Noções fundamentais sobre o metabolismo do cálcio e fósforo. Importância do problema

As glândulas paratiroideias, em número de quatro, segregando a hormona paratiroideia ou paratormona (PTH), localizam-se na face anterior do pescoço, ao nível da zona média da glândula tiroideia; sob o ponto de vista embriológico, provêm dos 3º e 4º arcos branquiais, estando o seu desenvolvimento associado ao do timo.

As referidas glândulas e o metabolismo fosfocálcico estão intimamente ligados, pelo que não é possível discutir a patologia das paratiroideias e o seu tratamento, sem abordar, ainda que de forma sucinta, o metabolismo fosfocálcico.

Os níveis séricos de cálcio são regulados de forma muito estrita a fim de se obterem valores entre 8,8 e 10,4 mg/dL; se exceptuarmos o período neonatal, estes níveis mantêm-se constantes ao longo da vida. Esta regulação é muito complexa envolvendo o calcium-sensing receptor (CaSR), a hormona paratiroideia (PTH) e a vitamina D na sua forma activa [1,25-di-hidroxi-vitamina D (1,25(OH)2D)]. Importa referir que a PTH e a vitamina D são os principais reguladores da homeostase do cálcio (Ca).

Os níveis de fosfato estão sujeitos a uma regulação menos estrita que a da calcémia; a fosfatémia varia ao longo da vida, sendo mais elevada nas fases de crescimento rápido. Na sua regulação intervém não só a PTH e 1,25(OH)2 D3, mas também outras hormonas e co-reguladores descritos recentemente como o Fibroblast Growth Factor (FGF) 23 e Klotho.

Relativamente à PTH, importa salientar dois aspectos, de grande importância no período fetal:

  • Chamado péptido relacionado com a PTH (PTHrP), segregado por diferentes estirpes celulares e com afinidades estruturais com a PTH partilha com esta idêntica actividade biológica;
  • A sua presença no tecido mamário, paratiroideias e placenta traduz papel importante no metabolismo fosfocálcico durante a gravidez e lactação;
  • A calcitonina, péptido segregado, como resposta à hipercalcémia, pelas células C da tiroideia, tem efeito contrário à PTH.

Este capítulo aborda um tópico algo complexo, mas de grande relevância pela multiplicidade de quadros clínicos que integra, o que por sua vez constitui um exercício para o estudo e revisão da fisiopatologia.

Fisiopatologia

Cerca de 90% do cálcio total do organismo localiza-se no esqueleto ósseo; só 1% do total se encontra nos líquidos extracelulares; deste, 50% circula sob a forma livre ionizada, 40% encontra-se ligado a proteínas (albumina, sobretudo) e 10% a aniões (citrato). É a fracção livre e ionizada que é biologicamente activa.

O fosfato total do organismo reparte-se por 3 compartimentos: 85% encontra-se nos ossos; 14% no interior das células ligado a várias moléculas como fosfato orgânico, e menos de 1% no líquido extracelular principalmente como fosfato inorgânico, em constante equilíbrio com os outros compartimentos.

A mineralização óssea depende de um produto [cálcio]x[fosfato] séricos correcto e quer a diminuição quer o aumento da concentração de um dos iões pode conduzir a deficiente mineralização óssea ou calcificações ectópicas.

O CaSR é um receptor da membrana celular existente nas células das glândulas paratiroideias, tubo renal, osso e cartilagem; funciona como um “sensor” da calcémia: a ligação do cálcio ao CaSR inibe a libertação de PTH e a reabsorção renal de cálcio; quando a calcémia diminui, o CaSR desencadeia a produção de PTH. O magnésio liga-se também ao CaSR influenciando a secreção de PTH. O referido receptor é membro da superfamília de receptores ligados à proteína G. O CaSR é codificado por um gene com 6 exões, localizado no cromossoma 3q21.1.

Estão descritas mutações, quer activadoras associadas a hipocalcémia, quer mutações inactivadoras levando a hipercalcémia.

A PTH é um polipéptido constituído por 84 aminoácidos, dos quais apenas os 34 últimos são necessários para a sua actividade e funções. É codificada por um gene localizado no cromossoma 11. A sua semivida em circulação é muito curta (1-2 minutos). Actua sobre o osso promovendo a sua reabsorção, e sobre o rim aumentando a reabsorção de cálcio, a excreção de fosfato e a síntese renal de 1,25(OH)2D; por sua vez, este metabolito da vitamina D aumenta a absorção intestinal de cálcio. Todos estes mecanismos irão promover o restabelecimento da calcémia.

Estas acções, ao nível de órgãos-alvo implicam:

  • Ligação ao seu receptor;
  • Mecanismos de tradução deste sinal, tendo como segundo mensageiro a proteína G, em particular a subunidade a que estimula depois a adenilciclase com aumento do AMP cíclico intracelular.

A subunidade Gsa é codificada pelo gene GNAS1 que actua como segundo mensageiro de várias hormonas. De salientar que estão descritas mutações activadores e inactivadoras deste gene.

A vitamina D é uma vitamina lipossolúvel, existindo sob 2 formas: colecalciferol ou vitamina D3 produzido na pele por acção da luz ultravioleta sobre o 7-dehidrocolesterol.

Tendo o seu metabolismo sido descrito noutro capítulo, na parte sobre Nutrição, neste capítulo caberá apenas reforçar o papel do FGF23, um polipéptido produzido pelos osteócitos e osteoblastos, o qual regula a concentração sérica de fosfato, diminuindo-a.

Os níveis séricos de FGF23 aumentam em resposta à 1,25(OH)2D3, à ingestão de fósforo e à PTH por mecanismos ainda mal conhecidos e em que parece estar também envolvido o ferro.

O FGF23 actua a 2 níveis: por um lado, no tubo proximal renal, suprimindo a expressão dos cotransportadores sódio-fosfato levando à diminuição da reabsorção tubular do fosfato com aumento das perdas renais de fosfato e, por outro, a nível da 1,25(OH)2D suprimindo a expressão da 1a-hidroxilase e aumentando a expressão da 24-hidroxilase com aumento da degradação da 1,25(OH)2D e diminuição dos seus níveis séricos. Estas acções do FGF23 implicam a sua ligação a um complexo da membrana celular constituído pelo seu receptor e Klotho, uma proteína da membrana.

A absorção intestinal de cálcio acompanha-se de absorção de fósforo, o que poderia causar hiperfosfatémia e calcificações ectópicas. Contudo, a vitamina D parece ter uma dupla acção para evitar esta situação: inibe a produção de PTH com diminuição da reabsorção óssea e estimula a produção de FGF23 com aumento da fosfatúria.

O excesso de FGF23 está associado, directa ou indirectamente, a diversas formas de raquitismo hipofosfatémico; contudo, nalguns casos desconhece-se ainda o mecanismo exacto, admitindo-se que a alteração verificada se relacione com o excesso de FGF23.

 Semiologia clínica e laboratorial

Face à grande diversidade de factores envolvidos, a suspeita de alteração do metabolismo fosfocálcico, na sequência de anamnese e exame objectivo rigorosos, deverá levar à determinação de um painel alargado de exames de sangue e urina e à realização de alguns exames imagiológicos (Quadro 1) de forma a orientar o diagnóstico diferencial (Quadro 2). Salienta-se a importância da recolha e conservação de uma amostra de sangue e de urina para eventual realização de outras determinações.

