e igualmente no âmbito da imagiologia cerebral, da neurofisiologia e de novos medicamentos anti-epilépticos.

Mais recentemente, abrindo-se o capítulo da cirurgia da epilepsia, com indicação nalguns casos refractários, surgiu uma modalidade terapêutica mais eficaz e menos dispendiosa do que politerapia durante toda vida.

Salienta-se que, embora a epilepsia possa ser considerada uma doença crónica extremamente grave, interferindo grandemente com o quotidiano, nalguns casos verifica-se remissão espontânea, sendo actualmente tratável na grande maioria dos doentes, o que é compatível com uma vida praticamente sem limitações.

Em suma, a maioria das pessoas com epilepsia pode actualmente ter uma vida normal ou quase normal. Contudo, para aquelas em que o controlo das crises se revela mais difícil, algumas esperanças existem face aos grandes avanços a decorrer em epileptologia, quer no âmbito da fisiopatologia, genética e da investigação diagnóstica (neuroimagiologia e neurofisiologia), quer ainda no âmbito da terapêutica médica e cirúrgica.

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