O Quadro 3 resume os fármacos utilizados no âmbito de determinadas alterações do metabolismo fosfocálcico

QUADRO 1 – Semiologia das alterações do metabolismo fosfocálcico

Sangue (Valores de referência)UrinaImagiologia
Nota: Guardar uma amostra de sangue em EDTA, outra em tubo seco e também uma amostra de urina para outras determinações ou estudos moleculares que venham a ser necessários.
Adaptado de Perry & Allgrove, 2011
    • Cálcio total (8,4-10,6 mg/dL)
    • Cálcio ionizado (1,1-1,3 mmol/L)
    • Fosfato (lactente: 5-8; criança: 4,1-5,9; adulto: 2-4,6 mg/dL)
    • Magnésio (1,7-2,9 mg/dL)
    • Fosfatase alcalina (criança: 200-600; adulto: 60-170 UI/L)
    • Creatinina
    • Albumina
    • pH e gases
    • PTH (10-55 pg/mL)
    • 25 OH-D (20-60 ng/mL)
    • 1,25 (OH)2 D

Fórmula para a correcção da calcémia de acordo com a albuminémia:
Ca corrig = Ca total (mg/dL) + [(41-alb (g/L)x 0,068]

Calcémia:
4 mg/dl = 1 mmol/L

Fosfatémia:
3,1 mg/dl = 1 mmol/L

Magnesiémia:
2,4 mg/dl = 1 mmol/L

    • Creatinina   \
                             |-> Amostra
    • Cálcio          /

Valor normal da relação cálcio/creatinina nas crianças: 0,25 mg/mg

    • Creatinina (Cr)  \
      de Cálcio (Ca)    |-> Urina 24h
    • Fosfato (P)        /

Valor normal da excreção de cálcio:
 4 mg/kg/24h

Taxa de reabsorção de fosfato:
1- Taxa de excreção fraccionada de fosfato x100

Valor normal:
nas crianças: 85-97%
nos adultos: 80-95%

Fórmula de cálculo excreção fraccionada de fosfato:
[P]u x [Cr]p / ([P]p x [Cr]u); todas as determinações nas mesmas unidades

    • Radiografia do punho e joelho para pesquisa de raquitismo
    • Ecografia renal para pesquisa de nefrocalcinose
    • TAC craniana para pesquisa de calcificações intracranianas
    • Cintigrafia de subtracção com sestamibi para detecção de tumores das paratiroideias

QUADRO 2 – Diagnóstico laboratorial simplificado das situações associadas a alterações do metabolismo fosfocálcico

*VDDR2: Raquitismo vitamina D dependente tipo 2 causado por mutação do receptor da vitamina D (VDR) e associado a níveis ­­­ de 1,25(OH)2D3

Abreviaturas:
AIRE: autoimmune regulator type 1; APECED: autoimmune polyendocrinopathy-candidiasis-ectodermal dystrophy; CaSR: Calcium-sensing receptor; CHARGE: Coloboma, Heart anomaly, Choanal Atresia, Retardation, Genital and Ear anomalies; CHD7: Chromodomain helicase DNA binding protein 7; GATA3:Gats binding protein 3; GCMB: glial cells missing B; GNAS1: Guanine nucleotide-binding protein, a-stimulating activity polypeptide 1; HRD: Hypoparathyroidism-retardation- dysmorphism ; HDR: Hypoparathyroidism -deafness-renal dysplasia; MELAS: Mitochondrial encephalopathy, lactic acidosis and stroke- like episodes syndrome ; MTPDS: Mitochondrial trifunctional protein deficiency syndrome; PTH: Parathormona; SEMA3: Semaphorin 3E; SOX3: SRY(sex-determining region of Y)-related HMG (high mobility group)-box gene 3; TBCE: tubulin specific chaperone.

Nota: Guardar uma amostra de sangue em EDTA, outra em tubo seco e também uma amostra de urina para outras determinações ou estudos moleculares que venham a ser necessários.

Adaptado de Perry & Allgrove, 2011.

 CálcioFosfatoFosfatase AlcalinaPTH25OH-D1,25(OH)2D
HIPOCALCÉMIA
HipoparatiroidismoN ou ↓NN
Pseudo- hipoparatiroidismoN ou ↓N
Alterações da Vitamina D↓ ou N↓ ou ­­ ou N↓↓ nos raquitismos nutricionais
N nas outras formas
N ou ↓
excepto VDDR2*
HIPERCALCÉMIA
Hiperparatiroidismo primário N ou ↓N ou ­↑NN ou ­↑
Outras causas de hipercalcémia  N ou ↓

QUADRO 3 – Fármacos utilizados no tratamento de determinadas alterações do metabolismo fosfocálcico

Princípio activoNome comercialDose
CálcioVárias apresentaçõesVárias formulações, algumas com vitamina D associada
FosfatoPhosphore Sandoz® Comprimidos efervescentes750 mg de fósforo elementar/comprimido
CalcitriolRocaltrol® cápsulas0,25 µg
AlfacalcidiolEtalpha® gotas
Cápsulas
2 µg/ml, 0,1 µg/gota
0,25 µg; 0,5 µg; 1 µg
ColecalciferolVigantol® gotas0,5 mg/ml
667 UI (16,7 µg)/gota

No âmbito da patologia em estudo (título deste capítulo), foram sistematizadas as seguintes nosologias*:

  • Hipoparatiroidismo;
  • Pseudo-hipoparatiroidismo
  • Hiperparatiroidismo
  • Raquitismo não carencial
* Abreviaturas
CLCN5: Chloride channel, voltage-sensitive 5; DMP1: Dentin matrix protein; ENPP1: Ectonucleotide pyrophosphatase/phosphodiesterase; FGF23: Fibroblast growth factor 23; FGFR1: Fibroblast growth factor receptor; GNAS1: Guanine nucleotide-binding protein, a-stimulating activity polypeptide 1; PHEX: Phosphate-regulating gene with homologies to endopeptidases on the X chromosome; PTH1R: Parathyroid hormone 1 receptor; OCRL1: Oculocerebrorenal syndrome of Lowe; NPT2: Type II sodium/phosphate cotransporter

1. HIPOPARATIROIDISMO

Definição e importância do problema

O hipoparatiroidismo ou insuficiência paratiroideia é o resultado de uma alteração (congénita ou adquirida) da síntese e secreção da PTH, ou da acção periférica da mesma. Em ambas as circunstâncias, verifica-se hipocalcémia e hiperfosfatémia.

Na idade pediátrica tal estado de hipofunção é mais frequente que o de hiperfunção.

Dados laboratoriais

Independentemente da etiologia, os achados bioquímicos resultantes da diminuição da acção da PTH são:

  • Hipocalcémia (< 8,6 mg/dL);
  • Hiperfosfatémia (7-12 mg/dL);
  • i1,25(OH)2D3;
  • Calciúria relativamente elevada em relação à calcémia.

No pseudo-hipoparatiroidismo ou nas formas de PTH biologicamente inactiva, verifica-se elevação dos níveis plasmáticos de PTH.

Uma vez que a ausência do efeito da PTH conduz a maior reabsorção renal de bicarbonato, poderão ser detectados valores sanguíneos elevados de bicarbonato e pH.

Classificação

A classificação etiológica do hipoparatiroidismo é difícil e complexa, tendo em conta os critérios adoptados para tal. De facto, diversos aspectos poderão ser considerados, por exemplo: etiologia (orgânica ou funcional), forma de apresentação (esporádica ou familiar), início (precoce ou tardio), associação a outras anomalias, e evolução (forma transitória ou permanente).

O Quadro 4 sintetiza as situações caracterizadas por deficiência em PTH (nível sérico de PTH diminuído).

QUADRO 4 – Hipoparatiroidismo por deficiência em PTH (PTH diminuído)

Neonatal

    • Transitória
    • Permanente (síndromas CATCH 22, de DiGeorge, etc.)

Não neonatal

    • Familiar
      • Autossómica dominante (CaSR)
      • Autossómica recessiva (GCM2)
      • Recessiva ligada ao cromossoma X (Xq26-27)
    • Autoimune
      • Isolada
      • Síndroma pluriglandular autoimune (APECED)
    • Adquirida
      • Pós-cirurgia (tiroideia ou paratiroideia)
      • Pós-radioterapia cervical
      • Infecções (sépsis, SIDA)
      • Infiltrativa (tumoral, amiloidose, hemossiderose, depósitos de ferro/terapia nas talassémias, de cobre/doença de Wilson)
    • Hipomagnesiémia
    • Associada a doenças mitocondriais
    • Idiopática

No Quadro 5 são sistematizadas as formas de disfunção paratiroideia em que a PTH é biologicamente inactiva ou se observa resistência periférica à sua acção. Nestas situações, o nível sérico da PTH está aumentado.

QUADRO 5 – Hipoparatiroidismo por PTH biologicamente inactiva ou por resistência periférica à sua acção (PTH aumentada)

    • PTH biologicamente inactiva
    • Resistência periférica à PTH
      • Pseudo-hipoparatiroidismo de tipo Ia
      • Pseudo-hipoparatiroidismo de tipo Ib
      • Pseudo-hipoparatiroidismo de tipo II
      • Pseudo-pseudo-hipoparatiroidismo de tipo Ib
      • Pseudo-hipoparatiroidismo com osteíte fibroquística

Formas clínicas de hipoparatiroidismo

É dada ênfase às seguintes:

Hipoparatiroidismo neonatal transitório

Esta forma clínica é abordada na Parte “Perinatologia/Neonatologia” sobre alterações do metabolismo do cálcio e fósforo no RN.

Hipoparatiroidismo neonatal permanente

A falta de desenvolvimento das glândulas paratiroideias pode apresentar-se como defeito isolado ou associado a outros defeitos do desenvolvimento, como ocorre na deleção 22q11; esta situação é conhecida como CATCH22, sigla do inglês significando “defeito cardíaco, fácies anormal, hipoplasia do timo, palato ogival e hipocalcémia”.

Inclui várias síndromas:

  • Síndroma de DiGeorge: fácies peculiar (hipertelorismo, implantação anormal das orelhas, micrognatia, boca “de peixe”), cardiopatia congénita afectando em geral o arco aórtico, ausência de timo e imunodeficiência. Apesar de o prognóstico depender mais dos defeitos associados do que da hipocalcémia, em toda a cardiopatia que envolva anomalias do arco aórtico ou perante tetralogia de Fallot atípica deverá avaliar-se o metabolismo fosfocálcico. O gene que parece ser responsável por muitas das alterações fenotípicas, em particular pela cardiopatia congénita, é o gene TBX1 (T-box 1);
  • Síndroma velocardiofacial: fenda palatina, defeito cardíaco, fácies peculiar e dificuldades na aprendizagem;
  • Síndroma cono-troncofacial: defeito cardíaco, anomalias faciais e hipoplasia do timo.

Outras síndromas se associam para além do período neonatal. Destacam-se, sem pormenorizar: síndroma de Kenny-Caffey, síndroma de Sanjad-Sakati, síndroma de Yumita, síndroma de Kallman, síndroma de Barakat e síndroma de Silver-Russell.

Hipoparatiroidismo familiar

Esta forma clínica, surgindo de modo isolado, integra um grupo heterogéneo de situações. Em geral transmite-se do modo autossómico dominante (AD), embora em certas famílias se tenha demonstrado o modo autossómico recessivo (AR) ligado ao cromossoma X.

Acompanhadas por sintomas neuromusculares, tais situações estão associadas a mutações activadoras no gene do CaSR, localizado em 3q13-3q21, com transmissão AD.

Outras formas:

  • Ausência hereditária das paratiroideias secundária a mutação do gene responsável pelo factor de transcrição GCMB (região 6p23, hereditariedade AR, ou ligada a sexo-Xq27);
  • Hipomagnesiémia hereditária com hipocalcémia dependente do magnésio (AR);
  • Raquitismo pseudocarencial hereditário.
Hipoparatiroidismo autoimune

Habitualmente transmite-se de modo AR e apresenta-se associado a outras alterações, constituindo a doença poliglandular do tipo I (PGA1) também chamada síndroma de poliendocrinopatia autoimune-candidíase-displasia ectodérmica (APECED).

Nalguns casos de PGA1 foram identificadas mutações no gene AIRE (gene para a regulação autoimune), em número superior a 60.

A tríade hipoparatiroidismo, doença de Addison e candidíase somente se verifica em 50% dos pacientes.

 Hipoparatiroidismo adquirido

O Quadro 4 é elucidativo.

 Hipoparatiroidismo associado a doenças mitocondriais

Estão descritas mutações no ADN mitocondrial em casos de síndroma de Kearns-Sayre, MELAS (miopatia, encefalopatia, acidose láctica e episódios, acidente vascular cerebral), por sua vez associados a hipoparatiroidismo.

Com efeito, o diagnóstico de citopatia mitocondrial deve ser suspeitado em doentes com sintomas inexplicados como oftalmoplegia, hipoacusia neurossensorial, alterações da condução cardíaca e tetania.

Hipoparatiroidismo idiopático

Esta forma clínica, isolada e tardia ou crónica, cujo mecanismo fisiopatológico na actualidade ainda se desconhece, poderá estar relacionada com mutações do gene da PTH.

Outras situações relacionadas com hipoparatiroidismo

Citam-se resumidamente a síndroma de Fhar, cursando com calcificações nos núcleos basais; a síndroma de Gardner (polipose intestinal com osteomas); e a síndroma de nevus de células basais.

Manifestações clínicas

No hipoparatiroidismo pode existir um largo espectro de manifestações, desde a sua “ausência”, até sinais e sintomas exuberantes. Nas formas mais ligeiras poderá acontecer que a identificação de tal nosologia somente se consiga por exames laboratoriais.

Dum modo geral pode afirmar-se que a sintomatologia depende, não só do grau de défice em PTH e da calcémia absoluta, como também da velocidade da sua instalação; outros factores importantes para o desenvolvimento de sintomas são a existência de hipomagnesiémia, hiponatrémia, hipocaliémia ou acidose associadas.

A hipocalcémia de longa duração e de instalação lenta pode ser assintomática sendo detectada por uma “análise de rotina”. Os sintomas aparecem habitualmente quando a calcémia é inferior a 7,2 mg/dL. Reitera-se que hipocalcémia é, por definição, a calcémia inferior a 8,6 mg/dL.

Os sinais mais precoces de hipocalcémia são a sensação de formigueiro ou “adormecimento” nos dedos das mãos e pés e região perioral. Aparecem depois as dores abdominais e sinais de hiperexcitabilidade nervosa, mialgias, cãibras, especialmente com o exercício, contracção muscular espontânea (tetania e espasmo carpopedal) ou convulsões com frequência variável, laringospasmo, alteração do estado de consciência e, nos recém-nascidos, insuficiência cardíaca. É frequente catalogar os pacientes hipoparatiroideus como epilépticos.

O exame objectivo pode evidenciar, hiperextensão cérvico-cefálica, hiperreflexia, positividade dos sinais de Chvostek (contractura dos músculos faciais desencadeda pela percussão do nervo facial à frente do pavilhão auricular) e de Trousseau (espasmo carpopedal desencadeado pela hipóxia obtida por insuflação da braçadeira do esfigmomanómetro acima da pressão arterial sistólica durante 3 a 5 minutos), cabelo fino, pele seca, unhas friáveis com estrias horizontais, atraso na erupção dentária, fragilidade do esmalte dos dentes e atraso na sua erupção. Nos lactentes, pode ainda existir hipotonia, taquicardia e fontanela procidente.

A hipocalcémia mantida e de longa duração pode levar a calcificações dos gânglios da base, a edema da papila e a cataratas subcapsulares.

As manifestações associadas podem fornecer pistas para o diagnóstico etiológico da hipocalcémia e/ou de hipoparatiroidismo: alteração do crescimento e raquitismo (défice de vitamina D), atraso do neurodesenvolvimento e/ou da linguagem, cardiopatia congénita ou imunodeficiência (síndroma de DiGeorge), candidíase mucocutânea (APECED), etc..

Exames complementares

O cálcio sérico está diminuído (5-7 mg/dL) e o fósforo elevado (7-12 mg/dL). O cálcio ionizado (~45% do total) também está diminuído; a avaliação do cálcio total deverá ter em atenção o valor da albuminémia. A magnesiémia, que deve ser sempre determinada quando existe hipocalcémia, está normal. A fosfatase alcalina está normal ou baixa e o nível do metabolito 1,25(OH)2D3 está geralmente baixo, embora possa estar elevado em situações de hipocalcémia acentuada.

O valor sérico da PTH está diminuído no hipoparatiroidismo, e elevado no pseudo-hipoparatiroidismo.*

A radiografia dos ossos longos evidenciando aumento da densidade nas metáfises sugere intoxicação por metais pesados. A TAC cranioencefálica pode revelar sinais de calcificação dos gânglios basais.

*Por vezes os valores basais de PTH não são esclarecedores quanto a esta destrinça. Por isso, torna-se necessário recorrer ao estímulo com PTH exógena (Prova de Ellsworth -Howard).

O ECG mostra um aumento do intervalo QT e, por vezes, alterações da onda T, do ritmo e da condução.

O EEG evidencia actividade lenta, a qual pode normalizar após tratamento da hipocalcémia.

Salienta-se que quando o hipoparatiroidismo surge associado a doença de Addison, a calcémia poderá estar normal; contudo, com o tratamento da insuficiência adrenal a hipocalcémia aparece.

Diagnóstico diferencial

  1. A deficiência em magnésio deve ser admitida em pacientes com hipocalcémia inexplicada. Concentrações de Mg < 1,5 mg/dL (1,2 mEq/L) são geralmente anormais.
    Não está esclarecido o mecanismo pelo qual baixos níveis de Mg levam a hipocalcémia. Admite-se, contudo, que a hipomagnesiémia impeça a libertação de PTH, induzindo resistência a esta hormona.
  1. A intoxicação com fosfato inorgânico conduz a hipocalcémia e tetania cujo mecanismo também não é claro. Na prática clínica, a administração de laxantes ou enemas baseados em fosfato inorgânico pode ser responsável por tal quadro tóxico.
  2. A hipocalcémia associada a hiperfosfatémia pode ocorrer no contexto de tratamento da leucemia linfoblástica aguda em que se verifica destruição de linfoblastos.

Independentemente do quadro clínico, importa conhecer as entidades clínicas que, para além da disfunção paratiroideia (hipoparatiroidismo e pseudo-hipoparatiroidismo), também cursam com hipocalcémia. (Quadros 6 e 7)

QUADRO 6 – Causas de hipocalcémia (excluindo disfunção paratiroideia)

      1. Carência e alterações do metabolismo da vitamina D – Raquitismos calciopénicos*
      2. Alterações dos órgãos-alvo
        Rim (IRA, acidose tubular renal, hipercalciúria)
        Má-absorção intestinal do cálcio
        Esqueleto
      3. Outras causas
        Sobrecarga de fosfato (síndroma de lise tumoral, leite com concentração elevada de fosfato, rabdomiólise)
        Doenças agudas (pancreatite aguda, acidémias orgânicas, síndroma de choque tóxico)
        Drogas (furosemido, calcitonina, fenobarbital, fenitoína, flúor, pentamidina, cetoconazol, bifosfonatos, antineoplásicos, transfusão-permuta).

      * (ver volume 1 – Quadro 4 e Capítulos sobre Carências vitamínicas e minerais).

QUADRO 7 – Carência e alterações do metabolismo da vitamina D – raquitismos calciopénicos

  Raquitismos calciopénicos

    • Défice de vitamina D
      • Prematuridade
      • Défice nutricional por ingestão insuficiente de nutrientes
      • Exposição solar inadequada
      • Má-absorção intestinal associada a doença celíaca, fibrose quística, pancreatite ou outras causas de esteatorreia
      • Doença hepática levando a alteração da produção de 25-hidroxi-vitamina D
      • Medicamentos (corticóides, anticonvulsantes)
    • Alterações do metabolismo da vitamina D
      • Raquitismo vitamina D dependente tipo 1B associado a défice de 25OHD (mutação do gene da 25-hidroxilase)
      • Raquitismo vitamina D dependente tipo 1A associado a défice de 1,25(OH)2D (mutação do gene da 1a-hidroxilase)
    • Resistência periférica à vitamina D
      • Raquitismo vitamina D dependente tipo 2A associado a alteração do VDR (mutação do gene VDR)
      • Raquitismo vitamina D dependente tipo 2B com VDR sem alterações
    • Ingestão insuficiente de cálcio
      • Dieta vegetariana
      • Ingestão insuficiente de nutrientes

(ver adiante Quadro 9)

Tratamento

O tratamento de emergência da tetania, nomeadamente no período neonatal, em internamento hospitalar, consiste na injecção IV de gluconato de cálcio a 10% (cálcio elementar <> 9,3 mg/mL) na dose de 5-10 mL ou 1-3 mg/kg ao ritmo de 0,5-1 mL/minuto monitorizando a frequência cardíaca, sem exceder a dose de 20 mg/kg de cálcio elementar. A via IV dose deve ser mantida até calcémia ~8,8 mg/dL e reajustada ulteriormente em função do valor desta, a determinar de 12-12 horas. As situações associadas a calcémia < 8 mg/dL também devem ser tratadas em hospital. A normalização da calcémia poderá surgir entre 2-10 dias após início do tratamento.

O tratamento com cálcio per os deve ser iniciado antes da interrupção IV, e mantido. A dose inicial per os (gluconato ou glucobionato) recomendada é ~500-1.000 mg de cálcio elementar/dia.

Ulteriormente, dada a necessidade de manutenção da terapêutica com cálcio há que reajustar a dose administrada de acordo com a determinação da calcémia 1-3 vezes por semana nos primeiros 3 meses e, depois, de 3-3 meses; para além do objectivo de normalização da calcémia, a calciúria deverá ser mantida entre 4-6 mg/kg/dia.

Poderá haver necessidade de corrigir eventual alcalose e hipomagnesiémia.

Dado que o défice de PTH acarreta uma deficiente produção de 1,25(OH)2D, concomitantemente com o tratamento de emergência, deve ser iniciada a administração de calcitriol oral (1,25- di-hidroxicolecalciferol na dose inicial de 0,25 mcg/24 horas), seguindo-se a dose de manutenção de 0,01-0,10 mcg/24h até o máximo de 1-2 mcg/24h, em duas tomas.

A dose deverá ser reajustada de acordo com a evolução da calcémia. Quando a calcémia for superior a 8,8 mg/dL, dever-se-á reduzir para metade a dose de vitamina D.

Como notas importantes, há que ter em conta as possíveis complicações da terapêutica com vitamina D e metabolitos (hipercalcémia e hipercalciúria, com risco de nefrocalcinose), obrigando a eventuais reajustamentos de doses.

Se surgir hipercalcémia, o tratamento com vitamina D deve ser interrompido durante 3-5 dias, e retomado após normalização daquela.

Nos casos em que se verifiquem valores elevados de fósforo, importa limitar o consumo de alimentos com elevado conteúdo do referido elemento, como o leite, ovos, queijo, amêndoas, etc..

Admite-se que no futuro o tratamento do hipoparatiroidismo seja a administração de PTH biossintética.

2. PSEUDO-HIPOPARATIROIDISMO (OSTEODISTROFIA HEREDITÁRIA de ALBRIGHT)

Definição

No pseudo-hipoparatiroidismo (PHP), ao contrário do hipoparatiroidismo, as glândulas paratiroideias são normais ou hiperplásicas, sintetizando e segregando a PTH. Contudo, verificando-se resistência do túbulo renal à acção da PTH, os níveis séricos desta estão elevados, associando-se hipocalcémia, hiperfosfatémia e défice de calcitriol.#

#De salientar que no conceito lato de PHP se engloba também a situação de PTH biologicamente inactiva. (Quadro 4)

Neste contexto, nem a PTH endógena nem a PTH administrada artificialmente elevam a calcémia ou diminuem a fosforemia.

O termo de PHP surgiu pela primeira vez com Albright ao descrever a osteodistrofia hereditária (caracterizada essencialmente por obesidade, hipocrescimento, anomalias ósseas nas mãos, insuficiência cognitiva), observando que a hipocalcémia e hiperfosfatémia associadas não respondiam à perfusão de PTH.

Aspectos epidemiológicos

Os PHP constituem grupo heterogéneo de doenças caracterizadas pela resistência periférica à acção da PTH (ou pela verificação de PTH inactiva). Tratando-se de afecções muito raras, a fim de se poder avaliar a baixa prevalência, virá a propósito, para comparação, referir a prevalência da doença histórica descrita por Albright (dentro da raridade, a mais frequente): ~0,72 casos/100.000, com inexplicada maior incidência no sexo feminino apesar do modo de transmissão hereditária autossómica. Uma das formas adiante descrita (Ia) ainda é mais rara: incidência de 3,4 casos/milhão/ano, com dupla prevalência no sexo feminino.

 Etiopatogénese

Verificando-se resistência ou insensibilidade do túbulo renal à acção da PTH, surge elevação da PTH.

O receptor da PTH e de outras hormonas necessitam da proteína G estimuladora (Gs) na sua forma heterotrimérica como proteína de ligação intermediária para a transdução transmembranária do sinal, levando à estimulação da produção de cAMP.

O gene GNAS, com 13 exões, localiza-se no cromossoma 20 e codifica a subunidade a da proteína Gs. O referido gene apresenta imprinting nalguns tecidos; nestes, a alteração da proteína Gs conduz a resistência periférica à acção das hormonas que utilizam esta via [PTH, TSH, hormonas hipotalâmicas estimuladoras das gonadotrofinas (GnRH) e da hormona de crescimento (GHRH)]. Noutros casos, e apesar de ser utilizada a mesma via, a resposta hormonal encontra-se mantida (ACTH, CRH, vasopressina).

Existem 2 subtipos principais com características genéticas e clínicas diferentes ainda que com sobreposições entre ambas as formas: pseudo-hipoparatiroidismo Ia e I b.

O pseudo-hipoparatiroidismo tipo Ic é muito semelhante ao Ia.

Os pseudo-hipoparatiroidismos de tipos Ia e Ic devem-se, na maioria dos casos, a mutação inactivadora em heterizigotia no alelo materno do gene GNAS; em 30% dos casos não se detectam mutações. No do tipo Ib não se verifica mutação de gene GNAS; estão em causa, sim, defeitos de metilação ou imprinting bloqueando o alelo materno.

A forma designada por pseudo-pseudo-hipoparatiroidismo deve-se a mutação do alelo paterno. Na mesma família podem coexistir elementos com pseudo-hipoparatiroidismo Ia e pseudo-pseudo-hipoparatiroidismo mas não na mesma fratria.

Formas clínicas e exames complementares

Pseudo-hipoparatiroidismos Ia e Ic

Os pseudo-hipoparatiroidismos Ia e Ic associam as alterações fenotípicas características designadas por osteodistrofia hereditária de Albright (OHA) e a resistência a diversas hormonas.

As manifestações clínicas incluem baixa estatura, insuficiência intelectual, alteração do neuro-desenvolvimento de grau variável, obesidade, fácies arredondada, lesões ósseas únicas ou múltiplas, braquidactilia com encurtamento dos 3º, 4º e 5º metacárpicos, 1ª falange distal e/ou 4º e 5º metatársicos, calcificações ectópicas subcutâneas ou na derme, hipoplasia do esmalte dentário, deformações articulares com genu valgum, coxa vara ou cubitus valgus.

A hipocalcémia traduz-se por convulsões ou tetania; ocorre em geral depois dos 3 anos de idade, podendo, no entanto, ser assintomática. O hipotiroidismo concomitante pode preceder a hipocalcémia ou mesmo ser diagnosticado pelo rastreio neonatal. O hipogonadismo é mais frequente no sexo feminino traduzindo-se por atraso pubertário, alterações menstruais ou infertilidade. A velocidade de crescimento deve ser avaliada cuidadosamente a fim de permitir o diagnóstico atempado de défice de GH. A hiperfosfatémia associada à resistência à PTH pode causar alteração da síntese renal de 1,25(OH)2D, com agravamento da hipocalcémia.

Quanto a exames complementares, salientam-se os seguintes resultados: hipocalcémia e hiperfosfatémia associadas a níveis séricos aumentados de PTH e 25(OH)2D normal. Não existe tendência para a hipercalciúria.

A resposta à administração de PTH com aumento do cAMP urinário e fosfatúria encontra-se abolida, traduzindo a resistência do túbulo proximal à acção da PTH.

Podem existir ainda: hipotiroidismo subclínico (TSH aumentada e FT4 normal) ou franco (TSH aumentada e FT4 diminuída), e sinais laboratoriais de resistência a outras hormonas.

A determinação do cAMP sérico e urinário e da fosfatúria pós-administração subcutânea de PTH permite estabelecer o diagnóstico diferencial das várias formas de pseudo-hipoparatiroidismo.

Por sua vez, o diagnóstico diferencial deste grupo de doenças deve fazer-se com o hiperparatiroidismo secundário, hipomagnesiémia e défice de vitamina D; nestas duas últimas entidades clínicas também se verifica diminuição da capacidade de resposta renal à PTH.

O tratamento é semelhante ao descrito para o hipoparatiroidismo; tendo como objectivo a normalização da calcémia utiliza-se cálcio per os e calcitriol. Nestas formas referidas não existe o risco de nefrocalcinose, pois a resistência renal à PTH limita-se ao túbulo proximal.

Pseudo-hipoparatiroidismo Ib

Nesta forma clínica o aspecto fenotípico é normal, salientando-se apenas braquidactilia moderada. Os níveis séricos de cálcio, fósforo e PTH são sobreponíveis aos verificados no tipo Ia. O nível sérico da proteína G é normal. A resistência periférica está limitada à PTH e TSH, pelo que o quadro clínico é sobreponível ao do hipoparatiroidismo e do hipotiroidismo subclínico. A resposta à administração de PTH com aumento do cAMP urinário e fosfatúria é nula ou está diminuída.

Pseudo-pseudo-hipoparatiroidismo

Deve-se a mutação inactivadora em heterozigotia do alelo paterno do gene GNAS. Os doentes apresentam alterações fenotípicas semelhantes às verificadas na OHA, mas sem obesidade. Os níveis séricos de cálcio e fósforo são normais (apesar da actividade reduzida da proteína Gs). Os níveis séricos de PTH podem estar ligeiramente elevados. A resposta à administração de PTH com aumento do cAMP urinário é normal.

Pseudo-hipoparatiroidismo II

Nesta forma clínica verifica-se associação de hipocalcémia a resistência à PTH e a défice de vitamina D. A resposta à administração de PTH com aumento do cAMP urinário encontra-se mantida, não existindo, no entanto, fosfatúria; tais factos sugerem que a resistência à PTH se deve a um defeito a jusante do cAMP. Desconhece-se a causa.

Sobre o tratamento das três últimas formas clínicas, havendo hipocalcémia, aplicam-se as normas definidas para as formas de tipos Ia, Ic e.

3. HIPERPARATIROIDISMO

Definição e importância do problema

O hiperparatiroidismo é uma endocrinopatia em que se verifica excessiva secreção/nível sérico elevado de PTH (valor normal ~14-72 pg/mL), quer por patologia primária das glândulas paratiroideias (adenoma ou hiperplasia <> 50-70% dos casos) – hiperparatiroidismo primário -, quer por mecanismo compensatório para corrigir situações de hipocalcémia crónica – hiperparatiroidismo secundário -, mais frequente.

A verdadeira incidência desta patologia na idade pediátrica é desconhecida, estimando-se na sua forma primária o valor de 1-2 casos/100.000. Considerando-se baixa incidência do hiperparatiroidismo, esta entidade clínica é abordada de modo resumido.

Quando se diagnostica deve admitir-se a hipótese de neoplasia endócrina múltipla (MEN).

Etiopatogénese

O mecanismo pelo qual surge hiperparatiroidismo primário não está completamente esclarecido. Nalguns casos encontram-se alterações genéticas ou moleculares. Em determinadas células paratiroideias foi verificada perda de sensibilidade à concentração normal de cálcio extracelular.

O receptor sensível ao cálcio ligado à proteína G da superfície das ditas células diminui para metade nas células de adenoma em comparação com controlos normais.

A redução do número de receptores pode ser explicada por mutações do gene que faz a codificação. A mutação do gene Ciclin D1/Prad1 leva a uma produção excessiva da proteína ciclina D1, o que determina o surgimento de hiperplasia ou adenoma da paratiroideia. Esta mutação é responsável por 20-40% dos adenomas esporádicos não familiares.

Outras mutações de genes estão implicadas neste processo como as do MEN1, HRPT2, do proto-oncogene RET.

Classificação

O Quadro 8 estabelece uma classificação etiopatogénica das diversas formas clínicas do hiperparatiroidismo na idade pediátrica.

O hiperparatiroidismo secundário surge como resposta a situações caracterizadas inicialmente por hipocalcémia ou hiperfosfatémias de longa duração. (Quadro 8)

QUADRO 8 – Classificação etiopatogénica das formas clínicas do hiperparatiroidismo na idade pediátrica

  Hiperparatiroidismo primário esporádico não familiar

    • Adenoma único
    • Adenomas múltiplos
    • Hiperplasia esporádica
    • Carcinoma
    • Síndromas paraneoplásicos (tumores não paratiroideus secretores de PTH)

Hiperparatiroidismo familiar primário

    • Defeitos funcionais do receptor sensível ao cálcio
      • Hipercalcémia hipocalciúrica familiar
      • Hiperparatiroidismo neonatal grave
    • Anomalias funcionais do receptor da PTH
      • Síndroma de Jansen
    • Mutações de proto-oncogenes
      • Hiperparatiroidismo familiar isolado
      • Hiperparatiroidismo com tumor mandibular
      • Neoplasias endócrinas múltiplas (MEN)

=MEN 1 (Síndroma de Werner)
=MEN 2a (Síndroma de Sipple)

 Hiperparatiroidismo secundário

    • Perda renal de cálcio (tubulopatias, diuréticos)
    • Insuficiência renal
    • Tubulopatias
    • Fármacos (fenobarbital, hidantoínas, tratamento com lítio, furosemida)
    • Défice e alterações do metabolismo da vitamina D
    • Défice de ingestão de cálcio (hepatopatia, celiaquia, má-absorção de cálcio, doença pancreática)
    • Síndroma de má absorção intestinal

Manifestações clínicas e exames complementares

Hiperparatiroidismo primário

A sintomatologia mais comum engloba: fadiga, letargia, cefaleia,

nefrolitíase, poliúria, polidipsia (diabetes insípida nefrogénica), desidratação, hipotonia, anorexia, emagrecimento, má progressão ponderal, náuseas, vómitos, obstipação ou diarreia, dores abdominais (podendo associar-se a pancreatite aguda), dores ósseas, etc..

O diagnóstico estabelece-se habitualmente detectando um nível de PTH elevado num paciente com hipercalcémia assintomática ou intermitente em cerca de 20% dos casos.

Outros achados laboratoriais incluem fosfato sérico baixo, incremento da fosfatase alcalina e do metabolito 1,25-(OH)2 – D3; é frequente uma acidose metabólica hiperclorémica.

Relativamente aos exames radiográficos ósseos convencionais no contexto de hiperparatiroidismo importa referir que se detectam alterações em ~5% dos casos; erosões ósseas subperiósticas nas falanges e quistos na osteíte fibrosa; na abóbada craniana são frequentes focos de rarefação com aspecto granuloso, do tipo “sal e pimenta”.

A absorciometria com raios X/DEXA terá importância para valorizar o grau de compromisso ósseo e a eficácia do tratamento.

A valorização anatómica das glândulas pode ser feita com outros exames imagiológicos: ecografia Doppler e cintigrafia, TAC, RM, PET.

Hiperparatiroidismo secundário

Esta forma clínica encontra-se presente em todas as situações que cursam com hipocalcémia crónica, como insuficiência renal, raquitismos carencial e não carencial, síndromas de má absorção, doenças hepatobiliares, acidose tubular ou síndroma de Fanconi.

Tratamento

A base essencial do tratamento a curto prazo, quer nas formas primárias, quer secundárias, é a correcção efectiva da hipercalcémia.

Nos casos ligeiros, poderá apenas ser necessário diminuir a ingestão de cálcio e vitamina D. Nos casos associados a imobilização, dever-se-á promover, desde que possível, o reinício de mobilização.

Nos casos graves, deverá ser iniciada terapêutica IV com:

Hiper-hidratação com soro fisiológico (expansão do compartimento líquido extracelular com soro fisiológico IV na dose de 10-20 mL/kg, seguindo-se administração de diurético para aumentar a natriurese e a calciúria); em geral está indicada furosemida IV na dose de 1-2 mg/kg cada 6-8 horas, salientando-se que a terapêutica com diurético deverá ser realizada de forma muito cautelosa e em regime de curta duração pelo risco de agravamento da nefrocalcinose.

Em casos seleccionados pode ainda ser necessário administrar:

  • Pamidronato
    Dose: 0,5-1 mg/kg IV em 4-6h.
    O pamidronato pertence ao grupo dos bifosfonatos, fármacos que actuam a nível ósseo inibindo a reabsorção; sendo relativamente recentes, não há ainda grande experiência da sua utilização na idade pediátrica. A diminuição da calcémia ocorre em 12-24h, mantendo-se os seus efeitos durante 2-4 semanas.
  • Corticóides
    Os corticóides inibem a síntese de 1,25(OH)2D3 sendo utilizados nos casos de doença granulomatosa cursando com hipercalcémia. O mais utilizado é a prednisolona.
  • Calcitonina
    A calcitonina na dose de 4-8 UI/kg cada 6-12 horas por via SC ou IM, associada ou não à prednisolona, deverá ser reservada para situações mais graves.
  • Hemodiálise ou diálise peritoneal
    Este procedimento é indicado nos casos extremamente graves com hipercalcémia resistente à terapêutica, condicionando o prognóstico vital.
  • Paratiroidectomia
    Esta intervenção cirúrgica (paratiroidectomia de uma só glândula) está indicada na quase totalidade de casos de hiperparatiroidismo primário. A paratiroidectomia subtotal ou total com autotransplante está indicada nos casos de hiperplasia ou doença glandular múltipla.

4. RAQUITISMO NÃO CARENCIAL

Definições

Classicamente considera-se que a designação de raquitismo resistente à vitamina D inclui um conjunto de afecções observadas na criança que, tendo recebido profilaxia antirraquítica, evidenciam sinais clínicos e radiológicos de raquitismo carencial e não respondem a doses terapêuticas.

Outras designações têm sido adoptadas por diversos autores para caracterizar genericamente tal situação clínica tais como raquitismo primário, raquitismo dependente da vitamina D ou pseudocarencial, utilizados muitas vezes impropriamente como sinónimos.

O termo pseudocarencial compreende os raquitismos que respondem somente ao cálcio ou a altas doses de vitamina D; o termo dependente refere-se às situações clínicas que respondem a doses suprafisiológicas de vitamina D.

Na continuidade do capítulo sobre “Carências vitamínicas e minerais” – Parte XI, integrando os chamados raquitismos carenciais, procede-se neste a uma abordagem sucinta dos raquitismos não carenciais (a maioria).

Etiopatogénese e classificação

O Quadro 9, já explanado na totalidade ou parcialmente em capítulos anteriores, diz respeito a uma classificação dos raquitismos com base etiopatogénica, permitindo de modo integrado a compreensão e a ordenação das formas carenciais (de raquitismo calciopénico associado a défice de vitamina D) e não carenciais (as restantes: calciopénico, associado a alterações do metabolismo da vitamina D, resistência periférica à vitamina D, e ingestão insuficiente de cálcio; e fosfopénico, associado a ingestão insuficiente de fosfato, a perda renal de fosfato associado a aumento de FGF23 e a perda renal de fosfato associado a hipercalciúria).

QUADRO 9 – Classificação etiopatogénica dos raquitismos

A – Raquitismo calciopénico

Défice de vitamina D

    • Prematuridade
    • Défice nutricional por ingestão insuficiente de nutrientes
    • Exposição solar inadequada
    • Má-absorção intestinal associada a doença celíaca, fibrose quística, pancreatite ou outras causas de esteatorreia
    • Doença hepática levando a alteração da produção de 25-hidroxi-vitamina D
    • Medicamentos (corticóides, anticonvulsantes)

Alterações do metabolismo da vitamina D

    • Raquitismo vitamina D dependente tipo 1B associado a défice de 25OHD (mutação do gene da 25-hidroxilase)
    • Raquitismo vitamina D dependente tipo 1A associado a défice de 1,25(OH)2D (mutação do gene da 1a-hidroxilase)

Resistência periférica à vitamina D

    • Raquitismo vitamina D dependente tipo 2A associado a alteração do VDR (mutação do gene VDR)
    • Raquitismo vitamina D dependente tipo 2B com VDR sem alterações

Ingestão insuficiente de cálcio

    • Dieta vegetariana
    • Ingestão insuficiente de nutrientes

B – Raquitismo fosfopénico

Ingestão insuficiente de fosfato

    • Baixo peso de nascimento
    • Má absorção intestinal
    • Ingestão prolongada de antiácidos

 Perda renal de fosfato associada a aumento de FGF23

    • Raquitismo hipofosfatémico autossómico dominante (mutação do gene FGF23)
    • Raquitismo hipofosfatémico autossómico recessivo 1 (mutação do gene DMP1)
    • Raquitismo hipofosfatémico autossómico recessivo 2 (mutação do gene ENPP1)
    • Raquitismo hipofosfatémico dominante ligado ao X (mutação do gene PHEX)
    • Síndroma de McCune-Albright (mutação do gene GNAS)
    • Displasia osteoglofónica (mutação do gene FGFR1)
    • Condrodisplasia metafisária de Jansen (mutação do gene PTH1R)
    • Raquitismo tumoral
    • Síndroma do nevus sebáceo linear

Perda renal de fosfato associada a hipercalciúria

    • Raquitismo hipofosfatémico hereditário com hipercalciúria (mutação do gene SLC34A3)
    • Acidose tubular renal de tipo distal
    • Doença de Dent (mutação do gene CLCN5)
    • Síndroma oculocerebrorrenal de Lowe (mutação do gene OCRL1)
    • Síndroma de Fanconi primário ou secundário (cistinose, galactosémia, etc.) com perdas renais de glucose, fosfato, aminoácidos

Formas clínicas

Do Quadro 9 foram seleccionadas as seguintes formas clínicas:

Raquitismos calciopénicos
Raquitismo vitamina D dependente tipo 1β associado a défice de 25, OHD3.

É causado por mutação do gene CYP2R1 localizado no cromossoma 11, codificando a 25-hidroxilase hepática. As manifestações clínicas são semelhantes às do raquitismo carencial comum. A calcémia está no limite inferior do normal e a fosfatémia e o 25OHD têm valores séricos baixos. O tratamento consiste em administrar vitamina D em altas doses.

Raquitismo vitamina D dependente tipo 1α associado a défice de 1,25(OH)2D3.

Surge por mutação autossómica recessiva do gene CYP27B1 localizado no cromossoma 12, codificando a 1α-hidroxilase renal.

A gravidade clínica é muito variável; pode manifestar-se muito precocemente em lactentes com hipocalcémia, convulsões, fracturas, hipotonia e miopatia marcadas, hipocrescimento ou dor e deformidades articulares e ósseas.

O padrão laboratorial é: ↓ calcémia e fosfatémia; fosfatase alcalina ↑­; PTH ­­­↑­↑­↑­; 25OHD normal; 1,25(OH)2D3 ↓↓↓.

Se for instituída terapêutica com altas doses de vitamina D, os níveis séricos de 1,25(OH)2D podem ser “normais”, mas desadequados face à hipocalcémia, hipofosfatémia e aumento de PTH. Os sinais radiológicos ósseos são semelhantes aos do raquitismo carencial comum. O tratamento inclui: calcitriol na dose de 1-3 μg/dia ou α-calcidiol 4-6 μg/dia até à correcção das alterações bioquímicas e radiológicas, passando depois a 0,5-1 μg/dia (calcitriol) ou 1-2 μg/dia (1α-calcidiol).

A calcémia normaliza habitualmente em poucos dias e os primeiros sinais de cura radiológica, ao fim de 2-3 semanas, sendo esta completa ao fim de 9-10 meses.

Raquitismo vitamina D dependente tipo 2A associado a alteração do VDR.

De transmissão AR, é causado por mutação autossómica recessiva do gene do receptor da vitamina D (VDR) localizado no cromossoma 12. Esta forma, muito grave durante os primeiros meses de vida, está associada a convulsões por hipocalcémia, hipotonia, diminuição da força muscular, dores ósseas, cárie dentária grave ou hipoplasia do esmalte e hipocrescimento; em muitos casos, associa-se a diminuição da pilosidade, havendo mesmo em alguns doentes alopécia total. Os exames laboratoriais evidenciam: calcémia e fosfatémia baixas; fosfatase alcalina aumentada e PTH muito elevada; 25(OH)D normal e 1,25(OH)2D muito elevada. O tratamento faz-se com doses farmacológicas de vitamina D:

  • vitamina D3: 5.000-40.000 UI/dia;
  • 1α- calcidiol: 6-90 μg/dia;
  • calcitriol: 17-20 μg/dia.

Se não houver resposta, dever-se-á administrar altas doses de cálcio per os a fim de promover a sua absorção passiva (que não necessita de vitamina D), podendo mesmo ser necessária a administração IV de cálcio para se conseguir repor a calcémia.

Com a normalização da calcémia são revertidas todas as alterações associadas ao raquitismo, à excepção da alopécia.

Raquitismo vitamina D dependente tipo 2B sem alterações do gene VDR.       

É causado por ribonucleoproteína nuclear que interfere com a interacção entre o VDR e o DNA nuclear. A sintomatologia e os resultados dos exames complementares são semelhantes aos da forma anterior

Raquitismos hipofosfatémicos

Estes raquitismos englobam um largo espectro de doenças, congénitas ou adquiridas, com um efeito directo sobre a homeostase do metabolismo do fosfato. Estão descritas várias formas de raquitismo hipofosfatémico: AR, AD, ou dominantes ligados ao X; a sua fisiopatologia não se encontra ainda completamente esclarecida. Constitui o grupo etiológico mais frequente depois do raquitismo carencial.

As manifestações clínicas são as do raquitismo por défice nutricional. O diagnóstico pode ser difícil, pois muitas vezes só é sugerido quando a terapêutica com vitamina D é ineficaz.

O quadro laboratorial dos raquitismos hipofosfatémicos associa calcémia normal, hipofosfatémia, PTH normal ou alta, fosfatase alcalina elevada e fosfatúria aumentada com diminuição da taxa de reabsorção renal de fosfato.

Forma dominante ligada ao cromossoma X

É a forma mais frequente de raquitismo hereditário, ocorrendo em 1:20.000 indivíduos.

Causada por mutação inactivadora do gene PHEX (Phosphate-regulating gene with homologies to endopeptidases on the X chromosome) e que causa, por mecanismo ainda desconhecido, aumento de FGF23.

A gravidade da doença não se correlaciona com a gravidade da mutação causadora e é também variável dentro da mesma família. Em 30% dos casos podem existir mutações esporádicas.

O perfil laboratorial inclui:

    • Hipofosfatémia instalada precocemente, na maioria dos casos durante o primeiro mês de vida;
    • Níveis baixos de 1,25(OH)2D3 ou “em discordância” com a hipofosfatémia; e
    • Fosfatase alcalina elevada.

Clinicamente traduz-se por baixa estatura com encurtamento desproporcionado dos membros inferiores e lesões ósseas (genu varum, coxa vara); marcha oscilante, abcessos dentários espontâneos sem cáries e queda de peças dentárias, fusão precoce das suturas cranianas causando alteração da forma do crânio. Não existe habitualmente tetania, hipotonia, miopatia ou diminuição da força muscular.

Nos adultos podem existir entesopatia (calcificação de tendões, ligamentos e cápsulas articulares), pseudofracturas, dores articulares, osteoartrite e hipoacúsia neurossensorial.

O tratamento desta forma dominante ligada ao cromossoma X inclui:

  • Sais de fosfato: início com 30 mg/kg/dia ou 1000 mg/dia de fósforo elementar, em 4 tomas, a última das quais antes de deitar, aumentando progressivamente as doses até 50 mg/kg/dia ou 2000 mg/dia U (doses superiores comportam risco de hiperfosfatémia mantida com risco de hiperparatiroidismo secundário e terciário e hipertensão arterial.

Não se deve ingerir leite simultaneamente pela interferência com a absorção do fosfato.

  • Calcitriol: 30-70 ng/kg/dia ou 0,5-1,0 μg/dia de 1,25(OH)2D em 2 tomas;
  • 1α-calcidiol: início com 0,3 μg/dia em 2 tomas, aumentando progressivamente até se chegar à dose terapêutica de 1 μg/dia; esta dose poderá, se necessário, ser aumentada até 1,5-2,5 μg/dia; na puberdade poderá ser necessário administrar doses ainda maiores (3-4 μg/dia).

O tratamento deverá ser mantido até ao fim do crescimento estatural.

Dado o risco acrescido de nefrocalcinose, a vigilância da terapêutica deverá ser rigorosa, assim:

  • Trimestralmente – determinar os níveis séricos de creatinina, cálcio, fosfato, fosfatase alcalina, e urinários de creatinina e cálcio em urina de 24 horas;
  • Semestralmente – determinar os níveis séricos de PTH e realizar ecografia renal para pesquisa de nefrocalcinose.

Objectivos terapêuticos:

  • Fosfatémia em jejum 1 mmol/L;
  • Calcémia < 2,6 mmol/L;
  • Calciúria < 0,1 mmol/kg/dia;
  • Níveis séricos de fosfatase alcalina no limite superior do normal.

A PTH elevada sugere hipertratamento com fosfato ou dose insuficiente de vitamina D; tal implica aumento da dose de calcitriol e/ou diminuição da dose de fosfato. Se existir hipercalciúria dever-se-á diminuir a dose de calcitriol.

Forma de raquitismo hipofosfatémico associada a aumento do FGF23

O quadro clínico clássico é o de tumor segregando FGF23 levando a raquitismo (e osteomalácia no adulto). O fenótipo clínico e laboratorial é sobreponível ao da forma dominante ligada ao cromossoma X: níveis baixos de 1,25(OH)2D3 ou “em discordância” com a hipofosfatémia e fosfatase alcalina elevada.

O tratamento curativo é a excisão do tumor. Se tal não for possível, procede-se à administração de sais de fosfato aplicando o esquema descrito na forma ligada ao X.

Raquitismo hipofosfatémico hereditário com hipercalciúria

Deve-se a mutação do gene SLC34A3 localizado no cromossoma 9 o qual codifica o cotransportador renal de sódio-fosfato. Os sinais clínicos de raquitismo podem ser graves e precoces.

O perfil laboratorial caracteriza-se por normocalcémia, hipofosfatémia, fosfatase alcalina aumentada, PTH normal, 1,25(OH)2D3 aumentada e hipercalciúria sem quaisquer outras perdas renais.

O tratamento inclui a administração de sais de fosfato, aplicando o esquema descrito na forma ligada ao X. Os análogos da vitamina D não estão indicados dado o risco de nefrolitíase.

Síndroma de McCune-Albright/Displasia fibrosa

Esta síndroma resulta de mutação activadora pós-zigótica com mosaicismo, do gene GNAS1 localizado no cromossoma 20, o qual codifica a subunidade a da Proteína G.

As alterações verificadas em cada caso são muito variáveis dependendo dos tecidos afectados pelo mosaicismo e do grau do seu atingimento. Admite-se que, quanto mais precoce no desenvolvimento embrionário for a mutação, tanto mais grave será o quadro clínico associado.

A displasia fibrosa deve-se à proliferação e diferenciação anormal das células do estroma da medula óssea; estas células pré-osteoblásticas anormais produzem tecido fibroso (tecido ósseo anormal) e interleucina 6 que, por sua vez, estimula os osteoclastos e a reabsorção óssea levando à substituição do osso normal por tecido conjuntivo fibroso. Estas lesões quísticas provenientes da medula expandem-se para o córtex ósseo que se torna esclerótico e circundado de osso cortical fino.

As manifestações clínicas na forma clássica integram a tríade de displasia fibrosa poliostótica, máculas hiperpigmentadas tipo “café com leite” e poliendocrinopatia (hipertiroidismo, síndroma de Cushing, gigantismo/acromegália, etc.). As manifestações iniciais podem ser dores ósseas, deformações ósseas ou fracturas patológicas; são também frequentes as pseudoartroses.

Existe, pois, um largo espectro clínico variando entre formas mais ligeiras, com atingimento de um único osso (displasia fibrosa monostótica, por vezes assintomática), e formas mais graves atingindo, não só vários ossos, em geral ossos longos e tendência para compromisso predominante num dos lados do corpo originando assimetrias (displasia fibrosa poliostótica), mas também estando associadas a puberdade precoce. O atingimento dos ossos do crânio e face pode levar a cegueira ou surdez por compressão nervosa e também a assimetria craniofacial.

As máculas pigmentadas localizam-se, muitas vezes, na face posterior do pescoço, sendo classicamente descritas na literatura norte-americana como “coast of Maine” por apresentarem bordos irregulares, por oposição às da neurofibromatose que apresentam bordos regulares, do tipo “coast of California”.

O perfil laboratorial inclui:

  • Hipofosfatémia instalada precocemente, na maioria dos casos durante o primeiro mês de vida;
  • Níveis baixos de 1,25(OH)2D3 ou “em discordância” com a hipofosfatémia;
  • Fosfatase alcalina elevada.

Em 50% dos casos, há produção de FGF23.

As imagens radiológicas ósseas evidenciam padrão “quístico” e aspecto símile “vidro martelado”.

O tratamento é semelhante ao descrito para a forma ligada ao X (ver atrás). O tratamento com bifosfonato diminui a dor e o risco de fractura.

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